domingo, 28 de novembro de 2004

O referendo (4) : Porquê a Carta de Direitos Fundamentais ?

Escreve J. Mário Teixeira o seguinte no Sentidos da Vida sobre o referendo da Constituição europeia:
«Votar "Não" à ratificação significa que não se quer o Tratado, não quer dizer que não se quer a Carta dos Direitos Fundamentais. É que a Carta já existia, independentemente de qualquer Constituição Europeia. Agora, se era ou não observada, respeitada pelos Estados-membros, isso já é outra coisa. Se querem verdadeiramente vincular os Estados-membros à Carta, é uma matéria com interesse, mas daí incorporá-la num Tratado para servir de argumento aliciante ao todo, já não colhe.»
Há dois equívocos básicos aqui.
Primeiro, a Carta de Direitos Fundamentais, aprovada em 2000, não tem valor jurídico por enquanto, pois é uma simples declaração política. Ela só se tornará vinculativa com a ratificação do Tratado constitucional. A constitucionalização da CDF foi mesmo um dos principais objectivos do novo Tratado. Portanto votar "não" é mesmo votar contra a Carta...
Segundo, a Carta não visa vincular directamente os Estados-membros, que já estão obrigados pelos direitos fundamentais das respectivas constituições nacionais -- e aos quais a Carta só se aplicará quando tenham de aplicar Direito Comunitário --, mas sim as instituições comunitárias, no exercício da sua competência legislativa e administrativa, as quais terão de respeitar os direitos fundamentais contidos naquela. Daí o seu valor acrescentado.
Mesmo para votar contra o novo Tratado da UE é necessário ter argumentos certos....
Expliquei a importância da Carta neste artigo.

"Folhas secas" (2)

«É um processo psicológico que encontra sempre os responsáveis pelos males próprios, na acção dos outros. Incapacidade total de autocrítica, que afinal é apenas uma coisa que entendem na perspectiva individual - "aquele que discordou do comité central deve autocriticar-se dos seus erros" - e nunca como uma atitude possível para o partido ou para os seus órgãos directivos.
É como o dogma da infalibilidade do Papa. Uma tristeza.»


(Henrique Jorge)

sábado, 27 de novembro de 2004

Eu pago!

João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), veio esta semana preparar o terreno para os bancos aplicarem uma taxa pela utilização dos serviços Multibanco. Diz ele que a rede Multibanco custa dinheiro e que faz todo o sentido que sejam os consumidores a pagá-lo. "É o princípio do utilizador-pagador", argumenta Salgueiro. Pois é, senhor presidente. Em seu nome, estamos dispostos a tudo. A pagar a SIBS, o uso dos sistemas informáticos internos, o consumo de tempo dos funcionários, a depreciação das instalações, os consumíveis e as demais categorias de custos directamente imputáveis ao cliente. Quanto aos custos indirectos e às despesas de estrutura, não se inquiete, senhor presidente. Também estamos dispostos a suportá-los, ao prorata do número de movimentos, como mandam os livros. Mesmo os custos extraordinários, senhor presidente, compreendemos que alguém os tem de suportar. É para isso que cá estamos. Vou mais longe - entendo que sempre que os bancos tiverem lucros inferiores aos normais, os consumidores devem ser co-responsáveis e contribuir para a minimização dos danos, numa modalidade a estudar pela APB.

É claro que haverá uns fundamentalistas que se oporão, como sempre se opõem a tudo. Já ouvi alguns dizerem que os bancos são os principais beneficiários da rede Multibanco, que à sua conta puderam realizar economias vultosas, que os consumidores nunca beneficiam dos ganhos de eficiência e outros disparates próprios de gente pouco informada. Nada de preocupante. Conformar-se-ão, como é habitual.
Luís Nazaré

"Folhas secas"

O projecto de resolução política a aprovar no congresso do PCP atribui o declínio eleitoral essencialmente à hostilidade da comunicação social e à «acção anticomunista» dos "renovadores" que abandonaram o partido e outros que «continuam a invocar a qualidade de membros» do PCP. Estes críticos internos, dando «provas de capitulação ideológica», assumem-se «cada vez mais como apêndices do PS e do BE».
Trata-se obviamente de um "convite" à sua saída ou do primeiro passo do processo de expulsão. Crise após crise, o discurso não muda e os culpados são sempre os mesmos, ou seja, os "media" e os "fraccionistas" internos. O resultado também já é conhecido.
É reconfortante saber que há no mundo coisas que não mudam...

