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segunda-feira, 10 de abril de 2023

Não é bem assim (14): PR não pode demitir livremente o Governo

1. Ao contrário do que frequentemente se ouve e lê - por exemplo, AQUI -, em 2004, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, não demitiu o Governo de Santana Lopes, tendo, sim, dissolvido a AR e convocado eleições antecipadas, invocando a evidente degradação da situação política. O Primeiro-ministro é que decidiu apresentar a sua demissão, passando a "governo de gestão" -, o que não estava obrigado a fazer.

Com efeito, salvo o caso excecional de estar em causa o "regular funcionamento das instituições" - situação até agora nunca invocada -, o Presidente da República não pode demitir diretamente o Governo, que não depende da sua confiança política e que só responde politicamente perante a AR

2. O que o PR pode fazer, quando o julgue politicamente justificado, é dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, o que vai acarretar automaticamente a demissão do Governo em funções, com o início da nova legislatura.

Todavia, é fácil ver que, embora seja uma decisão presidencial relativamente discricionária - mas que carece sempre de fundamentação adequada -, o PR só a tomará normalmente se puder antecipar, com forte probabilidade, que as novas eleições e a nova composição parlamentar providenciarão uma solução governativa alternativa à existente. Em 2004, tal era praticamente garantido, dado o manifesto esgotamento da maioria governamental, sob a liderança de Santana Lopes, e a sólida afimação do PS de José Sócrates nas sondagens eleitorais; nas circunstâncias presentes, ninguém o pode assegurar, pelo contrário. 

Arriscar uma situação de impasse ou de fragilidade governativa nas atuais circunstâncias - guerra na Ucrânia sem fim à vista, surto inflacionista por dominar, prazo de implementação do PRR a correr - relevaria do aventureirismo político. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Concordo (23): Um "anátema" que urge levantar

1. Sufrago esta proposta da ANMP para fazer cessar o corte das remunerações dos membros do Governo e de outros titulares de cargos políticos executivos, que foi a primeira (para dar o exemplo) das medidas de austeridade orçamental, adotada logo em 2010, com que José Sócrates tentou - sem êxito, aliás, como se sabe - atalhar ao desequilíbrio das contas públicas que nos haveria de levar ao pedido de assistência financeira da troika no ano seguinte. 

Sucede que, tendo sido revertidas todas as demais medidas de austeridade - a verdadeira, que consistiu em cortes na despesa pública, incluindo nos rendimentos -, essa nunca foi revista pelos governos da "Geringonça", provavelmente por oposição do PCP e/ou do BE e seguramente por  receio do habitual coro demagógico contra o aumento do custo com os políticos

2. Ora, neste caso, não se trata de nenhum "aumento", mas sim da recuperação de um corte que há muito deixou de ter qualquer justificação e que, tal como comenta justamente a ANMP, se traduz num «anátema que recai sobre os titulares de cargos políticos». Vai sendo tempo de lhe pôr termo, tanto mais que, mesmo sem esse corte, a remuneração dos mandatos políticos em Portugal é comparativamente muito baixa, tornando-os financeiramente muito pouco atrativos.

Parece evidente, no entanto, que a maioria parlamentar do PS só se sentirá politicamente confortável para avançar para essa solução com a garantia de que não terá a oposição do PSD -, o que, infelizmente, a ter em conta as recentes manifestações de sectarismo oposicionista "laranja", não está garantido à partida...

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Antologia do nonsense (20): Lamentar o fim das centrais a carvão?!

1. Não dá para acreditar nesta "boca" de Ângelo Correia, censurando o fim das centrais elétricas alimentadas a carvão entre nós, cujo encerramento se inscreve na transição energética em boa hora definida pela UE, em cumprimento dos objetivos da transição climática.

Ainda se Portugal tivessse carvão, como outros países europeus, poderia compreender-se algum compromisso transitório, neste período de crise energética, em homenagem à manutenção do emprego e à balança comercial externa; mas não é o caso, pois o carvão era todo importado, pelo que a tese não faz sentido. 

O argumento da importação de energia espanhola gerada com carvão não é atendível, primeiro porque é proporcionalmente reduzida (importamos somente cerca de 10% de eletricidade e o mix da geração em Espanha só incorpora 2% de carvão); segundo, porque os clientes de fornecedores espanhóis podem optar por energia 100% renovável; finalmente, porque o pais vizinho também está vinculado a descontinuar as centrais a carvão.

