sábado, 26 de fevereiro de 2005

Especulações

Durante a campanha eleitoral José Sócrates fez questão de não ceder um milímetro à insistente curiosidade dos jornalistas nos mais variados temas (alianças pós-eleitorais, futuro ministro das finanças, calendário de referendos, etc.). Depois da sua convincente vitória eleitoral tem mantido a mais estrita discrição sobre a composição do seu governo. Tal como António Vitorino disse na noite eleitoral, "o Governo não será feito pela comunicação social nem na comunicação social". À míngua de dados fidedignos, alguns media menos escrupulosos têm-se dedicado à invenção de numerosos ministros putativos. Já devem dar para três ou quatro governos...

Má fé

Enquanto faz menção de disponibilidade para a paz com os palestinianos, Israel continua a ocupar a Cisjordânia com colonatos judaicos. Que pior exemplo de má-fé?

Suástica

«Ao seu post sobre simbologia nazi convém acrescentar que a cruz gamada é um símbolo religioso de grande prestígio e de significado altamente positivo na Índia. É usada abundantemente, como amuleto de sorte, tanto por hindus como por budistas indianos. Num tempo que se quer cada vez mais multicultural, e tendo em conta que há três vezes mais indianos neste mundo do que europeus, proibir a cruz gamada é perfeitamente ridículo e absurdo. Os hindus que vivem entre nós, muitos dos quais são cidadãos europeus, devem ter a liberdade de usar os seus símbolos próprios. E se eles têm essa liberdade, não se vê porque é que outros não a hão-de ter também.»
(Luís Lavoura)

Fugas

«A saída de Guterres do Governo tem sido sistemáticamente apelidada de fuga.
São os adversários políticos, são os opinadores (ainda não entendi muito bem a fixação de António Barreto), enfim quase todos.
Só não se fala da saída de Durão Barroso, depois de uma derrota estrondosa nas europeias e de ter jurado que aprendera a lição e que a partir daí as coisas iam melhorar (melhoraram para ele...), nem da saída do Portas, que após ter construído um partido à sua imagem e semelhança, abandona-o, deixando-o numa situação de quase orfandade.
Já quanto a Santana Lopes, criticou-se o facto de não ter "fugido".
Entendamo-nos. Existem situações em relação às quais é necessário tirar as devidas consequências políticas, sem que haja necessidade de as classificar de modo depreciativo. Guterres teve uma grande derrota eleitoral e não tinha condições políticas (uma maioria parlamentar, por exemplo) para continuar, tal como não tem actualmente o Santana Lopes, por outros motivos.
Sobram Portas e Barroso. Em relação a esses, que têm passado relativamente bem ao largo do tema das fugas, a situação é mais turva, mas o que se pode dizer é que num caso os portugueses pagaram caro pela saída (Barroso), noutro o CDS/PP vai também pagar muito caro (Portas).»

(David Caldeira)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

Simbologia nazi

"União Europeia desiste de proibir símbolos nazis". Prevaleceu a sensatez. Uma coisa é combater a ideologia nazi e a sua propaganda organizada, incluindo a proibição das organizações neonazis e a punição penal do racismo e da xenofobia, outra coisa é o banimento de símbolos político-ideológicos e a consequente restrição da liberdade individual de opinião política. Compreende-se a situação especial da Alemanha, dada a sua experiência histórica. Mas numa democracia consolidada não deve ser proibido ser antidemocrata, nem mostrá-lo. A superioridade da democracia liberal está na capacidade de inclusão dos seus próprios adversários.

O desafio de Lisboa

Diz o Público de hoje: «Quanto a candidatos [do PS à presidência da câmara de Lisboa], tudo se encaminha para que, em querendo, seja mesmo Ferro Rodrigues o escolhido. O seu nome é o preferido tanto na direcção nacional do partido como na concelhia. Isto significa que ficará de fora o único candidato assumido ao lugar, Manuel Maria Carrilho.»
E Ferro, recusará o desafio?

Quatro anos de solidão

Ou a espinhosa missão de José Sócrates. Aqui ao lado, no Aba da Causa.

