segunda-feira, 20 de junho de 2005

Correio dos leitores: Privilégios

«(...) Victor Constâncio tem um salário que, segundo 'O Independente', rondará os 20.000 euros mensais, logo cerca de 280.000 euros anuais (20.000 x 14), sem contar provavelmente com todos os outros privilégios: automóvel topo de gama, ajudas de custo, telefones, etc., etc.,etc,.
Alan Greenspan, governador do Federal Reserve System Americano, o equivalente nos EUA ao nosso Banco de Portugal, ganha por ano 180.000 dólares (cerca de 145.000 euros), metade do que ganha o nosso (...) Victor Constâncio.
Posto isto nem sei o que dizer mais. Não é o Greenspan que ganha mal. É Constâncio e toda a sua equipa que ganha bem de mais. Multiplique-se isto tudo por dezenas de empresas públicas cujos administradores têm remunerações semelhantes.
E ainda vem o Presidente Jorge Sampaio pedir sacrifícios aos trabalhadores Portugueses por conta de outrem, cujo salário médio anual rondará os 11.500 Euros (segundo dados do ministério das Finanças), e sobretudo aos funcionários públicos, essa raça de incompetentes que ganham fortunas e nada fazem, que vêm as suas progressões congeladas. (...)»
J. J. Alfaiate

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Eurofobia francesa

Grande maioria dos franceses tem saudades do Franco francês (mais de 70% entre os que rejeitaram a constituição europeia). Nada que um referendo não resolva. Já agora...

Correio dos leitores: Carcavelos

«Os meus parabéns pelo seu texto sobre os acontecimentos de Carcavelos. É exactamente aí que bate o ponto! Enquanto os gravíssimos problemas sociais que estão na origem de tais acontecimentos, e que se agravaram nos últimos anos, não forem atacados com firmeza e determinação, a repressão, que não contesto ser necessária, só por si não irá resolver nada! É dar uma aspirina para aliviar as dores de um canceroso, sem atacar a doença em si! Mas parece que há pouca gente que queira encarar o problema de frente... É mais fácil prender, e convencer a opinião pública de que se está, dessa maneira, a pugnar pela segurança dos cidadãos. E, não atacar de frente este flagelo social, é dar argumentos à direita para propagandear o seu populismo.»
(Carlos B.)

Greves

Para além das vantagens que têm sobre os trabalhadores do sector privado (segurança no emprego, remunerações, idade de reforma, cálculo da reforma, férias, baixas por doença, tempo de trabalho, etc.), os funcionários públicos têm ainda um outro "privilégio": as suas greves não prejudicam somente (nem principalmente) a entidade patronal (ou seja, o Estado), mas sim e sobretudo os utentes dos serviços públicos, isto é, a população em geral.
O que me parece, porém, da greve dos professores é que o seu evidente "oportunismo" temporal (coincidência com os exames) só pode virar contra eles a população. Com toda a justeza, aliás! Sendo este o primeiro teste à sua firmeza no que respeita às providências de disciplina das finanças públicas, o Governo, esse, não pode ceder. Em nome dos contribuintes e em nome dos utentes do sistema de ensino.

É o interesse próprio, estúpido

O relatório do INFARMED sobre a prescrição e venda de medicamentos genéricos não pode ser mais esclarecedor. É muita baixa a proporção de receitas médicas que prescrevem genéricos ou que autorizam a substituição dos medicamentos de marca por genéricos; mesmo quando isso sucede, na maior parte dos casos as farmácias não procedem à substituição, preferindo aviar os medicamentos de marca prescritos.
Mas a conduta de uns e outros é perfeitamente racional sob o mponto de vista do seu interesse pessoal. Com a sua dependência em relação aos laboratórios farmacêuticos (a começar pelos célebres congressos...), a maior parte dos médicos tende para receitar medicamentos de marca (até porque nisso são incentivados pela própria Ordem!...); por sua vez, os farmacêuticos têm todo o interesse em vender medicamentos de marca, muito mais caros, porque lucram mais, já que a taxa de comercialização não varia em função do preço.
Quem paga a factura são obviamente os utentes, visto que a comparticipação do Estado está calculada pelo preço dos genéricos, quando existem, pelo que, ao comprarem medicamentos mais caros, são eles que suportam integralmente a diferença.
O remédio só pode ser normativo: (i) obrigar à prescrição por DCI, pelo menos no SNS; (ii) obrigar as farmácias a aviar genéricos sempre que o médico não tenha imposto medicamentos de marca; (iii) diminuir a margem de comercialização das farmácias em relação aos medicamentos de preço mais elevado.

quinta-feira, 16 de junho de 2005

Referendo europeu conjunto. Ah, sim?