2. O encerramento das centrais a carvão - que eram as maiores emissoras de CO2 em Portugal - foi mais um passo decisivo na transição energética entre nós, que começou na aposta nas energias renováveis (eólica e solar) desde o Governo de José Sócrates (2005-2011). 

Devemos orgulharmo-nos, como País, dos resultados já alcançados, quer em termos ambientais (quebra de emissão de CO2), quer em termos de autonomia energética do País e redução de importações (60% de energia renovável endógena), quer em termos de custos (embaretecimento progressivo das energias renováveis). Neste contexto, é absurdo lamentar ao abandono do carvão.

Há que aproveitar a atual crise energética, por causa da subida do preço do gás natural, para reforçar o investimento na eletricidade renovável (incluindo a autoprodução pelos consumidores) e reduzir rapidamente a dependência ainda subsistente em relação ao gás

Adenda
No entanto, não deixa de ser preocupante esta afirmação de um observador privilegiado, como antigo presidente da ERSE, de que o investimento em energia renovável entre nós está a ser travado por insuficiência da rede de transporte e distribuição de eletricidade. Ora, apesar da imprudente privatização da gestão das redes - que são "monopólios naturais" -, o Estado mantém a responsabilidade pela planificação da sua expansão, pelo que o Governo não pode deixar de vir esclarecer cabalmente esta questão.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Privilégios (9): A exceção dos juízes do TC

1. Ao contrário da interpretação benévola que subjaz a este artigo do Público, o privilégio dos juízes do Tribunal Constitucional, criado em 1989, que consiste em, após cessação de funções, se poderem aposentar com uma pensão equivalente ao seu (elevado) vencimento de juízes conselheiros (e sempre atualizada em função dele) não depende do desempenho do cargo durante dez anos (o que atualmente só seria possível no caso excecional de prorrogação do mandato, por falta de substituição atempada, visto que, desde 1997, o mandato no Palácio Ratton tem a duração de nove anos e não é renovável).

De facto, a lei só exige, em primeira linha, que os interessados tenham completado o seu mandato de nove anos, excluindo, portanto, de tal aposentação quem tenha renunciado ao cargo ou perdido o mandato antes do seu termo. A referência à alternativa aos dez anos de serviço numa lei de 1998 visava assegurar essa prerrogativa mesmo aos juízes nessa altura em funções que não viessem a completar esse mandato, desde que anteriormente tivessem estado em funções o tempo suficiente para perfazer dez anos (pois, até 1997, o mandato, então de seis anos, era renovável).

Por conseguinte, em princípio todos os juízes cessantes do TC que o desejem mantêm a referida prerrogativa, que, portanto, não depende de prorrogação excecional do mandato.

2. Manifesto a minha inteira discordância com este privilégio injustificável, criado em 1989 para atender a uma situação pessoal, o qual, aliás, não tem nada a ver com a antiga "subvenção vitalícia dos titulares de cargos políticos", criada no governo do "bloco central" (1983-85) e extinta na primeira maioria parlamentar absoluta do PS (2005-2009, com José Sócrates), a qual não supunha nenhuma aposentação e cujo valor dependia do tempo de exercício de cargos políticos (incluindo, para este efeito, o cargo de juiz do TC!) e da respetiva remuneração.

Desnecessário se torna dizer que, tendo sido juiz do TC, na sua primeira formação, nunca me passou pela cabeça usufruir de tal privilégio, apesar da sua atratividade financeira. Tinha então 44 anos e desejava retomar a carreira académica - o que fiz.

Compartilho, aliás, da opinião de que tal privilégio lesa o princípio constitucional da igualdade, pelo que não deveria passar no escrutínio do próprio TC, se tal lhe fosse solicitado. Mas penso que deve ser o legislador a pôr fim a esse insólito regime de há mais de três décadas, que não abona a favor do Estado de direito constitucional.

Adenda
Poderia perguntar-se se não será inconstitucional o facto de o Tribunal estar a funcionar com juízes que já terminaram o mandato, por não terem sido substituídos em devido tempo. Sem dívida, considero a situação - que, aliás, já se verificou várias vezes - institucionalmente pouco saudável, mas não a tenho por inconstitucional, dado o princípio da prorogatio do desempenho de cargos públicos, para além do termo do mandato, enquanto não forem designados novos titulares.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Não vale tudo (8): Os réprobos

Discordo de todo em todo deste ataque à eventual candidatura de Edite Estrela a presidente da Assembleia da República, de que aliás já é vice-presidente.  

