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sexta-feira, 29 de março de 2024

Corporativismo (57): Conflito de interesses no Governo

1. Uma das soluções problemáticas no novo Governo PSD&CDS é a nomeação de uma advogada como Ministra da Justiça, depois da recente guerra política movida pela Ordem dos Advogados contra a reforma das ordens profissionais (que instituiu a separação entre a sua função de representação e defesa de interesses profissionais e a sua função oficial de regulação e supervisão da profissão) e contra a redução do âmbito dos chamados "atos próprios" (ou seja, exclusivos) dos advogados.

A bastonária da OA apressou-se a felicitar a nomeação da sua associada e a exprimir a esperança de que a nova Ministra reverta as referidas reformas. A titular da pasta fica em maus lençóis: ou vai ao encontro dos interesses da sua corporação profissional, propondo ao parlamento a reversão da reforma e  arriscando um litígio com a Comissão Europeia - que impôs tal reforma como condição do PRR -, ou resiste à pressão corporativa, arriscando um voto de desconfiança da sua classe.

Os conflitos de interesse geram estes dilemas.

2.  Se o Governo optar pela 1ª via, revertendo a meritória reforma (apesar de moderada) da regulação pública das chamadas profissões liberais, teremos a estranha situação de ver um Governo de direita, supostamente mais liberal quanto ao papel do mercado, a reverter uma reforma assumidamente liberalizadora de um Governo de esquerda, por princípio menos liberal em termos económicos, e efetuada com a cobertura da UE e da OCDE.

O que está em causa é obviamente o conflito entre o protecionismo profissional, que as ordens atavicamente defendem, e um módico de concorrência na prestação de serviços profissionais, em prol dos interesses dos utentes, sobretudo dos clientes empresariais, numa economia cada vez mais "terceirizada" e cada vez mais aberta à concorrência externa, onde aqueles serviços profissionais assumem cada vez maior importância.

Para um Governo apostado em aumentar o crescimento económico, a escolha racional parece óbvia. Todavia, quando os interesses corporativos prevalecem, podem registar-se contradições entre a doutrina e a prática política.

Adenda
Um leitor argumenta que «o PSD votou na AR contra essa reforma, por isso é natural que a reverta». Porém, se os governos se dedicassem a reverter todas as medidas que criticaram na oposição, não fariam mais nada, e o País não beneficiaria de muitas reformas, que encontraram forte oposição quando foram adotadas, mas que os governos posteriores não suprimiram, onde se incluem várias do Governo PSD&CDS de 2011-2015. Quando na oposição, os partidos são mais vulneráveis aos "grupos de interesse" do que no governo, justamente porque querem ampliar a sua tração política.

Adenda 2
Um leitor de Coimbra argumenta que, «se agora há governo a pedido», ele tem dois pedidos concretos à nova Ministra, que é deputada por este círculo eleitoral: a construção do novo tribunal da cidade, há muito em falta, e a mudança da enorme penitenciária para fora do perímetro urbano, como se fez em Lisboa. Receio, porém, que o leitor tenha de "esperar sentado": por um lado, dada a sua natureza ultraminoritária, este Governo vai governar para o dia seguinte e de anúncios sem concretização; por outro lado, quanto a investimentos em infraestruturas, se os houver, a prática será, como é usual, Lisbon first.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Lisbon first (28): O Governo da capital

 

Benificiando de cerca de 2300 milhões de euros de fundos, o PRR é um maná para Lisboa.

Como se não bastasse ter as vantagens de alojar as instituições centrais do Estado - ministérios, tribunais centrais, institutos públicos, empresas públicas, museus, teatro nacional, ópera, etc. -, a capital beneficia também da generosidade do Estado no que respeita a despesas que, segundo normais regras de descentralização territorial, não lhe deviam caber, como o metropolitano, as ajudas aos transportes públicos urbanos, a habitação, etc. etc. Por isso, já não surpreende mais este privilégio na repartição do PRR.

