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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (16): O outro grande vencedor

Ao contrário da insensata declaração de Rui Rio sobre a "grande derrota do PS" nestas eleições, por falta de comparência, a verdade é que, além de MRS,  o outro grande vencedor político é o PS, como partido, e António Costa, como seu líder.

Por várias razões: (i) com o seu apoio oficioso ajudou a eleger MRS com uma sólida vitória, como era do seu interesse, em termos de estabilidade política; (ii) tirou partido da ida do BE e do PCP a votos, com candidaturas oficiais, os quais registaram indesmentível derrota, enfraquecendo, por isso, a oposição da esquerda radical ao Governo; (iii) embora preocupado com a votação do Chega, o PS sabe que, para já, trata-se de mais um problema para o PSD; (v) por último, a baixa captação de voto socialista por Ana Gomes enfraquece o desafio da ala esquerda do PS na liça interna pelo controlo do Partido e pela futura liderança.

Tudo ganhos, portanto.

Presidenciais 2021 (15): Uma ameaça

1. Ainda que André Ventura tenha ficado atrás de Ana Gomes, o facto de ele ter chegado quase aos 12%, tendo multiplicado a votação do Chega de 2019, é só por si motivo de enorme preocupação, quanto à consolidação de um espaço político da ultradireita no sistema partidário em Portugal.

Não se trata somente da ameaça política da nova força populista e autoritária em si mesma, mas também o facto de, fragmentando a direita, à custa do CDS e do PSD, ela introduz um elemento altamente perturbador quanto à futura alternativa de governo à direita em Portugal.

2. De facto, Rui Rio sai desta eleições com dois grandes motivos de preocupação: (i) o surgimento de um forte e agressivo partido competidor à sua direita, que, aliás, drena parte do seu eleitorado mais conservador; (ii) a perspetiva de que, a manter-se esta nova correlação de forças à direita, o PSD só pode voltar ao poder com o apoio do Chega, o que tenderá a afugentar o eleitorado mais centrista do partido.

A infeliz tentativa de Rui Rio de desvalorizar a dimensão da votação em Ventura não muda a realidade e os riscos no horizonte para o PSD.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (13): Abstenção e legitimidade política

1. Antecipo desde o início uma elevada abstenção eleitoral (por exemplo AQUI). 

É claro que a COVID dificultou uma campanha eleitoral mais vigorosa e vai afastar uma parte dos eleitores, por causa do receio da contaminação. Mas, independentemente disso, a particiapção eleitoral sempre seria baixa por dois outros motivos: (i) a vitória antecipada do candidato incumbente e (ii) a falta de empenhamento dos dois principais partidos, o PS e o PSD.

De resto, ensina a sociologia eleitoral que em eleições uninominais, a afluência às urnas tende a ser diretamente proporcional à dúvida sobre quem vai ser eleito.

2. Todavia, não creio que uma abstenção elevada ou mesmo muito elevada ponha em causa a legitimidade política do Presidente eleito.

Em primeiro lugar, a Constituição não exige, nem poderia exigir um quorum eleitoral, como expliquei AQUI; em segundo lugar, não havendo voto obrigatório, o sufrágio é um direito-liberdade e não um direito-obrigação; em terceiro lugar, num sistema representativo, os eleitos representam a coletividade através dos eleitores que votam, não dos que se abstêm. 

A abstenção tanto pode significar falta de interesse nas eleições e na disputa eleitoral em causa, como deixar implícito a apoio tácito dos que não votam ao resultado que vier a ser apurado.

Em todo o caso, numa democracia eleitoral, quem não vota não conta, nem quer contar.

3. Parece evidente que uma baixa votação pode retirar ao Presidente margem política para um segundo mandato mais interventivo ou ainda mais intrusivo na esfera governativa do que o primeiro. Mas isso não é um mal, pelo contrário.

Porém, pôr em causa a legitimidade política de um Presidente eleito por causa do baixo número de votantes, mesmo com folgada margem sobre a maioria absoluta, não é somente pouco conforme às regras da democracia eleitoral - é também uma versão de populismo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (12): Mau exemplo presidencial

1. O semanário Sol questiona hoje o facto de o Presidente da República ir votar a Celorico de Basto, onde tem raízes familiares, mas onde manifestamente não reside.