Em primeiro lugar, o facto de ter colaborado politicamente com José Sócrates ou de ter tido uma relação de amizade com ele não a torna politicamente réproba, como suposta coautora ou cúmplice das malfeitorias de que ele veio depois a ser acusado (e por que tarda a ser julgado, para vergonha do sistema judicial). Em segundo lugar, não vejo quem possa ombrear com o seu brilhante currículo político de autarca, de deputada, de eurodeputada, de vice-presidente da AR e de membro da assembleia parlamentar do Conselho da Europa, aliando competência, seriedade, empenho e integridade no exercício de todos esses cargos públicos, como é geralmente reconhecido.

A AR merece uma presidente assim.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Terra brasilis (5): Condenar primeiro e julgar depois

De visita a Portugal para um evento académico, o  ministro da justiça brasileiro, Sérgio Moro, permitiu-se reagir a um comentário desprimoroso de José Sócrates, retorquindo que não responde a "criminosos". Ora, se existe algo que um antigo juiz e atual ministro da justiça não pode fazer é acoimar diretamente de "criminoso" alguém que ainda está para ser julgado, estando portanto protegido pelo princípio constitucional da presunção de inocência até condenação definitiva.
A imprensa tablóide e a opinião pública podem, mas um antigo juiz e ministro da justiça não pode dar alguém por condenado antes do julgamento (por mais fortes que possam ser os indícios). Pelo menos, em Portugal!

Adenda
A nossa Ministra da Justiça faria bem em fazer notar discretamente ao desbocado visitante que Portugal é um Estado de direito, onde um ministro da justiça NUNCA se permitiria falar assim...

Adenda (2) (26/4)
Revejo-me nesta análise de Daniel Oliveira e subscrevo este texto de Manuel Carvalho.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Rutura

A saída de José Sócrates do PS, de que foi secretário-geral - hoje anunciada num artigo no JN -, era expectável a partir do momento em que o PS decidiu abandonar o "pacto de silêncio" interno sobre as gravíssimas acusações penais e políticas que impendem sobre ele. E é evidente que a sua acertada decisão põe fim a um constrangimento que se vinha tornando altamente nocivo para o partido.
Sócrates não pode queixar-se de "condenação antecipada sem julgamento", visto que o mal-estar do PS (e não só) é independente da condenação, ou não, em sede criminal. Sem necessidade de enunciar todos os factos incontroversos que são política e moralmente comprometedores (como, por exemplo, a publicação de um livro sem mencionar publicamente a colaboração recebida de terceiros), a verdade é que, mesmo na narrativa do antigo primeiro-ministro sobre os generosos e continuados "empréstimos" do amigo empresário - que sempre escondeu -, ela mesma mostra que ele levou uma vida claramente acima das suas possibilidades, a expensas alheias, ainda enquanto primeiro-ministro, e depois de deixar de o ser, o que se não coaduna com o contenção e a discrição (para não falar da não dependência económica de terceiros) que se exigem a um líder e a um primeiro-ministro socialista, ainda menos quando pautou a sua governação por uma exigência de rigor orçamental e, depois da crise, de austeridade orçamental. O rigor financeiro começa nas contas pessoais.
Para além do juízo criminal, que compete exclusivamente aos tribunais, há o juízo político, que cabe à coletividade política. Para além da lei e da sanção pela sua violação, há a "ética republicana" no exercício de cargos políticos e a censura pelo seu incumprimento. Nesses dois foros, todos os cidadãos são juízes.

Adenda
Além de ficar grato pelo autoafastamento do seu ex-líder, libertando-o do constrangimento criado, o PS ganha mais legitimidade e mais autoridade para denunciar publicamente os graves atropelos da Constituição e da lei no processo penal contra ele e para defender a sua ação à frente de um dos governos mais clarividentes e mais reformistas que tivemos (e que integrou vários dos ministros do atual Governo), até ser atropelado pela crise financeira de 2008 e afastado pela aliança entre a direita e a extrema-esquerda parlamentar em 2011.

