quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A barbárie tauromáquica (7): Contra Manuel Alegre

1. Discordo em absoluto da "carta aberta" de Manuel Alegre, hoje no Público, em defesa das touradas e da redução do IVA nos respetivos espetáculos.
Primeiro, não faz sentido misturar as touradas com a caça, como se fosse a mesma a oposição a uma e a outra ou como se fossem as mesmas razões a motivá-la. A razão básica contra as touradas está no facto de elas serem um espetáculo e consistirem em infligir um suplício prolongado a animais para proveito pessoal dos toureiros e para gáudio público, o que se não verifica na caça.

2. Em segundo lugar, e sobretudo, a meu ver é incompreensível invocar a "liberdade do gosto" para defender uma prática violenta, cruel, sangrenta e degradante, para satisfação sádica de protagonistas e espectadores, à maneira do espetáculos circenses da antiga Roma. De resto, não consta que o gosto pelas touradas integre os direitos fundamentais constitucionalmente protegidos...
Tampouco cabe invocar a "tradição", de resto cada vez mais acantonada, desde logo porque ao longo dos tempos a história da civilização e do progresso humano foi, em grande medida, uma luta da razão contra as tradições que exploram os sentimentos e instintos menos louváveis dos homens.
Há muitos outros gostos e tradições que o desenvolvimento humano e cultural tornou intoleráveis.

3. Parece-me inteiramente descabido o argumento de que uma eventual proibição nacional das touradas - que, aliás, não está iminente - seja equivalente a uma "ditadura política do gosto" e um sinal de "totalitarismo" emergente.
Nada de mais despropositado! Que eu saiba, entre os muitos países que consideram as touradas como "barbárie" - como os países escandinavos ou anglo-saxónicos - contam-se alguns dos países mais livres e das democracias mais liberais do mundo!

4. Nunca me impressionou o argumento dos escritores e artistas que manifesta(ra)m o seu apreço pelas touradas. Para além de serem uma pequena minoria, a verdade é que ao longo da história as piores práticas da humanidade sempre encontraram quem as defendesse entre a elite intelectual, desde a escravatura aos tratos cruéis, desumanos ou degradantes, até que o Iluminismo as proscreveu ou tornou insustentáveis.
Tenho para mim que dentro de poucas décadas, quando as touradas forem uma má memória na história nacional, os intelectuais que hoje as defendem hão de ser olhados com a mesma estranheza com que hoje olhamos os defensores pretéritos de outras "tradições" execráveis.

5. Não me surpreende ver as touradas defendidas pela direita mais tradicional, porque elas fazem parte integrante da cultura "marialva" que ela privilegiadamente encarna. Já tenho enormes dificuldades em compreender - afastado o diletantismo político ou intelectual - o que leva alguma esquerda a admirar um espetáculo tão violento e tão sangrento, assente no sofrimento causado a seres vivos indefesos, para gozo público.

6. Por último, não me parece que haja motivo para tão grande alarme público dos amantes da indústria da tortura-de-animais-na-arena-para-gáudio-público e do poderoso lobby económico, político e mediático que a suporta e promove.
Afinal, trata-se somente de criar um pequena diferença de IVA em relação a outros espetáculos, mantendo, aliás, uma taxa reduzida. Infelizmente, não se trata de um primeiro passo para abolição das touradas. Para isso, os tempos ainda estão para vir...,