Ora, é estranho que o Presidente da República não tenha cartão de cidadão, que estabeleceu o princípio da morada única, para todos os efeitos. Depois, o próprio recenseamento eleitoral sempre exigiu a inscrição no local da residência habitual. Por último, uma pesssoa não devia poder ter licitamente várias moradas, para diferentes efeitos (morada civil, fiscal, de saúde, eleitoral).  

Pelo menos desde o cartão de cidadão, a morada eleitoral é a morada civil, até porque deixou de existir recenseamento eleitoral separado e cartão de eleitor. Desde 2019 os cadernos eleitorais são organizados automaticamente a partir do registo civil. 

Mesmo não sendo a situação estritamente ilegal, visto que o PR não tem cartão de cidadão, não deixa de ser um mau exemplo social e político do mais elevado magistrado da República. Pouco republicano, mesmo!

2. É certo que para efeitos de eleições presidenciais ou europeias, o sítio onde se vota é indiferente, dada a candidatura nacional nessas eleições. Mas já não será o mesmo no caso de eleições parlamentares (onde os deputados são eleitos por círculos distritais) nem, muito menos, nas eleições locais, onde os autarcas são eleitos pela população de cada freguesia ou de cada município. 

Ora, em ambos os casos, o número de mandatos parlamentares ou locais a eleger depende do número de eleitores, pelo que a existência de eleitores não residentes pode alterar indevidamente esse número.

Acresce que não parece que faça algum sentido que um cidadão participe na eleição dos representantes e governantes de uma freguesia e de um município a centenas de quilómetros de onde reside, e em cuja vida coletiva não participa. Se a autonomia local implica autogoverno dos respetivos cidadãos, ela exclui, por definição, os que não são cidadãos locais.

3. É conhecida a censura política e social dessa opção artificial da morada civil e eleitoral, sobretudo quando essa escolha implica vantagens materiais, como sucedeu com alguns deputados e governantes, que, embora residindo em Lisboa, optaram por declarar moradas longe da capital, para efeito de subsídios de deslocação e de alojamento.

Não é esse obviamente o caso do PR. Mas é fácil ver como este mau exemplo pode servir de desculpa para outros titulares de cargos públicos para quem a morada conta.

[corrigido]

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (11): A despropósito

1. Num debate coletivo entre os candidatos presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa entendeu oportuno defender o alargamento do número de deputados eleitos pelos residentes no estrangeiro para a AR.

Ora, o alargamento da representação parlamentar dos residentes no estrangeiro não é somente um ideia despropositada no debate de uma eleição presidencial, num sistema constitutcional onde o PR não governa nem tem poder de iniciativa legislativa, sendo, portanto, uma jogada caraterizadamene oportunista. 

Além disso, é uma ideia que não merece ser sufragada. 

2. Antes de mais, o aumento da número de mandatos pelos dois círculos eleitorais do exterior só poderia ser obtido à custa da redução da representação parlamentar do território nacional, visto que o número total de deputados não pode ser aumentado.

Em segundo lugar, dado o elevado número de portugueses residentes no estrangeiro - que agora são automaticamente recenseados - uma repartição territorial proporcional ou quase proporcional dos mandatos aumentaria em muito a sua representação parlamentar relativa, podendo dar-lhes o poder de determinar as maiorias parlamentares.

3. Além disso, toda a gente  sabe perfeitamente porque é que a Constituição e a lei eleitoral fazem corresponder aos círculos do exteriror somente quatro deputados.

Na verdade, no que respeita às eleições parlamentares, que decidem a escolha do governo e da política do País, não podem pôr-se no mesmo pé os cidadãos residentes e os cidadãos não residentes, pela simples razão de que os segundos, diferentemente dos primeiros, não pagam em geral os seus  impostos aqui nem são afetados diretamente pelas leis e pelas políticas governamentais. 

Na origem da democracia representativa esteve a regra no taxation without representation; mas com a mesma lógica pode também defender-se a regra contrária, no representation without taxation.

