quarta-feira, 6 de outubro de 2004

O caso MRS

Factos:
a) Um Ministro condena duramente o comentário político dominical de MRS na TVI;
b) O visado reserva-se o direito de responder no próximo programa;
c) Depois de uma conversa com o proprietário da estação, por inicitiva deste, MSR anuncia a imediata cessação do seu programa;
d) MRS não dá explicações para esta súbita decisão, dizendo somente que durante mais de quatro anos sempre pôde conceber e executar "livremente" o seu programa, deixando entender que essa liberdade teria deixado de existir.
As perguntas são óbvias: (i) O que é que Paes do Amaral disse a MRS, para forçar este a abandonar o programa, que claramente fazia com inexcedível gozo? (ii) O que é que levou Paes do Amaral a provocar o fim de um programa que evidentemente trazia enormes vantagens à estação? (iii) O que é que o Governo teve a ver com isso?
Impõe-se uma resposta inequívoca a estas perguntas. E URGENTE!

Menos livre

«Afinal, o PSD sempre conseguiu calar o professor. A TVI renuncia à homilia dominical de MRS, vá lá saber-se porquê. Por delito de opinião? Neste país tudo é possível. O professor cala-se depois das inadmissíveis declarações de Rui Gomes da Silva, e eu, que muitas e muitas vezes discordei do estilo e do conteúdo das análises de MRS, sinto-me de repente menos livre. Começa a ser perigoso dizer o que nos vem à cabeça.»

(Rui Baptista)

"Berlusconização" à portuguesa

«As críticas do tal Gomes da Silva a Marcelo não são isoladas. Há já algum tempo que o Governo desencadeou uma operação de controlo de uma parte do espaço mediático, território decisivo para as batalhas eleitorais que se avizinham, procurando concretizar uma velha estratégia de alguns dos "jovens turcos" que mandam no partido e que vem dos tempos da ascensão de Durão Barroso. Essa estratégia passa por controlar editorialmente um diário nacional de grande expansão, a televisão pública e os restantes órgãos de comunicação estatizados ou que se encontram debaixo do chapéu de chuva da PT Multimédia, para gerir em vantagem o ciclo político que vai até 2006 e em que o PSD quer ter condições para chegar sozinho à maioria absoluta. Como as medidas de Governo podem não chegar, venha a propaganda.»
«(...) Mas as novidades podem não ficar por aqui. Resta saber até que ponto vão resistir ao vendaval as estruturas de chefia de alguns títulos manifestamente não alinhados politicamente (e de outros já alinhados mas não o suficiente...) ou se alguns operadores privados, em particular televisões, não serão empurrados para um comportamento dócil, se quiserem fazer negócios, na televisão por cabo ou na rede de televisão digital terrestre. Fica ainda por saber se esta "berlusconização estatal" vai concretizar-se sem escrutínio público, em particular, da Assembleia da República, e se não entra no cardápio das preocupações do Presidente da República.»

(Do editorial do Público de hoje, por Eduardo Dâmaso; sublinhado acerscentado.)

A sucessão no PCP

No PCP o secretário-geral não é eleito pelos militantes do Partido nem sequer pelo Congresso, mas sim pelo comité central, em câmara fechada. Na verdade, tal como o próprio comité central, ele é escolhido previamente pelo núcleo duro da direcção do Partido (Comissão política/Secretariado), limitando-se o CC a ratificá-lo depois, sem qualquer alternativa. Chama-se a isto "centralismo democrático", peça essencial da concepção leninista do partido. Assim será escolhido o herdeiro da cinzenta liderança de Carlos Carvalhas.
A questão é, aliás, pouco relevante. Nesta fase, depois da depuração ou marginalização dos chamados "renovadores", a personalidade do líder é relativamente indiferente, não havendo muito por onde escolher. No caso do PCP o que é problemático hoje não é seu continuado declínio, mas sim o ritmo deste. Só nisso é que o novo SG pode influir: desacelerar ou estugar o definhamento. Uma simples questão de tempo.

