sexta-feira, 10 de junho de 2005

Canhoto

Um novo blogue à esquerda, da responsabilidade de António Dornelas, Paulo Pedroso e Rui Pena Pires. Canhoto se chama ele (como se fosse necessário dizer de onde vem...). Bem-vindo à blogosfera!

Privilégios

Depois de anunciar o fim de tantos privilégios injustificados da função pública (ou de certos sectores dela) e dos titulares de cargos políticos, urge atacar igualmente os inadmissíveis regimes especiais de pensões existentes em vários pontos do sector público, desde o Tribunal Constitucional até várias empresas públicas, a começar pelo Banco de Portugal, quase sempre em acumulação com o regime de pensões normal.

Abyssus abyssum

Os deputados do PSD na assembleia regional da Madeira não se recusaram somente a criticar a linguagem "carroceiral" e injuriosa do presidente do Governo regional contra os jornalistas e colunistas da imprensa. Solidarizaram-se com ele, elogiaram a bravura da atitude e aplaudiram entusiasticamente a sua valentia.
Na Madeira a aleivosia tem nomes nobres...

quinta-feira, 9 de junho de 2005

A sensibilidade do general

Exposição sobre a guerra colonial num aquartelamento militar. A sequência dos materiais e a retórica dos textos revelam uma deliberada nostalgia colonialista (um busto de Salazar abre a exposição...). Num dos painéis mostram-se figuras do «inimigo» (sem aspas, porém). Sem hesitar, um general que acompanha a visita pede uma esferográfica e acrescenta ostensivas aspas à incómoda palavra.
No final da exposição surge uma lista dos nomes dos quase 10 000 militares portugueses mortos nas guerras da Guiné, de Angola e de Moçambique. Um tributo pesado à insânia da Ditadura. Ao menos sabemos os seus nomes. Nunca saberemos o número e os nomes dos "inimigos" caídos no outro lado da guerra...

Sociologia elementar

Assisto, a convite, a uma parada militar. É fácil detectar a origem popular dos soldados em desfile disciplinado: são quase todos de baixa estatura.
E ainda dizem que as classes sociais desapareceram!

Ainda bem

Falharam as negociações para fusão da TAP e da Portugália. Ainda bem! O resultado seria a diminuição da concorrência no transporte aéreo e o prejuízo dos consumidores (supondo que a concentração seria autorizada pela Autoridade da Concorrência), além de uma privatização furtiva e selectiva da TAP em favor do accionista da Portugália (quando aquela for privatizada, que seja de forma transparente).

Novamente a co-incineração

Segundo o Jornal de Notícias, o Governo vai ouvir os membros da Comissão Científica Independente que, alegadamente, «determinou a co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) na cimenteira de Souselas, no concelho de Coimbra».
Trata-se, porém, de uma encenação pouco séria. Na verdade, quem seleccionou Souselas foi o Governo, e não a CCI. Quando esta foi constituída já o Governo tinha escolhido as cimenteiras de Souselas e de Maceira (Leiria), ambas, por sinal, bem longe de Lisboa e da origem dos tais resíduos perigosos. A missão da CCI era avaliar a bondade, ou não, do processo de co-incineração de RIP em cimenteiras. Depois de validar e recomendar a co-incineração -- embora sem convencer muita gente --, a CCI escreveu o seguinte quanto às cimenteiras elegíveis:
«As melhores das unidades cimenteiras portuguesas são unidades que foram recentemente certificadas de acordo com as normas ISO (Outão ISO 9002 e ISO 14001 e Souselas e Alhandra ISO 9002), possuem um controlo automático dos fornos com registo permanente de parâmetros de operação, têm um bom desempenho energético a nível europeu, e participaram nas novas definições BAT a nível europeu. Encontram-se, pois, em condições tecnológicas de rapidamente incorporar os melhores procedimentos em curso a nível de cimenteiras europeias no processo de co-incineração no nosso país.»
Quanto à Maceira, que tinha sido escolhida pelo Governo, a CCI concluiu que ela não reunia condições para esse efeito. Por isso, entendeu que deveria ser afastada; e, depois de comparar as cimenteiras de Outão e de Alhandra, concluiu que aquela tinha uma ligeira vantagem, pelo que a recomendou em substituição da Maceira. Mas a CCI não analisou se Alhandra era ou não melhor do que Souselas. Ou seja, a CCI não procedeu à escolha das duas melhores cimenteiras entre as três elegíveis (incluindo na análise o impacto ambiental negativo do transporte de RIP para Souselas), tendo partido da escolha do Governo e limitando-se a excluir a Maceira, por falta de condições.
O que continua por esclarecer é a razão pela qual o Governo excluiu Alhandra e Outão à partida, embora a razão esteja à vista (afastar a co-incineração de Lisboa, claro!). E também não se entende por que é que a CCI, tendo resolvido ocupar-se da localização, não procedeu a um análise comparativa das 4 cimenteiras, para escolher as duas melhores para a co-incineração, tendo-se limitado investigar qual das duas que tinham ficado de fora da escolha governamental era a melhor para substituir a Maceira. E enquanto este ponto não estiver clarificado, a questão da co-incineração continuará inquinada pela suspeita de parcialidade política na escolha de Souselas deixando de lado Alhandra .
O novo Ministro insiste na confusão e no erro.