Acresce que muitos dos cidadãos nacionais nascidos no estrangeiro têm também a cidadania do país onde residem, pelo que participam na governação desse país, o que pode criar conflitos óbvios de lealdade e, mesmo, conflitos de interesses. ´

Decididamente, uma má ideia. Pior ainda, vinda de quem vem.

Adenda
Um leitor pergunta malevolamnte se o PS, que apoia oficiosamente a recandidatura do PR incumbente, concorda com essa radical reforma política. Tenho a certeza que não.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (12): Caraterização correta, qualificação enganadora

1. Dificilmente se poderia caraterizar melhor, em poucas palavras, o lugar e o papel do Presidente da República no nosso sistema político-constitucional, como  no texto do ex-Presidente Jorge Sampaio (1996-2006) hoje publicado no Expresso [reservado a assinantes]: 

«[U]m Presidente árbitro, moderador, garante do regular funcionamento das instituições; um Presidente da República (1996-2006) que intervém activamente na vida política, mas que não governa, não lidera um Governo ou a oposição, não tem uma militância partidária activa».

2. Só não se percebe que sentido faz qualificar como "semipresidencialista" o sistema de governo tão bem descrito por Sampaio. 

Primeiro, se o sistema de governo presidencialista, como o dos Estados Unidos, é aquele em que o Presidente governa e é titular do "poder executivo", então o sistema de governo da CRP não tem nada de presidencialista, visto que o PR não compartilha do poder executivo, sendo antes titular de um "quarto poder", um poder arbitral ou moderador, como o qualifica corretamente Sampaio, claramente separado do poder executivo, a cargo do Governo. Em segundo lugar, se o sistema de governo parlamentar é aquele em que a legitimidade do governo decorre das eleições parlamentares e o governo é responsável politicamente perante o parlamento (como sucede no Reino Unido ou na Itália), então o sistema de governo da CRP corresponde essencialmente a essa definição. O "poder moderador" do Presidente não altera essa natureza, embora lhe confira traços específicos.

Não há nenhuma vantagem  política ou intelectual em utilizar noções equívocas ou enganadoras.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (10): Contradições quanto ao SNS

1. Todos os candidatos presidenciais de esquerda compartilham uma explícita animosidade contra o setor privado da saúde, mas todos eles apoiam a ADSE -  o sistema de saúde privativo dos funcionários públicos - , que é o seu principal cliente e financiador (depois do próprio SNS), contribuindo assim o próprio Estado para que o SNS seja cada vez menos universal, como dispõe a Constituição...

2. Todos esses candidatos se opõem, por princípio, às parcerias público-privadas (PPP) no SNS, ou seja, à concessão da gestão de hospitais do SNS a entidades de saúde privadas. Mas a avaliação existente desssas situações prova que a gestão privada é, em geral, mais eficiente, poupando dinheiro ao Estado, sem pôr em causa a qualidade clínica, pelo contrário.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (10): Paralelo descabido

1. No debate de ontem na RTP entre todos os candidatos presidenciais, o candidato Vitorino Silva ("Tino de Rans") defendeu a tese da ilegimidade das eleições, se a participação eleitoral não fosse superior a 50%, invocando o regime constitucional dos referendos, que exige tal quorum para o seu resultado ser vinculativo.

Mas o paralelo não tem nenhum cabimento. A razão por que a Constituição estabelece tal quorum para a vinculatividade dos referendos tem a ver com o facto de eles costituírem uma derrogação da democracia representativa, podendo obrigar o parlamento a aprovar ou rejeitar uma lei contrária à vontade maioritária da AR.

Não é possível, portanto, comparar as eleiçoes com os referendos. Não vem mal nenhum ao mundo, se um referendo não for vinculativo; mas pode vir muito mal, se uma eleição tivesse de ser repetida por falta de quorum, aliás sem garantia nenhuma de que este exista na eleição seguinte...

2. Note-se que, se a Constituição exige maioria absoluta de votos (qualquer que seja o número de eleitores) para a eleição presidencial, só contam, porém, os votos expressos e válidos, desconsiderando, portanto, os votos brancos e os nulos. Não basta, por isso, ir votar, para contar na escolha do Presidente.  

