1. Concordando com o artigo de Ricardo Reis, no Expresso desta semana, também entendo que os preços da habitação estão a subir porque a oferta não acompanha a procura, pelo que, face à dificuldade (ou mesmo impossibilidade) em travar a segunda, a única solução consiste em aumentar a primeira, colocando mais casas no mercado.
No entanto, julgo que o aumento acentuado da procura (para compra ou arrendamento), que incide sobretudo em Lisboa e no Porto, obedece a razões específicas, como a crescente concentração de atividade económica e da oferta de ensino superior nas duas principais cidades, o desvio da habitação para alojamento turístico e o aumento da procura imobiliária por estrangeiros, a que se veio somar o imprudente incentivo do atual Governo à habitação para jovens (ou seus pais), mediante a garantia de crédito.
Ora, em vez de travar a concentração económica e urbana nas duas principais cidades e de incentivar a procura noutras cidades - desde logo por obrigação constitucional de descentralização territorial e de garantia da coesão económica e social do País -, os governos têm feito o contrário, continuando a concentrar os serviços públicos e o investimento público em Lisboa.
Ora, é óbvio que o incentivo à procura só torna mais instante a necessidade de aumentar a oferta de habitação.
2. Quanto à oferta, parece evidente que o aumento da habitação pública - que deve incumbir aos municípios, e não ao Estado, por respeito do princípio constitucional da subsidiariedade - devia focar-se na garantia do direito à habitação das famílias de menores rendimentos, pelo que a resposta à demais procura de habitação deve ser deixada à oferta privada, como é próprio de uma economia de mercado, embora com os incentivos públicos justificáveis, em vez dos desincentivos ao investimento, como foi a política de congelamento das rendas.
Uma das políticas públicas incontornáveis nesse sentido deveria ser a de obrigar a trazer para o mercado os muitos milhares de edifícios privados (sem esquecer os públicos...) que, em todas as cidades, se encontram abandonados e em vários graus de deterioração, ou mesmo de ruína (na imagem acima, dois casos entre as centenas, em Coimbra), por os proprietários não terem vontade de (ou condições para) as colocarem no mercado, e não serem levados a fazerem-no, como deviam, quer por razões ambientais e de segurança, quer justamente para aumentar significativamente a oferta de habitação.
Ora, está visto que as respostas até agora ensaiadas contra este risco de "cidades-fantasma" - como o agravamento do IMI, a notificação dos proprietários para obras de reabilitação, ou mesmo as obras e o arrendamento compulsivo por via dos municípios - não funcionam, sendo necessários remédios mais eficazes, que, a meu ver, passam pelo seguinte: dar legalmente aos municípios um poder de injunção aos proprietários, acompanhada de incentivos apropriados, para, num certo prazo razoável, tornarem os prédios habitáveis, ou venderem-nos, sob pena de "sanção pecuniária compulsória", por cada mês de atraso.
Trata-se de um instrumento que tem revelado a sua grande valia em vários ramos do direito, incluindo a regulação económica e a defesa da concorrência, não havendo nenhuma razão para abdicar dele na esfera urbanística e na gestão da oferta habitacional, em particular.
3. Por razões urbanísticas, económicas e sociais, são reprováveis as situações de abandono de prédios de uso habitacional, ou suscetíveis dele.
Numa "economia social de mercado" (conceito do Tratado da UE), a propriedade imobiliária impõe obrigações, não sendo admissível um direito de propriedade absoluto, que inclua o direito ao abandono, o qual, aliás, é objeto de expressa censura constitucional entre nós. No seu art. 88º, a nossa Lei Fundamental prevê meios assaz intrusivos no direito de propriedade em relação a ativos em abandono, como o arrendamento compulsivo ou mesmo a expropriação, mas a experiência mostra que tais soluções são pouco viáveis e que é preferível o poder público incentivar e, em última instância, compelir, os proprietários a cumprir as suas obrigações.
Embora legitimando a intervenção supletiva do poder público, as obrigações decorrentes da "função social da propriedade" devem recair, em princípio, sobre os próprios proprietários, cabendo aos poderes públicos fazê-las cumprir -, e é tempo de o fazerem!