1. Na sua coluna de hoje no Diário de Notícias, Pedro Tadeu vem defender que o preâmbulo da Constituição, incluindo a menção do objetivo socialista, não é suscetível de revisão, apesar de ser evidente que tal referência se tornou manifestamente vazia de sentido, começando logo com a 1ª revisão, em 1982, quando a ordem económica passou a ser deixada no essencial à maioria política de cada legislatura, com alguns limites, mas sem um objetivo constitucionalmente imposto, e sem ter posto em causa os direitos sociais e o Estado social, que, como mostra a história, nossa e alheia, não dependem de uma ordem económica mais ou menos estatizada e coletivizada.
A tese da irrevisiblidade não é inédita nem disparatada, mas não é incontornável. Tratando-se efetivamente do decreto da Assembleia Constituinte que há meio século aprovou a versão originária da Constituição, ele não seria suscetível de revisão enquanto tal. Mas, sob pena de estéril fetichismo político, nada obsta a que o texto possa ser reformulado, deixando a sua função originária e passando a ser uma apresentação da história da Constituição e dos seus atuais traços essenciais.
2. No meu projeto pessoal de revisão constitucional, que estou a preparar para ser publicado no próximo ano, no cinquentenário da CRP, visando modernizá-la e prepará-la para mais meio século de vigência, proponho a seguinte redação do Preâmbulo, a que junto uma sumária nota explicativa:
«A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povoreúnem-se para aprovaraprovaram uma Constituiçãoquepara corresponder às aspirações do país.
A Assembleia Constituinteafirmaafirmou a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho parauma socidade socialista no respeito da vontade do povo português, com vista aum país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976,aprova e decreta a seguinteaprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa, a qual, após as revisões constitucionais aprovadas de acordo com o procedimento nela previsto, tem o seguinte texto: »
«Nota explicativa:
O Preâmbulo deixa de ser o decreto da Assembleia Constituinte de 1976, autonomizando-se como evocação da origem da Constituição e como introdução ao texto constitucional vigente. Quanto ao conteúdo, retira-se a referência ao “socialismo”, claramente tornada caduca pelas sucessivas reformas do texto constitucional.»
Penso que, nesta nova versão (de que não cobro direitos de autor...), o preâmbulo da CRP só perde um incómodo "galho seco", que os seus adversários agitam como espantalho, enquanto ganha consistência e autoridade política.