quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Voltar ao mesmo? (12)

1. Provavelmente, o Governo vai ceder nas negociações do orçamento para 2018 quanto ao limite dos 200 milhões de euros que tinha "predestinado" para a reabertura das progressões na função pública. Se a isso se somarem os cerca de 800 milhões de despesa acrescida com as pensões (em consequência do aumento extraordinário, que este ano só começou a ser pago em agosto, e da atualização ordinária prevista na lei, entre outros fatores), bem como o anunciado acréscimo da dotação para saúde e educação e o aumento de efetivos nas forças armadas e forças de segurança, podemos antecipar que, se não houver cortes na despesa de outras rubricas (assaz improvável), o orçamento do ano que vem vai importar uma subida da despesa pública de mais de mil milhões.
É certo que em tempo de "vacas gordas" na economia, a receita pública vai dar e sobrar para arcar com essa despesa acrescida, mesmo contando com as duas ou três centenas de milhões do alívio do IRS. O problema é que, se é fácil pagar nova despesa quando a economia "bomba" receita fiscal e poupa despesa social, tudo se torna mais difícil quando a economia arrefecer, a receita descer e a despesa, essa, permanecer.

2. Sem grande simplificação, a vida orçamental em Portugal desde o início da era democrática tem-se pautado pela repetição de um ciclo nefasto, de que nem as regras de disciplina orçamental da UE nos têm libertado até agora: aumento da despesa pública nos períodos de crescimento económico (e nas vésperas de eleições), seguido de aumentos de impostos ou do défice orçamental e da dívida pública, ou de ambos, quando as condições económicas mudam. 
Tirando os períodos de assistência externa (1983-85 e 2011-14), nunca foi possível reverter em termos reais os aumentos de despesa anteriores ou sequer parar o aumento da despesa, especialmente da despesa corrente (como mostra o quadro junto). Em especial, os aumentos de pensões e da despesa com pessoal da função pública são tão politicamente tentadores (por causa da importância eleitoral desses vastos grupos sociais) quanto insuscetíveis de reversão posterior

3. Na atual euforia com a inesperada dimensão do crescimento económico - em grande parte alimentado pela procura externa (exportações e turismo) - e com o maná financeiro que ele proporciona, pode não haver lugar para a prudência política que o nosso irresponsável historial orçamental aconselharia.
Em geral, a esquerda tem propensão para aumentar a despesa pública e subir os impostos; em tempo de vacas gordas, não sendo preciso sequer subir os impostos (pelo contrário) para haver mais dinheiro, a tentação para o despilfarro da despesa pública pode ser compulsiva. Mas seria grosseira leviandade política esquecer esse historial, sobretudo quando herdámos dele a montanha de dívida pública que devia prevenir gritantemente contra o regresso ao fado passado.