1. Tal como antes defendi que o PS não devia apresentar nem votar nenhuma moção de censura, para não derrubar o Governo, também agora defendo que não deve votar contra a moção de confiança apresentada por este, sendo preferível a abstenção, para evitar a fuga do Primeiro-Ministro ao escrutínio parlamentar sobre a sua comprometedora ligação à Spinumviva, o que é inaceitável.
Por um lado, é por demais evidente que este desafio do PM à oposição para a sua demissão parlamentar constitui uma verdadeira provocação política (como dedendi AQUI), que visa culpabilizar a oposição pela queda do Governo e, sobretudo, obter uma espécie de "amnistia" por via eleitoral para o que se afigura ser uma intolerável acumulação das funções de governante e de verdadeiro responsável e beneficiário de uma pseudoempresa familiar, criada para continuar a prestar os seus anteriores serviços de advogado aos mesmos clientes, em violação da regra da exclusividade e em conflito de interesses entre as duas atividades (como mostrei AQUI).
Sem deixar de negar ao Governo a confiança que ele pede, para o que basta a abstenção, a prioridade do PS deveria ser impedir, em defesa da democracia parlamentar, esta fuga sem precedentes de um PM a essa forma qualificada de escrutínio político, por uma questão tão grave como essa.
2. Nem se diga que a realização de eleições e a nomeação de novo Governo não impede a retoma posterior do inquérito parlamentar, pois, para além de ser uma hipótese constitucionalmente muito problemática, não vejo que faça algum sentido uma investigação parlamentar sobre um anterior mandato de Primeiro-Ministro, quer ele se mantenha, quer não, como chefe do novo executivo depois das eleições.
Se, apesar de tudo, o PSD, fazendo-se de vítima e invocando as boas condições económicas e sociais, ganhasse as eleições e formasse novo Governo, a retoma do inquérito parlamentar apareceria como uma manifestação de mau-perder do PS; caso fosse derrotado, e Montenegro deixasse de ser PM, o inquérito parlamentar surgiria como "chover no molhado".
Ou seja, mesmo que fosse constitucionalmente admissível, o inquérito parlamentar no novo parlamento seria politicamente pouco convincente.
3. Acresce que, tanto quanto é possível antecipar neste momento, é pouco provável que as eleições tenham um resultado clarificador da situação política e proporcionem uma solução governativa evidente. Na melhor das hipóteses, o PSD poderá pensar numa sensível subida eleitoral, mas aquém de uma maioria absoluta, mesmo numa coligação alargada à IL; e quanto ao PS, mesmo que venha a vencer as eleições, igualmente sem maioria, o mais provável é que não tenha condições para formar um Governo politicamente sustentável, dada a óbvia improbabilidade de uma maioria à esquerda.
Avançar para eleições de resultado tão imprevisível, incorrendo nos respetivos custos financeiros e económicos e suspendendo a governação do País durante meses, pode fazer sentido para o PSD, porque consegue o seu objetivo essencial, que é a fuga ao escrutínio parlamentar de Montenegro, mas pode ser um mau negócio para o PS, que desiste do inquérito parlamentar e pode não obter nada em troca, podendo mesmo pôr em causa a sua liderança, em caso de derrota.