domingo, 8 de outubro de 2023

Como era de temer (5): Contra o laxismo orçamental

1. Sem surpresa, dados os seus pressupostos ideológicos, os partidos à esquerda do PS e os opinadores a eles afetos, vieram defender o gasto público imediato do esperado excedente orçamental do corrente ano. Também sem surpresa para quem me lê, entendo que tal ideia deve ser frontalmente rejeitada pelo Governo, por três motivos principais: 
     - como argumentei aqui, a "folga orçamental" é em grande medida conjuntural e "artificial", derivada essencialmente do empolamento da receita fiscal decorrente da inflação; 
     -  num processo inflacionista como o que está em curso, a pior coisa que se pode fazer é lançar dinheiro a rodos sobre a economia, aumentando o poder de compra e, portanto, pressionando ainda mais a inflação; 
      - com a elevada dívida pública que o País tem, a primeira prioridade orçamental de um Governo responsável deve ser reduzir o seu peso, para aliviar os seus enormes custos em juros, assim libertando fundos para os orçamentos futuros.

Não é somente pelo prémio político - o segundo excedente orçamental da democracia - nem somente para obter boas notações das agências de rating - como tem sucedido -, mas sim por sentido de responsabilidade financeira, que o Governo deve manter toda a prudência orçamental, mesmo em tempos de vacas gordas.

2. Pior do que esquerda radical é o laxismo orçamental do PSD, por ser incoerente com a sua tradição política e doutrinal, o qual, além do aumento generalizado da despesa pública (incluindo a supina irresponsabilidade de repor por inteiro o tempo de serviço dos professores para efeitos de progressão), veio cumulá-lo com a proposta de imediata redução substancial dos impostos -, o que teria o mesmo efeito contraproducente sobre a inflação.

Quando, na crucial questão orçamental, a oposição de vocação governativa opta por competir com a oposição dos partidos de protesto, mal vamos.

Adenda
Deveria servir de lição a preocupante situação da Itália, que, apesar do enorme volume que recebe do PRR da UE, mantém um significativo défice orçamental e aumenta a sua gigantesca dívida pública, pelo que os juros desta já vão em quase 5%, bem acima da média da zona euro. Sendo neste momento evidente que a elevada taxa de juros do BCE se vai manter por alguns anos, o falta quem se inquiete com o risco de uma crise da dívida pública italiana. Se tal vier a ocorrer, convém que, ao contrário de 2011, Portugal esteja bem blindado contra qualquer contágio, quer quanto ao défice quer quanto à dívida.