quarta-feira, 8 de junho de 2005

Aliados

É tocante ver o deputado do BE Fernando Rosas aplaudir hoje no "Público" (link indisponível) o anúncio britânico de suspensão do processo de ratificação do tratado constitucional da UE.
Julgávamos nós que a razão para a rejeição do tratado constitucional por parte do BE tinha a ver com a recusa do "modelo anglo-saxónico", "neoliberal" e "anti-social" (supostamente consagrado na constituição europeia), e contra a ideia de "directório" que Blair tão bem representa. Será que é com Blair e a Grã-Bretanha que a extrema-esquerda conta para a sua alternativa ao execrando tratado constitucional? Haja senso!...

Adenda
Embora com atraso, aqui fica o link para a Aba da Causa relativo ao meu artigo da semana passada no Público sobre as consequências da rejeição do tratado constitucional da UE.

Decepção

«Fora da Europa, de visita aos EUA, Blair deu uma entrevista ao Finantial Times expondo o que deve ser mantido no tratado. Nomeadamente uma presidência da UE exercida durante dois anos e meio (actualmente são seis meses) e a nomeação de um ministro dos Negócios Estrangeiros europeu.»
(Diário de Notícias)
Ora sucede que a maior parte dos rejeicionistas repudiam justamente essas duas instituições, que consideram "federalistas" (ver entre nós Jorge Miranda). Mas quando um antifederalista como Blair as considera essenciais, então é fácil ver que o tratado constitucional não tem alternativa na base do não.

Direitos adquiridos e expectativas

É evidente que só os deputados que já perfizeram 12 anos de exercício de funções é que têm um direito adquirido ao subsídio vitalício que a lei lhes confere quando abandonam funções (mas que só gozam a partir dos 55 anos de idade), pelo que não podem ser prejudicados pela lei que vai acabar com tal regalia (o mesmo vale para os membros do Governo e outros titulares de cargos políticos, e equiparados, na mesma situação). Nessa perspectiva, os que tinham expectativas de completar nesta legislatura o tempo necessário (ou seja, os que já tinham 8 ou mais anos, mas menos de 12 anos, de exercício de funções) não podem invocar tal protecção. Mas será que a sua forte expectativa não merece nenhuma salvaguarda?
Segundo parece, a solução proposta pelo Governo é a de manter tal direito aos deputados nessa situação (e provavelmente ao outros titulares de cargos públicos na mesmas circunstâncias), porém com um subsídio calculado com base apenas nos anos de exercício de funções completados até agora (embora deva ser condicionada, como é lógico, ao completamento dos 12 anos). É evidentemente uma solução compromissória, longe de arbitrária, destinada a resolver um problema político delicado. Se é esse o preço a pagar para adoptar pacificamente a lei -- que é uma das mais corajosas medidas do pacote de austeridade e de moralização financeira --, vale seguramente a pena...

terça-feira, 7 de junho de 2005

"Neoliberal", acusam eles...

