terça-feira, 25 de março de 2025

Eleições parlamentares 2025 (4): Poluição política

1. Compreendo o protesto do líder do PSD, de que compartilho, contra o cartaz do Chega, profusamente espalhado por todo o País, que o associa diretamente a corrupção, ao lado de Sócrates (que, aliás, ainda não foi julgado e condenado por tal acusação). Penso que há limites para o combate político, mesmo em contexto eleitoral.

No entanto, julgo que é tanto ou mais condenável, que a acusação do Chega contra dois primeiros-ministros seja associada a «50 anos de corrupção», ou seja, identificando-a explicitamente com todo o regime democrático, como se a ditadura do "Estado Novo" tivesse sido imune - contra tudo o que sabemos - e como se a democracia liberal, com a liberdade de imprensa, o escrutínio político pluripartidário e as obrigações legais de transparência e de conflitos de interesse, não oferecesse melhores condições para combater a corrupção, cuja perceção, aliás, excede em muito a realidade, tendo em conta o escasso número de condenações, apesar do empenho do Ministério Público na sua investigação.

Por isso, ao contrário do que vejo por aí, o cartaz do Chega, em que este revela ostensivamente a sua hostilidade ao regime democrático não deveria ser condenado somente pelo político diretamente visado, mas também por todos os partidos e observadores democráticos.

2. Politicamente, creio que o cartaz não traz mais votos ao partido de Ventura, e que, pelo contrário, só favorece o PSD, e não é somente por permitir a Montenegro apresentar-se como vítima de "golpes baixos". 

Por um lado, ao condenar o regime democrático e ao recorrer a ataques pessoais de baixo quilate, como este, o Chega só pode consolidar o voto da pequena minoria da extrema-direita radical-populista, mas afastando o voto de direita civilizada que entende que o combate político não admite tudo. Por outro lado, ao atacar desta forma o líder do PSD, o Chega retira credibilidade a qualquer hipótese de aliança política entre os dois partidos, com que também algumas personalidades do PSD têm "flirtado", pois, depois desta provocação, é impossível o recuo da opção "não-é-não" de Montenegro, adotada nas eleições do ano passado.

Ou seja, com este cartaz, Ventura contribui para reduzir o seu eleitorado a um voto de protesto antissistémico, fora de qualquer equação de governo - o que é bom!

3. Quanto ao modo de reagir a estes ataques políticos, sou, desde há muito, contra o recurso à via judicial, porque, além de isso dar maior visibilidade ao ataque, não vejo nenhuma vantagem nem na judicialização do combate político (desde logo, pela demora do processo judicial), nem na politização da justiça (pois dificilmente uma decisão judicial deixaria de ser acusada de parcialidade política, qualquer que fosse).

Defendo, por isso, que a reação deve manter-se no espaço político, sem afastar, porém, a queixa à Comissão Nacional de Eleições, onde todos os partidos parlamentares estão representados, como órgão legalmente encarregado de velar pela lisura do combate eleitoral.

[Eliminado o primitivo nº 4, que vai ser publicado autonomamente]

Adenda
Quanto ao nº 3, um leitor comenta que «há jurisprudência firmemente estabelecida do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [...], que afirma clarissimamente que o direito à liberdade de expressão prevalece, no domínio político, sobre o direito ao bom nome». Tem razão, mas essa jurisprudência do TEDH admite exceções, e tem sido contestada, inclusivamente por mim, desde há muito; e eu referia-me obviamente aos tribunais nacionais, que não estão estritamente vinculados à jurisprudência do TEDH - podendo fazer prevalecer o direito ao bom nome e reputação, autonomamente garantido na CRP, mas não na CEDH - e cuja hierarquia tem de ser esgotada, antes de ir para Estrasburgo. De qualquer modo, a controvérsia sobre essa questão - que Ventura vai explorar - só sublinha a inconveniência de seguir a via judicial, como defendo acima.