Livro de reclamações

É admissível que a principal companhia de telefones móveis não garanta "sinal" em vários troços da linha ferroviária do Norte, pelo menos entre Coimbra e Santarém, tornando impossível manter uma ligação telefónica sem interrupção? Não deveria ser uma condição da licença dos operadores a garantia de cobertura dos principais eixos ferroviários e rodoviários? Afinal, a filosofia dos telemóveis não deveria ser a... mobilidade? A entidade reguladora não deveria ter uma palavra a dizer sobre isto?

A omissão

Há uma coisa que os candidatos à liderança do PSD devem à opinião pública democrática: um pedido de desculpas em relação à infame campanha de ataques pessoais aos adversários durante a disputa eleitoral, designadamente a José Sócrates, visando enlamear a sua dignidade e imagem e o seu bom nome. Como os dois candidatos já conhecidos foram protagonistas das eleições e não se demarcaram daquela campanha, importa saber se a reprovam, ou não.
Como se pode, por exemplo, falar em "regenerar" o PSD, como pretende Marques Mendes, sem limpar essa página funesta da vida recente do partido?

O óbvio

Marques Mendes na RTP a reconhecer o óbvio: se não tivessem sido os dislates do Governo Santana Lopes a legislatura não teria sido interrompida. Apesar de óbvio, torna-se necessário lembrá-lo aos dirigentes cessantes do PSD que ainda na segunda-feira responsabilizavam o Presidente da República pela sua derrota. Há gente que nunca sabe assumir as suas próprias responsabilidades!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

À deriva

Depois da saída do líder que se ufanava de não conhecer o verbo "abandonar" (denunciando acusadoramente os que noutros partidos tinham "fugido" na sequência de derrotas políticas), parece que nenhum dirigente do CDS está disponível para tomar o leme do partido, mesmo os que antes das eleições não se eximiram a figurar na ridícula encenação de uma suposta equipa governativa. Compreende-se: ninguém está pronto para sacrificar a sua confortável vida profissional ou empresarial ao serviço da liderança do partido, numa travessia de deserto previsivelmente muito duradoura. Será que depois do falhanço do projecto Portas, o CDS voltou ao ciclo da luta pela sobrevivência?

Boas companhias

Admirador declarado do modelo social-democrata escandinavo -- que combina uma eficiente economia de mercado com altos níveis de protecção social e com excelente protecção do ambiente -- José Sócrates assina hoje no Público um artigo em co-autoria com o primeiro-ministro sueco, Göran Persson, e com o presidente do Partido Socialista Europeu, o dinamarquês Poul Nyrup Rasmussen, sobre o desenvolvimento sustentável na Europa à luz da "estratégia de Lisboa". Óptima companhia e oportuna solidariedade política, no dia em que o líder do PS é oficialmente indigitado para formar governo.

UE precisa de liderar combate à malária

Vergonhosamente, a maior parte dos Estados europeus não cumpre ainda o compromisso de afectar 0,7% do PIB à Ajuda ao Desenvolvimento. Apesar disso, a UE no seu conjunto contribui, hoje, com 55% do total da Ajuda ao Desenvolvimento, cerca de 30 milhares de milhões de euros por ano. Mais de 160 países beneficiam desta ajuda, 1/5 da qual é gerida pelo orçamento da Comissão.
Reforçar o papel da Europa no combate à pobreza e na Ajuda ao Desenvolvimento fortalece a credibilidade e a eficácia da Política Externa e de Segurança e Defesa europeia em todo o Mundo.
E a Europa pode fazer a diferença contra a pobreza, apoiando a iniciativa do Presidente Lula e outros na última Assembleia Geral das NU para aumentar o financiamento do desenvolvimento. E se souber mobilizar fundos e liderar projectos com impacte estratégico. Como a erradicação da malária, conforme recomenda o Prof. Jeffrey Sachs, Director do Programa do Milénio das Nações Unidas. Porque é sobretudo na população dos países mais pobres que a malária incide com efeitos devastadores e custos económicos incalculáveis.
Mais de 300 milhões de pessoas por ano são infectadas pela malária, a doença que mais mata: mais de 1 milhão de pessoas por ano, 90% das quais em África. Segundo a UNICEF, a malária mata uma criança cada 30 segundos. No tempo desta minha intervenção estão a morrer 3 crianças vítimas da malária.
A Europa pode fazer mais e melhor. Por isso a Comissão deve lançar e liderar um programa global de combate à malária. Aumentando e canalizando fundos para programas de controlo nos países de incidência; apoiando políticas nacionais para que seja dada prioridade ao combate à malária; estimulando o sector privado na produção de uma vacina e na distribuição de fármacos eficazes no tratamento da malária, bem como na distribuição de redes anti-mosquito tratadas com insecticida.
A pobreza e a miséria alimentam a injustiça, o desespero e a insegurança global. Com esta aposta estratégica, a Europa contribuirá decisivamente para cumprir os objectivos do Milénio, compromissos que têm de ser honrados. E também para o Mundo mais justo e seguro que os cidadãos europeus esperam que a Europa ajude a construir.