Adenda 2
A defesa que Sócrates faz de Manuel Pinho revela lealdade e coerência, mas tem um problema: é que, ao contrário dele mesmo, que nega e refuta desde o início, sem desfalecimento, as acusações de que é alvo, Pinho não se deu ao cuidado de desmentir a grave acusação que veio a público. Sob o ponto de vista penal, é obviamente ao Ministério Público que cumpre provar a acusação, mas politicamente o silêncio do ex-ministro é insustentável, até porque, a ter existido, a sua conduta não tem somente eventual relevância penal, constituindo, antes de mais, uma gravíssima violação da ética política.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Farisaísmo institucional

1. O alegado "desagrado" do Ministério Público com a incrível exibição televisiva de interrogatórios de José Sócrates é profundamente farisaico, primeiro, porque o MP se revelou incapaz de proceder criminalmente contra os responsáveis em anteriores casos idênticos e, segundo, porque em todo este processo (tal como noutros, aliás, quando envolvem personalidades públicas) o MP conviveu, inerte e cúmplice, com o sistemático desrespeito do segredo de justiça (que tem proteção constitucional, sendo crime a sua violação) e com o infame julgamento dos arguidos na praça pública, sem regras nem direito de defesa, em flagrante ofensa aos mais elementares princípios do Estado de direito constitucional.
Assim se mostra que o farisaísmo também pode contaminar as instituições...

2. O Ministério Público é na nossa ordem constitucional uma instituição dotada de autonomia, mas o PGR não é irresponsável nem irremovível, podendo ser exonerado pelo PR sob proposta do Governo. Por maioria de razão, não tendo o MP funções jurisdicionais, que cabem exclusivamente aos tribunais, e sendo o braço do Estado para a investigação e a acusação penal, a PGR não está isenta da obrigação de prestar contas públicas da suas ações e omissões em matéria de violação do segredo de justiça e de outros direitos dos arguidos.
A accountability pública é uma característica inerente ao desempenho de cargos públicos num Estado constitucional. Quanto é que a Assembleia da República tem a coragem de chamar a PGR, como tem chamado outras autoridades independentes, a prestar contas ao País sobre tudo isto?

Adenda
O PS acaba de propor que a PGR se pronuncie na AR sobre o caso das adoções da IURD. Por maioria de razão, o mesmo deveria suceder quanto ao segredo de jsutiça e à publicação de peças do processo sem autorização dos interessados.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Sem glória nem proveito


1. Ao permitir-se não somente revelar as conversas dos seus encontros com um primeiro-ministro mas também desqualificar pessoal e politicamente o mesmo chefe do Governo, o ex-Presidente da Republica, Cavaco Silva, revela nas suas memórias que o tempo não moderou a sua aversão pessoal e política a José Sócrates, que há seis anos deixou destilar publicamente nos rancorosos discursos da sua vitória eleitoral de 2011 e de tomada de posse na AR, sem paralelo em nenhum discurso presidencial antecedente.
Decididamente a malquerença pessoal e o ressentimento político não são bons conselheiros de memórias políticas. E golpear um inimigo quando ele está politicamente na mó de baixo, como é o caso de Sócrates, é feio. Como era de esperar, e no exercício de um legítimo direito de resposta, o visado respondeu vigorosamente, como é seu timbre. Os testemunhos sectários não podem ficar para a posteridades sem a devida contradita.

2. Cavaco Silva já havia terminado sem glória o seu segundo mandato presidencial, depois de obrigado a "engolir" um governo cuja nomeação tentou evitar até à última, apesar de constitucionalmente legítimo. Agora, com este testemunho incontinente, suscita a primeira polémica de baixo nível e alta tensão entre um ex-presidente da República e um ex-primeiro-ministro na nossa história constitucional democrática. Nem Eanes em relação a Soares, nem Soares em relação ao próprio Cavaco Silva, nem Sampaio em relação a Santana Lopes entraram por aí. Não é precedente de que se deva orgulhar.
E no entanto, não fora o seu desastrado segundo mandato presidencial, a herança política de Cavaco Silva seria lembrada globalmente pelos prolongados e relevantes serviços anteriormente prestados ao País (por mais controvertidos que tenham sido). Não havia necessidade de arruinar ingloriamente e sem proveito essa herança meritória no final da sua carreira, em aras ao ressentimento pessoal e político!

