segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Praça da República (35): Contra o presidencialismo

1. Numa entrevista ao Diário de Notícias (acesso condicionado), o politólogo J. Adelino Maltez afirma que «foi um erro diminuir os poderes presidenciais» [na revisão constitucional de 1982] e que «devíamos ter mantido mais presidencialismo»
Não posso discordar mais desta tese, por entender, passados 40 anos, que foi oportuna e certeira a decisão de abandonar o sistema de governo "semipresidencialista" da versão originária da Constituição, em que o governo dependia cumulativamente da confiança política do PR e da AR, podendo ser demitido por ambos, e em que o Presidente acumulava a chefia do Estado com a presidência do Conselho da Revolução e com a chefia do Estado-Maior-General das Forças Armadas. 
Era demais! 

2. Na primeira legislatura da AR, aliás incompleta (1976-1979), em que o PS tinha uma maioria relativa na AR, houve nada menos do que cinco governos em menos de quatro anos, três deles "de iniciativa presidencial" e sem base parlamentar, depois da demissão do 2º governo pelo PR; em contrapartida, dois dos governos de iniciativa presidencial foram demitidos pela AR! 
Considero que dificilmente haverá pior sistema de governo do que aquele em que o poder governativo é compartilhado pelo PR e por um governo, simultaneamente responsável perante ele e perante o parlamento. De duas uma: (i) ou o governo pertence à mesma linha política que o PR - e então corre-se o risco de este tomar conta do Governo, desconsiderando a AR, ou de o Presidente se apagar perante o primeiro-ministro; (ii) ou o governo e o PR estão em campos políticos diversos - e então corre-se o risco de instabilidade governativa, por efeito do conflito entre ambos. 
Um governo não poder servir dois senhores. Ou depende do PR, sem depender do parlamento (sistema presidencialista) ou depende do parlamento, sem depender do Presidente (sistema parlamentar). 
 Misturar as duas coisas pode ser a receita para o desastre. 

3. De resto, se a revisão Constitucional de 1982 retirou o PR da esfera governativa e acabou com a responsabilidade política do Governo perante o Presidente, manteve, porém, um papel político próprio do PR como "poder moderador", com a função constitucional de assegurar o "regular funcionamento das instituições", incluindo a moderação do excesso das maiorias parlamentares e a defesa dos direitos da oposição, bem como a faculdade de o Presidente funcionar como "provedor dos cidadãos" nas suas queixas contra o poder político.
O mínimo que se pode dizer desse arranjo constitucional do sistema político, que assegurou quase quarenta anos de estabilidade institucional e de razoável estabilidade governativa, é que se tratou de uma decisão bem-sucedida.