Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sábado, 11 de setembro de 2004
O "11 do 9"
Memórias acidentais
1. Um ano antes da revolução
O excelente Manuel Miranda, que conheci em Coimbra há muitos anos, nos Encontros de Fotografia, enviou-me recentemente de Braga esta fotografia feita por Abel Resende (assim me informa MM) no final de 1972 ou princípio de 1973, num hotel em Aveiro, numa das reuniões preparatórias do Congresso da Oposição Democrática, realizado nesse ano na mesma cidade.
Sou o segundo a contar da esquerda, de óculos grandes e bigode e de cigarro na mão direita. Devido à minha pobre memória fisionómica, dos presentes só consegui reconhecer o Alberto Januário, o primeiro a contar da esquerda, a meu lado, que era militante comunista (tal como o eram seguramente muitas outras das pessoas que ali se encontravam), sendo desde há muito o secretário da redacção da Vértice, uma revista de esquerda marxista dirigida por Joaquim Namorado, editada em Coimbra, a cuja redacção eu pertencia desde 1969. Januário era filho de um famoso militante anarco-sindicalista, Arnaldo Simões Januário, um dos primeiros a ser deportado para a prisão do Tarrafal (Cabo Verde), onde viria a morrer.
O ambiente que a foto revela era grave, os semblantes compenetrados. Estávamos a pouco mais de um ano do fim da ditadura. Mas não o sabíamos...
2. "Português Suave"
Para além do vestuário e do corte de cabelo característicos da época, uma das marcas do tempo encontra-se nos cinzeiros cheios de pontas de cigarro e no maço de tabaco sobre a mesa. Salvo quando no estrangeiro, nunca fumei outros cigarros que não esses, "Português Suave" sem filtro, num maço mole, azul e branco com riscas douradas, bem visível na fotografia, à minha frente.
Quando deixei de fumar, uns anos mais tarde, consumia habitualmente nada menos do que três maços por dia, por vezes mais. Curiosamente tomei essa heróica decisão nessa mesma cidade de Aveiro, em 1980, em plena campanha eleitoral para as eleições parlamentares desse ano, em que fui candidato por esse distrito (aliás o meu distrito natal).
Ainda devo ter guardado algures, entre as recordações pessoais, o resto do maço e a carteira de fósforos que tinha comigo nessa altura...
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)
Utente pagador
É evidente que não tardaram os protestos dos autarcas das regiões em causa, especialmente os do Algarve, apesar de o Governo prometer dispensar de pagamento o trânsito local.
Um coisa é certa: o fim das SCUT e a introdução do princípio do utente pagador (em vez do contribuinte, como agora) só tem sentido se for uma medida geral, sem excepções nem regalias regionais. Deixar de fora o Algarve, a segunda região mais rica do País, seria uma verdadeira iniquidade. Resta saber se a determinação do novo ministro é suficientemente forte para resistir aos clamores, quando se aproximam tempos eleitorais. Por minha parte sou assaz céptico.
sexta-feira, 10 de setembro de 2004
100 anos da sinagoga de Lisboa
Razões para celebrar
Aditamento
Por distracção não foi aqui assinalado no momento próprio o aniversário da Grande Loja do Queijo Limiano, outro caso de merecido êxito. Ainda que com atraso, aqui fica registado o voto de felicidades bloguísticas.
Parceiros desconfortáveis
Eis as conclusões:
«The degree of integration of the Spanish and Portuguese economies is already high and is bound to increase, particularly in an enlarged EU of 25 countries which will continue to add new members (Bulgaria and Rumania in 2007 and possibly Turkey in 2015). The enlargement has put Spain and Portugal back on the periphery of Europe; the two countries need each other in order to counterbalance the EU?s expansion to the East. The entry of former communist nations with much lower labour costs is eroding one of the previous competitive advantages of the two countries for multinationals, and Spanish and Portuguese companies are also beginning to relocate. Economically, at least, it would make sense for Spanish and Portuguese companies to forge closer links, either through outright mergers or more indirectly through crossed-shareholding agreements. Spain and Portugal are ripe, for example, for a cross-border merger of banks. Politically, however, it is another matter.»
Vale a pena ler o resto.
Atestados médicos
(José Batalha)
Os juízes de Bush
Aqui (http://saveourcourts.civilrights.org/ad_text.html) podem encontrar-se verdadeiras "pérolas" de alguns dos juizes propostos por Bush para os tribunais federais americanos que ilustram o que deixei dito.»