sábado, 10 de setembro de 2016

Um pouco mais de prudência, sff

Em entrevista a uma televisão, o "superjuiz" Carlos Alexandre declarou que "sofremos [os juízes] cortes no ordenado ao longo dos últimos quase dez anos e atingiram severamente mais as magistraturas do que outros" e que "os primeiros cortes ocorreram logo no governo do senhor engenheiro José Sócrates".
Trata-se de uma declaração surpreendente na boca de um juiz.
Primeiro, não é verdadeira a primeira observação, o que não fica bem a um juiz. De facto, não houve nenhuma discriminação profissional nos cortes de remunerações (salvo no facto de até terem começado por atingir somente os membros do Governo e gabinetes ministeriais). E é de elementar justiça que os cortes tenham pesado relativamente mais nos cargos mais bem remunerados, onde se contam os juízes (mesmo descontando o subsídio geral de alojamento, que ninguém mais tem. sem estar sujeito a imposto, mas que conta para a pensão dos juízes jubilados...).
Segundo, a explícita imputação dos cortes ao Governo Sócrates é assaz infeliz, pois tendo o juiz em causa a seu cargo o processo e a eventual acusação de José Sócrates, a mais elementar prudência mandava guardar silêncio sobre alguma razão de queixa pessoal ou corporativa contra o arguido. O ressentimento pessoal ou corporativo não favorece a imparcialidade judicial.

Adenda
O mais grave da entrevista consiste, porém, na evidência de que, como juiz de instrução, ele não se vê sobretudo como garante dos direitos e garantias das pessoas investigadas ou acusadas em processo penal, mas sim como braço da acusação e da ação penal, que constitucionalmente compete ao Ministério Público. Lamentável!

Adenda 2
Ao sublinhar, a despropósito, que "não tem contas em nome de amigos", o entrevistado não podia ser mais claro na revelação de que para ele tal é o que sucede no caso de Sócrates. É evidente que ele pode ter essa convicção, eventualmente baseado em provas concludentes. Mas se tal é o caso, deve exigir a acusação sem mais demora, pelos meios próprios, em vez de anunciar a decisão numa entrevista, o que constitui uma manifesto abuso de poder e violação qualificada das regras do due process penal. Inaceitável!

Adenda 3
Surpreendentemente, o entrevistado revelou ter a convicção de ter o telefone sob escuta. Mas não se entende porque é que não requer uma verificação pelos serviços oficiais qualificados ou não pede um aparelho "blindado" contra interferências eletrónicas. De qualquer modo, feita a revelação pública de factos que constituem crime, só lhe resta resta pedir a abertura de um processo de investigação para apuramento de responsabilidade, sob pena de leviandade e irresponsabilidade do entrevistado. Inacreditável!

Adenda 4
Tenho uma interpretação malévola para esta insólita entrevista, que em vez de ser "desastrada", como alguns consideraram, tem o propósito deliberado de provocar o seu próprio afastamento do processo Sócrates, por a acusação continuar "às aranhas" e ele não querer assumir a responsabilidade pessoal pelo fracasso.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Informação deficitária

1. No seguimento de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, a Caixa Geral de Aposentações viu-se obrigada a divulgar a lista dos beneficiários do subsídio vitalício de titulares de cargos políticos, atribuídas ao abrigo de uma lei de 1985 (com diversas alterações posteriores).

2. Saúda-se a libertação da informação, que nenhuma razão justificava que se mantivesse reservada. Todavia, há duas omissões a assinalar:
- a CGA informa sobre o caso de um beneficiário que pediu a suspensão do subsídio (hipótese que não me recordo que a lei contemple), mas omitiu a identificação dos que renunciaram, que me parece mais relevante;
- a imprensa limitou-se a reproduzir a referida lista e a tecer alguns comentários críticos, sem sublinhar que a tal subvenção deixou de ser atribuída a partir da revogação da lei de 1985 no primeiro Governo de José Sócrates, que salvaguardou somente as situações criadas até final da legislatura então em curso, portanto até 2009.