Os nossos rejeicionistas da constituição europeia acham dignos de invocação alguns dos golpes de baixa argumentação dos partidários do "não" franceses destinados a provar a alegada natureza "neoliberal" do tratado constitucional, como perguntar quantas vezes o tratado constitucional utiliza, ou não, certas palavras, que no seu entender estão a mais ("mercado", "concorrência", etc.) ou a menos ("laicidade", "fraternidade", etc.).
Mas, para ser honesto, o argumento deveria: (i) primeiro, comparar com a utilização das mesmas palavras nos tratados em vigor (que continuarão em vigor se a constituição for chumbada); (ii) segundo, verificar a frequência de outras palavras igualmente relevantes para o seu argumento, como por exemplo, "social", "solidariedade", "igualdade", "justiça", "coesão", "democracia" e "democrático", "direitos humanos", "direitos fundamentais", etc. e comparar com a sua frequência nos tratados vigentes.
Assim, seria curioso apurar que, por exemplo, enquanto a palavra "mercado" aparece 64 vezes no corpo do tratado, o termo "social/sociais" surge 139 vezes, mais do dobro. Para uma constituição "neoliberal" e "anti-social" não está mau, pois não?
Já agora um teste para os rejeicionistas: na expressão "economia social de mercado", uma inovação do tratado (art. I-3º, 3), por que é que "mercado" conta e "social" não?

Peanuts

Ontem no debate Prós e Contras argumentou-se que o projecto de Constituição Europeia era vanguardista. Mas será que anteriores versões do Tratado, em especial o Tratado de Maastricht ou mesmo o de Roma, para ir às origens, não tinham essa vertente vanguardista ou, se quisermos utilizar uma palavra mais bem vista, essa vertente de sonho ambicioso? Ao pé deles, direi mesmo que o Tratado da Constituição Europeia, fora o nome, tem pouco de sonho e menos ainda de ambição! Peanuts, são peanuts as mudanças propostas à beira das que se fizerem em 1992!

E os parlamentos nacionais?

Um dos argumentos mais bizarros dos que rejeitam o tratado constitucional da UE consiste em acusá-la de não ter nascido do contributo dos parlamentos nacionais. Ora, importa sublinhar duas coisas: primeiro, nenhum tratado anterior da UE teve tanta participação dos parlamentos nacionais como este; segundo, nenhum tratado anterior atribui tanta importância como este aos parlamentos nacionais no funcionamento da UE.
Por um lado, uma das grandes inovações no procedimento de elaboração do tratado foi a "Convenção" que elaborou o projecto de constituição europeia, que foi formada por representantes das instituições europeias (16 membros do Parlamento e 2 da Comissão) e por representantes dos Estados-memebros (15 dos governos e 30 dos parlamentos). Portanto, o grupo de representantes dos parlamentos nacionais era, de longe, o maior grupo singular na Convenção. E se juntarmos os representantes dos Estados candidatos à adesão, que também participaram na Convenção, o número de deputados dos parlamentos nacionais sobe para 56 (30 + 26), uma folgada maioria absoluta na Convenção.
Por outro lado, o tratado constitucional dá pela primeira vez aos parlamentos nacionais um papel de participação activa na vida da União Europeia, mantendo-os informados, directa e imediatamente, de todas as iniciativas das instituições da UE, dando-lhes o direito de impugnarem qualquer iniciativa europeia que viole o princípio da subsidiariedade, institucionalizando a cooperação interparlamentar em matéria de assuntos europeus (conferência de comissões parlamentares de assuntos europeus) e permitindo-lhes apresentar às instituições da UE contributos para a vida desta. Os dois primeiros protocolos anexos ao tratado constitucional versam justamente sobre «o papel dos parlamentos nacionais na UE» e sobre a «aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade».
É nestas ocasiões que me interrogo se muitos adeptos do "não" sabem do que estão a falar...

Referendos

Há momentos de crise económica, social e psicológica em que os referendos só dão "não". Suponho não ser ousado dizer que neste momento qualquer que fosse o tratado europeu submetido a referendo (desde o tratado de Roma de 1957 ao tratado de Nice de 2001) seria rejeitado em vários países europeus, a começar pela França. O voto francês e holandês não foi contra a constituição europeia em especial, foi contra o estado da UE em geral, ou seja, foi contra os actuais tratados.