Visto de longe, o Governo da República parece ser, antes de mais, o Governo da capital.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Lisbon first (27): Privilégios da capitalidade

Vale a pena ler este artigo sobre as vantagens de Lisboa quanto a infraestruturas e serviços públicos, não no contexto ancional, mas sim no quadro da própria área metropolitana de Lisboa (AML), uma perspetiva em geral ignorada.

Decididamente, há um critério imperioso quando a investimentos naquelas áreas: Lisboa, primeiro!

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Lisbon first (26): Circuito fechado

Todos os membros da direção agora nomeada para a CReSAP (o presidente e os três vogais permanentes) provêm da universidades de Lisboa (2 do ISCTE e 2 da FDUL), apesar de se tratar de uma resolução do Conselho de Ministros e de ter havido uma audição da AR. 

É fatal como o destino, esta tendência para as nomeações governamentais em circuito fechado dentro do universo universitário de Lisboa, como se houvesse "universidades do regime" com exclusivo de acesso a cargos públicos de nomeação. É somente mais uma vertente da atávica concentração do poder em Lisboa, como se o resto do País não existisse.

É tempo de começar a pensar em estabelecer quotas territoriais para as nomeações governamentais!

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Lisbon first (25): Lamentável

1. Lamentável e despropositado é o parecer do Tribunal Constitucional justificando a sua oposição à mudança da sede do Tribunal para fora de Lisboa (concretamente para Coimbra, que, aliás, foi a primeira capital de Portugal...), o que consideram "desprestigiante". 

Assaz desprestigiante, porém, é a opinião de que o prestígio institucional do Tribunal depende de estar sediado na capital (e não somente da qualidade e autoridade das suas decisões), quando é certo que prestigiadíssimos tribunais constitucionais estrangeiros - como os da Alemanha e da África do Sul - têm a sua sede fora da capital dos seus países!

2. Aliás, sendo a principal função do TC a de controlar a conformidade constitucional da ação do poder político, convém mesmo que haja algum distanciamento em relação à localização deste. 

A proximidade institucional e pessoal do poder político corre o risco de criar cumplicidades, sendo de suspeitar que a oposição do Tribunal à saída da capital tenha menos a ver com o seu alegado prestígio (que em nada seria beliscado) do que com o próprio status pessoal dos seus membros como convivas da elite do poder central nacional. "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem" - reza o atavismo centralista entre nós...

Em todo o caso, entre os muitos poderes constitucionais e legais do Tribunal não consta o de determinar a sua própria localização, nem de vetar o que o poder legislativo houver por bem decidir soberanamente a esse respeito.

Adenda (17/9) 
A aprovação parlamentar, hoje, em primeira votação, da deslocação do Tribunal Constitucional para fora de Lisboa, concretamente para Coimbra, constitui - a não ficar pelo caminho, pois precisa de maioria absoluta na votação final - a primeira grande derrogação da concentração das instituições nacionais em Lisboa, implantada com a instauração da monarquia absoluta a partir do século XVI e que nem a monarquia constitucional nem a I República (nem obviamente a Ditadura do chamado Estado Novo) pensaram em reverter. 
Basta isso para ser saudada!

domingo, 7 de março de 2021

Retratos de Portugal (5): O aeroporto

1.  Com ou sem o novo aeroporto no Montijo, é uma solução politicamente estúpida dar aos municípios o poder de veto sobre obras públicas nacionais. Se se aplicasse tal ideia a portos, barragens, caminhos de ferro, autoestradas, etc., não havia infraestruturas em Portugal!

Por isso, só é de lamentar que esta solução alguma vez tivesse estado em vigor e que tenha demorado tanto tempo a revogá-la!

2. Felizmente, porém, este contratempo veio dar ao Governo um bom pretexto para reabrir a questão aeroportuária de Lisboa.  No entanto, é de duvidar se isso vai permitir abandonar a lógica míope que prevaleceu na solução do Montijo, que foi juntar ao aeroporto acanhado no quintal de Lisboa (a Portela) outro aeroporto acanhado no quintal do vizinho (o Montijo), sem que nenhum deles possa ser o aeroporto internacional da dimensão de que o País precisa. 