Numa democracia liberal como a nossa, em que o voto não é obrigatório, votam os cidadãos que sentem que as eleições e o seu voto são relevantes ou que entendem a participação eleitoral como uma obrigação cívica. Quem prefere abster-se, não conta eleitoralmente. Quem se abstém deixa aos outros a decisão da eleição. O sufrágio é também uma responsabilidade cívica.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (9): Questõs complexas raramente têm solução simples

1. Há quem pense que não há questão que não tenha uma solução simples e expedita, como esta ideia de instaurar a todo o vapor o voto por correspondência ou o voto eletrónico a distância

Ora, para além de ser preciso uma revisão constitucional, que exige o seu tempo, sucede que as razões por que a Constituição impõe a votação presencial (proibindo o voto por correspondência ou por via eletrónica) ainda não estão decididamente superadas entre nós, nomeadamente quanto ao risco para o sigilo de voto, a liberdade de voto ou a compra de votos, a que se soma a segurança da votação no caso do voto eletrónico.

A opção pelo voto não presencial não é politicamente gratuita.

2. Uma coisa é abrir o debate sobre a questão e preparar os estudos necessários sobre o  impacto das várias alternativas e outra é enveredar a passo estugado pela revisão constitucional e pela alteração legislativa.

O pior que poderia suceder era avançar com reformas precipitadas que abalassem a atual confiança dos cidadãos no sistema de votação ou que permitissem gerar acusações de fraude sobre os resultados eleitorais (por mais infundadas que fossem), como sucedeu agora nos Estados Unidos.

Numa democracia eleitoral, a confiança no sistema de votação e de contagem eleitoral é um "bem público" ainda mais importante do que a confiança no sistema judicial ou no sistema bancário, não se podendo pôr levianamente em causa.

Decididamente, questõs complexas raramente têm soluções simples.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (8): Debate civilizado

Com exceção da baixeza provocatória de Ventura - que excedeu as piores expectativas -, os debates a dois entre os demais candidatos presidenciais na televisão pautaram-se em geral pela urbanidade, mesmo quando politicamente agrestes, e pela ausência de ataques ou insinuações pessoais -  como é de esperar numa democracia madura num país civilizado. 

A este respeito, foi pena Ana Gomes, no debate com Marcelo Rebelo de Sousa, ter cedido à tentação de trazer à liça a relação de amizade deste com Ricardo Salgado. Por um lado, nenhum político é responsável pela conduta de pessoas próximas; segundo, não existe nenhum indício de que MRS foi de algum modo influenciado por isso na sua missão presidencial. Não havia necessidade...

sábado, 9 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (7): Direito a votar

O direito de voto a votar é um direito a votar, tendo o Estado a obrigação de proporcionar a todos a possibilidade de o exercer. 

Por isso, concordo com esta opinião de que, se as pesssoas acolhidas em lares de idosos não podem ir às urnas de voto, por causa da pandemia, devem estas ir aos lares onde haja idosos que queiram votar, tal como vão às prisões recolher os votos dos presos que tenham manifestado vontade de votar. E isso pode ser feito ao longo de vários dias, em voto antecipado, que a Constituição não proíbe. Basta mudar a lei em procedimento de urgência e disponibilizar os meios logísticos necessários.

Em tempos excecionais, medidas excecionais.

Adenda
Um leitor comenta que nada disso seria necessário, se houvesse voto por correspondência, como nos Estados Unidos e outros países. Sucede, porém que a Constituição estipula expressamente o voto presencial nas eleições presidenciais em território nacional, o que inviabiliza o voto a distância, designadamente o voto por correspondência.