Vanguardismo

A acusação de vanguardismo contra os dirigentes políticos costuma ser um alibi do conservadorismo ou do populismo. Assim sucede hoje no debate da constituição europeia. A verdade é que toda a construção europeia foi, desde o início, um exercício de vanguardismo virtuoso por parte de uma elite de grandes dirigentes políticos europeus, desde Schumann até Delors. Sem a sua ousadia e o seu voluntarismo a UE não existiria.
Grandes dirigentes políticos não são os que se conformam com o "status quo" e com a opinião pública dominante em cada momento, mas sim os que conseguem conceber e implementar mudanças que depois se tornam convincentes para o povo.

domingo, 5 de junho de 2005

post tão absurdo que não poderia ser inventado

Uma conhecida minha, grávida de dois meses, acaba de casar com uma mulher numa cerimónia celta realizada em Tomar.

resposta a post lancinante

Queridos todos,
O «post que era para ser um mail mas assim fica mais enfatico» do Luis soou-me lancinante. Partilho-o, mai-las saudades.
Remédio: dia 3 de Julho, Azóia, almoço. Para quem não estiver a banhos, haverá banho...
Apitem!

Racionalização do território

No onda da determinação reformista, o ministro António Costa anunciou o propósito de fusão de freguesias e de municípios que tenham população diminuta, que são muitos, sobretudo no caso das freguesias. É uma boa notícia. Poupa recursos, simplifica a organização territorial e sobretudo reforça as estruturas do poder local.
Igual determinação deveria ser adoptada no caso dos tribunais, dos serviços de saúde, das escolas, etc., ou seja, em todos os casos em que existe excessiva dispersão de serviços e estabelecimentos públicos, que não permite um aproveitamento minimamente racional dos recusos humanos e financeiros existentes.

Turbopensões

Só pode merecer aplauso a notícia dada pelo primeiro-ministro sobre a preparação de uma lei a limitar a acumulação de pensões e de remunerações pelo exercício de cargos públicos. Mas o problema deve ser regulado também a montante, no que respeita aos regimes de generosas pensões "ad hoc" dos administradores de certas instituições públicas, muitas vezes sem base legal e criados por opacas comissões de remunerações (com intervenção dos próprios interessados) ou por esconsos despachos ministeriais.
Não é simplesmente aceitável que meia dúzia de anos de exercício de tais funções, já de si muito bem remuneradas, ainda confiram direito a uma pensão de elevado montante, acumulável tanto com a pensão normal como com a remuneração de eventuais cargos públicos futuros. É demais!
[corrigido]

quinta-feira, 2 de junho de 2005

post que era para ser um mail mas assim fica mais enfático por isso cá vai

Queridos companheiros de Causa, há muito que não jantamos todos. Como é? Quem faz alguma coisa em relação a isso? Já sabem que oferecia a minha casa de bom grado mas só caberiam lá o chapéu do Vicente, os óculos do Vital e a Maria Manuel. E, se a Ana mandasse uma gargalhada, arrebentava-me logo com as janelas. Alguém tome uma iniciativa, por favor. Tenho saudades.

instantâneos lisboetas - 2

No decurso da aflita troca de pneus mencionada no post abaixo, um carro parou perto de nós. O condutor põe a cabeça de fora e diz, "Isso está feio, hã? Precisam de ajuda?". Não, obrigados, respondemos - eu e a mulher do pneu furado, aguentando com dificuldade para não acordar a Avenida inteira às gargalhadas.
O carro afasta-se e ficamos os dois, entre risos, a imaginar como seria se o simpático condutor nos ajudasse: Tina Turner a girar o macaco, Michael Jackson a tirar as porcas, Bruce Springsteen a encaixar o sobresselente. Pois é. O bom samaritano era o Fernando Pereira.

instantâneos lisboetas - 1

Aqui há dias, em plena Avenida José Malhoa, mudei um pneu pela primeira vez. Melhor, eu - que a única coisa que percebo de carros é que têm um sítio onde se coloca uma chave e depois guiam-se - mudei um pneu a uma mui agradecida mulher bonita, só e à beira do desespero, às 5 da manhã. Senti-me eufórico.
Nem lavei as mãos, fui para casa, bebi uma cerveja de golada, arrotei, fui buscar o cachecol do SLB, pus os pernilongos descalços em cima da mesa, sintonizei no Vénus, sorridente, mandei para o ar um impropério de fazer inveja ao mais rigoroso Dicionário de Calão e só lamentei não ser casado. Sim, a única coisa que faltava para me sentir um verdadeiro macho latino era dar uma coça à minha legítima.