(Intervenção no Plenário do PE, debate sobre Combate à Fome e Pobreza, Estrasburgo 23.2.05)

Obviamente Vitorino!

Parafraseando um velho dito, as questões orçamentais e financeiras são demasiado importantes para serem deixadas aos especialistas em finanças públicas. Do que precisamos no ministério das finanças é uma personalidade com visão estratégica e peso político bastante para se impor aos demais ministros. A sugestão de Teodora Cardoso quanto à solução de António Vitorino para a pasta das Finanças, agora acompanhada por outros observadores, faz todo o sentido.

Desde que não me tirem o meu ministério...

Como recorda o Diário Económico de ontem, os empresários e gestores preconizam em geral governos pequenos e privilegiam a coordenação governamental e os ministérios de "banda larga". Mas quando se trata de ir ao pormenor, os interessados não dispensam os ministérios da agricultura, do turismo, do desporto, etc. etc. Coerência precisa-se.

E se a coligação tivesse ido coligada às eleições?

Há quem pense que, se o CDS e o PSD tivessem ido às eleições em coligação, poderiam ter evitado a maioria absoluta do PS. Mas não têm razão.
Desde logo, a hipótese de coligação eleitoral é totalmente retórica. Não foi por acaso que ela não existiu, dada a resistência que ela suscitaria em ambos os partidos. De um lado, basta lembrar o aplauso geral que Marques Mendes recebeu no congresso do PSD quando condenou tal hipótese. Do outro lado, é evidente que Portas tinha de tentar capitalizar aquilo que julgava ser a mais-valia do CDS no Governo, não podendo deixar-se associar à péssima imagem de Santana Lopes. Os dois partidos concorreram separados porque entenderam que a soma de ambos poderia ser maior do que a coligação.
Seja como for, mesmo que se procedesse à agregação total dos votos dos dois partidos, isso não daria para impedir a vitória do PS com maioria absoluta, ainda que "à justa". De facto, embora não conseguisse os 120 deputados que efectivamente elegeu, o PS ainda elegeria 114 deputados no território nacional (agradeço a Pedro Magalhães estes dados), número que subiria a 116, contando com a eleição de dois dos quatro deputados pela emigração.
No entanto, é de todo irrealista a suposição de que a direita unida conseguiria obter a soma dos votos que os dois partidos obtiveram separadamente. É mais do que razoável admitir que a votação de tal coligação eleitoral teria sido consideravelmente menor do que a soma dos votos que os dois partidos obtiveram concorrendo separados. Há votantes do PSD que nunca votariam em Portas; há eleitores que votaram no CDS só para não votar em Lopes. Ou seja, uma hipotética coligação poderia ter favorecido o PS, ao reduzir a votação naquela.,
Além disso, se tivesse havido coligação, a incerteza quanto ao resultado das eleições e a consequente bipolarização eleitoral teriam mobilizado o "voto útil" à esquerda, concentrando no PS votos que acabaram por optar pelo PCP ou pelo BE porque sabiam estar de antemão garantida a vitória socialista. Toda a estratégia do PCP e do BE assentou neste silogismo: "o PS já ganhou as eleições, pelo que agora já podemos votar mais à esquerda". Ou seja, uma hipotética coligação poderia ter favorecido o PS, ao concentrar a votação nele.
Seja como for, não faz nenhum sentido comparar números insusceptíveis de comparação e reescrever a história destas eleições como se as coisas tivessem sido diferentes do que foram...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