(Filipa Gonçalves)
Fraude profissional e cegueira corporativa
Quando será que a colectividade dos médicos e a sua Ordem se dão conta de que, enquanto pactuarem com esta vigarice deontológica e criminal de uma parte dos seus, todos são coniventes e responsáveis pela perda de crédito público da profissão? E quando será que o Governo se convencerá que não pode continuar a permitir que tais vigarices fiquem impunes?
Reclamemos sufrágio universal ...
Bush pode estar a ganhar nas sondagens de opinião domésticas, mas perde esmagadoramente na opinião pública mundial, em geral, e europeia, em especial. Poucas vezes terá havido tanto consenso fora dos Estados Unidos sobre umas eleições presidenciais.
Eu sei que os impérios não costumam envolver os seus súbditos externos na escolha dos seus dirigentes. Mas, tratando-se de um império que definiu como missão levar a democracia a todo o mundo, mesmo pela força das armas, era tempo de os Estados Unidos darem direito de voto a todos aqueles a quem eles governam directa ou indirectamente...
Divisão transatlântica
A estrela norte-americana na era de Bush perde brilho na Europa, ao mesmo tempo que os europeus desejam uma UE mais protagonista no plano internacional. Um dos virtuosos efeitos colaterais da política de Bush é o reforço da identidade e da coesão europeia. A Europa afirma-se em confronto com os Estados Unidos...
quinta-feira, 9 de setembro de 2004
A derrota do interesse público
Luís Nazaré
Desaparecido
Actualização (10 de Setembro) - O website já dá sinais de vida, mas disponibilizando somente algumas secções do jornal...
Homenagem
Uma revolução cultural
Resta saber se se tratou de um acaso sem continuidade no futuro ou de sinal de uma política de aproximação entre as duas organizações espirituais...
Benesses esconsas e manhosas?
«(...) Os impostos que os portugueses pagam não correspondem necessariamente ao que está na lei. Em Portugal há duas políticas fiscais: a que resulta da lei e a que é consequência da forma como a lei é aplicada ou, como sucede por vezes, da forma como a lei fica por aplicar.Dada a conhecida autoridade do autor nesta matéria, quem pode duvidar desta informação?
Por exemplo, sabemos quais os benefícios fiscais que estão na lei, são os que se aplicam aos contribuintes que quando têm um problema com o fisco recorrem ao seu serviço de finanças. Mas há também os benefícios fiscais que se encontram nas zonas translúcidas da lei, e são concedidos manhosamente por despachos "interpretativos" cujos processos vão direitinhos para os arquivos; para estes contribuintes especiais parece haver uma repartição privativa no Terreiro do Paço. (...).»
Estado e mercado
«(...) Esquerda e direita são as etiquetas clássicas cuja crise não resulta apenas do crescente consenso quanto à necessidade de compatibilizar eficiência e crescimento económicos com critérios de justiça social e de redistribuição da riqueza. A sua crise é anterior e provém da tradicional associação entre Estado e interesse público, de um lado, e mercado e liberdade, do outro. Tal associação é falsa mas teima em contaminar, adulterando-o, o debate político.
É claro, hoje em dia, que o Estado nem sempre prossegue o interesse público (refiro-me aqui ao Estado no sentido de aparelho burocrático e legislativo e não no sentido, mais lato, de comunidade política). O Estado assenta num processo de decisão centralizado (o processo político) que pode sofrer de dois problemas fundamentais. Primeiro, nem sempre o processo político representa os interesses de todos de forma igual (...). (...) Segundo, a prossecução do interesse público através do Estado assenta numa lógica causal e omnipotente largamente artificial: ela presume que é possível, não apenas agregar e ponderar de forma completa e centralizada as preferências de todos os indivíduos mas, igualmente, comandá-los de acordo com as decisões centralmente adoptadas.
Mas se se reivindica que o Estado está parcialmente "morto", também se pode argumentar que o mercado nunca existiu! Idealmente, o mercado seria o espaço da liberdade pois as decisões sociais seriam aí produto de decisões individuais voluntárias (no mercado tudo teria de ter o nosso acordo). Mas tal mercado não existe: como o demonstrou há muitos anos Coase (Nobel da Economia), a primeira derrogação ao mercado são as próprias empresas. Elas são, de certa forma mini-Estados: centralizam processos de decisão e de organização de forma vertical na sua esfera de actividade e de organização do trabalho. (...) É assim natural que o próprio mercado vá criando centros de poder que restringem a liberdade e a concorrência. Neste casos, o mercado já não protege a liberdade e é antes o Estado que tem de intervir para assegurar a liberdade no mercado.