Antony & the Johnson's

Terça à noite, numa Aula Magna a rebentar pelas costuras, Antony veio ao mundo. Mais magro do que na sua passagem de há uns meses atrás pelo Lux, mas mais preguiçoso também (nunca se levantou do lugar ao piano). Vestido de preto, farta peruca morena, Antony, essa mistura de drag-queen com Montserrat Caballe, de referências tão díspares que vão de Lou Reed a Boy George (uma influência que nem Marante estaria disposto a assumir), cantou com a certeza absoluta de que a música nunca encontrou uma voz assim. O concerto foi emotivo e excepcional mas, ao contrário do que esperava, não foi um dos espectáculos da minha vida. Gosto de acompanhar os meus músicos preferidos, canção a canção. Mas a voz de Antony é tão inigualável e sublime que um comum mortal cantarola duas sílabas e logo se cala, constrangido e envergonhado, imediatamente remetido para a sua insignificância no universo. Não se faz.

quarta-feira, 1 de junho de 2005

Fundos da UE para Portugal:a lata do Dr. David

Vejo na TV e pasmo. Que lata!
Um artista português, pois claro, e do que o PSD tem de mais cosmopolita: o Dr. Mário David, Secretário de Estado para os Assuntos Europeus do Dr. Lopes, co-artífice do encaixamento do Dr. Barroso na presidência da Comissão.
A dizer, solene, num debate na AR hoje com o Prof. Freitas do Amaral, qualquer coisa do género «será inadmissível que o volume de fundos a vir da UE para Portugal no período das próximas perspectivas financeiras (2007-2013), seja inferior aos montantes do último Quadro Comunitário de Apoio».
Em finais de 2003/inicio 2004 o Dr. David estava em Bruxelas, ao serviço do PPE. Mas não lhe terá escapado a reacção da Dra. Manuela Ferreira Leite, então Ministra das Finanças, e do Dr. Durão Barroso, então Primeiro-Ministro, relativamente à proposta da Comissão Prodi que lançou a discussão das próximas Perspectivas Financeiras. Proposta que, à partida, previa uma redução de 5% dos fundos atribuidos a Portugal globalmente. Ambos, PM e Ministra, então desvalorizaram a redução e sublinharam que a proposta da Comissão era excelente base de negociação para Portugal. Tinham razão quanto ao fundo. Mas, ao dizê-lo, cometeram um erro táctico de palmatória: é que, qualquer aprendiz de assuntos europeus sabe que, a partir da proposta da Comissão, a negociação é sempre a descer. Por isso não convem desvalorizar a perda inicial, muito pelo contrário. O actual governo do PS herdou o quadro negocial já inquinado por este erro.
Depois, o Dr. Mário David também não ignora que a negociação das próximas Perspectivas Financeiras ficou logo, antes da partida, muito afectada por um «fait accompli»: o escandaloso acordo entre o Presidente Chirac e o Chanceler Schroeder, em Outubro de 2002, para sonegar à negociação entre todos os membros mais de 40% dos fundos a distribuir, consagrando-os à famigerada Politica Agrícola Comum, de que Portugal não é beneficiário líquido. E não ignora que o Dr. Durão Barroso, então Primeiro-Ministro de Portugal, deu o seu amen à negociata Chirac/Schroeder. Um acordo aberrante que explica que não haja agora mais fundos a distribuir pelos antigos países da coesão e os novos países membros, qualquer que seja o tecto orçamental a acordar.
Por fim, o Dr. Mário David não ignora que o seu correligionário Dr. Durão Barroso é hoje Presidente da Comissão. E que, para ele o ser, Portugal não tem hoje Comissário. Ou melhor, o membro português da Comissão chama-se Durão Barroso e é do PSD. É ele quem, ali, na negociação interna e na negociação com o Conselho, tem de velar pelos interesses financeiros, e não só, de Portugal.
O Governo PS herdou a negociação das Perspectivas Financeiras já na ponta final, se se encerrar o assunto em Junho, como será altamente desejável. E fará, sem dúvida, o que puder para obter o melhor resultado possível. O qual inevitavelmente, como o Dr. Mário David e o PSD bem sabem, vai implicar uma diminuição de montantes em relação ao último Quadro Comunitário de Apoio. Na qual, inegavelmente, o PSD terá uma substancial quota-parte de responsabilidade.
Por tudo isto, que lata, a do Dr. David e do PSD! Será que julgam os portugueses parvos?

Afirmar a UE: perspectivas financeiras já! «Scrap the CAP!»