Os portugueses estão mudados

Ontem à noite, ao sair de um restaurante, em Lisboa, reparámos que a rua estava molhada e que ainda chovia. Reacção: "Uhau! Chove!" - e lá fomos até ao carro, a apanhar chuva gelada na cara, felicíssimos!
Não há dúvida. Os portugueses estão mudados: dão maioria absoluta ao Partido Socialista e celebram a chuva que antes os irritava.
É a conjuntura! Santana Lopes e a seca explicam estas alterações de comportamento, muito mais do que quaisquer mudanças nas convicções e hábitos profundos dos cidadãos.

As contradições da direita

Muitos dos que hoje repetem à saciedade que o Partido Socialista tem de resolver todos os nossos problemas porque tem maioria absoluta, são os mesmo que em Junho defendiam que o PR não devia convocar eleições porque existia uma maioria absoluta na AR e que, de novo, em Novembro criticaram o mesmo Jorge Sampaio por ter dissolvido um Parlamento em que existia uma maioria absoluta para governar Portugal.
Pois é. Não há novidade no que diz respeito a termos agora um Governo apoiado por uma maioria absoluta parlamentar. Há três anos que a temos!
Espero, isso sim, que esta maioria absoluta dê origem a um Governo determinado, não a realizar reformas estruturais - coisa que nunca soube o que realmente queira dizer -,mas sim a contribuir para o futuro do país, desbloqueando os crónicos e sacrossantos privilégios, compadrios, ineficiências, obscuridades e ausências de sentido, bem como os eternos ziguezagues e a permanente mediocridade que a política portuguesa não tem conseguido superar.

"Le garçon des vaches"

Bush na Europa: as televisões mostraram palmadinhas nas costas, gargalhadas e sorrisos, a ementa escolhida (french fries e vinho da Califórnia) - reflexos de novo clima nas relações transatlânticas. Bush a querer parecer simpático para com a "velha Europa". Timothy Garten Ash, citado no Financial Times de ontem, precisa os limites da simpatia: "Bush mudou ao reconhecer a Europa como parceira; mas o seu discurso traz também uma lista das tarefas para a Europa executar". Talvez por isso, inconscientemente, Bush tivesse visto no Presidente francês um possível "cowboy para o seu rancho".
O Iraque continua no centro de tudo. Depois das eleições de 30 de Janeiro, parecem criadas condições para um relacionamento transatlântico mais construtivo. Os EUA sabem que as eleições foram apenas um primeiro passo e que muitas incógnitas surgem no processo democrático (-teocrático?). Sabem que o que se avizinha será, porventura, o mais difícil. Perceberam que, sozinhos, não poderão assegurar a estabilização e pacificação do Iraque. Precisam, cada vez mais, do contributo da comunidade internacional. E a Administração Bush parece pronta a aceitar estratégias de saída que até há pouco rejeitava liminarmente. Como o "grupo de contacto" sob supervisão da ONU, sugerido pelos republicanos Henry Kissinger e George Shulz, em artigos no Washington Post de Novembro e Janeiro passados.
Mas não basta que se entendam os parceiros de ambos os lados do Atlântico. É preciso que os iraquianos queiram e acreditem. E para isso há que mudar, desde logo, a percepção que eles têm sobre as forças militares estrangeiras. Vistas até aqui, como forças de ocupação.
Dois estimulantes para que a percepção mude: um calendário para a saída das tropas estrangeiras do país, dependente das condições de segurança no terreno e da vontade do Governo transitório iraquiano; e um papel central efectivo da ONU na estabilização política e na reconstrução. O anúncio de uma data para a saída das tropas da actual coligação e a atribuição de papel central à ONU no enquadramento de uma força de manutenção da paz (em que forças americanas se poderiam naturalmente incluir), com o acordo do Governo transitório, sossegaria receios de ocupação estrangeira interminável. Em especial, se, tal como sugere Kissinger, essa força fosse também integrada por países muçulmanos. E, acrescento eu, por países não conotados com o esforço de guerra levado a cabo pela coligação. As forças da coligação decresceriam, conforme o calendário, à medida que crescessem, em preparação e número, as forças militares e de polícia iraquianas.
A UE decidiu agora participar na formação, fora do Iraque, de quase um milhar de funcionários , na magistratura, polícia e administração penitenciária. Decidiu ainda criar um "Gabinete de ligação" no Iraque. No quadro da NATO deu-se luz verde ao treino, nos arredores de Bagdad, de 1000 militares iraquianos por ano. Chirac, por seu lado, decidiu avançar com acções de treino de militares iraquianos, embora fora do território iraquiano e fora do âmbito da NATO. 1500 - mais, em número, do que a NATO. Quem é que não gostaria de ter este "garçon des vaches" a trabalhar no seu rancho?

