«Agora que me envolvi directamente, durante dois dias, lutando até à exaustão, no meio de um inferno de chamas e fumo ardente, procurando defender a humilde casa de meus pais - lugar de memória da minha infância e recanto de paz nos encontros domingueiros de são convívio entre três gerações ? melhor entendo o valor da enorme solidariedade e abnegação do nosso povo. (...)
Mas é triste, de uma tristeza infinita, observar o nosso vasto e rico património florestal e ambiental desaparecer num ápice, perante a nossa impotência, com consequências tão nefastas que provavelmente ainda nem nos demos conta, tal é o estado de pasmo e incredulidade com que olhamos agora, atónitos, estas manchas intermináveis de paisagem negra, bélica, ainda ontem tão fresca e paradisíaca.
É este sentimento de raiva interior, que ora se abafa, ora parece explodir, por verificar que os mais pobres continuam os mais sofredores, as suas casas as que ardem, o seu desespero o mais ignorado. Entregues a si próprios e ao seu destino, apenas podem contar consigo e a solidariedade possível. E ficar mais pobres. (...)
Razão tem o meu pai, nos seus lúcidos 75 anos, confessando a um órgão de informação (os novos paparazzi da desgraça!) face ao cenário de tragédia jamais visto na sua aldeia: "Tivesse eu agora 20 ou 30 anos, voltaria a emigrar para bem longe e tão cedo não regressaria a este triste e pobre país."
E nós, valerá a pena ficar? Até quando?»
(M.Oliveira, Leiria)