O mito do mercado desregulado

Segundo o Financial Times, as grandes empresas europeias cotadas na bolsa de Nova York, aparentemente com o apoio da Comissão Europeia, estão a pressionar a Securities and Exchange Commission (a autoridade reguladora do mercado de valores mobiliários norte-americano) para aliviar as imposições estabelecidas pela Lei Sarbanes-Oxley em matéria de "corporate governance" e de transparência de contas das empresas. Afinal, ao contrário do "conventional wisdom" e das suposições neoliberais, os mercados norte-americanos, pelo menos nesta área, não não são menos regulados do que os europeus. Pelo contrário, como se vê.

Fernando Valle (1900-2004)


Há figuras assim. Discretas e irradiantes, recolhidas e incontornáveis. Quem o conheceu pessoalmente não pode ser pessimista acerca da natureza humana. Ele pertence ao melhor de um século de luta pela cidadania democrática em Portugal.

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Atrasadas ...

... mas especialmente gratificantes são as referências amigas do Puxapalavra e do Almocreve das Petas. Quem for ver os links, saberá por que ficamos desvanecidos...

Atrasados...

... mas sentidos os meus votos de felicidades ao Professorices pelo seu primeiro aniversário. É simplesmente o melhor blogue sobre o ensino superior, de um especialista com provas dadas. Parabéns, João!

As últimas "notas políticas" de VJS

«Notas finais» - eis o nome da última crónica de Vicente Jorge Silva no Diário Económico (como habitualmente disponibilizada também no Aba da Causa). VJS vai assumir novas responsabilidades noutro jornal diário. Mas continuará aqui no Causa Nossa.

Trabalhadores da CGD nacionalizados

O espaço público português é generoso e de brandos costumes: oferece, desde há uns anos, grande margem de impunidade a quem nele se movimenta. Agora está ainda mais desleixado: dá de barato o estatuto de inimputável aos velhos e novos artistas que o atravessam.
Vejamos:
SIM: Quem defendeu acerrimamente os "plafonds" no que toca às contribuições para a Segurança Social, argumentando com o facto de que o Estado não gere bem fundos de pensões, que é preciso alimentar o mercado de capitais e que os cidadãos (terá também dito "cidadãs"?) devem ser livres de escolher a quem entregar os recursos que lhes vão garantir as reformas? Bagão Félix
NÃO: Quem acaba de colocar na órbita do Estado as reformas de mais alguns milhares de trabalhadores que estavam livres desta tutela? Bagão Félix
SIM: Quem não pára de culpabilizar o monstro Estado por todos os nossos problemas? BagãoFélix
NÃO: Quem a caba de engordar o monstro com mais uns milhares de milhões de euros e um monte de responsabilidades acrescidas para as próximas décadas? Bagão Félix.
Sim, não, nim... vale tudo, desde que o saldo da operação financeira, entre os milhões que vêm e os milhões que vão, esconda o acréscimo de responsabilidades futuras e permita reduzir a escrita do défice orçamental.
E não há quem lhe mostre um espelho?
O défice orçamental real, esse, continua acima dos 5% do PIB. Que importa?

Democracia preemptiva

No PCP a democracia interna é assim. O novo secretário-geral já está escolhido antes do Congresso que supostamente deveria eleger o comité central, que por sua vez deveria eleger o novo líder. Em vez de ser o Congresso a eleger a direcção é a direcção que "elege" o Congresso. A isto poderíamos chamar "democracia preemptiva". Eis o genuíno "centralismo democrático" em acção...