Adenda 2
Um leitor argumenta que, por razão de igualdade, os idosos que estão em casa também deviam beneficiar do voto no domicílio. Mas não é a a mesma coisa. Os que estão em lares vivem em comunidade e ficam em quarentena se saírem, para não correrem o risco de serem infetados e contaminarem os demais, o que os impede de ir votar -, o que não sucede com quem mora em casa

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

White House 2021 (7): A demência trumpista

Incitada por um Presidente tresloucado pela derrota eleitoral, uma multidão furiosa de apoiantes invadiu o Capitólio (Congresso) em Washington, perante a irresponsável imprevisão da polícia, e interrompeu a cerimónia de contagem oficial das eleições presidenciais. Um dia negro para a democracia estadunidense.

Não podia terminar da pior maneira o mandato de um dos piores e mais rancorosos presidentes da história dos Estados Unidos. Só por isso ele merecia ser destituído e condenado por sedição.  Uma vergonha nacional e internacional!

Adenda

Vale a pena ler este editorial do New York Times.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Presidenciais 2021 (6): Sem escrúpulos

Como AQUI se defendeu, o STA rejeitou liminarmente a ação judicial interposta pelo deputado André Ventura para obrigar o Presidente da AR a suspender o seu mandato parlamentar. O Tribunal considerou corretamente que, independentemente da substância do caso, «o STA não é uma instância de controlo jurídico-político dos atos [políticos] do Governo ou do Parlamento».

No entanto, num comentário provocatório, Ventura insinuou que o STA tem "receio" da AR e ameaçou voltar à via judicial depois de haver um decisão parlamentar sobre o caso. Decididamente, há uma aposta clara em provocar as instituições. Já inundado com processos, o STA não pode ser politicamente abusado, de má fé, para servir os mesquinhos objetivos mediáticos de um candidato presidencial sem escrúpulos políticos nem deontologia profissional como advogado.

Era conveniente saber a reação dos restantes candidatos presidenciais a este condenável espisódio.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Presidenciais 2021 (6): "Ficção presidencial"

1. Concordo com esta análise de M. Vilaverde Cabral sobre a previsível abstenção elevada nas eleições presidenciais, que vão ser afetadas por três razões: (i) a pandemia, que afasta os cidadãos das eleições e não permite uma campanha eleitoral normal; (ii) o facto de a eleição ter vencedor antecipado, por larga margem; (iii) a falta de empenho dos dois principais partidos, visto que o PS não tem candidato próprio e o PSD não apoia MRS entusiasticamente.

Portanto, estas eleições têm tudo para serem pouco mobilizadoras, salvo para a disputa do segundo lugar entre setores minoritários do eleitorado.

2. Mas não acompanho MVC quanto à alegada culpa daquilo que ele designa por "ficção presidencial", ou seja, o argumento de que a eleição direta não se justifica face aos poucos poderes políticos do PR.

Na verdade, continuo a entender que no nosso sistema constitucional, apesar da estrita separação de poderes entre PR e Governo, há justificação para a eleição direta do Presidente, dada a importante função que lhe cabe de supervisão do sistema político e de contenção de abusos das maiorias parlamentares, designadamente quanto ao poder de veto legislativo, a partilha do poder de nomeação de importantes titulares de cargos públicos, a convocação de referendos, a declaração do estado-de-sítio e do estado-de-emergência e, em última instância, a dissolução parlamentar. Não vejo como é que estes poderes independentes poderiam ser legitimamente exercidos sem que o PR tivesse legitimidade eleitoral direta.

De resto, não faltam países com sistemas de governo de tipo genuinamente parlamentar em que o PR não dispõe de tais poderes mas é eleito diretamente (Irlanda, Áustria, Finlândia, etc.). 

3. A ficção política que há muito existe entre nós, e demora a desaparecer (desde 1982!), é a ficção semipresidencialista quanto ao sistema de governo, pois, de facto, entre nós: (i)  o PR não governa, nem cogoverna, nem compartilha da função governativa; (ii) o órgão de condução da política nacional é o Governo e só ele; (iii) o Governo, cuja legitimidade política decorre das eleições parlamentares (via AR), não depende da confiança nem de tutela política do PR.

Neste sentido, ao contrário do que sucede nos regimes presidencialistas ou semipresidencialistas (em sentido próprio), as eleições presidenciais entre nós não afetam o Governo nem a política governamental. Mas, dependendo das circunstâncias e do Presdente eleito, elas podem alterar, e muito, não somente o quadro político em que os governos em funções se movem e conduzem as suas políticas, mas também a sua própria subsistência política (caso de dissolução parlamentar). 

