1. Sabidas as profundas diferenças politicas entre o PS e o PSD quanto ao orçamento, julgo que a ambição do primeiro nas negociações bilaterais em curso não pode ser mais do que tentar torná-lo menos mau do seu ponto de vista, não podendo consistir obviamente em tentar um orçamento de que possa compartilhar e que possa aprovar.
Julgo que é politicamente sensato por parte do Governo ceder o suficiente para justificar a viabilização do PS, via abstenção. Sendo parlamentarmente tão minoritário, o Governo não pode comportar-se com se fora maioritário, devendo por isso mostrar a flexibilidade bastante para não dar fortes razões de queixa ao principal partido da oposição. Mas este não pode ambicionar desfigurar o orçamento naquilo que corresponda essencialmente ao programa de governo da coligação governativa.
A oposição pode obviamente rejeitar o orçamento, mas não deve tentar transformá-lo no seu orçamento.
2. Mas, mesmo que o PS não viesse a obter nenhuma cedência substancial, ainda assim entendo que deve manter a abstenção, ainda que naturalmente sob protesto.
Primeiro, o eventual voto contra, contribuindo para a rejeição parlamentar do orçamento, geraria uma crise política, que, mesmo que não levasse à convocação imediata de novas eleições (como sucedeu em 2021), teria um forte, e provavelmente prolongado, impacto negativo sobre a estabilidade política e financeira, o qual seria obviamente assacado ao PS.
Em segundo lugar, caso houvesse eleições, nada indica que, nas condições económicas e financeiras existentes, o PS estaria em condições de as ganhar folgadamente, podendo, pelo contrário, ser vítima da responsabilidade pela crise política.
Ora, no rotativismo governativo instalado entre nós entre o PS e o PSD, penso que os dois partidos de governo, quando na oposição, só devem contribuir para a queda do governo do outro se houver condições favoráveis para virem a ganhar as eleições e voltarem ao Governo. Não se verificando esse pressuposto - como me parece óbvio nas presentes circunstâncias -, o derrube do Governo poderia ser um "tiro pela culatra" eleitoralmente letal para a oposição.