Se os actuais líderes europeus ainda liderassem alguma coisa e quisessem tirar partido, em termos positivos, da crise aberta pelos resultados dos referendos francês e holandês, deviam já estar a dar instruções aos seus negociadores das Perspectivas Financeiras 2007/2013, para que as revissem em alta e preparassem tudo para um acordo final no Conselho Europeu de Junho.
Para isso deveriam contar com um substancial desvio dos fundos congelados para a desastrosa Política Agrícola Comum (os mais de 40% postos de parte pela escandalosa combinação, em Outubro de 2002, entre Schroeder e Chirac, com a benção do PM Barroso e dos demais....). Fundos que deveriam antes ser sobretudo afectados a políticas decisivas para capacitar a Europa face aos desafios da globalização: para financiar a Estratégia de Lisboa (qualificação, educação, inovação para mais emprego, crescimento e competitividade); a coesão social, económica e territorial; a política de ajuda ao desenvolvimento; e a política de segurança e defesa europeia (incluindo o combate anti-terrorismo e contra o crime organizado), etc...
Para trazer os franceses de volta à construção europeia é, sem dúvida, preciso combinar sabiamente «cenouras» (resultados numa Europa mais eficaz a promover o crescimento e o emprego, a proteger serviços públicos de qualidade, a assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, a confrontar os desafios da globalização), com «paus» (bater com a porta na cara à Europa, pode dar gozo ou aliviar as frustrações, mas paga-se caro).
Desmantelar a actual PAC será também um serviço inestimável que a UE presta à França, incentivando-lhe uma reforma fundamental. Por muito que estrebuchem os escandalosamente protegidos agricultores franceses, que maioritariamente votaram contra a Constituição. Todos ficarão assim a compreender que «Quem semeia Nãos, recolhe ...os cacos da PAC».

Conselho de Segurança III e referendo francês: «Ignore Germany. Affirm EU»

Se os actuais líderes políticos europeus ainda liderassem alguma coisa, deveriam, face à adversidade dos resultados do referendo francês (e possivelmente do holandês), estar agora a esforçar as meninges congeminando medidas que transmitissem rapidamente ao resto do mundo e a todos os cidadãos europeus (franceses incluidos) sinais políticos claros de que há Europa para além do referendo em França (e Holanda).
Deviam estar a preparar-se para fazer a UE avançar, mesmo sem a Constituição ratificada pelos restantes países (mas no sentido que a Constituição prevê). Para fazer a Europa intervir mais decisivamente no controlo da globalização.
No final de contas, não foi essa a poderosissima mensagem que os eleitores franceses quiseram passar à liderança política europeia? que a Europa não pode continuar a ver passar os tsunamis das deslocalizações selvagens, sem mexer um dedo para regular a globalização?
Não se trata de enfrentar a globalização numa perspectiva defensiva, nacionalista e proteccionista, como sugeriu a propaganda xenófoba e amedrontante dos defensores do NÃO em Franca. Mas de agir no quadro da Estratégia de Lisboa, apostando na competitividade e crescimento da economia europeia e na projecção mundial de uma Política Externa e de Segurança Comum (política comercial e política de ajuda ao desenvolvimento incluidas) realmente coerente e eficaz, todos os azimutes.
Isso deveria traduzir-se em decisões ousadas no próximo Conselho Europeu de Junho. Por exemplo,
1- antecipar a entrada em vigor da previsão do Tratado Constitucional de conferir personalidade jurídica à União Europeia;
2- acelerar a constituição do Serviço de Acção Externa - o serviço diplomático comum que deverá apoiar o MNE europeu previsto na Constituição;
3- anunciar a entrada em campo antecipada do MNE europeu;
4- anunciar a decisão de pedir um lugar, com todos os atributos inerentes, de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU para a União Europeia; o que implicaria a desistência de qualquer candidatura nacional; mas não, nesta fase, o afastamento dos membros da UE que já lá estão como P5, França e Reino Unido; nem o abandono de candidaturas nacionais a lugares não-permanentes.

