Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 4 de maio de 2005
Serviço público
Cenário preocupante
Dentro de pouco tempo também deve ser publicado o relatório da "Comissão Constâncio" sobre o estado actual das finanças públicas e das perspectivas financeiras para o corrente ano. As expectativas não podem ser senão negativas. Há razões para temer que o fictício orçamento em vigor esconda uma muito desagradável surpresa em termos de desequilíbrio das finanças públicas. Se tal se confirmar, o abandono do discurso da austeridade financeira pelo Governo de Santana Lopes, em benefício de facilitismo eleitoralista, foi verdadeiramente irresponsável.
Mais do que um fácil alibi para o novo Governo, esta má herança do anterior só pode ser um motivo para "cair na real" e para adoptar sem demora as medidas de contenção da despesa e de angariação de receita que a gravidade da situação impõe. O País, a começar pelas administrações públicas, não pode continuar a viver acima das suas possibilidades.
Adenda
Neste contexto, o alerta de Medina Carreira no seu artigo de hoje no Público ("O ocaso do 'social'") só pode ser levado a sério.
Confusões
A lógica do referendo está em que somente o órgão competente para legislar sobre certa matéria (neste caso a AR) pode abdicar de fazê-lo livremente, propondo ao PR a convocação de um referendo popular, cuja decisão vincula depois o órgão legislativo. Admitir que o Governo pudesse propor um referendo sobre assunto da esfera da AR seria consentir que o primeiro pudesse dispor da competência da segunda. Logicamente isso não é possível.
O silêncio é de ouro
"Atentado à democracia"
Pela primeira vez, nem o PSD nacional lhe pode valer na AR, pois dispõe de menos de 1/3 dos deputados. Constitucionalmente a legislação eleitoral é competência exclusiva da AR. Resta esperar que as ameaças de Jardim caiam em saco roto. É tempo de estabelecer a democracia eleitoral na Madeira.
terça-feira, 3 de maio de 2005
Chicana parlamentar
Ora a Cosntituição diz que a legislatura de cada Assembleia tem a duração de 4 sessões legislativas -- sendo a sessão legislativa o período de funcionamento anual que vai de 15 de Setembro a 15 de Setembro do ano seguinte --, acrescentando porém que no caso de uma Assembleia eleita em consequência de dissolução parlamentar a respectiva legislatura será acrescida do tempo que falta para completar a "sessão legislativa em curso à data da eleição". Isto quer dizer que nesse caso a AR completa a sessão legislativa iniciada pela Assembleia anterior e interrompida pela dissolução e, depois disso, perfaz mais quatro sessões legislativas completas. Não podem pois restar dúvidas de que: (i) a AR está ainda a completar a sessão legislativa iniciada em Setembro de 2004, a qual, como resulta da Constituição, termina em 15 de Setembro próximo; (ii) em Setembro próximo, nos termos normais, inicia-se uma nova sessão legislativa, ou seja, a primeira das 4 sessões legislativas completas que constituem a legislatura.
Isto é tão evidente, que a controvérsia política levantada sobre o assunto só pode levar-se à conta de pura chicana parlamentar.
Correio dos leitores: O horário do 1º ciclo do ensino básico
Não, não estou de acordo com o aumento do tempo de permanência na Escola.
Acho até que deveriam ser eliminadas todas as (psedo)disciplinas para que não se conhece programa nem objectivos, de forma a dar mais tempo livre aos alunos.
Admito, contudo, que a situação laboral dos pais pode criar problemas, mas esses problemas deveriam ser resolvidos com uma actividade de tempos livres orentada ou de verdadeiro estudo acompanhado, mediante inscrição própria.»
(Henrique Jorge)
Nota
Não há nenhum problema com o alargamento de horário, se o tempo suplementar não for ocupado com tarefas lectivas obrigatórias e se a permanência na escola nesse período não for uma obrigação mas sim uma faculdade.
Vital Moreira
Desvios
Depois deste desvio pelo sul para entrar em Lisboa, só falta inventar um desvio pelo Norte para entrar no Porto! Talvez a Maia, quem sabe!?
segunda-feira, 2 de maio de 2005
Não há referendo para já
Em todo o caso, mesmo não tendo conseguido ver o referendo convocado, o PS "varreu a sua testada" nesta matéria e marcou a agenda para a próxima oportunidade. Mas tudo indica que já não será o actual Presidente a convocar este referendo. E entretanto, a questão continua adiada.