Bom começo

Respondendo ao PCP -- que quer avançar para a despenalização do aborto sem referendo -- e ao BE -- que quer precipitar imediatamente um referendo até ao Verão --, José Sócrates lembrou que o PS tem um compromisso eleitoral para realizar novo referendo e que tal referendo deve ser cuidadosamente preparado para ser ganho. Ora, embora desta vez seja de esperar que, ao contrário do que ocorreu em 1998, todo o PS, a começar pelo seu Secretário-geral, se empenhará no triunfo do "sim", ninguém pode dar-se ao luxo de correr riscos desnecessários. A precipitação intempestiva poderia ser fatal. O PS não pode hesitar em recusar qualquer "chantagem" neste ponto (dá para ver o que seria se não houvesse uma maioria absoluta...).

Direitos humanos

Participei ontem em Lisboa na sessão pública de entrega dos prémios de direitos humanos para os meios de comunicação (um para a imprensa, outro para a rádio e televisão), a cujo júri de selecção presidi, uma iniciativa da Comissão Nacional para a Comemoração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo mandato agora se concluiu. Desde 1999 apreciei centenas de trabalhos apresentados para o prémio e partilhei da selecção dos melhores. Os que foram premiados agora, relativos a 2004, figuram entre os mais impressionantes.
Um dos objectivos da celebração do meio século da DUDH de 1948 era a educação para os direitos humanos. Esta iniciativa da nomissão nacional constituída para o efeito, a que Mário Soares presidiu, representou um excelente meio de sensibilização dos média para os direitos humanos. Uma tarefa gratificante!

Afinal não era um cheque em branco para políticas de direita?

«Jerónimo de Sousa esperançoso com maioria absoluta».

"Reconstrução da direita"

Um efeito colateral positivo das hecatombes eleitorais é obrigar à reflexão sobre as causas da derrota e sobre as saídas para a situação. Nada mais natural, portanto, do que as reflexões que começam a surgir à direita. Entre as primeiras merecem referência por exemplo esta e esta. Um debate para 4 anos, de que a esquerda não se pode alhear...

Confusão

quem tenha confundido a minha explicação dos círculos eleitorais territoriais com a defesa do nosso actual sistema eleitoral. Que hei-de eu fazer?

"Revolução eleitoral"

Tal é o título do meu artigo de ontem no Público (agora também disponível, como habitualmente, na Aba da Causa, aí com a correcção de um lapso do texto publicado no jornal).

terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Referendo europeu

«(...) A questão que lhe gostaria de colocar reporta-se à participação no referendo espanhol: acredita que se trata mesmo de uma vitória pelo facto do "sim" ganhar com 75% dos votos quando a abstenção é de 57,68% e os votos em branco ascenderam a 6%?
Da minha parte interpreto este resultado como preocupante (...). A questão central são os índices de participação que espelham o real afastamento das populações em relação ao Projecto Europeu. Não deixa de ser irónico que uma consulta popular acerca de um Tratado Constitucional espelhe tanta indiferença. Esta é a minha preocupação: que Europa é esta que se está a construir que não consegue cativar os cidadãos? Será mesmo uma vitória?»