3. A curiosidade dos média deveria estender-se a outras situações de "pensões" e subsídios especiais por exercício de cargos públicos, como as de juiz do Tribunal Constitucional, que aliás continuam em vigor, bem como dos titulares de cargos na União Europeia, até para detetar situações de acumulação.

sábado, 7 de maio de 2016

Abuso de poder

Na sucessão de abusos de poder do Ministério Público e do juiz de instrução no processo contra José Sócrates, o Tribunal Constitucional acaba de pôr fim ao mais recente, ou seja, a arbitrária recusa de acesso do interessado ao processo, como requisito elementar do direito de defesa.
Resta, porém, o maior atentado ao due process penal num Estado de direito constitucional, que é o prolongamento indefinido do processo sem decisão sobre a acusação ou falta dela, vários anos decorridos desde o inicio da investigação e depois de meses e meses em prisão preventiva, enquanto a vitima continua a ser condenada diariamente na imprensa tablóide, mercê da cumplicidade ativa da acusação. Pelos vistos, o Ministério Público, incapaz de "arrumar" até agora uma acusação, prefere obter uma condenação sem apelo nem agravo à margem dos tribunais,
Se as pessoas têm um direito constitucional a serem julgadas em prazo razoável, maior direito têm a obterem uma decisão sobre a acusação em tempo razoável. No processo penal de um Estado de direito constitucional vale a presunção de inocência e as pessoas não podem ficar dependentes indefinidamente da decisão sobre a acusação, ou não, por livre alvedrio do Ministério Público.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Estado laico

Sendo crente, um governante pode obviamente participar, a título privado, nas cerimónias religiosas da sua confissão. Mas fora desse quadro a participação pública de governantes em cerimónias religiosas constitui sempre uma infração ao princípio constitucional da laicidade, que implica a separação entre o Estado e a religião e a neutralidade religiosa do Estado. Enquanto órgãos do Estado os governantes não têm religião nem podem participar em manifestações religiosas (missas, procissões, etc.).
Não há "respeito institucional" que justifique o desrespeito inconstitucional da laicidade do Estado .
[revisto]

Adenda
Desde sempre considero a laicidade do Estado com um dos princípios identitários da CRP - desde logo como pressuposto e garante da liberdade religiosa e da igualdade das crenças - e também considero que o PS tem uma responsabilidade especial em respeitá-la, como mais lídimo representante do republicanismo laico em Portugal. Por isso, não tenho deixado passar sem discordância nenhum desvio notório a esse princípio por parte de dirigentes socialistas em cargos públicos, como se pode ver aqui (em relação ao Jorge Sampaio) e aqui (em relação a José Sócrates).

domingo, 30 de agosto de 2015

Dupla revelação

1. Ficámos a saber, por revelação do eurodeputado Paulo Rangel, que as investigações criminais sobre Ricardo Espírito Santo e sobre Sócrates existem por obra e graça do Governo PSD-CDS. Ora, como é suposto que, de acordo com a Constituição, a investigação criminal é conduzida de forma independente pelo Ministério Público sem ingerência governamental, impõe-se urgentemente que a Procuradora-Geral da República esclareça que não recebeu nenhuma instrução ou recomendação do Governo (Ministro da Justiça ou Primeiro-Ministro) sobre os dois casos.
De outro modo fica a pairar uma grave dúvida sobre o respeito da separação de poderes pelo atual Governo.

2. Era inevitável que, em desespero de causa, o PSD não resistiria a tentar explorar politicamente a situação de José Sócrates para efeitos eleitorais. Só que importa recordar que Sócrates continua sem ser acusado de qualquer crime depois destes meses todos de frenética investigação em todas as direções e que, apesar da escandalosa incontinência com que o Ministério Público alimenta a "sua" imprensa com pormenores sobre a investigação, até agora não foi imputado ao antigo Primeiro-Ministro um único acto concreto que consubstancie os crimes de que é suspeito.
O que estas declarações revelam é que, se a investigação sobre Sócrates até agora não produziu nada, para além da sua prolongada prisão preventiva, a sua existência é porém indispensável para permitir estes "números" de baixa política. Mas, por isso mesmo, o PSD deveria ter o pudor político de não reivindicar para o Governo o mérito da investigação...