Diz a TV que o PM defende agora um referendo a realizar conjuntamente, no mesmo dia, nos Estados que se dispuserem ainda a ratificar o Tratado «Uma Constituição para a Europa». Ora bem.
Isso defendi também eu, na direcção do PS, mal o texto final do Tratado foi aprovado. E a ideia não era minha: circulava no Partido Socialista Europeu.
Talvez se tivesse evitado muita chatice. Talvez os cidadãos franceses, holandeses e outros vissem melhor a floresta - a Europa - e menos enfiassem à àrvore - os governantes que mal governam a Europa e os seus países.
Governantes de quem, apesar de tudo, se espera agora, neste Conselho Europeu, que mostrem uma réstea de visão, responsabilidade, liderança.
Não é que eu esteja muito esperançada. Olhem para a foto de família: é cada canastrão! Valha-nos o Juncker , que é o melhor e o mais realmente "socialista" deles todos.

Álvaro Cunhal

À distância de Bruxelas, segui algumas das imagens que a televisão proporcionou do funeral de Álvaro Cunhal. Impossível não ficar tocada pela discreção com que envolveu os sofridos últimos anos de vida. E pela manifestação de vontade política com que quis estar «presente» no seu próprio funeral.
Sim. Porque o acompanhamento popular solidário, comovido e massivo ao seu derradeiro destino constituiu a última figuração simbólica da inquebrantável unidade do seu Partido e do povo, por que toda a vida trabalhou. Bandeiras vermelhas ao alto, «Internacional» entoada a plenos pulmões, Lisboa e o país curvados à passagem do féretro, adversários e protagonistas políticos de todos os matizes evocando respeitosamente as suas qualidades: tudo constitui o legado triunfal e final que Álvaro Cunhal quis deixar ao país, ao Partido, aos camaradas e aos amigos.
Logrou-o, reconheçamo-lo, tão só porque foi um bravo, um homem forte e determinado. Um Príncipe do seu tempo. Tão impiedoso e frio na vertigem das suas ideias e princípios, quanto correcto, cortês e até afável nas relações pessoais.
Nos meus vinte anos, do alto da minha «verdade maoísta», vezes sem conta o tomei verbal e muralmente como alvo privilegiado a abater. Três decadas passadas, sem apagar divergências, declaro o meu respeito pela sua memória e admiração pela sua vida de combate. E por isso expresso solidariedade a todos, familiares e camaradas, que choram a sua perda.
A Ministra da Cultura sintetizou o que Álvaro Cunhal inspira hoje a quem, como eu, a certa altura combateu o seu projecto político: «Foi um herói contra o fascismo. E por isso também um construtor da nossa democracia».

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Para a história

Desde os funerais de Maurice Thorez e de Palmiro Togliatti, há quatro décadas, que nenhum dirigente comunista europeu mereceu uma homenagem póstuma tão imponente como a que hoje foi tributada a Álvaro Cunhal. A história do movimento comunista ganhou uma nova iconografia.
(Imagem: "Funeral de Togliatti", por Renato Guttuso)

A África que Funciona

A África que Funciona é o título feliz do último número do Courrier Internacional. Raramente se fala deste lado de África. O que funciona em África não costuma ser notícia. Como não é notícia a vida que se sente nos mercados africanos, a energia e o esforço que se adivinha nos que por lá passam, compram e vendem. Essa África tão cheia de vida e resistente, fica lá, esquecida e localizada. Mas mesmo não sendo notícia, ela também existe. Felizmente!