(corrigido)
Correio dos leitores: Discriminação sexual
Ou seja, parece que o artigo 175º é TOTALMENTE SUPÉRFLUO, a sua única justificação sendo efectivamente a discriminação contra os actos homossexuais. Ou seja, o artigo 175º proíbe actos homossexuais mesmo que eles sejam totalmente voluntários da parte do adolescente. O que não tem qualquer justificação.
Acresce que o artigo 175º é ambíguo, uma vez que não há quaisquer "atos homossexuais", que eu saiba (não sou homossexual...). Todos os actos sexuais praticados por homossexuais são também praticados por heterossexuais. Masturbação, penetração anal, etc são práticas correntes de muitos casais heterossexuais...
Parece-me, pois, que o artigo 175º, além de discriminatório, não faz qualquer espécie de sentido, pois nem sequer tem um objeto devidamente definido.»
Luís Lavoura
Discriminação baseada em orientação sexual?
Importa sublinhar que as relações sexuais de adultos com adolescentes que, "abusando da sua inexperiência", se traduzam em "cópula, coito anal ou coito oral", estão punidas pelo art. 174º, sem distinção quanto ao sexo dos intervenientes. No referido art. 175º estão em causa outros actos sexuais (desde que "de relevo") de adultos com adolescentes, e sem implicarem abuso da inexperiência dos segundos, como no caso do art. 174º. Tratando-se portanto de actos sexuais de "menor" importância e praticados sem violência ou abuso dos adolescentes, a questão consiste desde logo em saber se eles devem ser punidos criminalmente quando envolverem adultos (não o são quando praticados por menores de 18 anos com adolescentes ou entre adolescentes). O Código Penal não pune tais actos quando praticados por adultos com adolescentes de sexo diferente, mas somente com adolescentes do mesmo sexo (seja masculino, seja feminino). Haverá realmente fundamento bastante para essa criminalização sexualmente "assimétrica"?
Nado-morto
Trata-se obviamente da morte da aludida reforma, tornando-se muito problemática a sobrevivência daquelas entidades. Sendo assim, fará sentido manter a respectiva legislação em vigor, incluindo as designações enganadoras utilizadas (por ex. "grandes áreas metropolitanas")? Não seria mais congruente "apagar" essa reorganização territorial e repristinar as precedentes leis das associações de municípios?
domingo, 1 de maio de 2005
O "momento negro da América"
«Neste momento, há uma América secular e há uma América religiosa, quase se reduz a isto. A América foi fundada sobre a ideia do secularismo, religião e Estado separados. Agora, permite-se que a religião alastre pelo discurso político. Num país como o nosso, feito de tantos grupos étnicos, religiosos, tantos imigrantes, tudo tem que ser neutro, para toda a gente, de forma a que cada um siga a sua vida. Quando o transformamos num país fundamentalista cristão, estamos a excluir uma quantidade imensa de gente, que fica fora do discurso.»
Prémio "Ah e tal..." do 1º de Maio
1 O bastonário da Ordem dos Advogados, em directo na TSF, pela lucidez e objectividade evidenciadas na crítica às medidas de simplificação judiciária anunciadas pelo governo. Que de clareza e convicção! Assim sim, a criatura conseguirá apagar o criador das nossas memórias!
2 A reportagem da RTP sobre o dia rodo-securitário do Presidente da República. Jorge Sampaio escolheu cirurgicamente as breves interjeições proferidas durante o percurso Lisboa-Santarém ao melhor estilo dos personagens do Gato Fedorento. O polícia que o acompanhava (e supostamente esclarecia) no lugar do morto fez uma rábula magnífica ao trauliteirismo comunicacional, facilmente descodificável pelos portugueses. A mensagem final do presidente, apelando ao fim das fardas e aos controlos clandestinos nas estradas de Portugal, é uma pérola de ironia. Suponho, por fim, que não terá escapado a ninguém o facto de a viatura presidencial ocupar, a baixa velocidade, a faixa esquerda da A1, para desespero dos restantes automobilistas - o objectivo era provar que não se deve ultrapassar pela direita.