Enquanto a questão for encarada apenas sob o ponto de vista dos interesses do moradores de Lisboa e arredores (Lisbon first!), o País fica mal servido.

3. Entretanto, surpreende que o projeto da linha ferroviária de alta velocidade entre o Porto e Lisboaentretanto decidido, não tenha feito reequacionar a localização do novo aeroporto a norte de Lisboa, junto à nova linha ferroviária, colocando Lisboa e todo o centro do País a pouco tempo de distância, em vez da localização excêntrica de Alcochete.

4. Em todo o caso, depois de décadas e décadas de impasses e de soluções abandonadas, Governo após Governo, sem planos de transporte integrados nem pensamento estratégico quanto ao desenvolvimento do país, a questão do aeroporto de Lisboa é bem a imagem da incompetência política nacional.

Adenda (9/3)

Neste artigo Carlos Matias Ramos, antigo presidente do LNEC e da Ordem dos Engenheiros mostra as insuficiências do Mnrtijo e acusa a ANA de ter mais do que triplicado os custos estimados de Alcochete!

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Lisbon first (24): Até o "Público"?!

Não é só o Estado que dá primazia a Lisboa. Na sua edição de hoje, o Público traz uma peça sobre o enquadramento jurídico das medidas antiCovid, tendo ouvido cinco constitucionalistas. Não por acaso, todos são de universidades de Lisboa.

Sucede que não se trata de um caso isolado, mas de uma prática arreigada, com que até um jornal como o Público alinha, como se não houvesse juristas nas Universidades do Minho, do Porto ou de Coimbra, só para citar as escolas públicas.

Decididamente, o atavismo centralista e o "lisboacentrismo" contaminam tudo e todos!

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Lisbon first (22): Eles comem tudo!

1. Eis a manchete do Jornal de Notícias de ontem: dois mil milhões de euros do plano nacional de investimentos só para os metropolitanos de Lisboa e do Porto, mais para o primeiro do que para o segundo.

O Estado insiste em fazer o País todo pagar os transportes urbanos das duas principais cidades, que deviam ser de responsabilidade municipal ou intermunicipal, segundo um elementar princípio de descentralização territorial e de "federalismo fiscal". Num Estado territorialmente descentralizado, aliás por imposição constitucional,  não faz sentido que seja o Governo central a gerir e a financiar linhas de metropolitano.

Mas é evidente que é nessas duas cidades que se concentram os eleitores (somente à sua conta, elegem mais do que 80 deputados) e que no próximo ano vai haver eleições municipais.

2. Enquanto a cornucópia do orçamento despeja investimento público do Estado nas duas principais cidades em tarefas que deviam ser responsabilidade local, Coimbra, por exemplo, continua a ver adiados alguns investimentos estruturais, da responsabilidade do Estado, em alguns casos com décadasde atraso, como a nova estação ferroviária, a nova Maternidade, a nova Penitenciária e o novo tribunal. O que abunda para as cidades favoritas do poder escasseia para as demais.

O que surpreende é o gritante silêncio dos deputados por Coimbra e do próprio município de Coimbra perante esta iniquidade na repartição territorial do investimento público do Estado. A solidariedade partidária não pode justificar tudo.

[revisto]

Adenda
Um leitor argumenta que Coimbra também beneficia do financiamento do Estado para o Metrobus.  Mas não é a mesma coisa. O "Sistema de Mobilidade do Mondego" consiste essencialmente no reaproveitamento do antigo ramal ferroviário da Lousã, que era uma responsabilidade do Estado, tal como as demais linhas férreas. O unico acréscimo, que representa uma pequena fração do investimento, é uma ligação dessa linha aos Hospitais da Universidade, que, a meu ver, deveria ser financiada pela município de Coimbra, por se tratar de transporte urbano de âmbito local. Nada de comum, portanto, com o gigantesco financiamento da rede do metropolitano de Lisboa e do Porto pelo Estado.