É por isso que as eleições presidenciais não podem nem devem ser desvalorizadas.

sábado, 7 de novembro de 2020

Presidenciais 2021 (5): A opção presidencial do PS

Nenhuma surpresa nesta decisão do PS de não apoiar nenhuma candidatura presidencial e de dar liberdade de voto aos seus membros nas eleições presidenciais de janeiro próximo. Foi o que defendi desde o início.

Também reitero a minha opinião de que esta posição e o possível apoio público de alguns dirigentes do PS podem melhorar as perspectivas eleitorais de Ana Gomes,  apesar do apoio de que o atual Presidente (e candidato favorito) colhe entre muitos socialistas. António Costa deu uma ajuda, ao dizer que a candidatura de AG contribui para «impor uma derrota clara à candidatura da extrema-direita xenófoba».

Nessa lógica, quanto maior vantagem a candidata socialista tiver sobre Ventura, melhor.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Presidenciais 2021 (4): Sondagem

1. Segundo sondagem hoje divulgada pelo Expresso (edição para assinantes e que aparecerá na edição impressa de amanhã), se as eleições presidenciais fossem agora, Marcelo Rebelo de Sousa ganharia folgadamente com 65%, seguido de Ana Gomes com 12%, André Ventura com 8%, Marisa Matias com 7% e João Ferreira com 6%.

Não há nestes resultados nenhuma grande surpresa e é de admitir que os resultados finais, em janeiro próximo, salvo algum desenvolvimento inesperado, não se afastem muito destes números. É de admitir, porém, que Ana Gomes venha a melhorar o seu score, se, como é de esperar, o PS vier a dar liberdade de voto aos seus membros, o que poderia aumentar consideravelmente o apoio da candidata dentro do seu próprio partido, onde nesta sondagem só alcança 15%.

2. De resto, afastada à partida qualquer dúvida séria sobre o vencedor, as incógnitas destas eleições consistem em saber até onde vão as votações de MRS (para verificar a medida do êxito da "presidência dos afetos"), de Ana Gomes (para ver até que ponto ela consegue entrar no eleitorado socialista, vencendo o "anátema" da liderança do Partido, e no eleitorado do BE) e de Ventura (para verificar até onde vai o apoio eleitoral da direita populista entre nós).

Não é pouco!

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Presidenciais 2021 (3): A posição do PS

1. Penso que Pedro Nuno Santos tem razão quando diz que quem deve definir a posição socialista sobre as eleições presidenciais é o PS, nas instâncias próprias, e não o Governo. Mas, por isso mesmo, entendo que tanto ele como Santos Silva antes dele deveriam abster-se de se pronunciar publicamente sobre o assunto enquanto ministros ou fora do âmbito partidário. O facto de serem membros do Governo não lhes confere nenhuma posição qualificada sobre os demais militantes no debate que se impõe. O mesmo vale para outros titulares de cargos públicos do PS. 
Nesse ponto, concordo com António Costa, quando pediu aos membros do Governo discrição pública sobre o tema (embora ele próprio devesse ter seguido essa regra, em vez de antecipar publicamente, enquanto Primeiro-Ministro, a recondução de Marcelo Rebelo de Sousa, com os equívocos que essa intempestiva declaração gerou...). 

 2. Mantendo o que já escrevi anteriormente, penso que o mais provável é que, colocado entre a candidatura de Ana Gomes, uma qualificada (mas não consensual) militante socialista, e a preferência de muitos dirigentes pelo atual titular do cargo, o PS acabe por decidir não ter posição oficial, para não estabelecer uma clivagem política dentro do Partido, e deixe liberdade de voto aos seus membros -, o que, aliás, nem seria inédito. 
De resto, não sendo as candidaturas presidenciais de origem partidária, a opção de voto é eminentemente individual e não partidária.