3 A CP pelo fim do tabaco nos comboios Lisboa-Porto. Segundo a empresa, há 30% de fumadores entre os utilizadores do Alfa pendular e, entre esses, a maioria concorda com a proibição absoluta (que bom, haver consciência entre os pecadores!). O segmento dos fumadores estúpidos e anti-democráticos, como eu, pergunta-se por que diabo não há-de haver 30% de carruagens tabagísticas, mas daqui apelo aos cibernautas para não se deixarem influenciar por este tipo de argumentos anti-sociais.
Show off ?
Nem mais uma universidade
Basta isso para justificar inteiramente a decisão de Mariano Gago de não dar andamento à abstrusa ideia de criar uma Universidade em Viseu, que o Governo anterior demagogicamente tinha prometido. Face à habitual movimentação unanimista dos interesses locais (incluindo os deputados do PS) só há que esperar pela necessária firmeza governamental.
Contra-ordenações
É uma boa solução. Bem se poderia ir mais longe, porém. Se se trata de sanções administrativas, os tribunais competentes para apreciar os recursos contra elas deveriam ser os tribunais administrativos, em processo administrativo, e não os tribunais judiciais, em processo penal, altamente moroso, como hoje sucede. Haja coerência sistémica!
Confusão
E diz bem! Só que o referendo não é para perguntar isso. A autora mistura alhos com bugalhos. Uma coisa é cada mulher decidir se deve ou não fazer um aborto, outra coisa é a saber se o aborto deve deixar de ser crime em certos casos. A primeira é uma questão pessoal, obviamente fora da competência do Estado. A segunda é uma questão legal, que nada impede que seja referendada, como qualquer outra (salvo as excepções constitucionais, tudo o que está, ou pode estar, nas leis pode ser referendado).
Que uma pessoa como Helena Matos possa fazer tal confusão não constitui um dos menores motivos de inquietação acerca dos referendos em geral.
sexta-feira, 29 de abril de 2005
Colecção
Tardia conversão
Mas esta aliança espúria entre a ANF e a ANAREC leva água no bico. A intenção é clara: agora, que a batalha contra a venda de medicamentos fora das farmácias está perdida, o que importa é tentar limitar o número de medicamentos liberalizados, que seriam apenas uma parte dos MSRM. A maior parte destes continuariam de venda reservada em farmácias. A surpreendente conversão liberal do presidente da ANF não passa portanto de uma hábil tentativa de "controlo de danos".
Tarde vem, porém. A decisão governamental de liberalizar a venda fora das farmácias de todos os medicamentos que não carecem de receita médica, mas sem prescindir de controlo de farmacêutico ou técnico de farmácia, está tomada.
200 à hora no lugar do morto
Tenho andado afastado do blog por dois motivos: o primeiro tem a ver com a dificuldade de encontrar, ao certo, o que é um post. Entre a escrita de humor de 2ª a 6ª e a crónica literária aos domingos n'A Capital, mais o trabalho no segundo livro de poesia, resta muito pouco para o blog.
O segundo motivo, que abalou a minha vida durante alguns meses, prendia-se com o estado de saúde do meu tio mais próximo. Dei conta disso mesmo aqui no CN, por altura do Natal.
Agora, três intervenções cirúrgicas depois, com menos 16 quilos, meses de internamento, retirado o estômago, com episódios de negligência médica pelo meio, o meu tio está - desde há algumas semanas - de regresso a casa, ainda convalescente mas com o monstro do cancro praticamente derrotado.
A imagem seguinte não é apenas um post, também é um poema, também é material de literatura, já a escrevi antes, mas não resisto a partilhá-la uma vez mais.
Há poucos dias atrás, fui jantar a casa do meu tio. Passámos em revista a história breve das nossas vidas no tempo em que a doença nos limitou o contacto. Mas faltava uma coisa.
O meu tio, um amante de automóveis, estava curioso para testar o meu carro novo. Ao fim de tanto tempo, saiu de casa, recebeu a chave, sentou-se ao volante pela primeira vez em muitos meses - e eu ao lado dele. Numa tarde de sol para os lados de Sintra, acelerou como um miúdo de 18 anos que acabou de tirar a carta. Violámos muitas regras do Código da Estrada mas - apesar disso -, sentado no lugar do morto e finalmente percebendo a real potência daquele motor, nunca me senti tão seguro em toda a minha vida.