Pampilhosa da Serra

«Mais uma vez a Pampilhosa da Serra aparece destacada pelos piores motivos. Agora é o "ranking escolar"; ontem, se bem se recorda, foi pelas piores razões também citada no seu título "a carreira da Pampilhosa".
(...) E, como ela, quantas "Pampilhosas" não haverá por esse "país profundo" a quem o litoral encobre? Isso sim, é uma vergonha para todos nós, os comuns portugueses no dealbar do novo século. A Pampilhosa, que eu saiba, nem se pode manifestar "à pala duma SCUT"; nem isso tem.
Sobre o "ranking das escolas" (...):
- Um "ranking" (melhor seria, creio, a palavra portuguesa "ordenação") existe porque é importante; não sei se para o Ministério da Educação poder trabalhar melhor ou se para valorizar a escola particular (vulgo privada ou não pública).
- Mas uma ordenação por médias faz-me recordar uma frase dum "velho" professor que tive e que sempre dizia: "A média é a operação que permite a um individuo de 1,80 metros morrer afogado num rio de 1, 60 de profundidade."
- As ordenações valem o que valem, tal como as sondagens; é melhor estudá-las, enquadrando-as na sua realidade.»


(Rui Silva)

Ensino público

«(...) Assim como a Saúde, a educação é uma área apetecível. Nestas últimas duas semanas, com o atraso e a polémica da colocação de professores, a má imagem (não sei se até que ponto verdadeira) dada pela questão dos atestados médicos, e finalmente neste fim-de-semana com o tal "Ranking" falacioso, o ensino público sofreu uma deterioração tremenda da sua imagem.
No fim disto tudo, a mensagem "subliminar" é naturalmente para as classes médias. Estas pensarão naturalmente em colocar os filhos no ensino privado, onde os professores são efectivos e estão altamente motivados e onde "aparentemente" os alunos obtêm os melhores resultados
Acho por isso que há razões para achar que todo este "reboliço" em torno do ensino público poderá afinal não ser acidental.
Se no futuro, a classe media estiver retirada das escolas públicas, estas passarão a ser escolas para a classe mais pobre. Sem a presença dos famílias pertencentes a classe média, o grau de exigência dos pais em relação as escolas publicas e da própria sociedade civil em relação ao sistema de ensino estatal no país diminuirá irremediavelmente. Passará a ser como nos EUA onde até a classe média-baixa tem os filhos no ensino privado. Perder-se um certo "efeito trampolim" que a presença dos filhos da(s) classe(s) media poderiam ter para os filhos das classes baixas. A qualidade do ensino público baixará ainda mais. Teríamos assim um ensino público, ao jeito quase "misericordioso" a ensinar apenas "profissões". Enquanto isso as elites e a classe média, no ensino privado, disputariam exclusivamente os lugares de acesso para dar acesso ao ensino superior (onde o melhor ainda é o público). O ensino público poderia ser finalmente mais poupadinho, a indústria do ensino pago sairia reforçada.
Será este o objectivo verdadeiro, o plano, por detrás de que se tem passado recentemente?»


(S. J. Gouveia)

terça-feira, 5 de outubro de 2004

Reacções "editificantes"

Escreve o "PÚBLICO" de ontem que a minha camarada e colega eurodeputada Edite Estrela se amofinou com o termo "socranete" que eu utilizei no Congresso do PS para me excluir do naipe de militantes entusiastas e bajuladoras do chefe. E comentou: "Vindo de quem vem, é lamentável" antes de acrescentar "Também não gostava que dissessem que ela é 'alegrete'.". E dizem-me que uma TV reproduziu outros comentários sobre mim igualmente "editificantes".
A Dra. Edite Estrela enfiou a carapuça e resolveu atacar-me pessoalmente - está no seu direito. O episódio reflecte diferentes sensibilidades entre nós: eu não me referi a ninguém em especial, e muito menos ataquei quem quer que fosse, ao excluir-me das 'yes girls' do PS.
Algumas outras socialistas durante o Congresso tiveram a camaradagem de me expressar directamente o desagrado pelo que interpretavam como um ataque às mulheres do Partido. Expliquei que não era essa a minha intenção - militantes entusiastas e bajuladores existem inegavelmente, entre "girls" e "boys", no PS como em qualquer outro partido ou organização social. Para provar que há de facto "socranetes", e assumidas, basta lembrar o episódio das mulheres que, ainda nem José Sócrates tinha anunciado formalmente a sua candidatura a Secretário-Geral do PS, nem a sua moção de estratégia para o Partido tinha sido publicada, e já aproveitavam uma sessão do Departamento das Mulheres no Largo do Rato, dia 14 de Julho, para lhe fazer uma majoretíssima manifestação, para benefício (e gáudio) dos media presentes. O Departamento de Mulheres até publicou um comunicado a explicar que não tinha nada a ver com aquilo...
Não sei o que Edite Estrela queria dizer com aquele "vindo de quem vem", mas acredito que não implica arvorar-se em especial representante das mulheres do Partido - cuja Presidente do Departamento de Mulheres, Sónia Fertuzinhos, foi directamente eleita pelas militantes do PS.
Pelo meu lado, sempre procurei ser coerente e consequente na luta por uma maior participação das mulheres no PS e na política, para melhorar a qualidade da democracia em Portugal. Por isso fiz no Congresso propostas concretas nesse sentido.
Já quanto à coerência e consequência da minha camarada Edite Estrela tenho dúvidas. Vi-a terminar a sua intervenção no Congresso a lembrar, orgulhosa - e justamente - que tinha desencadeado o recente debate no Parlamento Europeu sobre o problema da lei do aborto em Portugal a propósito do rocambolesco episódio "Borndiep". Mas não sei se tencionará explicar na Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Género do Parlamento Europeu, de que é Vice-Presidente, que aceitou entrar numa lista de candidatos à Comissão Nacional do Partido que não cumpre a determinação estatutária de ter pelo menos 33% de mulheres ou homens e que, como primeira mulher da lista, aceitou ser relegada para um sexto lugar...

Ana Gomes

E se o Colégio Luso-Francês mudasse para a Pampilhosa da Serra?

A resposta está aqui no meu artigo de hoje no Público, sobre o "ranking" das escolas do ensino secundário (reproduzido também no Aba da Causa, com link aqui ao lado, na coluna da direita).
Ver também o comentário no Abnóxio.

O Museu da Presidência

Com as minhas desculpas a quem de direito e um agradecimento ao Rui (do Adufe) pela informação, aqui fica o endereço da página, de resto magnífica, do Museu da Presidência da República.
(Só não descobri como é que o Google, que abençoo todos os dias, me pregou esta partida. Erro meu, seguramente!)

«O escândalo dos advogados especialistas»

O facto de António Marinho, autor do artigo com o título em epígrafe no Público de ontem, ser candidato a bastonário da Ordem dos Advogados não lhe retira nenhuma razão. Dele se conclui, sem margem para dúvidas, que:
a) Através de um regulamento a Ordem dos Advogados criou a figura do "advogado especialista", e num preceito transitório admite atribur tal qualidade a "juristas de reconhecido mérito" que preencham certos requisitos, ainda que não sejam advogados nem possuam as condições para o serem;
b) Tal regulamento é ilegal em si mesmo, dado que a figura de advogado especialista (ainda) não consta do Estatuto da Ordem, pelo que carece de base legal (princípio da legalidade);
c) Mais ilegal ainda é a atribuição da condição de advogado (especialista) a pessoas que não são advogados nem preenchem as condições para o exercício da profissão;
d) Consequentemente, são manifestamente ilegais as decisões da Ordem tomadas ao abrigo desse regulamento que concederam discricionariamente o estatuto de advogado especialista, em particular quando se trate de pessoas que não são advogados nem poderiam sê-lo.
Não pode deixar de estranhar-se que a corporação pública dos advogados cometa tamanhas ilegalidades. É um péssimo exemplo. Não havendo ninguém directamente prejudicado pelos actos administrativos em causa, e não sendo provável que a Ordem os revogue em tempo (como devia), resta esperar que o Ministério Público os impugne, na exercício da incumbência constitucional de velar pela legalidade. Seria lamentável que a ilegalidade vingasse numa instituição onde o Direito deveria prevalecer.