Adenda
Considero exagerada esta interpretação, mas parece-me óbvio que a gestão da candidatura presidencial pela liderança do PS não tem sido propriamente feliz.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Presidenciais 2021 (2): Ana Gomes

1. A quatro meses das eleições presidenciais de 2021, o quadro das candidaturas relevantes fica completo, com a decisão de Ana Gomes de avançar, juntando-se às candidaturas certas do incumbente, MRS, do líder do Chega, André Ventura, de Marisa Matias do BE, do ainda desconhecido candidato do PCP e do anunciado candidato da Iniciativa Liberal.
O atual espectro político nacional fica razoavelmente representado - o que é bom. Não é provável nenhum candidato da área do CDS, atualmente em declínio acentuado, que deve preferir juntar-se ao carro vencedor da candidatura do atual Presidente.

2. A candidatura de Ana Gomes não vai dispor obviamente do apoio político nem institucional do PS, mas pode ajudar a inibir o PS de apoiar oficialmente a candidatura de MRS, optando por dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes, mesmo que a maior parte dos dirigentes votem na recondução do atual Presidente.
Para atenuar uma constrangedora divisão política do Partido, é mesmo de admitir que se opte por aconselhar um low profile na manifestação pública das preferências eleitorais dos dirigentes e membros do Governo.

3. Ana Gomes tem vários desafios à sua frente nesta candidatura.
O primeiro consiste em conceber uma plataforma eleitoral mobilizadora que coloque na agenda do debate os temas que lhe são caros (igualdade e combate à discriminação, luta contra a corrupção e o tráfico de influências, evasão fiscal, corporativismo, captura do Estado por interesses de vária ordem, lentidão da justiça, etc.), sem a tonalidade radical e simplista que tantas vezes caracteriza a sua intervenção pública, o que aliena apoios, mesmo na área do PS.
O segundo desafio consiste em disputar convincentemente um eleitorado em boa parte cobiçado pelas outras candidaturas na esquerda, sem as hostilizar. Trata-se de uma tarefa tanto mais difícil, quanto ela não dispõe do apoio das estruturas partidárias que os outros dois candidatos têm -, o que constitui um handicap sério na organização da campanha e no seu financimento.
Não vai ser tarefa fácil!

[Corrigido o título e o §1]

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Presidenciais 2021 (1): Intempestivamente

1. Intempestivamente, no meio da pandemia, o tema das eleições presidenciais do ano que vem foi colocada na agenda pública pelas inoportunas declarações de António Costa na Autoeuropa, há uma semana. E, surpreendentemente, apesar da pandemia, o tema veio para ficar, com reações è esquerda e à direita, pelo que importa não ignorar o assunto.
Antes de mais, não é preciso ser apoiante do atual PR ou ter intenção de votar nele em janeiro de 2021, para prever a sua reeleição por folgada margem, sejam quem forem os seus adversários eleitorais (aliás, na tradição política desde a origem do atual quadro constitucional em 1976). Nem a expressão pública desse fácil prognóstico equivale a um pré-anúncio de apoio eleitoral. Trata-se de uma simples constatação política.

2. Por isso, apesar da sua infeliz formulação, não atribuí à já célebre declaração de Costa nenhum compromisso, expresso ou implícito, de apoio socialista à recandidatura do atual inquilino no Palácio Belém, como foi entendido por tanta gente.
Primeiro, uma tal decisão não poderia ser "anunciada" daquela maneira nem tomada à margem das instituições do PS, onde a questão pode ser longe de consensual, sobretudo de houver uma candidatura na área socialista. Segundo, a esta distância não vejo que vantagem teria o PS em apoiar explicitamente um candidato de outra área política (por menos discordância que possa ter em relação ao seu desempenho presidencial no primeiro mandato), que poderia ser lida como oportunismo político ou como uma tentativa canhestra de condicionar o desempenho do atual PR no segundo mandato presidencial.
De resto, nada obriga o PS a apoiar oficialmente um candidato presidencial, só para não ficar de fora da liça eleitoral. Sendo obviamente cedo para definir posições, a posição mais inteligente do PS, face às previsíveis opiniões desencontradas dentro do Partido, pode ser mesmo não adotar candidato próprio e dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes.