1. Por culpa da pandemia e, ultimamente, da guerra na Ucrânia, a Conferência sobre o Futuro da Europa - que mobilizou durante um ano representantes das instituições europeias, dos parlamentos nacionais e de painéis de cidadãos -, não teve infelizmente a visibilidade nem a cobertura mediática, e não só em Portugal, que os seus trabalhos mereciam.
Prestes a terminar a sua agenda, a comissão executiva vai apresentar o relatório final às instituições europeias no próximo dia 9 de maio, dia da União, no Parlamento Europeu em Estrasburgo. No entanto, as conclusões não devem afastar-se das muitas propostas aprovadas na sessão plenária, no mesmo local, na semana passada, em geral no sentido de aprofundar a integração e a democracia europeia.
Não é por falta de propostas que a CFE poderá ser criticada.
2. Embora a Conferência não tenha sido consensual, pois as conclusões tiveram a oposição da direita antieuropeia e mais eurocética, ela colheu um amplo apoio, incluindo, surpreendentemente, o grupo da Esquerda Europeia, cujos partidos integrantes em alguns países, incluindo Portugal, são bem pouco favoráveis, se não mesmo hostis à integração europeia.
Ora, entre as conclusões aprovadas - muitas das quais requerem alteração dos Tratados - contam-se algumas bem ousadas, de teor "ultrafederalista", como a proposta de um círculo eleitoral pan-UE, sobreposto aos atuais círculos nacionais (ou infranacionais), que se manteriam, ou a de convocação de referendos ao nível da União. Resta saber se tais propostas conseguem vir a figurar num projeto de revisão dos Tratados e passar, primeiro, na necessária "Convenção" a convocar para o efeito e, depois, na "conferência intergovernamental", que as tem de aprovar por unanimidade, antes da sua ratificação nacional.
Um longo caminho para alterar o atual configuração constitucional da UE.
3. No final do plenário da Conferência, em entusiasmado membro terá saudado o advento do "Estado federal" europeu, o que me parece excessivamente temerário, apesar de convictamente adepto de um aprofundamento federalista da União (que, a meu ver, aliás, já só pode ser corretamente lida numa "chave" federal).
De facto, a ideia de um Estado federal supõe a passagem de toda a soberania para o nível federal, privando dela as unidades federadas (os atuais Estados-membros), o que não parece viável, enquanto vigorar a regra básica de que a União não tem competência para definir a sua própria competência - que depende das atribuições conferidas pelos Estados-membros.
Federalismo europeu, sim, mas nem tanto!