quarta-feira, 1 de dezembro de 2004

E o referendo europeu?

Fica na gaveta para já. Já não pode ser convocado antes das eleições, como determina a Constituição. Depois, dificilmente poderá ter lugar até ao Verão de 2004, até porque as eleições autárquicas se aproximam. Seguem-se as eleições presidenciais em Janeiro de 2006. Portanto, já só poderá ter lugar antes ou depois do Verão de 2006, mesmo no limite dos dois anos previstos para a ratificação do tratado constitucional.
Não é provável que a Constituição Europeia ocupe grande lugar na disputa eleitoral que se aproxima, desde logo porque não constitui factor de divisão entre os dois principais partidos. Deste modo, a questão da Constituição europeia e do seu referendo deve ficar a "hibernar" provavelmente até bem dentro de 2006.

terça-feira, 30 de novembro de 2004

O Partido "bunker"

O meu artigo de hoje no Público analisa o Congresso do PCP e as suas lições (também reproduzido no Aba da Causa).

Demasiado tarde?

Para o PSD a temida dissolução parlamentar pode ter vindo um tudo-nada tarde demais. Se tivesse ocorrido antes do recente Congresso, poderia ter havido a possibilidade de uma golpe-de-teatro, substituindo Santana Lopes, o principal responsável pelo desastre governativo, e partindo para as eleições com uma nova liderança apostada numa rápida e oportunista demarcação face ao governo do próprio PSD (assim sucedeu em 1985, com Cavaco Silva, contra o Governo do "bloco central", em que o PSD participara...).
Assim, ainda com um Congresso fresco, que consagrou Santana Lopes e convalidou o seu Governo, afigura-se quase impossível, e pouco credível, um golpe-de-Estado que congregue cavaquistas, marcelistas e barrosistas para provocar a convocação de um congresso extraordinário a fim de destituir a actual liderança e desdizer o Congresso de há poucas semanas.
A não ser que Santana tome a iniciativa de se demitir ou colocar o seu lugar à disposição -- mas será uma hipótese credível, considerando a personagem? --, será sob a sua liderança que o PSD vai a eleições. Não se augura um grande resultado...

Demasiado cedo?

Para o PS de Sócrates as eleições vêm talvez demasiado cedo, visto que fica sem tempo para lançar e tirar partido do "Fórum Novas Fronteiras" -- que estava marcado para o final de Janeiro -- e para aprofundar a sua alternativa de Governo, na base das opções saídos do último Congresso. Tudo vai ter de ser feito em ritmo muito mais acelerado. A já anunciada entrega da responsabilidade de coordenação do programa eleitoral a António Vitorino é um trunfo importante da nova liderança do PS.

Incongruência

A dissolução parlamentar não acarreta por si mesma a demissão do Governo, nem o Presidente da República demitiu o Governo simultaneamente com aquela, provavelmente por entender que não se verifica a situação constitucionalmente requerida para esse efeito, ou seja, o perigo para o "regular funcionamento das instituições".
Tecnicamente o Governo mantém-se em funções plenas, sem qualquer limitação geral, salvas as que dependiam da Assembleia da República. Não deixa de ser irónico que, sendo o Governo o único responsável pela crise e pela instabilidade que motiva a decisão presidencial, seja a AR que é dissolvida, ficando o Governo em funções normais durante mais dois meses, ainda por cima sem controlo parlamentar!
Parece um tanto incompreensível que o mesmo Governo que gerou a crise política (e a quem o Presidente recusou mesmo a substituição ministerial apresentada pelo Primeiro-ministro) continue, ao menos formalmente, com plenos poderes de legislar, de tomar decisões políticas, de preencher cargos públicos (empresas públicas, etc.). Mesmo considerando o poder de veto presidencial (que só se refere aos poderes legislativos), subsiste a incongruência.
Em todo o caso, o facto de o Presidente não ter demitido simultaneamente o Governo, não quer dizer que o não possa fazer ulteriormente, se houver razões para isso.

Erros de palmatória

É incrível como jornalistas e comentadores qualificados podem ser tão ignorantes acerca dos dados constitucionais relevantes para compreender a decisão do Presidente da República.
Ao contrário do que se ouve, o Presidente não anunciou a demissão do Governo, mas sim a dissolução da Assembleia da República, a fim de antecipar eleições parlamentares. Embora politicamente diminuído, o Governo mantém-se em funções normais até depois das eleições (e não somente a título de "governo de gestão", como sucederia em caso de demissão). E diferentemente do que se argumenta, para dissolver a AR o Presidente não precisa de invocar, muito menos de provar, a existência de qualquer perigo para o "regular funcionamento das instituições" (que só se torna necessário para justificar a demissão do Governo). Constitucionalmente trata-se de uma decisão discricionária; devendo ser politicamente justificada (desde logo perante o Conselho de Estado), ela pode porém basear-se em qualquer factor relevante, entre eles a instabilidade política, a falta de sustentação política e social do Governo, o descrédito parlamentar, etc.

A corda quebrou

Sucedeu mais cedo do que o esperado o que quase toda a gente tinha por inevitável mais cedo ou mais tarde, ou seja, o fim da linha para o Governo de Santana Lopes. Era evidente que ele não ia chegar a 2006, dado o desnorte governativo e o clima de progressivo apodrecimento político. Com os incríveis desenvolvimentos do fim-de-semana passado (a surrealista resposta da Santana a Cavaco Silva, a compometedora demissão e carta do Ministro Chaves, etc.), o Presidente entendeu que se tinha atingido a linha vermelha e que o País não poderia continuar a suportar o factor de instabilidade e de perturbação permanente que era o Governo, abandonado até pelos seus aliados sociais naturais.
Diferentemente do que ocorreu em Julho, em que o próprio Presidente deixou arrastar desnecessariamente a sua hesitação quanto ao caminho a seguir, desta vez Jorge Sampaio foi lesto e decidido, talvez porque na sua mente se iam acumulando desde trás as provas da estrutural incapacidade governativa.
Embora se possa lamentar que o desenlace ocorra num contexto pouco propício -- designadamente pelos efeitos colaterais negativos no plano orçamental e financeiro -- e venha baralhar os calendários políticos anteriores (por exemplo, o referendo da Constituição europeia deve ser adiado), a decisão do Presidente é inatacável sob o ponto de vista constitucional e político, mesmo que seja discutível quanto à sua oportunidade.

(revisto)

O blogue dos ateus

O Diário Ateísta comemora hoje o seu primeiro aniversário. E tem razões para celebrar, sendo hoje uma tribuna reconhecida no seu ateísmo militante e na sua salutar iconoclastia. Não é preciso estar de acordo para considerar imprescindível a sua voz na blogosfera. Felicidades pois para o Carlos Esperança e os seus companheiros de aventura!

Nem aos seus agrada

Normalmente os empresários preferem os governos de direita, em geral mais favoráveis ao mundo dos negócios. Mas até esse capital inicial Santana Lopes já perdeu, a acreditar na amostra de opiniões que o Diário Económico hoje publica, reforçadas aliás pelo editorial do mesmo jornal.
De facto, não existe proximidade nem sintonia que resistam à instabilidade, insegurança e imprevisibilidade política. Como pode haver um ambiente favorável à actividade económica e ao investimento, sem confiança na continuidade e na credibilidade pública do Governo, dos ministros e das políticas? Não admira por isso que, com o aumento da insatisfação contra o Governo, cresça também a reclamação do seu afastamento antecipado. Se a deriva governamental não estabilizar, ainda veremos os empresários juntarem-se a um clamor nacional pelo fim deste desastrado governo, mesmo sabendo que a alternativa só pode estar à esquerda.

Raul Rivero

A libertação de Raul Rivero, o mais conhecido dos dissidentes cubanos, condenado a 20 anos de prisão pela sua acção contra o regime de Fidel Castro, mostra como as pressões diplomáticas, neste caso da Espanha, podem ser mais eficazes do que medidas mais duras, como o embargo económico norte-americano, as quais, além de vitimarem a população em geral, podem ter efeitos opostos aos desejados, dando ao regime pretextos para maior repressão e isolamento.
A libertação dos presos políticos não resolve só por si a questão da repressão política, mas, para além da liberdade individual dos beneficiários, é evidente que a acção de homens como Rivero em prol da transição democrática em Cuba é mais útil fora da prisão do que dentro dela. Obrigar o regime a tolerar a oposição é um importante passo para legitimar a sua contestação.

Masoquismo

Como era de esperar, depois do Congresso do PCP, que reforçou a linha marxista-leninista, os "renovadores" chegaram à conclusão de que já nada há a fazer lá dentro, preparando-se para sair. Mas há quem resista, mesmo sabendo que passaram a ser considerados e ostracizados como "inimigos internos". É preciso espírito de sacrifício!

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

A fórmula de Bolonha

Entrevistado pela Capital, o Prof. Jorge Miranda opõe-se à aplicação da fórmula 3+2 ao curso de Direito no âmbito do "processo de Bolonha", argumentando que um curso de três anos não daria para exercer a advocacia. Mas trata-se de uma falsa questão. Os defensores do esquema 3+2, entre os quais me conto, nunca defenderam tal coisa. O que defendo, sim, é que aquele esquema permitiria a quem o desejasse uma saída profissional ao fim de três anos, para profissões menos exigentes, mantendo-se para as profissões juríficas mais exigentes uma formação de 5 anos (3+2). Foi a solução adoptada em vários países, entre os quais a Itália.
(Para uma explicação mais larga das razões a favor desta solução ver o meu artigo intitulado "A fórmula da Bolonha", publicado em Março passado no Público, que reproduzo agora no Aba da Causa).

A prudência de Sócrates

Interrogado sobre a súbita crise governativa José Sócrates não exigiu do Presidente da República a imediata antecipação de eleições. De facto, sob o ponto de vista do PS a precipitação de eleições poderia não ser a melhor solução nesta altura. Para além das dificuldades de uma campanha eleitoral em pleno Inverno, a dissolução da AR agravaria perigosamente a difícil situação financeira (por falta de aprovação do orçamento) e, sobretudo, apanharia a nova direcção do PS ainda longe de ter preparado uma consistente alternativa de Governo.
Como observa Paulo Gorjão, tanto como ganhar eleições, ao PS importa disputá-las nas melhores condições, para majorar as possibilidades de alcançar uma maioria absoluta, que lhe proporcione segurança governativa, sem depender de outro partido para governar, especialmente do PCP (que saiu ainda mais sectário do recente congresso). Daí que possa estar interessado em que o Governo não caia prematuramente, antes de estar totalmente desacreditado na opinião pública.

O referendo (5):

«(...) Relativamente ao seu post "O referendo (4) : Porquê a Carta de Direitos Fundamentais?", devo dizer que sou claramente a favor da ratificação do Tratado constitucional e por isso sinto crescer uma certa frustracão por ver que a discussão se centra cada vez mais em questões extremamente técnicas, que levarão ao alheamento da maior parte das pessoas.
Sinto-me cada vez mais preocupado por sentir que o Nao vencerá simplesmente porque à já característica falta de abertura intelectual (leia-se preguiça) da maioria dos portugueses para compreender questões comunitárias, junta-se o facto de a pergunta, e a discussão em seu torno, tenderem para pormenores técnicos, apenas inteiramente compreensíveis a juristas. Espero estar errado.»

Bernardo Rodrigues (Djacarta)

A pergunta que Jorge Sampaio ...

... deveria fazer a Santana Lopes:
«Se Vossa Excelência, como ora se comprova, não consegue segurar no Governo os raros Ministros que sempre, no passado, lhe devotaram, em termos pessoais e políticos, uma fidelidade quase incondicional, como hei-de acreditar (e com que garantias) que, daqui para a frente, Vossa Excelência conseguirá garantir a colaboração leal e profícua dos demais membros do executivo e, consequentemente, a estabilidade do Governo?»
No Abnóxio.

O dilema de Sampaio

Com a demissão de Henrique Chaves, o Presidente da República vê-se perante um dilema em relação ao qual poderá dizer-se que não se sabe bem onde acaba o ridículo e começa o trágico. Trata-se, em qualquer caso, de uma situação muito pouco abonatória da imagem de um país que Jorge Sampaio não gostaria certamente de ver confundido com um imaginário Estado de opereta dos irmãos Marx ou uma sul-americaníssima república das bananas.

Se Sampaio considera que o estrondoso bater de porta de Chaves (conhecido por ter sido um dos deputados mais desbocados do nosso Parlamento, como pôde ver quem por lá passou) não é ainda suficiente para diagnosticar a insustentabilidade de Santana Lopes à frente do Governo, corre o risco de perder definitivamente a face presidencial.

Mas se Sampaio decide, finalmente, que esta é a gota que fez transbordar o vaso da sua infinita paciência e convoca eleições antecipadas, corre outro risco não menor: o de conceder a uma figura tão irrelevante e patética como Chaves o estatuto quase épico de coveiro do santanismo e criador de uma tremenda crise institucional.