Pôr tempo em meio

O presidente da Comissão europeia fala agora em suspender os processos de ratificação da constituição europeia. Tudo indica que o Conselho Europeu deste fim de semana -- que parece caminhar para um fracasso na questão financeira -- não tomará nenhuma orientação sobre o assunto, deixando a cada Estado a decisão sobre o que fazer, o que é um sinal de recuo evidente. Entre nós Mário Soares já fala numa renegociação do tratado. Neste contexto de depressão e dúvida, ainda faz sentido avançar com o referendo entre nós na data marcada?

terça-feira, 14 de junho de 2005

Comparar o que não é comparável

Como "moral" de uma meritória investigação às nomeações de pessoal pelo Governo Sócrates, o Jornal de Negócios conclui que o total de nomeações é superior ao do Governo Santana Lopes no mesmo período de tempo.
Trata-se porém de uma comparação de todo descabida. O governo de Santana Lopes era dos mesmos partidos do governo precedente (Durão Barroso), sendo vários membros do Governo os mesmos. Por isso nem estes precisaram de nomear novos gabinetes, nem o Governo teve de substituir a maior parte dos cargos de confiança política, como governadores civis, directores-gerais, dirigentes de institutos públicos, directores de serviços regionais do Estado, etc. As duas situações não são portanto comparáveis. Comparação relevante seria com o Governo de Durão Barroso.
Além disso, verifica-se que: (i) a grande maioria das nomeações dizem respeito aos gabinetes ministeriais, e mesmo aí a comparação com o Governo anterior é favorável ao actual; (ii) a maior parte das substituições nas administrações de empresas públicas ocorreram por termo do mandato, e não por substituição antecipada; (iii) não houve mudanças nos cargos dirigentes intermédios da Administração, salvo por termo do mandato, o que cumpre a promessa de retirar essas situações da categoria de cargos de livre nomeação política.
Também é pena que, na sua tarefa comparatística, o jornal não tenha notado que, ao contrário do que normalmente sucede com as mudanças de Governo, desta vez não houve mudança nem nas administrações nem nas direcções de órgãos de comunicação social públicos, o que é um progresso de valor inestimável...

"Clube anti-referendário"

Não, meu caro Luís Nazaré (post abaixo), eu não pertenço ao clube dos adoradores do referendo. Pelo contrário, sou assaz céptico, em geral. Mas não o excluo em certos casos. Defendo o referendo em relação à Constituição europeia porque entendo que as mudanças em causa justificam uma legitimação e uma responsabilização nacional acrescida.
Contudo, nunca defendi este referendo latitudinário sobre o tratado constitucional em globo, mas sim um referendo sobre questões concretas, tal como aliás dispõe a Constituição (por isso é que se tornou necessário rever a Cosntituição para permitir o referendo que se vai fazer). Penso que o referendo não é instrumento adequado para votar um texto complexo e multifacetado como a constituição europeia (ou qualquer outra). Como se viu na França e na Holanda, as pessoas votaram "não" pelos mais variados motivos, mesmo se contraditórios: uns por a constituição significar um excesso de integração, outros por não ser suficientemente federalista; uns por ela ser neoliberal, outros por não ser suficentemente liberal. Isto sem falar nos muitos que votaram contra por razões que nada têm a ver com a constituição, fazendo dela o bode expiatório de todas as queixas políticas da hora (contra Chirac, contra o desemprego, contra a entrada da Turquia, contra a globalização, etc. etc.).
Há ainda a enorme susceptibilidade dos referendos às conjunturas negativas (sem falar na sua vulnerabilidade ao populismo e à demagogia). Em tempos de crise económica e social, os referendos tendem inexoravelmente para o não. Fosse há meia dúzia de anos, numa fase de crescimento económico, de menos desemprego e boas perspectivas europeias, e o referendo da constituição europeia teria passado sem dificuldades. Por isso, o resultados dos referendos não depende somente do mérito das propostas em causa mas sim do contexto em que são votadas. E só isso bastaria para aconselhar as maiores reservas sobre as virtudes do referendo...

"Derrota laica"

É assim que o El País qualifica o resultado do referendo italiano que pretendia eliminar as restrições da lei sobre a procriação medicamente assistida, uma das mais limitativas da Europa. O referendo foi desqualificado por falta de quorum, tendo a participação ficado pelos 26%, muito longe da maioria exigida na Itália para ter efeito. A vitória foi reivindicada pela Igreja Católica, que se mobilizou militantemente pela abstenção, para anular o referendo.
Perante esta demonstração de força do Vaticano, que não hesitou em entrar directamente na campannha do referendo, as forças laicas italianas temem agora uma ofensiva católica contra a lei da despenalização do aborto.