Aquele homem de 41 anos, ainda visivelmente diminuído, merecia o prazer da transgressão. Merecia esquecer por alguns minutos o drama dos últimos meses, o medo de morrer, a hipótese séria de abandonar todos os que ama e lhe querem tanto, que chegou a ser praticamente certa; merecia ultrapassar todos os veículos na estrada e um último, o mais rápido de todos, um condutor traiçoeiro que seguiu à nossa frente durante muito tempo mas que, ao perceber-se impotente para travar a velocidade do meu tio renascido, teve a humildade suficiente para encostar-se à berma, levantar o pé do acelerador e deixá-lo passar: esse mesmo, o destino. Tinha de ser assim. Dizem que estava escrito.
O jogo que falta
Dele Mourinho disse o seguinte, em vésperas de se transferir do União de Leiria para as Antas, "se tivesses menos 10 anos também vinhas comigo".
João Manuel, médio, um dos jogadores com mais partidas disputadas na história da primeira divisão portuguesa de futebol, deixou de jogar à bola aos 37 anos. O futebolista que nunca tivera uma lesão desmaiou num treino. Foi-lhe diagnosticada esclerose múltipla, uma doença degenerativa e incurável que deverá terminar-lhe a vida muito cedo, tal como - num ápice - terminou com a alegria de viver, tornando-o dependente de terceiros para tudo.
Os técnicos e antigos companheiros são unânimes, João Manuel foi um daqueles jogadores de cujo percurso se diz, num tom agridoce, "que passou ao lado de uma grande carreira".
Agora, como temos visto nas imagens de inúmeras manifestações de solidariedade, mantém o sorriso.
Só uma pergunta, uma ideia, uma sugestão - o que lhe quiserem chamar: será que um homem com tantos minutos de futebol de alta competição, com tantas presenças a titular, com tantos elogios arrecadados ao longo da carreira, com tal longevidade num desporto tão difícil, obrigado a lidar com tamanha tragédia; será que a um homem destes não se poderia oferecer um minuto mais e uma última camisola?
Sim, num desses jogos particulares que a Selecção faz amiúde, findos os quais Scolari se queixa sempre de que "há jogadores que não metem o pé", numa dessas partidas, uma qualquer, não seria possível proporcionar a João Manuel que entrasse no balneário uma última vez, agora para vestir o equipamento da equipa nacional e caminhar tranquilamente até ao centro do terreno para dar o pontapé de saída?
dois regressos
Ambos deixaram a esplanada para encontrar estabelecimentos próprios, numa corajosa atitude em tempos de crise e défice galopante. O AB pode ser encontrado em O BOATO e o NCS, com belíssimo design do veterano blogosférico Miguel Nogueira, em MELANCÓMICO, grande neologismo/conceito. Aqui fica um post do Nuno para aguçar o apetite.
"Comunicado de Ratzinger em resposta àqueles que o criticam por não gostar de rock e de ópera
Um gajo já não pode gostar de drum'n'bass à vontade."
Bem-regressados, manos.
quinta-feira, 28 de abril de 2005
SE EU TIVESSE UM SONHO, SERIA ESSE
SE EU TIVESSE UM SONHO, SERIA ESSE
textos inéditos de Raimondo Cortese
tradução e adaptação dos Hipócritas
encenação de Luís Filipe Borges
de 7 de Abril a 7 de Maio
todas as quintas, sextas e sábados
no BELÉM CLUBE, Calçada da Ajuda - às 21h30
Elenco: Filipe Cardoso, Marco Leão, Inês Pereira, Sofia Ribeiro, Filipa Pais de Sousa, Miguel Rocha, Vanessa Henriques, Helena de Melo, Sheila Totta e Sílvia Soares.
(também em exibição no próximo mês de Outubro na Sala Estúdio do Teatro da Trindade)
Os Hipócritas, via Causa Nossa, têm mais 10 convites duplos para oferecer. Basta reservar por mail para o endereço
lborges@acapital.pt
Quem é que acredita?
O não francês
(Luís Osório, A Capital de hoje)
Oligarquias locais
(Manuel Carvalho, Público de hoje)
"Democracia no escuro"
O mínimo que se pode dizer é que o alinhamento britânico com a invasão foi decidido à custa de muita sonegação de informação e de opinião ao parlamento e à opinião pública. A "arcana praxis" prevaleceu sobre a transparência. Entre as "casualties" da guerra contam-se também a honestidade dos governantes, os procedimentos democráticos e os mecanismos de controlo do poder.