Tirem-me deste filme, deverá estar, por estas horas (são três da madrugada de segunda-feira), a implorar Sampaio. Mas agora é tarde, sr. Presidente.

Liberalismo e "Estado social"

Raramente o programa do liberalismo doutrinário se revela tão cruamente como neste excerto do «decálogo liberal» publicado por Rui A. no Blasfémias:
«2. Um liberal defende o desinvestimento público e a redução do papel do Estado na vida social. Um programa político que insista em pontos como a promoção da igualdade social, a redução das injustiças, ou outras intenções igualmente piedosas a cargo do Estado, não é certamente liberal.
3. Para um liberal, as funções do Estado devem reconduzir-se às que originaram o contrato social instituidor: segurança, liberdade e propriedade privada. Nessa medida, deve pugnar pela concentração dos poderes públicos nessas funções essenciais, desempenhadas cada vez mais deficientemente pela sua preocupação em ser «Estado Social», e pela devolução do restante aos seus legítimos possuidores: os indivíduos.»
São justamente estes dois pontos que separam irreparavelmente o programa da direita liberal da esquerda democrática, aliás tanto ou mais liberal do que aquela no que respeita à esfera política e à esfera pessoal (e mesmo tendencialmente na esfera económica). É que enquanto aquela se conforma com -- e na verdade promove -- a exclusão de uma parte importante das pessoas dos benefícios da liberdade individual (como se pode ser livre na miséria, no analfabetismo, no desemprego, na marginalização social?), o programa do Estado social visa assegurar a todos as condições mínimas da fruição da liberdade individual, nomeadamente o acesso a serviços públicos essenciais, incluindo a educação básica gratuita, a segurança social no desemprego, na doença e na velhice, bem como o fomento activo da igualdade de oportunidades e da coesão social.
Não se trata somente de juntar ao valor da liberdade os da igualdade e da solidariedade, segundo a trilogia clássica (para não falar do valor primário da dignidade humana...), mas antes de garantir que a liberdade individual não é somente privilégio dos que têm e podem, e que os nobres valores do liberalismo não acabam sacrificados a um cínico e cruel "darwinismo social". Por isso o Estado social não é incompatível com o liberalismo, mas sim uma condição de um liberalismo compartilhado pelo maior número.

domingo, 28 de novembro de 2004

Piada de mau gosto

Em Belém deve reinar um misto de incredulidade e de preocupação com a crise governamental precipitada pela estrondosa saída de Henrique Chaves, poucos dias depois da já de si inesperada mexida governamental. Afinal, foi em nome da estabilidade governativa (lembram-se?) que Sampaio justificou a nomeação do actual primeiro-ministro, agora gravemente acusado de deslealdade por um do seus mais dilectos colaboradores.
Estabilidade!? Neste contexto de desagregação do governo e de manifesta instabilidade pessoal do próprio primeiro-ministro, a simples menção da palavra estabilidade (que rima com credibilidade e seriedade...) arrisca-se a ser uma piada de mau gosto!

Desgoverno

Mal passados quatro dias depois da inesperada remodelação governamental, e eis que um dos ministros "reajustados" vem anunciar inopinadamente a sua demissão, acusando directamente o chefe do Governo de mentira, deslealdade e incapacidade! Tratando-se de um (ex-)amigo e (ex-)fiel de Santana Lopes, as referidas acusações ganham especial gravidade.
Esta insólita situação constitui um gravíssimo golpe na já pouca credibilidade do primeiro-ministro, degrada ainda mais a desconsideração pública pelo actual Governo, mina decididamente a confiança entre os seus membros (o que pensarão doravante os demais ministros do Primeiro-Ministro?) e adensa as dúvidas sobre sua subsistência até ao fim da legislatura.
De facto, que mais pode esperar-se deste desgoverno?