Estado e mercado não coincidem, assim, com os ideais que lhes são normalmente atribuídos. A ignorância da assimetria existente entre estas instituições e os valores que lhes são normalmente associados é uma das principais causas da actual confusão ideológica. É o resultado de se confundir instituições com ideologias. (...)»
quarta-feira, 8 de setembro de 2004
Sigilo fiscal, etc.
Entre nós, têm sido as políticas sociais que mais têm sofrido à custa da falta de eficácia e de justiça do nosso sistema social. [Por exemplo] em nome de uma falta de "vocação afectiva" do Estado, no denominado Direito dos Menores tem-se procedido à desinstitucionalização das crianças e acelerado o respectivo processo de colocação em famílias. Trata-se de um movimento que tem sido acompanhado de uma significativa quebra de financiamento às IPSS e demais instituições e que, embora suportado por motivos abstractamente atendíveis, mais não não visa do que um alijamento das responsabilidades sociais (e naturalmente financeiras) do Estado quanto à rede de acolhimento de crianças e menores abandonados e em risco e que, conexamente, tem vindo associado a uma dimuição das margens de dedutibilidade fiscal de despesas com os menores a cargo das famílias (mais vastamente, face à equiparação existente, com os descendentes que ainda não atingiram a maioridade).
(...) Por último, em relação à extinção do sigilo fiscal, nomeadamente no que respeita às declarações de rendimentos, é perfeitamente incompreensível a hipocrisia gerada em torno da questão e a desfaçatez de alguns cidadãos na exploração dos mais variados sub-sistemas que são conformados pela declaração de IRS. Se uma passagem pelos tribunais mostra a frequência com que alguns cidadãos, que ali se deslocam em viaturas de alta cilindrada, são defendidos a coberto da Lei do Apoio Judiciário, também aqui, como diz o povo, "quem não deve, não teme".»
(AFC)
«(...) No que se refere ao "sigilo fiscal", parece que temos de avançar para que termine esta hipocrisia estando reunidas certas condições, nomeadamente:
- Sempre que um cidadão utiliza os dados constantes da sua declaração de rendimentos junto de entidades públicas ou de solidariedade com a finalidade de usufruir de situações favoráveis em relação aos outros cidadãos (por ex: pagamento reduzido de mensalidade nos infantários dos filhos; redução de propinas; crédito bonificado; abono de família; redução na aquisição de actos médicos; graus de deficiência....). Nestes casos, o sigilo fiscal deveria ser retirado e, os rendimentos constantes da sua declaração, poderiam ser consultados por qualquer cidadão, pois é de elementar justiça que quem suporta o encargo das situações de excepção (todos os contribuintes) possam avaliar o seu efeito.
- Também me parece que os contribuintes do mesmo sector de actividade empresarial deveriam ter acesso ao conhecimento do teor da informação dessa actividade (e só essa) constante das declarações de rendimentos de todos, pelo menos os da mesma àrea de domicilio fiscal.
(...) No que se refere à abolição do imposto de sucessões e doações de um modo isolado abriu portas para enormes fraudes no restante sistema fiscal que um mediano ententido nestas lides optimiza com relativa facilidade. Também aqui o que está em causa é uma questão ideológica pois, hà que averiguar se o facto de um cidadão usufruir de elevado património através de sucessão ou doação sem qualquer empenho pessoal para o obter, é razoável que fique liberto de qualquer carga fiscal. (...)»
(Isaac Carvalho)
Jornais e blogues
terça-feira, 7 de setembro de 2004
Ai Açores! (II)
Coisa diferente são os mil remoques e acusações a que me habituei a estar sujeito pelo facto de ser militante assumido do Partido Socialista. À falta de argumentos substantivos, surgem fatalmente as charges gratuitas, do tipo "por que não agiu Guterres (de quem fui colaborador, com muito gosto) do modo que LN agora defende?", "como pode calar a actuação do autarca socialista X na câmara Y?", ou, mais recentemente, "que explicação encontra para o vidro que José Sócrates partiu a jogar à bola quando tinha oito anos?". Seja. É o preço que tenho de pagar por ousar defender causas fortes. Mais confortável seria não pertencer a nenhuma.