O referendo (4): O engulho

Por que é que os adversários do Tratado constitucional da UE -- que sempre votarão contra ele, qualquer que seja a formulação da pergunta do referendo -- se opõem tão animosamente à referência à Carta de Direitos Fundamentais, acusando-a mesmo de "desonesta" e outro mimos quejandos?
Não é seguramente por a questão ser irrelevante, pois ela é uma das inovações mais importantes do Tratado, tanto em termos jurídicos como em termos simbólicos. A razão é outra. Para o discurso do "não" o referendo só pode evidenciar os temas que a seu ver revelam os malefícios do Tratado, sendo um "golpe baixo" incluir na pergunta aspectos que, afinal, podem merecer aprovação geral.

Os órfãos de Fontes Pereira de Melo

Leio numa das comunicações de um colóquio sobre engenharia naval (cortesia dos organizadores), a decorrer ontem e hoje no IST (Lisboa), que a ligação ferroviário-portuária cobre apenas 5% do tráfego dos portos nacionais. Com este valor ridículo, como é que se quer desenvolver o transporte marítimo e fazer dos portos portugueses portas de entrada no hinterland ibérico?
Há entre nós um estranho desprezo pelos carris. Portos importantes sem ligações ferroviários (Aveiro) ou com ligações deficientes (vários outros), aeroportos sem ligação de metro nem de comboio, eis a imagem de um país cujo entusiasmo ferroviário parece ter morrido com Fontes Pereira de Melo...

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

O Adjunto do Adjunto

Feliciano Barreiras Duarte
«Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto do Primeiro Ministro».
Eis a nova designação para chefe de gabinete, ou nem isso!

Vergonha na Boa Hora

Já percebemos que uma das coisas que mais falta faz à justiça portuguesa é...simplesmente o bom senso. Ora, não era preciso ser muito arguto para adivinhar que a realização do julgamento do processo da Casa Pia no velho tribunal da Boa Hora, em pleno centro de Lisboa, constituía um tremendo disparate, propício às cenas vergonhosas que se viram na televisão. Lá assistimos, uma vez mais, ao «voyeurismo» voraz da populaça e dos repórteres televisivos, à síndrome fascistoide do «julgamento popular» (lembram-se do filme «Matou» de Fritz Lang?). O delegado do MP e a juíza presidente bem insistiam no dever do silêncio e da dignidade para manter a postura da justiça. Mas quem os ouvia, no meio da selvajaria ululante? Só depois é que se concluiu que o melhor era transferir a realização do julgamento para o tribunal de Monsanto, lugar bem mais recatado e menos vulnerável a estas vergonhas do fascismo ordinário. Mas porque é não se pensou nisso logo de início?

VJS

Remodelação no Jardim de Infância

Este Governo parece cada vez mais um Jardim de Infância...
Os meninos querem os brinquedos dos outros, fazem birra e choram baba e ranho para levarem os seus amigos com eles. Todas as manhãs, o auxiliar de educação que está a substituir a educadora, ausente num curso de formação profissional no estrangeiro, lá tem que redistribuir os brinquedos e arranjar novas cadeiras para os amigos dos meninos!
Que trapalhada! Que trabalheira!

O Governo em Coimbra

E, finalmente, eis que ontem descobri uma vantagem de ter uma Secretaria de Estado em Coimbra. Agora já temos manifestações contra o Governo à beira da nossa casa, coisa que antes só víamos na Televisão. Dessas manifestações com palavras de ordem, bandeiras, muitas camionetas que chegam de outros lados, enfim, tudo a que temos direito! Ontem foi a dos funcionários da administração local.

Mais "Portinglês"

Contribuições dos leitores do CN, a acrescentar aos exemplos no meu post anterior sobre o assunto:

- "suportar" (support) com o sentido de "sustentar, apoiar";
- "introduzir" (introduce) com o sentido de "apresentar";
- "eventualmente" (eventually) no sentido de "finalmente", "a final" (quando não se trata de puro desconhecimento do sentido do advérbio em Inglês, julgando que significa... "eventualmente");
- "serviços de inteligência" (inteligence) com o sentido de "serviços de informações";
- "definitivamente" (definitely) com o sentido de "decididamente".

Agradecem-se mais contribuições.

Ucrânia

1. Passados 15 anos sobe a queda do muro de Berlim, a transição democrática ainda patina em alguns países da Europa de Leste. A "terceira vaga de democratização" encontrou demasiados obstáculos ...

2. Democracia quer dizer antes de tudo democracia eleitoral. Mas para isso não basta ter mais do que um candidato e liberdade de voto. "Free and fair elections" é muito mais do que isso.

3. Um democracia fraudulenta pode ser pior do que uma ditadura, porque esta não pretende ter legitimidade eleitoral. Eleições sem credibilidade assassinam as democracias.

"Portinglês" erudito

Numa conferência, ontem, o orador inicia assim ironicamente uma frase: «Vamos então falar em "plain Portuguese" ...». Sucede todavia que não são os que falam um "Português chão", mas antes alguns intelectuias e profissionais ignorantes e/ou pretensiosos, que recorrem aos mais abstrusos anglicismos que hoje se ouvem com preocupante frequência, como por exemplo, "realizar" (realize) com o significado de "aperceber-se de"; "evidências" (evidences) com o sentido de indícios ou elementos de prova; "endereçar" (address) com o sentido de "abordar" ou "ocupar-se de"; "entregar" (deliver), no sentido de "conseguir resultados" ou "ter êxito" (esta foi recentemente ouvida a um Ministro na televisão!...), etc.

Acordo ortográfico

Parece que foi retomado o esquecido processo da reforma ortográfica da Língua Portuguesa, visando uma tendencial uniformização da grafia da língua em todos os países que a partilham, actualmente separada entre a norma brasileira e a norma portuguesa (vigente também nos demais espaços lusófonos fora do Brasil).
Sou a favor, tal como há 14 anos. Mas se se mantiver a oposição radical de então, não faltarão manifestações, abaixo-assinados, ameaças de desobediência cívica (por exemplo recusa de utilização da nova grafia) ou mesmo exigência de um justiceiro referendo contra o "atentado à Língua". A demagogia nacionalista subirá ainda mais alto do que ameaça subir no caso do referendo da constituição europeia.

quarta-feira, 24 de novembro de 2004

A minha causa

Não foi fácil. Semanas de tormento e angústia. No início, nada. Depois, causas a mais. Fora de tempo, atrasado, sem timing, decido-me finalmente pela causa-mor.
Mas antes um pequeno prólogo.
No nosso último jantar, discutiu-se - a garfadas tantas, a minha idade. E foi fácil concluir que, com excepção do Luís Osório, todos os membros do CN poderiam ser meus pais. A conversa desenvolveu-se para um jogo rápido e divertido. Qual dos presentes seria mais adequado para esse papel?

A minha causa é essa - a paternidade. Sinto-o desde adolescente e é talvez a única certeza absoluta que me sobrou, com a mesma convicção de antes, desde esse tempo. Ser pai. Fazê-los, adoptá-los, educá-los. Idealmente, uma equipa de futebol composta de filhos. No limite, um. Um que nasça para me fazer menos egoísta, menos distraído, menos irresponsável, menos imbecil, menos vaidoso, um que nasça para fazer com que a velhice ganhe sentido. E eu reduza no tabaco, acabe com as noitadas, levante o pé do acelerador. Um que me salve.

Postais

1. para os meus amigos de Causa. Atrasado como é meu timbre, venho marcar o ponto na celebração do nosso 1ºaniversário, na esperança de ainda sobrar uma fatia do bolo.
Há um ano atrás, o Luís Osório pediu-me para ir a um jantar "dar uma mãozinha". A minha (parca) experiência de blogger era necessária para ajudar esta nau a zarpar do porto.
No Bairro Alto encontrei um grupo de pessoas que já admirava antes de conhecer e que - coisa rara - não me desiludiram (bem pelo contrário) depois de estabelecido the beginning of a beautiful friendship.
Obrigado ao Luís por me ter levado ao jantar, ao Vital (que, hoje, já saberá mais da bologolândia do que o próprio inventor do Blogger), à Maria Manuel e ao Luís Nazaré pelo convite para que integrasse a equipa, e a todos os outros por um ano de conversas, afectos e celebrações.

2. para ti, que me fizeste voltar a acreditar em coisas que julgava extintas.

3. para o meu tio Manuel, companheiro desde a minha primeira hora em Lisboa, amigo mais próximo que alguma vez tive da imagem de um irmão mais velho, rosto mais jovem e mais alegre do meu próprio pai, que - com apenas 40 anos - luta contra a morte num Hospital da Grande Lisboa.
Tio, mesmo sem mais cigarros e whiskies, eu sei que ainda vais voltar a ler os meus textos neste blogue, como sempre fizeste com todas as outras actividades da minha vida. Preciso do teu carinho, da tua perseverança, dos teus conselhos, da paixão com que me acompanhas e vives as minhas alegrias e tristezas como se fossem tuas.

Este é o meu postal para ti - só para dizer que me fizeste voltar a rezar.

Canas de Senhorim

Perante os desacatos de ontem já estou a imaginar políticos pusilânimes a pensar nas próximas eleições e a congeminar que o melhor é ceder antes que a coisa se torne mais grave. Errado! Ceder à violência mata a autoridade democrática. Ceder em Canas de Senhorim significaria abrir a porta à demagogia localista em dúzias de casos idênticos.

Os argumentos de Medeiros Ferreira

1. Contestando o teor e a oportunidade do referendo europeu, diz J. Medeiros Ferreira na sua coluna no Diário de Notícias:
«Eu, por mim, sinto-me mais seguro com os direitos, liberdades e garantias da República Portuguesa do que com a hipotética aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, reconhecendo embora que ela pode ser útil mais além e mais tarde. Não vejo quem se possa opor a nível europeu ao que já está consagrado entre nós.»
Ora, as coisas não são assim. Os direitos fundamentais da CRP não valem contra as instituições comunitárias. Por isso justifica-se uma CDF da UE, para asssegurar os cidadãos contra elas. Por outro lado, há quem se oponha à Carta por razões de princípio, porque consideram tratar-se de um sintoma notório da "constituicionalização" da UE, que eles rejeitam.

2. No que respeita à data do referendo considera JMF:
«(...) Tendo sido estimado em dois anos o período razoável para se proceder às ratificações [do Tratado constitucional] nos Estados membros, logo os nossos maiores decidiram que, pese o interdito e as dificuldades legais, seríamos dos primeiros a fazê-lo (...).»
Ora, não devendo haver sobreposição nem proximidade entre referendos e eleições, desde logo porque os alinhamentos políticos são distintos, se o referendo não tivesse lugar dentro de meio ano, seria muito difícil realizá-lo depois, em tempo útil, dado o ciclo eleitoral que se avizinha (eleições locais, presidenciais e parlamentares), que só termina em Outubro de 2006. De resto, para além dos países em que a aprovação vai ser feita pelo parlamento (o que já occorreu na Lituânia), o referendo espanhol está marcado para Fevereiro próximo, ou seja, bem antes do nosso...
Portanto, o argumento da precipitação do referendo não é justificado.

3. Parafraseando JMF, mesmo para demolir o vulnerável referendo europeu convém ter razão nos argumentos...

Referendo (3)

O que está em causa no referendo sobre a Constituição europeia sob um ponto de vista de esquerda (e o mesmo vale para a direita) não é optar entre o novo tratado constitucional e uma outra hipotética alternativa "verdadeiramente socialista", mas sim entre aquele e os tratados vigentes. Do que se trata de saber é se com o tratado constitucional as coisas melhoram ou não em relação à situação existente. Votar contra é votar a favor do que está.