O Livro dos Elogios (2)

Entrou cedo no hospital, mesmo antes de abrirem o guichet dos serviços de gastrenterologia. Veio de fora de Coimbra. Deveria ter 70 anos. Quando chegou a sua vez, a funcionária perguntou-lhe pelo resultado das análises que lhe tinham pedido para trazer. Esquecera-se. E agora? Sem eles não pode fazer o exame, comentou a funcionária sem um ar reprovador. E mesmo antes de obter uma resposta, lamentou: é uma pena, esperou tanto tempo. Vai voltar a esperar outro tanto. E ainda por cima ninguém fará hoje o exame em sua vez. Será que não pode telefonar para casa? Não tinha lá ninguém, respondeu o Sr. X. A funcionária não desistiu. Em que laboratório fez as análises? Ligue para lá, eu aponto o resultado, sugeriu. Foi na Mealhada, mas não sei o número, nem tenho telefone, respondeu o Sr X. Não se preocupe, eu trato disso, assumiu ela. E assim fez. Ligou para a central telefónica, pediu o favor de lhe procurarem o número, contactou o laboratório e obteve o resultado. O exame pode ser feito.
Chama-se Helena. É funcionária dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Nesse dia fez com que o seu serviço ganhasse em humanidade e até em racionalidade. O seu serviço foi um verdadeiro serviço público de saúde, socialmente atento e bem mais eficiente do que se o Sr X tivesse regressado a casa, liminarmente devolvido por um qualquer burocrata armado em "competente".
Que falta me fez nesse dia um livro para registar o meu apreço. Mas quando fui atendida, não poupei os elogios.

O referendo (4) : Porquê a Carta de Direitos Fundamentais ?

Escreve J. Mário Teixeira o seguinte no Sentidos da Vida sobre o referendo da Constituição europeia:
«Votar "Não" à ratificação significa que não se quer o Tratado, não quer dizer que não se quer a Carta dos Direitos Fundamentais. É que a Carta já existia, independentemente de qualquer Constituição Europeia. Agora, se era ou não observada, respeitada pelos Estados-membros, isso já é outra coisa. Se querem verdadeiramente vincular os Estados-membros à Carta, é uma matéria com interesse, mas daí incorporá-la num Tratado para servir de argumento aliciante ao todo, já não colhe.»
Há dois equívocos básicos aqui.
Primeiro, a Carta de Direitos Fundamentais, aprovada em 2000, não tem valor jurídico por enquanto, pois é uma simples declaração política. Ela só se tornará vinculativa com a ratificação do Tratado constitucional. A constitucionalização da CDF foi mesmo um dos principais objectivos do novo Tratado. Portanto votar "não" é mesmo votar contra a Carta...
Segundo, a Carta não visa vincular directamente os Estados-membros, que já estão obrigados pelos direitos fundamentais das respectivas constituições nacionais -- e aos quais a Carta só se aplicará quando tenham de aplicar Direito Comunitário --, mas sim as instituições comunitárias, no exercício da sua competência legislativa e administrativa, as quais terão de respeitar os direitos fundamentais contidos naquela. Daí o seu valor acrescentado.
Mesmo para votar contra o novo Tratado da UE é necessário ter argumentos certos....
Expliquei a importância da Carta neste artigo.

"Folhas secas" (2)

«É um processo psicológico que encontra sempre os responsáveis pelos males próprios, na acção dos outros. Incapacidade total de autocrítica, que afinal é apenas uma coisa que entendem na perspectiva individual - "aquele que discordou do comité central deve autocriticar-se dos seus erros" - e nunca como uma atitude possível para o partido ou para os seus órgãos directivos.
É como o dogma da infalibilidade do Papa. Uma tristeza.»


(Henrique Jorge)

sábado, 27 de novembro de 2004

Eu pago!

João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), veio esta semana preparar o terreno para os bancos aplicarem uma taxa pela utilização dos serviços Multibanco. Diz ele que a rede Multibanco custa dinheiro e que faz todo o sentido que sejam os consumidores a pagá-lo. "É o princípio do utilizador-pagador", argumenta Salgueiro. Pois é, senhor presidente. Em seu nome, estamos dispostos a tudo. A pagar a SIBS, o uso dos sistemas informáticos internos, o consumo de tempo dos funcionários, a depreciação das instalações, os consumíveis e as demais categorias de custos directamente imputáveis ao cliente. Quanto aos custos indirectos e às despesas de estrutura, não se inquiete, senhor presidente. Também estamos dispostos a suportá-los, ao prorata do número de movimentos, como mandam os livros. Mesmo os custos extraordinários, senhor presidente, compreendemos que alguém os tem de suportar. É para isso que cá estamos. Vou mais longe - entendo que sempre que os bancos tiverem lucros inferiores aos normais, os consumidores devem ser co-responsáveis e contribuir para a minimização dos danos, numa modalidade a estudar pela APB.