As Urgências a uma semana do ensaio de imprensa

O ovo do Colombo

Hoje, nas imediações do Centro Comercial Colombo, depois de um retemperador café, cumpri um sonho de adolescência: fui alvejado com um ovo. Um tomate teria servido os mesmos intentos e realizado à mesma o objectivo juvenil, mas - hèlas - foi um ovo. Rasou-me a cabeça a alta velocidade e estampou-se aos meus pés. Uns quantos salpicos depois, e notando que o sniper não se identificava, avancei com um sorriso. Lembrei-me do único momento brilhante na vida política do Exterminador da Califórnia, quando respondeu assim em plena campanha eleitoral a um atentado semelhante: "atirou-me o ovo, tudo bem, mas ficou a dever-me o bacon!".
E naquela que prometo ser, desde já, a última citação de Arnold Schwarzenegger que farei na vida, caminhei satisfeito - acho que uma pessoa que se dá ao trabalho de desperdiçar comida para alvejar outra tem de estar muito incomodada com alguma coisa, e eu adoro incomodar! - e pensei "I´ll be back". Tenho absolutamente de regressar a este café e a esta rua. Parece-me justo dar-lhe uma segunda oportunidade.

pescadinha de rabo na boca

Há meia noite, na Rua Brancaamp, um reboque da PSP passa a alta velocidade e com as sirenes ligadas. Atrás, rebocado, que carro vinha? Um luzidio e impecável carro da Polícia! Acalmemos por momentos as críticas violentas à coligação de direita. Aparentemente, Portugal está de facto a mudar: já não há filhos e enteados, somos todos iguais - e até as forças da autoridade dão o exemplo.

Serra contra Marta

Na segunda volta das eleições locais brasileiras José Serra (PSDB) disputará a prefeitura de São Paulo com a candidata do PT, Marta Suplicy, actual prefeita. Angústia para muitos eleitores, que terão de escolher entre dois bons candidatos. Ou sorte. Ficarão sempre a ganhar.

Hilariante...

... é o ataque do ministro dos Assuntos Parlamentares, Gomes da Silva, contra o comentador de televisão Marcelo Rebelo de Sousa, aliás destacado militante do partido governamental, por alegados ataques de "ódio" ao Governo (sic), estranhando mesmo a falta de intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social!
É evidente que não tem paralelo na televisão de outros países europeus uma emissão semanal de opinião política, por parte de um qualificado militante partidário, sem qualquer contraditório e sem espaço semelhante para representantes de outras orientações políticas. E é igualmente verdade que o comentador e o canal de televisão em causa não têm sequer tido o prurido de suspender o programa durante os períodos eleitorais, violando assim qualificadamente o dever de imparcialidade das televisões, sem que as entidades competentes tenham feito qualquer observação (AACS e CNE). Mas que seja agora um Governo do PSD a "desembestar" contra MRS, por causa de duas ou três críticas, quando durante anos tem beneficiado dos seus ataques a outros partidos, não deixa de ser hilariante.
Quanto o Governo de Santana Lopes não resiste a pedir o silenciamento de MRS, é caso para dizer que já perdeu o tino.

Sócrates em Guimarães

O discurso de encerramento do novo Secretário-Geral do PS, no Congresso em Guimarães, pode não ser um programa de governo (deveria sê-lo?), mas estava bem pensado, bem escrito e foi bem dito, o que não é pouco para começar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2004

Anátema

Face ao quase anátema com que, no Congresso do PS, Jaime Gama fulminou a ideia de entendimentos políticos com o PCP e o BE, será que o PS pensa poder reconquistar o município de Lisboa nas eleições locais do próximo ano sem reeditar a coligação com o PCP, e eventualmente o BE?
E perante a quase humilhante sobranceria com que foi tratada a esquerda do partido representada pela lista de Manuel Alegre, será que nos novos Estados Gerais o PS admite prescindir dos independentes de esquerda que se revêem mais nessa orientação do PS?

Mais ainda!?

O Reitor da Universidade Católica pretende mais apoios estatais. Mais ainda!?

O museu da Presidência da República


Uma excelente iniciativa do Presidente Sampaio, em prol de uma cidadania mais informada sobre as suas raízes e sobre aqueles que ajudaram a construir a República onde vivemos. É amanhã aberto ao público. (E a página na Internet, onde está ela para abrir o apetite aos de fora de Lisboa?)

O reino da impunidade

Parece que os arguidos no célebre caso da "epidemia de Guimarães", alunos e médicos, só vão ser julgados em 2005, cinco anos depois das infracções em causa! Chamar a isto justiça é uma ofensa à dita. Ninguém no Ministério Público responde por estes inacreditáveis atrasos? A quem aproveitam eles?
E a responsabilidade disciplinar dos médicos, que é independente da responsabiliade penal, o que é feito dela? Das dezenas de processos disciplinares alegadamente abertos pela Ordem, para calar a opinião pública, algum deu lugar a alguma sanção? Definitivemente, para que serve a Ordem dos Médicos?

Pedro Mexia e Filipe Homem Fonseca dão entrada nas Urgências

domingo, 3 de outubro de 2004

O PS e o País

«O país está de rastos e cada vez mais a afastar-se dos parceiros europeus. Tem um governo incompetente apostado em destruir o Estado e destruir a confiança dos cidadãos nele e na política. As mais essenciais funções do Estado atingiram um descalabro nunca visto, na justiça, na fiscalidade, na economia, na saúde, na educação, na segurança social. Esta é a obra de uma direita oportunista, cujo chefe, Durão Barroso, quando tudo começou a cheirar demasiado mal, com frio calculismo trepou do Governo à Europa, deixando Portugal na fossa. A questão não é teórica entre quem detesta ou endeusa o Estado, é sobretudo prática - entre quem serve o povo e o país e para isso usa e reforma o Estado; e quem se serve do Estado, ora atacando-o, ora endeusando-o.
O país quer e precisa de alternativa a este descalabro e ela só pode vir do PS. Alternativa real e não mera alternância no poder. O PS não pode servir para governar à direita - para isso é preferível a própria direita. O país exige clareza: O PS tem de governar assumindo os seus principios e valores de esquerda, da democracia e do socialismo, e na base da mais rigorosa ética republicana. Nunca mais queremos queijos limianos aviltadores da democracia. O PS tem de convencer o país de que sendo partido com vocação de poder, não é comprável pelos interesses que têm sugado e roubado o Estado e os cidadãos.
Precisamos de politicas progressistas para reabilitar Portugal e construir a Europa. Queremos mais e melhor Europa para nos ajudar a disciplinar na governação em Portugal, para aplicar a Estratégia de Lisboa e para investir numa ofensiva global pela paz e pelos direitos humanos e numa estratégia de defesa e segurança inteligente contra as ameaças actuais, do terrorismo internacional à pobreza abjecta que mantém agrilhoada mais de metade da Humanidade.
Contra estas ameaças o nosso pais é vulnerável e um elo fraco, fraquíssimo, dos mecanismos de segurança colectiva existentes, justamente porque se têm degradado, sob a desgovernação da direita, os instrumentos do Estado contra a criminalidade organizada. Ao apoiar a guerra ilegal no Iraque, a direita malbaratou o capital de autoridade moral e politica que Portugal vinha consolidando internacionalmente desde 1974 e ainda mais vulnerabilizou o nosso país.
Um governo do PS ao serviço dos cidadãos tem de apostar num Estado respeitável e respeitado, estratega, garante da eficiência das políticas governamentais e dos serviços públicos. E para isso é preciso dar prioridade à justiça fiscal, ao combate à fraude e evasão fiscal, aos branqueadores de dinheiro sujo, à economia paralela. Sem reforma do sistema fiscal nenhuma outra reforma funcionará, nem a da justiça, nem da saúde, nem a da educação, nem na segurança social. Porque sem reforma do sistema fiscal não haverá nem dinheiro, nem Estado, nem - por este andar - classes médias.
Mas o PS não terá credibilidade para fazer reformas neste país se não fizer a sua própria reforma, se não accionar mecanismos de defesa e controle no seu interior contra o tráfico de influências e a dominação por interesses económicos ocultos. Nesta magnífica cidade de Guimarães, que a espada do Fundador nos ajude a todos, no PS, a cortar a direito contra a corrupção e caciquismo. Esse é o grande desafio que tens pela frente, Camarada José Socrates - continuar as reformas iniciadas por Ferro Rodrigues. Eu estou convencida de que foi por isso que ele e Paulo Pedroso foram tão miseravelmente atacados.
Uma grande oportunidade para a reforma, a transparência e prestação de contas no PS virá com a entrada em vigor da nova lei de financiamento dos partidos em 2005. Apelo ao Secretário-Geral para que comece a publicar anualmente todos os dados, reais, sobre o financiamento e despesas do Partido.
Nesta matéria as reformas propostas pelo Camarada Manuel Alegre - cuja moção eu apoio - fazem todo o sentido e deviam ser rapidamente implementadas por quem tem a autoridade incontestada que tu tens, José Sócrates: limitação de mandatos, não-acumulação de mandatos, eleição por militantes base dos candidatos a autarcas e deputados, entre outras medidas.
Não há reforma e renovação no PS e verdadeira democracia em Portugal sem muito mais mulheres em todos os escalões do partido e do poder. O exemplo iluminado dos nossos camaradas do PSOE em Espanha prova que é de cima que tem que vir o exemplo. O grande teste nesta matéria à tua modernidade e liderança, José Sócrates, vão ser as próximas listas para as eleições autárquicas: desafio-te a fixar o objectivo de apresentar pelo menos 40% de mulheres nessas listas.
Eu vim para o PS com Ferro Rodrigues na liderança e tenho muito orgulho e muita honra de com ele ter servido na direcção do PS num período durissimo para o Partido e para ele, pessoalmente.
Não tenho as caracteristícas físicas nem, sobretudo, as mentais, para «socranete». Só sei estar no PS com a lealdade e frontalidade com que sempre estive na vida e ao serviço do Estado - e eu só concebo estar no PS, e o próprio PS, ao serviço do povo e do Estado democrático que construímos desde Abril de 74. É frontalidade e lealdade na camaradagem que te prometo, José Sócrates, para todos convergirmos no PS, para tu de desincumbires com sucesso da tremenda responsabilidade que a eleição para Secretário-Geral te conferiu. E pela ambição e liderança esclarecida que o país espera de todos nós, no PS.»
XIV Congresso do PS, Guimarães, 2.10.04

Ana Gomes

Aprender socraticamente

Tive um trabalhão para comprimir em 3 minutos o que queria dizer aos militantes do PS reunidos em Congresso e ao novo Secretário-Geral. Pensei que se alguma coisa seria retido seria o apelo à continuação da reforma interna do PS pelo accionamento de mecanismos de defesa contra a corrupção e o caciquismo e através do controlo público, transparente, das contas do Partido. Pensei que se alguma coisa havia de despertador seria a convicção que expressei de que os ataques miseráveis a Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso tinham também relação com o facto de terem tido a coragem de desencadear essa reforma. Apesar de haver quem se tenha mostrado picado, a coisa passou despercebida. Em contrapartida, muito mais gente se incomodou com a imagem da «socranete» que eu não sou - decerto porque foi o que a comunicação social também agarrou. Assim vão ligeiros os olhares e os tempos! Concluo que pensei mal - sem dúvida que ainda tenho muito a aprender na arte de passar mensagens! Resta-me deitar o registo ao blog.

Ana Gomes

Novas fronteiras

O nome escolhido pelo PS para a nova edição dos "Estados Gerais" (organizados vai para dez anos) é susceptível de várias leituras. Por um lado, aponta para os novos temas da agenda política do PS, onde figuram com destauqe as noções de tecnologia, conhecimento, competitividade, inovação, etc. Por outro lado, sugere as novas fronteiras políticas, mais abertas ao centro político e mais retraídas em relação à esquerda do PS. Em qualquer caso a expressão quer insinuar um espaço mais amplo para o partido.