Conselho de Segurança II: «Ignore Europe»

Comiserável é a reacção alemã a esta posição americana.
O Embaixador da Alemanha em Washington, Wolfgang Ischinger, veio dizer, segundo a mesma notícia do «Washington Post», que a proposta que a Alemanha apresenta nas NU para reforma do Conselho de Segurança "reduz substancialmente a representação da Europa no CS, de 33% para 20%." "O ponto é que a nossa proposta de reforma não aumentará, mas diminuirá o peso relativo da Europa", disse Ischinger.
Uma reforma que não contempla um lugar de membro permanente para a UE e que reduz o peso relativo da Europa no Conselho de Segurança?
Então porque razão haveremos nós, europeus, de querer a reforma proposta pelos alemães?
Com parceiros desta massa, quem precisa da Sra. Arroz?

Conselho de Segurança I : "Ignore Germany"

Ora aí está! A retaliação pelo não apoio à guerra do Iraque.
Em 1993, quando o Tratado de Maastricht introduziu a noção de Política Externa Comum da UE, os EUA apressaram-se a dar o seu apoio, velado embora, à entrada da Alemanha como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Dividir para reinar. Quanto mais dividida a Europa, melhor.
A repartição de custos de funcionamento das NU também aconselhava tal apoio, pois a Alemanha estava disposta a pagar mais e os EUA tinham então uma dívida considerável às NU. Mas em 2000, a Administração Clinton conseguiu resolver o problema da dívida às Naçoes Unidas.
Depois veio a guerra do Iraque em 2003. A Alemanha não apoiou a Admnistração Bush na guerra. E os EUA fizeram finalmente saber, segundo o «Washington Post» de 19/5/05, que afinal já não apoiam a pretensão da Alemanha a membro permanente do CS. Justificação da Sra. Rice: "Em muitos aspectos a UE tem agora uma política externa comum. Facto que precisa de ser levado em conta no Conselho de Segurança". "Por isso há poucos motivos para dar a um outro membro da UE um lugar de membro permanente".
A consequência a tirar seria os EUA passarem a apoiar um lugar de membro permanente para a UE. Mas a Srª Arroz não vai tão longe. A sua intenção parece ser mais a de ignorar a pretensão alemã, do que reconhecer a necessidade de um lugar para a UE no Conselho de Segurança. Afinal, foi à Sra. Arroz que se atribuiu a máxima, depois da intervenção unilateral no Iraque:«Forgive Russia, ignore Germany, punish France».

Just in case...

A dúvida é incontornável: depois do rotundo "chumbo" francês do tratado constitucional europeu, seguido do previsto "chumbo" holandês de hoje, ainda fará sentido rever a Constituição portuguesa "ad hoc" para permitir entre nós o referendo sobre aquele em Outubro próximo?
Não compartilho do voluntarismo daqueles que acham que tudo deve prosseguir como se nada tivesse sucedido. Pode bem suceder que até ao Outono, ou antes disso, se mostre sem margem para dúvidas que o projecto constitucional europeu naufragou sem apelo nem agravo em terras francesas e que, em vez de um exercício masoquista de insistência num projecto morto, só resta tentar controlar os danos (que em qualquer caso serão sempre muitos...). Mas para o caso de suceder um "milagre" de recuperação do desastre francês, vale a pena preparar as coisas para poder realizar o nosso referendo, no momento oportuno, se ainda for caso disso. Pelo menos, não se perde nada. Just in case...

O Presidente e o referendo da constituição europeia

quem sustente com veemência que o Presidente da República não pode não deve tomar posição quanto à constituição europeia, devendo permanecer neutral face aos dois campos em confronto. Mas a veemência não chega para dar razão.
Em geral, o Presidente pode ter e exprimir publicamente a sua opinião sobre assuntos desta natureza; e não é o facto de a questão ir ser decidida por referendo (o que ainda nem sequer está decidido) que lhe vai retirar esse poder. Os referendos não cancelam os poderes presidenciais, salvo se outra coisa estiver estabelecida sobre a matéria.
Ora, o que a Constituição e a lei do referendo estabelecem é que o Presidente, tal como as demais entidades públicas, incluindo o Governo, só está inibido de intervir durante a campanha do referendo, ou seja, nos 12 dias que antecedem a votação. Nada mais do que isso. Salvaguardada essa limitação, o direito de "externalização" de posições pelo Presidente em relação às questões que interessam à República, segundo o seu prudente juízo, é inatacável. É a doutrina que nos ensina a literatura especializada sobre os poderes presidenciais. Mesmo que a situação possa justificar alguma autocontenção presidencial, não existe razão para afastar essa doutrina no caso do referendo europeu.