Adenda (2) 
Um leitor menos benévolo diz que não é somente o peso eleitoral dos Lisboa e do Porto que justifica os seus privilegios quanto ao investimento público, mas também o facto de os ministros e restantes membros do Governo serem quase exclusivamente oriundos dessas duas cidades. 

Adenda (3) 
Comentário de um leitor:«O nosso País já está de facto regionalizado. O país DE PRIMEIRA tem duas regiões, a área metropolitana de Lisboa e a área metropolitana do Porto, e depois há uma terceira região, que pode designar-se apropriadamente O RESTO do país 
 Nem mais!

domingo, 19 de abril de 2020

Lisbon first (23): O outro país

1. A crise da pandemia revelou um outro país, cuja existência tendemos a ignorar em condições normais, ou seja, o país das famílias em que não há um computador para permitir às crianças em idade escolar seguirem estudos à distância no período de encerramento das escolas ou em que existem freguesias do interior onde não existe internet de banda larga para o mesmo efeito.
Ora, para que esses dois instrumentos de trabalho essenciais nos dias de hoje possam estar disponíveis universalmente em Portugal torna-se necessário assumi-los como prioridade de investimento público, em vez de o Estado, por exemplo, gastar centenas de milhões de euros na construção do metropolitano de Lisboa e do Porto (o que devia ser encargo municipal ou intermunicipal) ou no apoio financeiro a rendas mais acessíveis para a média burguesia urbana no centro de Lisboa, por mais rentáveis que tais investimentos sejam, como são, eleitoralmente falando.
O "dividendo eleitoral" não deve ser o primeiro critério do investimento público, como é usual.

2. Num "Estado social", como o nosso, a repartição do investimento público não é somente uma questão de prioridades económicas mas também uma questão de prioridades sociais. No final da segunda década do séc. XXI, na Europa, não é admissível que haja crianças em idade escolar sem computador, nem comunidades locais sem internet de banda larga.
Num país com as disparidades descritas, a integração social e territorial - que, aliás, constitui uma obrigação constitucional do Estado entre nós - tem de estar à cabeça das prioridades políticas do investimento público. Sobretudo, quando se trata de um Governo de esquerda!

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Lisbon first (22): Até no SNS?


Dá para perguntar porque é que a taxa de casos fatais da epidemia na Região Centro (~5%) é muito superior à média nacional (~3%) e mais do dobro da da região de Lisboa (~2,5%).
Não procede a explicação já aventada dos lares de idosos, pois não há razão para pensar que há mais no Centro do que noutras regiões. A explicação mais óbvia - que somente uma investigação oficial pode afastar - só pode estar na concentração de meios do SNS (testes, ventiladores, etc.) em Lisboa e o correspondente défice na Região Centro.
A ser assim, é caso para, mais uma vez, concluir que é uma fatalidade estar longe do poder, mesmo quando está em causa o direito à saúde individual e à segurança sanitária coletiva.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Lisbon first (21): "Preço de amigo"

O relatório do Tribunal de Contas que denuncia a venda de património da Segurança Social ao município de Lisboa, por ajuste direito, a preço de desconto, com substancial prejuízo financeiro do Estado, vem revelar mais uma vez o tratamento privilegiado que aquele recebe do Estado, como se não bastassem as enormes vantagens, de toda a ordem, que derivam do facto de Lisboa ser a capital do país (sede de órgãos de soberania e de grande parte das instituições públicas e de grandes empresas privadas, aeroporto e porto, etc.).
Decididamente, a proximidade do poder central rende...

terça-feira, 25 de junho de 2019

Lisbon first (20): A maldição de Coimbra

[Fonte da imagem: aqui.]
Afinal, a requalificação da mortífera IP3 entre Coimbra e Viseu, finalmente anunciada, ainda não tem calendário de execução e pode demorar vários anos.
Mas não é somente o IP3 a esperar anos e anos, ou décadas, quando se trata de investimentos do poder central respeitantes a Coimbra. O mesmo vale para o chamado "sistema de mobilidade do Mondego", substituindo o antigo ramal ferroviário da Lousã; a substituição do inqualificável "apeadeiro" ferroviário por uma estação decente (por exemplo, como a de Aveiro); a deslocação da penitenciária do centro da cidade; a construção do novo tribunal.
Quanto a infraestruturas do Esatdo, há uma espécie de maldição de Coimbra! A 200 km de Lisboa, é noutro continente!

