domingo, 25 de maio de 2025

Não concordo (51): Fetichismo constitucional

1. Na sua coluna de hoje no Diário de Notícias, Pedro Tadeu vem defender que o preâmbulo da Constituição, incluindo a menção do objetivo socialista, não é suscetível de revisão, apesar de ser evidente que tal referência se tornou manifestamente vazia de sentido, começando logo com a 1ª revisão, em 1982, quando a ordem económica passou a ser deixada no essencial à maioria política de cada legislatura, com alguns limites, mas sem um objetivo constitucionalmente imposto, e sem ter posto em causa os direitos sociais e o Estado social, que, como mostra a história, nossa e alheia, não dependem de uma ordem económica mais ou menos estatizada e coletivizada. 

A tese da irrevisiblidade não é inédita nem disparatada, mas não é incontornável. Tratando-se efetivamente do decreto da Assembleia Constituinte que há meio século aprovou a versão originária da Constituição, ele não seria suscetível de revisão enquanto tal. Mas, sob pena de estéril fetichismo político, nada obsta a que o texto possa ser reformulado, deixando a sua função originária e passando a ser uma apresentação da história da Constituição e dos seus atuais traços essenciais.

2. No meu projeto pessoal de revisão constitucional, que estou a preparar para ser publicado no próximo ano, no cinquentenário da CRP, visando modernizá-la e prepará-la para mais meio século de vigência, proponho a seguinte redação do Preâmbulo, a que junto uma sumária nota explicativa:

 «A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista. 
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa. 
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para aprovar aprovaram uma Constituição que para corresponder às aspirações do país. 
A Assembleia Constituinte afirma afirmou a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma socidade socialista no respeito da vontade do povo português, com vista a um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa, a qual, após as revisões constitucionais aprovadas de acordo com o procedimento nela previsto, tem o seguinte texto: »
«Nota explicativa: 
O Preâmbulo deixa de ser o decreto da Assembleia Constituinte de 1976, autonomizando-se como evocação da origem da Constituição e como introdução ao texto constitucional vigente. Quanto ao conteúdo, retira-se a referência ao “socialismo”, claramente tornada caduca pelas sucessivas reformas do texto constitucional.»

Penso que, nesta nova versão (de que não cobro direitos de autor...), o preâmbulo da CRP só perde um incómodo "galho seco", que os seus adversários agitam como espantalho, enquanto ganha consistência e autoridade política.

Adenda
Um leitor defende a eliminação do Preâmbulo, «para evitar mais polémicas inúteis». Discordo, em absoluto: primeiro, porque ele faz a necessária ligação entre a CRP e a revolução política que lhe deu origem, ou seja, o 25A74, sendo a sua tradução jurídica -, o que alguns querem esquecer; segundo, porque ele continua a sintetizar muito bem, e em formulações textuais lapidares, o essencial da decisão constituinte de 1975-76, dando corpo às conquistas da Revolução, e que, com a ressalva agora proposta, continua plenamente válida, desmentindo os ignorantes ataques de que por vezes ela é alvo. A propósito da qualidade e da mensagem do texto, importa revelar o que pode ser desconhecido por muitos: como se pode ver AQUIo preâmbulo foi o último texto a ser fixado, numa comissão presidida por Sophia de Melo Breyner (PS) e cujo relator foi Manuel Alegre (PS), autor do texto, tendo sido adotado por consenso