sexta-feira, 27 de março de 2015

Há limites para a infâmia

Já não surpreende que o tabloidismo militante não tenha limites nem escrúpulos na campanha de condenação preventiva de José Sócrates antes sequer de qualquer acusação, espezinhando todas as normas deontológicas do jornalismo e a integridade moral das pessoas. Já é demais, porém, que a imprensa de referência também replique e veicule histórias como a de que o livro de Sócrates sobre a tortura foi escrito por outrem.
Sobre o assunto, cumpre-me dizer o seguinte: por iniciativa minha, tive a oportunidade de acompanhar a feitura da tese de mestrado de Sócrates que veio a dar no referido livro; enviou-me sucessivamente o draft de cada capítulo, tendo eu feito algumas observações e sugestões pontuais (incluindo bibliografia), sobretudo quanto aos aspetos constitucionais e afins do tema, que o autor em geral acolheu, mas nem sempre; tive também oportunidade de conversar ocasionalmente com ele sobre alguns dos temas da tese, sendo óbvio o seu domínio e à vontade na matéria. Sei também, por me ter sido dito por ele, que submetia o seu trabalho a outras pessoas, que igualmente contribuíam com críticas e observações, a quem agradeceu depois no prefácio do livro, como é de regra.
Nada disto -- que é normal numa tese académica -- é compatível com a tese de um trabalho apócrifo. Há limites para a infâmia.

Adenda
Se, com a prestimosa cooperação da imprensa, a acusação continua a recorrer a estes golpes baixos para uma continuada operação de "assassínio de caráter" de Sócrates , é porque falta "corpo de delito" para sustentar a acusação pelos crimes que lhe são imputados, passados todos estes meses de investigação.

Corrigenda
Os agradecimentos de Sócrates aos que deram uma ajuda na tese não foram feitos no prefácio do livro mas sim no discurso de apresentação pública do livro em Lisboa. Aqui fica a correção factual.

terça-feira, 24 de março de 2015

"O PS só não chega"

A experiência de abertura institucionalizada do PS ao exterior na preparação e formulação das suas propostas políticas iniciou-se há duas décadas, com os "Estados Gerais" de António Guterres, tendo sido depois replicada em novos moldes com as "Novas Fronteiras" de  José Sócrates.
Como se nota acertadamente aqui, recordando os êxitos eleitorais de Guterres (1995) e de Sócrates (2005), «o PS só mobiliza os cidadãos quando é capaz de ir além de si próprio». É oportuno recordar essas experiências, passados vinte anos e dez anos respetivamente sobre a sua ocorrência, quando o PS é chamado novamente a protagonizar uma alternativa de governo mobilizadora.

sábado, 21 de março de 2015

Pelotão da frente


Este quadro, com números de 2013 (fonte: European Voice), mostra que Portugal se encontra no pelotão da frente dos Estados-membros da UE quanto à produção de energia renovável, com mais de 25% (6º lugar), avançando para o 5º lugar quanto à meta de 2020 (mais de 30%).
É certo que isso tem um custo adicional para os consumidores nacionais de energia elétrica, mas além de ajudar a cumprir as metas quanto à redução de emissões de CO2 a energia renovável poupa também na conta do país na importação de energia, contribuindo para o saldo positivo das contas externas.
Este êxito é o resultado da determinada aposta nas energias renováveis (hídrica, eólica, etc) decidida pelo governo do PS (José Sócrates) há uma década.

Adenda
Recebi do Professor J. L. Pinto de Sá (IST) o seguinte esclarecimento, que agradeço:
A posição da Suécia no ranking de energias renováveis deve-se à geração hidroeléctrica e é antiga, fruto dos recursos naturais desse país na sua região norte. Nada deve a qualquer decisão política de índole ambiental, tanto mais que a Suécia complementa o seu “mix” electroprodutor com energia nuclear. De resto, a campeã europeia de energia renováveis, e que supera em grande escala relativa a Suécia, é a Noruega, pelos mesmos motivos naturais, e que só não está no ranking por não pertencer à União Europeia.
O mesmo sucede com a Suíça, devido ao aproveitamento dos degelos alpinos, que explicam também a posição da sua vizinha Áustria, esta no ranking por pertencer à UE.
E o mesmo sucedia com Portugal, que em 1970 tinha 75% da sua electro-produção de origem renovável, concretamente hidroeléctrica (atingira 80% nos anos 60). Essa percentagem caiu para para os actuais cerca de 18% não porque se produza menos hidro-electricidade, mas porque o nosso consumo per capita quintuplicou desde então.
Poderia ainda desenvolver muito mais este assunto, mas creio que esta chamada de atenção para o muito antigo papel da hidro-electricidade nos países que têm especiais recursos nesse domínio já o ajudará a contextualizar melhor as suas opiniões sobre este assunto.

