sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Despenalização com legalização e regulação não é liberalização

A proposta submetida a aprovação no referendo de despenalização do aborto implica três coisas: (i) a descriminalização do aborto voluntário até às 10 semanas, pois num Estado de direito democrático não pode haver despenalização sem que o acto a despenalizar deixe de ser considerado crime; (ii) a legalização do aborto nesses limites, devendo a interrupção da gravidez ser praticada, para ser lícita, num estabelecimento de saúde legalmente reconhecido; (iii) a regulação dos actos de interrupção da gravidez, tanto a nível da ponderação da decisão da mulher (aconselhamento, etc.) como a nível da organização dos serviços de saúde.
Isto é o contrário de uma alegada "liberalização", no sentido corrente da expressão, a qual só existiria se se ficasse pela descriminalização, como sucedeu, por exemplo, com a prostituição, que foi despenalizada mas não foi legalizada nem regulada.
O que é uma espécie de liberalização é, sim, a "semidespenalização" (sem descriminalização) que alguns adversários da despenalização propriamente dita vieram apresentar precipitadamente à beira do referendo. Na verdade, uma tal proposta não passa de uma liberalização do aborto clandestino, visto que ele continuaria a ser crime, não podendo por isso ser legalizado nem regulado, mas deixaria de ser punível, podendo portanto florescer à vontade (com o inevitável descrédito da lei penal).
Contradições do oportunismo e da falta de seriedade...