terça-feira, 27 de maio de 2025

Assim, não vale (11): Candidaturas parlamentares a fingir

1. Afinal, o grande trunfo eleitoral do PS no círculo eleitoral do Porto, representado pelo prestigioso médico e gestor hospitalar Prof. Fernando Araújo, era uma candidatura a fingir, pois, como se suspeitava, não tardou a anunciar que não vai exercer o mandato, repetindo o triste precedente do diretor da FEUP do Porto, o Prof. Óscar Afonso, que, nas eleições do ano passado, também liderou a lista do PSD, igualmente para renunciar logo a seguir.

Esta encenação de candidaturas de personalidades de renome que afinal não são para valer, só para enganar eleitores, lesam a confiança dos cidadãos nos partidos e na democracia, e não dignificam as personalidades que se deixam irresponsavelmente instrumentalizar. Situações destas só alimentam o discurso populista contra as elites e o sistema parlamentar.

2. É tempo de evitar a repetição destas verdadeiras fraudes eleitorais e políticas. Quem aceita ser candidato em lugar elegível, especialmente no topo da lista, como é o caso, não pode fazê-lo com reserva mental, antecipadamente decidido a não exercer o mandato. Os eleitores merecem mais.

Julgo que é tempo de parar o processo de crescente desqualificação política do mandato parlamentar e do cargo de deputado, a qual, num círculo vicioso, dificulta o recrutamento de académicos e de profissionais prestigiados, e que acaba por se traduzir crescentemente numa desqualificação das próprias eleições e da nobreza da representação política parlamentar.

Proponho, por isso, que o estatuto legal dos deputados seja alterado, de modo a não consentir a renúncia ao mandato parlamentar, nem a sua suspensão (salvo por doença prolongada), pelo menos no 1º ano da legislatura.

3. Como é próprio de um sistema de governo de base parlamentar, a Constituiação admite que os deputados possam integrar o Governo sem perder o seu mandato parlamentar - o qual é suspenso, sendo recuperado no fim das funções governamentais -, mas penso que se deve ir mais longe, de modo a reforçar o recrutamento dos membros do Governo na sua base parlamentar. 

Por isso, no projeto de revisão constitucional pessoal que estou a preparar, proponho que o primeiro-ministro e pelo menos metade dos ministros sejam nomeados de entre deputados, desde logo porque a legitimidade política do Governo vem das eleições parlamentares e a sua subssistência depende da confiança (ou melhor, da não-desconfiança) parlamentar. 

Ao contrário do que sucede hoje, quem quiser ser ministro deve estar preparado para ser eleito deputado e exercer o mandato, em prol do reforço do crédito público no parlamento.

Adenda
Um leitor comenta que faltas de respeito dos partidos pelos eleitores como estas são uma «ajuda ao voto anti-sistema no Chega». Tem razão.

Adenda 2
Quanto ao nº 3 (Primeiro-Ministro saído da AR), um leitor objeta que «o Estado italiano foi parcialmente salvo por Mario Draghi como primeiro-ministro, ele que não era de partido nenhum, e que o Estado francês é encabeçado por Emmanuel Macron, que também não veio (que me recorde) de nenhum dos principais partidos». Mas o argumento não é concludente: a França é um protopresidencialismo (onde o PR é, aliás, proposto por partidos) e a Itália é uma democracia parlamentar disfuncional (aliás, em vias de adotar a eleição direta do primeiro-ministro, junto com o parlamento...), enquanto Portugal é uma democracia parlamentar baseada na competição eleitoral dos partidos pelo Governo, via parlamento.