É claro que haverá uns fundamentalistas que se oporão, como sempre se opõem a tudo. Já ouvi alguns dizerem que os bancos são os principais beneficiários da rede Multibanco, que à sua conta puderam realizar economias vultosas, que os consumidores nunca beneficiam dos ganhos de eficiência e outros disparates próprios de gente pouco informada. Nada de preocupante. Conformar-se-ão, como é habitual.
Luís Nazaré

"Folhas secas"

O projecto de resolução política a aprovar no congresso do PCP atribui o declínio eleitoral essencialmente à hostilidade da comunicação social e à «acção anticomunista» dos "renovadores" que abandonaram o partido e outros que «continuam a invocar a qualidade de membros» do PCP. Estes críticos internos, dando «provas de capitulação ideológica», assumem-se «cada vez mais como apêndices do PS e do BE».
Trata-se obviamente de um "convite" à sua saída ou do primeiro passo do processo de expulsão. Crise após crise, o discurso não muda e os culpados são sempre os mesmos, ou seja, os "media" e os "fraccionistas" internos. O resultado também já é conhecido.
É reconfortante saber que há no mundo coisas que não mudam...

O mito do mercado desregulado

Segundo o Financial Times, as grandes empresas europeias cotadas na bolsa de Nova York, aparentemente com o apoio da Comissão Europeia, estão a pressionar a Securities and Exchange Commission (a autoridade reguladora do mercado de valores mobiliários norte-americano) para aliviar as imposições estabelecidas pela Lei Sarbanes-Oxley em matéria de "corporate governance" e de transparência de contas das empresas. Afinal, ao contrário do "conventional wisdom" e das suposições neoliberais, os mercados norte-americanos, pelo menos nesta área, não não são menos regulados do que os europeus. Pelo contrário, como se vê.

Fernando Valle (1900-2004)


Há figuras assim. Discretas e irradiantes, recolhidas e incontornáveis. Quem o conheceu pessoalmente não pode ser pessimista acerca da natureza humana. Ele pertence ao melhor de um século de luta pela cidadania democrática em Portugal.

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Atrasadas ...

... mas especialmente gratificantes são as referências amigas do Puxapalavra e do Almocreve das Petas. Quem for ver os links, saberá por que ficamos desvanecidos...

Atrasados...

... mas sentidos os meus votos de felicidades ao Professorices pelo seu primeiro aniversário. É simplesmente o melhor blogue sobre o ensino superior, de um especialista com provas dadas. Parabéns, João!

As últimas "notas políticas" de VJS

«Notas finais» - eis o nome da última crónica de Vicente Jorge Silva no Diário Económico (como habitualmente disponibilizada também no Aba da Causa). VJS vai assumir novas responsabilidades noutro jornal diário. Mas continuará aqui no Causa Nossa.

Trabalhadores da CGD nacionalizados

O espaço público português é generoso e de brandos costumes: oferece, desde há uns anos, grande margem de impunidade a quem nele se movimenta. Agora está ainda mais desleixado: dá de barato o estatuto de inimputável aos velhos e novos artistas que o atravessam.
Vejamos:
SIM: Quem defendeu acerrimamente os "plafonds" no que toca às contribuições para a Segurança Social, argumentando com o facto de que o Estado não gere bem fundos de pensões, que é preciso alimentar o mercado de capitais e que os cidadãos (terá também dito "cidadãs"?) devem ser livres de escolher a quem entregar os recursos que lhes vão garantir as reformas? Bagão Félix
NÃO: Quem acaba de colocar na órbita do Estado as reformas de mais alguns milhares de trabalhadores que estavam livres desta tutela? Bagão Félix
SIM: Quem não pára de culpabilizar o monstro Estado por todos os nossos problemas? BagãoFélix
NÃO: Quem a caba de engordar o monstro com mais uns milhares de milhões de euros e um monte de responsabilidades acrescidas para as próximas décadas? Bagão Félix.
Sim, não, nim... vale tudo, desde que o saldo da operação financeira, entre os milhões que vêm e os milhões que vão, esconda o acréscimo de responsabilidades futuras e permita reduzir a escrita do défice orçamental.
E não há quem lhe mostre um espelho?
O défice orçamental real, esse, continua acima dos 5% do PIB. Que importa?