Contas sem sentido

Os opositores do tratado constitucional da UE podem ser muito imaginosos e pouco rigorosos. Um dos argumentos mais recorrentes é o de que o tratado favorece os grandes Estados-membros e prejudica os pequenos, em particular Portugal. Isso sucederia desde logo no que respeita ao peso de cada país para efeitos da maioria qualificada no Conselho de ministros. Por exemplo, num artigo ontem publicado no Diário de Notícias, Paulo Pita e Cunha argumenta que o poder de voto de Portugal, «presentemente duas vezes e meia inferior ao da Alemanha e da França, passará a ser oito vezes inferior ao primeiro e seis vezes ao segundo».
Mas estas contas não fazem sentido. Actualmente, de acordo com o art. 205º do Tratado de Nice, vigora um sistema de voto plúrimo ponderado, em que cada Estado-membro tem um determinado número de votos, de acordo com a sua dimensão (por exemplo, Portugal - 12 e Alemanha - 29). A maioria qualificada é calculada com base no número total desses votos (232 de 321, o que dá cerca de 72%), desde que se trate da maioria dos países e que reúnam 62% da população. Destes três requisitos, dpois deles, o primeiro e o terceiro, favorecem os grandes países. Esse sistema de voto plúrimo foi abandonado no novo tratado constitucional, passando cada país a ter um único voto. No novo sistema simplificado de "dupla maioria" (art. I-25º), a maioria qualificada obtém-se com 55% dos países desde que representem 65% da população total da UE. Ou seja, à partida cada país representa um voto, em termos de perfeita igualdade, sendo a população (que favorece os grandes países) um segundo critério cumulativo. Se uma proposta não obtiver o voto de 55% dos Estados, não será aprovada, por maior que seja a percentagem da população dos países que a apoiem (actualmente basta uma maioria de países, desde que somem os votos "ponderados" e a população necessários).
Por conseguinte, o peso do voto de cada país no sistema do tratado constitcional não pode ser comparado tendo em conta somente o respectivo peso demográfico comparado. A população é somente um dos dois critérios conjugados no sistema da dupla maioria. É de exigir um pouco mais de rigor e de escrúpulo.

segunda-feira, 13 de junho de 2005

Bem-vindo ao clube anti-referendário

O excelente texto (infelizmente indisponível on line) do editor de economia do Expresso, Jorge Fiel, na passada sexta-feira, dispensou-o dos habituais ritos iniciáticos. O clube anti-referendário a que pertenço decidiu acolhê-lo com a categoria de mestre.

PS - Ainda não perdi a esperança de ver alguns dos mais fervorosos defensores da fé referendária aproximarem-se, por curiosidade ou ecumenismo intelectual, das ideias do nosso clube. Fiquei especialmente animado ao ouvir o meu colega Vital Moreira afirmar recentemente (no decurso de uma notável intervenção televisiva sobre o tema da constituição europeia) que "as medidas de austeridade anunciadas pelo governo nunca seriam aprovadas em referendo".

Até sempre, poeta!

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.

Nos meus versos chamar-te-ei amor.

(Eugénio de Andrade, Madrigal)

Eugénio de Andrade


«Porque também para Mozart houve morte caríssimo! E se Mozart morreu, como poderão os meus amigos ser imortais? O Aires, a Nelmi, o Armando, a Matilde, o Célio, todos morrerão e eu com eles a cada instante. Mesmo tu David, acabarás também por morrer; as cordas deixarão de soar; uma poeira muito fina poisará docemente na tua harpa, para sempre

Eugénio de Andrade, Excessivo é ser Jovem, Em Memórias da Alegria

Álvaro Cunhal (1913-2005)