Congresso-maratona

Em maré de mudanças, o PS bem poderia ter mudado também a forma de organizar o Congresso, de modo a tornar os debates mais estruturados e mais fecundos. Não tem sentido alinhar dezenas e dezenas de intervenções sobre os mais diversos tópicos ao longo de dois dias. Como dizia hoje um congressista, seria bastante mais interessante repartir a discussão das "moções" por três ou quatro temas fundamentais, permitindo uma discussão mais racional e algum contraditório.
Depois de inovar com as eleições directas era tempo de o PS congeminar um novo modelo de congresso partidário.

Memórias acidentais: a adiafa


("Vindimas na Anadia", azulejos na estação ferroviária de Aveiro, fot. de Miguel Lacerda)

Nestes dias de início do Outono, de visita à casa familiar da minha infância na Bairrada, não resisto a entrar na velha, ampla e abandonada adega. Ainda lá estão os lagares (agora convertidos em depósitos de lenha) e a prensa entre eles, mais a "lagariça" (o tanque que recolhia o vinho dos lagares). Mas falta tudo o resto, os tonéis, as vasilhas, os cântaros, os funis, as bombas, e os demais apetrechos. E falta sobretudo a gente, a azáfama, os sons e os cheiros de outrora, quanto os viticultores faziam o seu próprio vinho, e quando por esta época todas as aldeias bairradinas soavam a vindimas e cheiravam a mosto.
Primeiro era a ida para as vinhas colher os cachos, em cestos de vime, transportados à cabeça para serem despejados nas dornas e transportados para a adega em carros de bois. Era um trabalho familiar e de entreajuda de vizinhos. Os viticultores mais abastados contratavam ranchos que vinham lá de trás das serras do Buçaco e do Caramulo, que se vêem de toda a região vinhateira. No derradeiro dia da vindima as últimas dornas vinham engalanadas, ouvia-se música de acordeão e no final havia a adiafa, com papas de milho (em que minha mãe primava) e vinho "velho".
Depois eram os trabalhos da adega, acto contínuo, sem interrupção, dia e noite. Os cachos eram esmagados à força dos pés de homens imersos no lagar até às virilhas em filas, com movimentos ritmados, à voz do mais velho ou experiente. Logo após vinha a fermentação do mosto, com o seu som quente e surdo e o seu odor intenso e inebriante. Finalmente, a trasfega do vinho feito para os tonéis e a prensagem dos engaços para extrair o vinho neles retido.
O ciclo do vinho só se completava com a prova do vinho novo pelo S. Martinho, sem esquecer as excitantes noites de queima do bagaço num dos dois alambiques da aldeia, para fazer a aguardente bagaceira. A adega transformava-se na sala de visitas dos vinicultores.
Poucas coisas se tornaram tão indeléveis para mim como estas memórias infantis do meu "país do vinho".

O referendo sobre a Constituição europeia

Lê-se aqui:
«(...) A nossa Constituição da República não admite que se aprove directamente leis ou convenções internacionais, pois trata-se de matéria exclusiva da Assembleia da República ou do Governo. Daí que qualquer referendo sobre a Constituição Europeia, se vier a ser feito, terá de ser genérico, ou seja, não pode importar a aceitação ou o repúdio do texto Constitucional Europeu. Terá sim mero valor informativo de auscultação do povo junto dos órgãos políticos, mas não poderá, de qualquer forma, vincular a decisão política colegial de adesão, ou não, ao texto constitucional europeu.»
Este texto precisa de duas correcções básicas. Primeiro, o que a CRP não permite é referendos genéricos e globais sobre tratados ou leis, admitindo somente referendos sobre questões concretas dos mesmos tratados ou leis, naturalmente as questões mais relevantes. Segundo, os referendos são sempre vinculativos para a AR ou para o Governo (conforme os casos), salvo se neles não participarem mais de metade dos eleitores. Por exemplo, se houvesse um "não" à pergunta ou perguntas do referendo sobre a Constituição europeia, ela não poderia ser aprovada pela AR; correspondentemente, se houver um "sim", a AR não pode deixar de a aprovar. Ao propor ao PR a convocação de um referendo sobre o assunto, a AR fica vinculada a seguir o resultado do referendo, independentemente da decisão que ela tomaria se ele não existisse.
Está visto que há muita coisa a esclarecer acerca do referendo sobre a Constituição Europeia...