sábado, 7 de março de 2015

Um mau serviço à República

O Presidente da Republica poderia ter várias boas razões para não se pronunciar publicamente sobre o incumprimento das obrigações contributivas de Passos Coelho para a segurança social --, menos justamente a que utilizou publicamente, ou seja, a de não desejar intervir em "lutas político-partidárias".
Ao desqualificar assim uma questão importante, o Presidente da República não fez somente um "frete" indiscreto ao Governo; desqualificou também a luta pela responsabilidade e pela transparência dos titulares de cargos públicos no cumprimento das suas obrigações tributárias. Um mau serviço à República.

Adenda
Imagine-se que o primeiro-ministro em causa era José Sócrates: será que Cavaco Silva descartaria com o mesmo falso argumento a eventual recusa em tomar posição pública?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Isabel Moreira mente

Isabel Moreira mente no post que publicou ontem no blogue Aspirina B.
Não qualificarei a sua linguagem. Cinjo-me aos factos:

1. Não é verdade que tenha tido "uma primeira reunião" com Luis Amado sobre voos da CIA onde estivesse Isabel Moreira, como ela sugere no ponto 5. 
Não tive primeira, nem segunda ou terceira reunião com o Ministro sobre esse tema, a não ser aquela em que integrei uma delegação da Comissão Temporária do PE que veio a Lisboa  em  6.12.2006 e  se encontrou com ele no MNE.
Tive sim, uma conversa a sós (cordata, sem berros) com Luis Amado na FIL, numa iniciativa do PS, em finais de Março ou Abril de 2006, em que insisti com o Ministro que esperava respostas do Governo a um questionário que eu tinha enviado ao MDN e MNE. Respostas que obtive uns meses depois.
Na reunião de 6 Dezembro de 2006 com a delegação do PE, aí sim, o Ministro não berrou, mas destemperou-se (como recordarão os outros membros da delegação, chefiada pelo deputado Carlos Coelho) com a minha insistência em obter uma lista de voos, de e para Guantanamo, que eu pedira no questionário inicial e que o Governo nunca facultara ao PE nem à AR, mas que eu sabia ter sido elaborada pela NAV.  Dias depois confrontei o Ministro por escrito com essa lista, entreguei-a ao PE, tornei-a pública e mais tarde fi-la chegar à PGR como um dos elementos da queixa que apresentei.

2. Não é verdade que eu quisesse "limitar a investigação ao período de governação de Barroso e de Portas, usando o processo para os queimar." 
O que quis, sim, foi que o PS não se enredasse na mesma teia de cumplicidades com violações dos direitos humanos em que havia estado envolvido o Governo de Barroso/Portas. Infelizmente não foi nesse sentido a actuação de Luis Amado, assessorado por Isabel Moreira. Como na altura publicamente denunciei, para além dos alarmes que fiz soar pessoalmente e por escrito junto do Primeiro Ministro e SG do PS e de outros responsáveis do PS. (Vd. cartas que enviei ao PM José Sócrates aqui e aqui).
Como prova de que nunca quis limitar a investigação a responsabilidades de Barroso/Portas basta também ler o meu questionário inicial, que acima reproduzo.

3. Não é verdade que "Portugal foi ilibado pela comissão temporária e pela PGR", como escreve Isabel Moreira, mentindo e metendo no lixo o rigor jurídico e factual.
De facto, o relatório da Comissão Temporária aprovado pelo PE contém 6 parágrafos dedicados a Portugal - nos. 115 a 120 - críticos da falta de resposta das autoridades portuguesas a todas as questões, identificando casos concretos que exigiam investigação, deplorando que ex-ministros se tivessem recusado a falar com a Comissão Temporária (sendo Paulo Portas um deles) e expressando "profunda preocupação" pela lista adicional de voos de e para Guantanamo autorizados por Portugal  - que  Luis Amado não entregara, mas eu obtive e fiz chegar ao PE.
E quanto à investigação da PGR, Isabel Moreira, como jurista, deve saber que o arquivamento  de nada iliba. Pelo contrário, a investigação da PGR apurou mais graves factos que justificavam o seu prosseguimento. Mas outro foi o entendimento do PGR Pinto Monteiro, por conveniências ou obediências que na altura contestei e publicamente denunciei.