Legalidade e mérito
Aba da Causa
«A propósito deste blogue [Aba da Causa], que serve de "aparador" de (outros) textos dos autores do Causa Nossa: e se a moda de publicar na net fora das edições electrónicas dos jornais pegar?»Na verdade, o Aba da Causa visa somente facilitar o acesso aos nossos textos, para permitir aos leitores obter uma visão de conjunto sobre as nossas ideias e opiniões, tanto mais que esses textos são por vezes referenciados em posts do CN. Todos os jornais em que colaboramos ainda têm sítios electrónicos abertos e gratuitos, pelo que os textos neles publicados se encontram também acessíveis aí. No entanto, uma vantagem adicional da sua reprodução no Aba da Causa está em que, em alguns casos, os textos só ficam disponíveis temporariamente no site do jornal onde são publicados (caso do Público), pelo que a sua recolha no Aba da Causa os mantém acessíveis sem limite de tempo.
Resta dizer que é prática comum de muitos colaboradores da imprensa periódica coligirem nos seus "sites" pessoais os textos publicados naquela.
Transparência e justiça fiscal ...
Hollywood ou Cornucópia, eis a questão.
Via Verde: uma caixinha de surpresas
Há umas semanas o aparelho do meu carro deixou de funcionar devidamente e fui avisada na factura seguinte que se tratava de um problema relativo à respectiva pilha, que tinha, por isso, de ser trocada. Regressada à força ao sistema de pagamento tradicional, perguntei numa portagem de auto-estrada onde poderia trocar a pilha, imaginando que a resposta só podia ser esta: aí mesmo ao seu lado, ou em qualquer estação de serviço na auto-estrada. Mas não foi.
1. Primeira surpresa: é preciso remover o aparelho do automóvel, pois a pilha não é amovível.
2. Segunda surpresa: «deve dirigir-se à loja do cidadão, em Leiria, Aveiro, Lisboa ou Porto» (acho que não me esqueci de nenhuma). Mas eu vivo em Coimbra, respondi. «Mas é assim que tem de fazer». Por ser impensável fazer uma deslocação até qualquer dessas cidades exclusivamente para esse efeito, esperei pela próxima ida a Lisboa e, entretanto, lá me fui re-habituando ao tempo de espera para pagar as portagens.
No dia X, uma sexta feira, dirigi-me à loja do cidadão dos Restauradores. De aparelho na mão, esperava regressar a Coimbra com ele já operacional.
3. Terceira surpresa: «volte segunda feira». Voltar a Lisboa para recuperar o aparelho? Aí disse tudo o que já me ia na alma. «Para a próxima vendam a Via Verde apenas a quem viva em Lisboa, Leiria, etc. etc.». Concederam: o aparelho ser-me-ia, afinal, remetido pelo «correio (pausa), azul (pausa), registado e com aviso de recepção». Aceitei, que remédio!
4. Quarta surpresa: apresentam-me então um papel para eu assinar, um termo de responsabilidade sobre danos resultantes de um eventual desvio do aparelho e da sua utilização indevida.
Como é que uma empresa supostamente moderna e de certeza inovadora tem, neste caso, um serviço tão primário ao cliente, ou, melhor dizendo, não tem serviço ao cliente? Algumas explicações possíveis: a empresa não tem concorrência; a empresa, mesmo a funcionar assim, não perde clientes depois de os conquistar (quem é que, apesar de tudo isto, está disposto a prescindir da via verde?); e, por último, os clientes são em geral uns conformados, com uma enorme propensão à resignação. Mesmo os de Lisboa sujeitam-se a ir duas vezes à Loja do Cidadão, por causa de uma pilha.
Seja como for, a tal Via Verde devia chamar-se "Via Corada", de vergonha por funcionar de modo tão inamistoso para os seus utentes.
segunda-feira, 6 de setembro de 2004
Ai Açores!
Luís Nazaré
As prioridades da RTP
Talvez o próprio, sefosse vivo, se limitasse a sorrir de tanta desfaçatez. Mas eu não, fico cheia de indignação.
Maria Manuel Leitão Marques
Cidadania europeia
Um amigo
Maria Manuel Leitão Marques
Luís Nunes de Almeida (1946-2004)
Há personalidades cujo desaparecimento deixa um vazio impreenchível muito para além do círculo dos seus amigos e admiradores. É o caso de Luís Nunes de Almeida, juiz do Tribunal Constitucional desde a sua criação em 1982 e seu presidente desde o ano passado. Em certo sentido ele representa a história da justiça constitucional entre nós, sob a égide da Constituição de 1976, pois integrou a Comissão Constitucional (1976-83), foi protagonista da revisão constitucional de 1982, que criou o TC, e contribuiu decisivamente para a sua afirmação como órgão supremo da justiça constitucional. São pessoas deste gabarito que fazem a história das instituições.
Tendo compartilhado com ele alguns desses passos, é com enorme pesar que o vejo partir tão prematuramente.
Vital Moreira