sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Revisão constitucional (1): Inoportuna e constrangida

1.  Sendo já a segunda mais duradoura das seis constituições portuguesas nestes dois séculos de constitucionalismo (1822-2022), a CRP de 1976 alcançou também o maior período de estabilidade constitucional em Portugal desde o século XIX (1896), por não sofrer nenhuma alteração durante 17 anos, desde 2005.

Mas esse longo período sem revisão constitucional parece estar prestes a terminar, visto que os dois principais partidos, primeiro o PSD e depois o PS - sem os quais não há a necessária maioria de 2/3 - decidiram desta vez entrar no processo de revisão aberto de novo pelo Chega e tudo indica que, como habitualmente, há condições para negociarem um conjunto de alterações mais ou menos profundas à Constituição.

Lamentavelmente, o processo de revisão constitucional surge "a frio", sem o necessário debate prévio nos dois principais partidos, pelo que o PS já fez saber que não está preparado para uma revisão transversal da Constituição, defendendo a sua limitação à matéria dos direitos fundamentais, onde se têm revelado mais evidentes as insuficiências do texto constitucional vigente.

2. Desde há muito tempo que defendo a necessidade de revisão da Constituição (por exemplo, AQUI), desde logo para colmatar lacunas pontuais de previsão e de excessiva rigidez do atual texto, que têm levado a decisões de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, como é o caso do registo de metadados das comunicações para efeitos de investigação criminal, do confinamento pessoal em caso de doenças infetocontagiosas, em especial no caso de pandemia, da punição penal de maus tratos a animais, etc.. 

Todavia, além dessas alterações pontuais - que poderiam ser feitas por via de revisão extraordinária, sem "queimar" uma revisão ordinária -, entendo também que, ao aproximar-se o meio século da sua vigência, se justifica uma revisão mais ampla da Lei Fundamental de 1976, desde o preâmbulo às disposições finais e transitórias, visando a poda dos "galhos secos" (especialmente na "constituição económica"), o preenchimento de lacunas, o correção de soluções inadequadas, a atualização da sua linguagem -, enfim, visando o seu aperfeiçoamento e o reforço da sua força normativa, preparando-a para enfrentar mais meio século de vigência. 

Infelizmente, ao desaproveitar-se a presente revisão ordinária para esse efeito, terá de se esperar outros cinco anos para efetuar tal revisão, visto que a possibilidade de revisão extraordinária não seria obviamente apropriada para esse fim