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Lisbon first (19): Monopólio opinativo

Num estudo do ISCTE sobre a opinião política na televisão, que o Diário de Notícias noticia (acesso condicionado), a direita vence a esquerda, apesar de ser minoritária no parlamento e no País. Deve ser para "equilibrar os poderes", como agora se diz...
O que a notícia não regista é que quase todos os comentadores, de direita ou de esquerda, são... de Lisboa. Com uma opinião política monopolizada em Lisboa, beneficiando das vantagens da capital, é óbvio que conceitos como "descentralização", "coesão territorial", etc., não podem fazer parte do seu léxico político, muito menos das suas preocupações.

Adenda
Um leitor observa que este ano as cerimónias do 10 de junho são em Portalegre. Pois é, com essa "ida às hortas" uma vez por ano o centralismo lisboeta pode bem.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Lisbon first (18): O resto do país não existe

Merece todo o aplauso o desempenho do Governo na greve do transporte de combustíveis, ao decretar prontamente a requisição civil, os serviços míninos e o racionamento e ao presssionar um acordo entre grevistas e entidade patronal, assim poupando o País a uma devastadora paralisação da economia e dos serviços públicos.
Só é pena que este excelente registo tenha sido manchado inicialmente pela incrível restrição dos serviços mínimos às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, esquecendo o resto do País, como se fosse irrelevante. É atávico: visto de Lisboa, o mapa do País, com exceção de Porto, é um indefinido deserto...

sábado, 6 de abril de 2019

Lisbon first (17): "Buraco negro"

Não poderia caracterizar melhor a macrocefalia nacional de Lisboa, que aqui tantas vezes tenho denunciado, do que o CEO da Critical Software, Gonçalo Quadros, quando escreve que somos um país “fortemente assimétrico […] vergonhosamente centrado em Lisboa. Lisboa é um buraco negro. Tem atraído tudo e mais alguma coisa, o que tem ajudado a que uma espécie de deserto prospere numa parte importante do país”.
De facto!

quinta-feira, 21 de março de 2019

Lisbon first (16): E o Porto a seguir

1. O Primeiro-Ministro veio asseverar que a redução de preços dos transportes urbanos é programa nacional e beneficiará 85% da população.
Que é "programa nacional", bem o sabemos do lado do financiamento, pois que pago por todos os contribuintes; mas não é "programa nacional" pelo lado dos beneficiários, não só por causa dos tais 15% que ele não toca, mas também pela escandalosa assimetria entre os gastos em Lisboa e no Porto e no resto do País.
Pago por todos, o programa não beneficia todos, nem beneficia os que beneficia de modo minimante equânime. Todos pagam e poucos levam quase tudo! A extensão ao resto do País foi apenas uma habilidade para justificar politicamente mais uma enorme subvenção do País às duas áreas metropolitanas.

2. O subsídio público aos transportes urbanos é uma excelente medida social e ambiental. Mas, tratando-se de uma tarefa de natureza e âmbito eminentemente local, deve ser financiada pelos municípios interessados e não pelos contribuintes de todo o País, incluindo os que nem sequer têm transportes urbanos.
Não existe nenhuma razão para que, por exemplo, os munícipes de Miranda do Douro subvencionem os de Lisboa e do Porto que, aliás, já beneficiam do financiamento nacional do respetivo metropolitano (que também deveria ser uma competência municipal).
Também aqui deve valer o princípio beneficiário-pagador.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Lisbon first (15): Para Lisboa, tudo!

1. Com 60% das novas camas no programa de alojamento de estudantes do ensino superior, Lisboa é mais uma vez a grande ganhadora de um programa nacional de investimento.
Nada que surpreenda excessivamente quem se habituou a ver, por via de regra, os contribuintes de todo o país a financiarem os privilégios da capital, neste caso favorecendo as universidades de Lisboa.