Mesmo quando esperada, a morte das grandes personagens que forjaram História nunca é uma ocorrência vulgar. Mesmo quando um mar ideológico nos separava deles, nunca o seu desaparecimento nos deixa indiferentes.
Contrariando a visão do "materialismo histórico" acerca do pequeno papel dos indivíduos na história, poucos influenciaram tanto os anais do século passado em Portugal, tanto pela acção como pelo pensamento, não somente no campo político (a luta contra a ditadura, a revolução portuguesa) mas também no campo literário, artístico e cultural, através da influência que durante décadas o PCP teve nesses domínios, sob sua directa orientação.
Mesmo sem nunca ter exercido o poder, Álvaro Cunhal tem um lugar cativo entre os protagonistas políticos do Portugal que hoje somos. E a sua gesta pessoal de revolucionário (clandestinidade, prisões, exílio) perdurará seguramente como imagem de uma das grandes figuras que o movimento comunista deixa para a história.

domingo, 12 de junho de 2005

Uma Europa sedutora

«A Europa tem de recuperar o seu encanto. Precisa de mais sex-appeal e de menos cheque-appeal! Precisa de uma nova ética.»
(Palavras de Filipe Gonzalez, hoje nas comemorações da adesão à Comunidade Económica Europeia).

Pela Europa



12 de Julho de 1985. 20 anos depois só posso agradecer a quem nos fez partir nesta viagem a devido tempo. Se alguma vez tivesse tido dúvidas sobre a opção e a oportunidade, elas ter-se-iam desvanecido numa visita à Bulgária no início do seu processo de democratização, em 1993. Ao sentir a sua ânsia de entrar na União, percebi melhor a dimensão do privilégio de quem já lá estava dentro. Tendemos hoje a trivializá-lo, mas seria bom que não esquecêssemos que do peso da União Europeia passa não só a qualidade de vida de cada um de nós, mas também a possibilidade de um mundo mais equilibrado, de um ponto de vista político, económico, social ou ambiental. Pela Europa, há 20 anos. Pela Europa, hoje muito mais ainda do que então!

Insegurança

O inédito "arrastão" da praia de Carcavelos só pode ter uma resposta forte em termos de segurança. Depois da demonstração de rigor e disciplina financeira, o Governo do PS tem de revelar a mesma determinação na questão da segurança, em que os governos de esquerda revelam habitualmente algumas dificuldades. Nada há de mais erosivo da confiança dos cidadãos nos governantes do que o aumento da insegurança. A garantia da segurança conta-se entre os mais fundamentais direitos dos cidadãos e entre as mais elementares tarefas do Estado.
No entanto, só um governo de esquerda pode também combater os factores da violência juvenil nos bairros suburbanos das áreas metropolitanas, povoados sobretudo por comunidades de origem africana, verdadeiros guetos onde mora a pobreza, o desemprego, o abandono escolar, o desamparo familiar, o desenraizamento e a exclusão social. Sem atacar a sério as raízes sociais dos "gangs" juvenis e por mais que se invista nas necessárias medidas de prevenção e de repressão da violência, a insegurança pode tornar-se um problema cada vez mais inquietante, com as suas sequelas em termos de fomento do racismo e da xenofobia.
Por isso, a questão da violência suburbana não é um assunto somente das forças de segurança e dos tribunais, longe disso.

Dez anos depois

Há 10 anos que a liberalização do sistema financeiro, a descida das taxas de juro e o aumento dos salários reais permitiam perceber que o fenómeno do endividamento iria ampliar-se a um ritmo muito acelerado. Era bom que então se tivesse iniciado um programa de prevenção do sobreendividamento. Mas, infelizmente, a democratização do acesso ao crédito não foi acompanhada de regulação que permitisse monitorizar, prevenir e remediar os seus efeitos menos desejados. Apesar disso, nunca é tarde para começar. Dez anos depois, retomamos algumas das nossas sugestões que se encontram na Aba da Causa.

