sexta-feira, 5 de maio de 2023

Corporativismo (42): A OA vai partir para a greve?

1. Lendo esta convocação para a luta contra a revisão do seu estatuto em conformidade com a nova Lei-quadro das ordens profissionais, a bastonária da Ordem dos Advogados parece ignorar que as ordens são entidades públicas criadas pelo Estado para desempenharem as tarefas que a lei lhes confere e que num Estado de direito as entidades públicas estão submetidas, de modo qualificado, ao princípio da legalidade, ficando por isso sujeitas a tutela governamental.

Sendo a OA uma entidade pública administrativa, a rebelião "sindical" contra a Lei-quadro - que a revisão dos seus estatutos, a aprovar também pela AR, tem respeitar e implementar - constitui um lamentável desafio à autoridade do Estado, e em especial à autoridade legislativa da AR. Estando ao serviço do interesse público, tal como definido pelo Estado, as ordens não são sindicatos nem grupos de defesa de interesses privados, não podendo, por isso, propor-se resistir ao cumprimento das leis.

2. O principal ponto contencioso tem a ver com a inevitável redução da esfera dos chamados "atos próprios" dos advogados, ou seja, dos atos que só eles podem praticar, excluindo outros profissionais, sendo óbvio que a OA quer manter intocável o generoso elenco legal atual.

Ora, parece evidente que se trata de um objetivo impossível, por várias razões: (i) a revisão dos atos exclusivos das profissões constitui um objetivo essencial da nova Lei-quadro, dado que o monopólio profissional injustificado se traduz numa óbvia restrição ilegítima da liberdade profissional; (ii) a Lei-quadro estabelece que nessa tarefa o legislador deve ouvir previamente a Autoridade da Concorrência, a qual não tem escondido a sua hostilidade aos monopólios profissionais, por restrição manifesta da concorrência na prestação de serviços profissionais; (iii) a Constituição só reserva aos advogados o patrocínio forense, sendo este a única tarefa que, como tenho defendido (por exemplo, AQUI e AQUI), deve ser salvaguardada como competência exclusiva.

De resto, não há nenhuma justificação para que os demais "atos próprios" atuais  (consulta jurídica, assistência na negociação de contratos, etc.), embora continuando a ser competência dos advogados, não sejam abertos a outros profissionais, desde logo outros juristas, tanto ou mais habilitados para os praticarem. 

As coutadas profissionais devem ser excecionais e limitar-se ao mínimo necessário.

Adenda
Um leitor adverte que a luta contra a redução dos atos próprios dos advogados não é somente dos "descamisados" (sic), dado que os grandes escritórios obtêm grandes proveitos do patrocínio na celebração de contratos dos seus clientes. O que penso é que esses escritórios não temem a concorrência de outros possíveis prestadores de tais serviços

Adenda 2
O lema da OA inscrito no seu escudo é "A Lei". Mas, pelos vistos, está desde logo contra a lei que a regula. Contradição....