2. Se há algo que carateriza o centralismo do nosso País é a concentração de universidades públicas em Lisboa, nada menos do que três, mas já tendo sido quatro, antes da fusão das antigas universidades "Clássica" e Técnica na atual megauniversidade de Lisboa.
Enquanto a Universidade do Porto tem universidades públicas concorrentes nas capitais de distrito mais próximas (Braga e Aveiro), Lisboa conseguiu acumular universidades públicas, ao mesmo tempo que beneficiava da falta de universidades concorrentes em Setúbal e em Santarém.
Agora, essa concentração de universidades públicas na capital justifica a concentração da oferta pública de alojamento estudantil. Uma benesse nunca vem só.
Para Lisboa, tudo!...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Lisbon first (14): Os aeroportos

E pronto, com a abertura do novo aeroporto do Montijo (adaptando a atual base aérea) e mais uma ampliação da acanhada Portela (a rebentar pelas costuras), Lisboa realiza o seu sonho: ter um aeroporto no quintal e outro do outro lado da rua. Nada como ter um Governo amigo da capital...
Enquanto se gastam milhares de milhões de euros a atamancar soluções aeroportuárias de recurso concentradas em Lisboa, a país continuará sem o há muito planeado aeroporto internacional com a dimensão, os recursos e os acessos que o tráfego intercontinental hoje exigem. Madrid agradece...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Lisbon first (13): À custa do resto do país

1. Esta notícia diz que o Metropolitano de Lisboa "vai investir" 200 milhões de euros na expansão da rede, dos quais 30 milhões já em 2019.
Se assim fosse, tudo bem. Mas a verdade é que quem faz esse nutrido investimento não é o ML, mas sim o Governo do País, com dinheiro retirado de fundos da União Europeia e do Fundo Ambinetal, que é alimentado pelas empresas de todo o país.
Ora, como argumento há anos, sem contestação, se há algo caracteristicamente local em matéria de competências territoriais são os transportes urbanos, que beneficiam as respetivas populações e que, portanto, deveriam constituir uma atribuição municipal ou intermunicipal, como aliás se reconheceu com a transferência da Carris, do Estado para o município de Lisboa. Não há nenhuma razão para que o mesmo não se passe com o Metropolitano, que até começou como concessão municipal antes do 25 de Abril de 1974!...

2. Só há uma razão para manter o ML nas mãos do Estado, que é a de pôr a cargo dos contribuintes de todo o País - desde Caminha a Vila Real de Sto. António - o financiamento daquilo que devia ser uma responsabilidade própria de Lisboa e demais municípios abrangidos. É o que se chama "descentralização" do financiamento dos serviços públicos de Lisboa. O país pobre subsidia o pais rico...
A situação é tanto mais iníqua, quanto é certo que a generosidade do Estado para com Lisboa contrasta com a míngua de investimento na ferrovia e na rodovia por esse país fora, onde se trata de tarefas do Estado. Decididamente, Lisboa primeiro!...

Adenda
A líder do CDS anda em romagem pelo país, a apontar a degradação da ferrovia e da rodovia. Mas foi o mesmo partido que há pouco tempo propôs um faraónico programa de expansão do metro de Lisboa - à conta do orçamento do Estado, naturalmente. Não disse, porém, onde se iria buscar o dinheiro, que obviamente só poderia ser desviado de outros investimentos em infraestruturas...

domingo, 11 de novembro de 2018

Lisbon first (12): "Governo de proximidade"

Segundo um estudo mencionado pelo Jornal de Notícias, «o Estado faz 80% das suas compras em Lisboa».
Como se não bastasse o facto de Lisboa ter praticamente o monopólio dos serviços centrais do Estado e do respetivo emprego público, há agora também esta preferência pelos fornecedores da capital, com o emprego e rendimento que isso gera. É o que se chama um "governo de proximidade". Um círculo vicioso...
Para Lisboa, uma vantagem nunca vem só...