A americanização do direito europeu

A França acaba de introduzir o mecanismo norte-americano do "plea bargaining", pelo qual o arguido de um crime acorda com o Ministério Público uma confissão de culpa a troco de uma pena reduzida, dispensando as fases ulteriores do processo, inclusive o julgamento (embora o acordo deva de ser ratificado pelo juiz).
São conhecidas as vantagens do mecanismo: estímulo à confissão dos arguidos, celeridade processual, maior taxa de condenações, ainda que com penas menos pesadas, alívio dos "engarrafamentos" do processo penal. Não são menos óbvias as suas contra-indicações: desjudicialização da condenação penal, protagonismo do Ministério Público e da polícia judiciária, maior pressão sobre as pessoas com menores possibilidades de defesa por bons advogados, supressão do contraditório público, etc.
Uma coisa é certa: paulatinamente o processo penal europeu vai adoptando (embora adaptando) instituições e mecanismos típicos da justiça dos Estados Unidos. Até a França! Ironizando com o caso o Le Monde dedicava-lhe um editorial intitulado em inglês: "A French Law"...

A vivenda do Ministro

«Este é um caso clamoroso, sobretudo porque foi o próprio ministro que resolveu mexer no lixo e levantar o mau cheiro, mas seria útil fazer um levantamento de todos as situações obscenas ocorridas nestes (poucos) meses de governo de Santana Lopes. Ou melhor, seria importante verificar a aceleração do número de casos que já vinham a velocidade de cruzeiro do governo anterior.
Entrámos numa situação onde a destruição do país assumiu proporções inimagináveis, e de uma forma despudorada. Mas não estou a ver que isso seja denunciado da forma incisiva que devia. Todos estes casos vão parar ao baú do esquecimento e outros se seguirão dentro da linha de continuidade que foi uma preocupação do Presidente da República quando aceitou que Santana Lopes formasse governo.»

(Henrique Jorge)

sábado, 2 de outubro de 2004

Sem vergonha entre ruínas (actual.)

As provas fotográficas e outras aduzidas nesta notícia da SIC sobre a vivenda do ministro Nobre Guedes na Arrábida mostram que ela foi construída ilegalmente, invocando falsamente ruínas de uma edificação preexistente, que na verdade só tinham ¼ da área da nova casa. Para agravar a sua comprometedora situação, um porta-voz do Ministro declarou ontem ao semanário O Independente que as ditas ruínas existiam mas que não eram visíveis! À trapaça junta-se portanto uma despudorada negação da evidência. Uma desesperada "fuga para a frente"!
A gravidade da situação não pode ser escamoteada. O mesmo Ministro do Ambiente, que ordenou a demolição de casas ilegais na Arrábida, afinal também possui uma tanto ou mais ilícita do que elas no mesmo parque natural, com a agravante da utilização de informações falsas e de influências bastantes para obter um licenciamento indevido. Um Ministro destes não pode continuar em funções como se nada se passasse!

Aditamento
O ministro exibiu hoje documentos que alegadamente provariam a existência de ruínas com área correspondente à da nova edificação. Só que é mais fácil fabricar documentos do que ruínas: estas não voam e as provas existentes (fotografias aéreas e testemunhos, como os que o Expresso hoje refere) desmentem a sua existência, pelo que se estará perante uma caso de fraude documental com relevância criminal, cuja responsabilidade não pode deixar de ser apurada. Os tais documentos não ilibam portanto Nobre Guedes, apenas a tornam o caso mais grave...