Às avessas

Na sua crónica política semanal no Público, intitulada «Os chicos-espertos» -- onde critica certeiramente as limitações da revisão constitucional sobre o referendo do tratado constitucional europeu --, São José Almeida refere de passagem que o tratado confere «mais direitos aos poderes executivo e judicial, em detrimento do poder legislativo».
Ora esta ideia não tem fundamento, pelo contrário. Se há um poder que sai enaltecido na constituição europeia é indubitavelmente o Parlamento Europeu, que vê reforçadas as suas competências legislativas, orçamentais e de controlo político. Nesta fase da polémica sobre o tratado constitucional são incompreensíveis erros desta natureza.

sábado, 11 de junho de 2005

Vasco Gonçalves

Mal o conheci pessoalmente. Mas as duas ou três vezes que nos encontrámos em 1974 e 1975 revelaram-me um homem sério, empenhado, honesto, culto e idealista. Para ele a revolução ficou amarguradamente inacabada, muito aquém do "verdadeiro socialismo" por que lutava. Mas o principal que o 25 de Abril nos trouxe e nos legou -- a liberdade, a democracia, a modernização, o progresso social -- devêmo-lo também a ele, por menos que ele estimasse alguns traços dessa herança.
Sucede muitas vezes aos revolucionários não se reconhecerem nos resultados da revolução. Faz parte da natureza das coisas a realidade ficar aquém da utopia revolucionária. Revoluções bem sucedidas são as que ficam a meio caminho dos seus propósitos transformadores...

Uma votação viciada

Por muito racional que seja a ideia de que não podemos ficar reféns da França ou da Holanda na votação sobre o Tratado da Constituição Europeia, que há outros 10 países que já o aprovaram, o que é facto é que a partir de agora a votação está viciada. Já não votamos para saber se haverá novo Tratado ou não. Votamos com outro objectivo. Votamos, quando muito, para orientar uma discussão futura que não se sabe quando e como terá lugar. Votamos, enfim, depois de estar decidido o que estamos aparentemente a decidir. Por isso, não posso estar mais de acordo com a opinião de VJS publicada no DN e aqui transcrita. Uma votação desta natureza só podia ser simultânea.

Consumos supérfluos



Em várias discussões em que tenho participado sobre a questão do endividamento das famílias, levanta-se com frequência e questão de saber o que é ou não é consumo supérfluo. Costumo responder que, em teoria, só não é supérfluo aquilo que comemos e bebemos para sobreviver e já agora um tecto para não morrermos de frio ou de calor! Tudo o resto é cultural. Com o tempo, foram-se tornando não "supérfluos" e até de primeira necessidade o fogão, o frigorífico, os livros, a televisão, o carro, o telefone, etc., etc. Serve esta resposta para desarmar os que passam a vida a acusar o vizinho de consumista militante só porque "ousa" ir de férias para o estrangeiro. Cá por mim, na medida em que o seu rendimento lhes permita essa opção (e aqui entramos num outro plano de discussão), tomara que os portugueses viagem muito e assim conheçam outras culturas e estilos de vida, que se divirtam e sejam mais felizes.

O fim do euro?

Tal é a tese da última edição do The Spectator, como tema de capa e de artigo de fundo. A mensagem é clara:
«(...) in the end, without political union, history tells us that the euro experiment is doomed».
Mesmo que a ideia do fim do euro seja essencialmente uma expressão de "wishfull thinking" da referida revista da direita de inspiração anglo-americana, é indesmentível que a crise aberta pela rejeição do tratado constitucional pode criar sérias dificuldades à moeda única europeia. Será que o euro vai ser a principal "vítima colateral" do não à constituição europeia?

Tribunais "às moscas"

Enquanto existem muitos tribunais inundados com milhares de processos sem vazão, muitos outros há sem o número suficiente de processos. A sua concentração ou agregação com outros libertaria instalações, equipamentos, magistrados e demais pessoal. Haverá a necessária coragem política para redesenhar o mapa judicial e vencer as inevitáveis resistências locais?

Adenda
A propósito da excessiva dispersão territorial de certos serviços públicos, entre eles os tribunais, ver o meu artigo desta semana no Público, agora recolhido na Aba da Causa.

Boa pergunta

«Se há a preocupação de fazer coincidir a divulgação dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu em todos os Estados da União, por que é que não se adoptou uma regra idêntica para a ratificação do tratado, com a realização simultânea de referendos ou votações parlamentares?»
(Vicente Jorge Silva, Diário de Notícias)

sexta-feira, 10 de junho de 2005

Canhoto

Um novo blogue à esquerda, da responsabilidade de António Dornelas, Paulo Pedroso e Rui Pena Pires. Canhoto se chama ele (como se fosse necessário dizer de onde vem...). Bem-vindo à blogosfera!