(J. Mário Teixeira)

Nota
Os referendos têm em geral menos participação do que as eleições. Mas o que conta são os votos dos que se interessam, e não os demais. Em Portugal ambos os referendos de 1998 tiveram uma participação inferior a 50% e no entanto ninguém pôs em causa a sua legitimidade política. Nos Estados Unidos a participação nas próprias eleições é normalmente inferior a 50%.
A abstenção não significa "afastamento", quando muito indiferença. A convocação do referendo permite que milhões de pessoas se interessem pela Constituição, o que é um ganho em si mesmo, dado que ela poderia ser aprovada pelo parlamento sem referendo e logo sem envolvimento popular. Aliás, nos referendos a abstenção desfavorece em geral o "sim", pois quem vota "não" está normalmente mais motivado para ir votar. De resto, quantas questões "domésticas" conquistariam a atenção de tanta gente como este referendo em Espanha?
Vital Moreira

Cabe ao próximo governo, pois claro

«As dívidas de Portugal a organizações internacionais científicas passavam dos dez milhões de euros, no final de 2004. Isto significa que a promessa da ministra da Ciência, Graça Carvalho, de pagar todas as contribuições a essas organizações até ao fim do ano passado ficou por cumprir, e que caberá ao próximo Governo liquidá-las.» (no Público).
Mais uma prova da irresponsabilidade financeira do governo cessante. Deve tratar-se aliás apenas de um exemplo das dívidas deixadas debaixo do tapete...

(Des)proporcionalidade (3)

Se houvesse somente um círculo eleitoral a repartição dos deputados pelos partidos seria muito mais proporcional, correspondendo aproximadamente à sua percentagem de votos.
Os círculos eleitorais distritais (ou regionais) existem por cinco razões: (a) para permitir listas de candidatos mais pequenas, que os eleitores possam conhecer; (b) para dar expressão na AR a diferentes interesses territoriais (os interesses de Lisboa não são necessariamente os mesmos dos Açores); (c) para evitar que todos os candidatos e deputados sejam tendencialmente de Lisboa; (d) para atenuar a proporcionalidade e tornar menos difícil a conquista de maiorias monopartidárias; (e) para limitar o número de partidos com representação parlamentar, impedindo o acesso a micropartidos sem um mínimo relevante de expressão eleitoral (muitos sistemas eleitorais prevêem explicitamente "cláusulas-barreira" para este efeito). Salvo erro, fora de Estados minúsculos, só existem dois países com um sistema proporcional na base de um círculo eleitoral único, a Holanda e Israel, ambos muito mais pequenos e territorialmente mais homogéneos do que Portugal.

(Des)proprocionalidade (2)

A "majoração" dos partidos mais votados, quanto ao número dos seus deputados, saiu reforçada nestas eleições em virtude da grande diferença do primeiro para o segundo partido (mais de 16%) e de ter havido três partidos com votações entre os 6% e os 8% (PCP, CDS e BE), os quais não conseguiram eleger deputados em quase nenhum dos pequenos e médios círculos eleitorais (excepção para o CDS em Viana do Castelo), vendo por isso desperdiçada uma importante quota-parte do seus votos, com relevo para o BE.

(Des)proporcionalidade (1)

Ao conseguir eleger 120 deputados (ou seja, 53% do total de 226) com 45% dos votos, o PS beneficiou de uma "majoração" de 8% na sua representação parlamentar, conseguindo uma folgada maioria absoluta de deputados sem correspondente maioria de votos.
O benefício dos partidos mais votados é normal no nosso sistema eleitoral. Mas, ao contrário do que muitas vezes se afirma, tal assimetria não resulta directamente do "método de Hondt", ou seja, da fórmula de repartição proporcional dos deputados, mas sim da existência de muitos círculos eleitorais que elegem um número relativamente pequeno de deputados, sendo portanto necessária uma percentagem de votos assaz elevada para alcançar um deputado. Assim, por exemplo, em Coimbra o PS elegeu 6 deputados em 10 (60%) com 45% dos votos (majoração de 15%), em consequência do total desperdício dos votos do BE, do PCP e do CDS, que não elegeram ninguém, apesar de terem somado em conjunto 17% dos votos.