O debate francês

«Ontem, na France 2, assisti a um debate entre elementos do PS francês, uns apoiantes outros opositores do Tratado. O que mais me admirou da parte destes últimos foi, como diz na sua crónica, essa estranha tentativa de compararem o Tratado, não com os textos existentes, mas com um texto «ideal», o tal que seria «verdadeiramente socialista».
(...) Mais do que saber se o tal texto ideal «verdadeiramente socialista» poderia alguma vez ser aprovado -- onde encontrar os apoios necessários para o fazer passar, nesta Europa que todos reconhecem estar actualmente dominada por Governos de direita --, há uma outra questão de princípio que não deve ser esquecida. É que, se acharmos que é legítimo consagrar constitucionalmente uma orientação governativa socialista ou social-democrata, então também temos, por coerência, que aceitar que possa ser consagrada da mesma forma uma solução liberal ou neo-liberal (...).
É caso para dizer que é perigoso brincar com o fogo! Para mais, isso é desvirtuar a ideia de Constituição que, como muito bem diz, deve assegurar a existência dum espaço aberto a ideias mais à direita ou mais à esquerda, «balizado por princípios e direitos fundamentais.» Dentro do respeito das regras democráticas, é legítimo -- e mesmo necessário -- que se apresentem ao eleitorado projectos diferentes, mais conservadores ou mais progressistas, de esquerda ou de direita, social-democratas ou liberais, etc. A Constituição não serve -- não deve servir -- para evitar ou substituir o combate político.»


J. P. Pessoa e Costa (Bruxelas)

terça-feira, 23 de novembro de 2004

Constituição europeia e Europa social

No meu artigo de hoje no Público analiso a questão de saber se a Constituição europeia ameaça o modelo social europeu, como foi aventado há dias por Manuel Alegre. Também pode ser visto no Aba da Causa.

Aniversário do CN

Ainda que com atraso merecem ficar registadas as felicitações pelo aniversário do Causa Nossa endereçadas por dois blogues que muito prezamos, o Blogue de Esquerda (Filipe Moura) -- ah, como é bom saber que «o Causa Nossa é um blogue jovem feito por gente de espírito jovem»! -- e pelo Professorices (J. Vasconcelos Costa).
Obrigado, pois!

O referendo (2): Outra visão?

Para perturbar ainda mais a polémica sobre a pergunta do referendo europeu, só faltava um constitucionalista creditado como o Professor Jorge Miranda vir defender, em artigo no Público de hoje (indisponível na edição online), que afinal é possível fazer uma pergunta geral -- tipo "Concorda com a aprovação do tratado que institui uma constituição para a Europa" -- sem necessidade de revisão constitucional, considerando restritiva ou errada uma diferente interpretação.
No entanto, essa posição, que contraria o consenso até agora prevalecente, não se afigura convincente. A letra e o espírito da Constituição desfavorecem-na. Se fosse assim, em vez de dizer (como ela diz) que os referendos só podem incidir sobre «questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela AR ou pelo Governo através da aprovação de tratado internacional ou de acto legislativo», deveria dizer (mas não diz) que eles podem incidir sobre «convenções ou actos legislativos que versem questões de relevante interesse nacional».
A interpretação permissiva também é contrariada pelos debates parlamentares, quer em 1989, quando o preceito foi introduzido na Constituição, quer na mais recente revisão constitucional, quando foi rejeitada uma proposta de emenda constitucional do PCP que visava justamente admitir um referendo directo sobre o novo tratado europeu (emenda que não seria necessária se a Constituição já o admitisse...).
O próprio Jorge Miranda já escreveu, num texto que se encontra disponível online, o seguinte: «O art. 115 da Constituição continua a não consentir referendos destinados a aprovar ou rejeitar directamente leis ou tratados (...). Reporta-se sim a matérias ou questões que devam constar de leis ou de tratados, obrigando depois os órgãos competentes a respeitar o veredicto popular». Ora, referendar "matérias ou questões" que constem de um tratado não é o mesmo que referendar globalmente o próprio tratado...
De resto, se o referendo incidisse directamente e globalmente sobre o texto do tratado, para que é que era necessária uma ulterior votação da AR a aprová-lo ou rejeitá-lo (conforme o resultado do referendo)?