domingo, 31 de março de 2024

Não concordo (46): Dois erros na formação do Governo

1. Além da problemática nomeação de uma advogada para a pasta da Justiça nas atuais circunstâncias, como referi anteriormente, há mais dois aspetos em que discordo na composição do novo Governo.

O primeiro é a nomeação da Juíza-Conselheira Margarida Blasco para ministra da Administração Interna (ou qualquer outra pasta), porque, desde sempre (por exemplo, AQUI), considero que a nomeação de magistrados judiciais para cargos políticos sem prévio abandono da carreira judicial viola flagrantemente o princípio da separação de poderes e a independência partidária da magistratura (e não estou sozinho neste ponto). Apesar de já jubilada, tal estatuto (a que voltará depois de deixar o Governo) não representa abandono da carreira judicial, mantendo-se vinculada às incompatibilidades próprias da magistratura.

A meu ver, a "porta giratória" entre cargos judiciais e cargos políticos não é compatível com o princípio do Estado de direito.

2. O segundo aspeto negativo é o regresso dos assuntos europeus ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Como defendi anteriormente AQUI, o pelouro dos assuntos europeus - que compreende essencialmente a representação do Governo na formação de "assuntos gerais" do Conselho da União, e a articulação da representação ministerial nacional nas nove restantes formações especializadas do Conselho - tem a ver sobretudo com políticas internas, desde a economia ao ambiente, pelo que deveria continuar sob responsabilidade de um secretário de Estado, na presidência do Conselho de Ministros, ou seja, sob a égide e autoridade superior do Primeiro-Ministro, tal como no Governo cessante.

Além de injustificada, até porque o MNE sempre teria direito a integrar o conselho de ministros da política externa da UE, esta solução constitui, a meu ver, um retrocesso prejudicial à coordenação das políticas da UE com as correspondentes políticas internas, que são competência dos demais ministros sectoriais, e que deveria continuar sob responsabilidade do PM, e não de um ministro sectorial, como o MNE.

Adenda
Um leitor, que sabe do que fala, comenta que se trata de «um claro retrocesso na visão do papel que os Assuntos Europeus têm / devem ter na governação» e que «o relevo dos MNE na política europeia é muito diminuto (salvo a PESC), sendo a política europeia um tema dos chefes do Governo e uma tarefa essencialmente de coordenação ministerial». Inteiramente de acordo.

Adenda 2
Outro leitor objeta que «Montenegro não podia desperdiçar o profundo conhecimento de Paulo Rangel sobre a UE». Eu não contesto obviamente a entrega dos assuntos europeus a Rangel; o que entendo é que, então, devia nomeá-lo Ministros dos Assuntos Europeus adjunto do PM, fazendo um upgrade político desse pelouro governativo essencial e respeitando a sua natureza transversal, em vez de o degradar como secretaria de Estado do MNE, que é um ministério sectorial e que, além disso, tem pouco a ver com a UE. Decididamente, a UE não é uma questão de política externa.