quinta-feira, 23 de junho de 2005

Gira o disco e toca o mesmo?

Numa das suas decisões mais perniciosas para as finanças públicas e para o funcionamento do mercado o Governo de Guterres decidiu a certa altura, quando os preços do petróleo subiam acentuadamente, congelar os preços domésticos dos combustíveis, à custa do imposto sobre os produtos petrolíferos, para assim tentar conter os custos de produção das empresas nacionais. Numa primeira impressão, parecia obedecer ao mesmo paradigma a anunciada decisão do Governo de subsidiar o preço da electricidade às empresas, para atenuar a sua subida na actual conjuntura de seca e de subida dos preços dos combustíveis. Mas como se mostra aqui, trata-se de um mecanismo previsto no sistema regulatório dos preços do sistema eléctrico, sendo custeado por um fundo existente para o efeito, que não sai do orçamento do Estado.
[corrigido depois desta crítica]

quarta-feira, 22 de junho de 2005

Privilégios

Quem não gostava de ter um regime de saúde especial assim, como o das forças de segurança? Infelizmente, não haveria orçamento que aguentasse!

Citação

«Como cada vez mais professores têm consciência, o descalabro da educação em Portugal está ligado ao desaparecimento progressivo dos exames. Os exames são reguladores de todo o sistema educativo, instrumento estruturante de responsabilização e organização do trabalho escolar. Os exames não avaliam apenas os estudantes, avaliam também os professores, a escola, a qualidade de todo o sistema, o grau de responsabilidade e interesse dos próprios pais. Na cadeia das várias causas que conduziram e alimentam a tragédia do sistema, os exames são um elo fundamental. Na cadeia das condições que são imperativas para regenerar o sistema, os exames são um elo fundamental. Não haverá mudança na educação em Portugal sem a instituição, durante um largo período, de um regime intensivo de exames. Em Portugal, em matéria de educação, a posição relativamente aos exames separa as águas».
(Guilherme Valente, Público de hoje)

"Revelação de vinculações"

Por indiscrição (obviamente deliberada) do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, durante a cerimónia de inauguração do museu da maçonaria, ficámos a saber publicamente que todos os anteriores presidentes socialistas da AR até agora eram da maçonaria. Sabe-se, aliás, que o mesmo sucedia com alguns dos presidentes oriundos do PSD.
O mais importante, porém, foi a declaração (obviamente tão intencional como a anterior) de que deveria haver «revelação de vinculações» (incluindo, subentende-se, a pertença à maçonaria) por parte dos titulares de «cargos de responsabilidade». Eis uma questão digna de toda a atenção. Parece evidente que, tão importantes como as "declarações de interesses" a que os titulares de cargos públicos estão sujeitos, são as vinculações associativas que implicam um alto grau de compromisso pessoal e de solidariedade "fraternitária", como é o caso da maçonaria (mas não só, como bem se sabe).
Há países onde é obrigatória a revelação dessas vinculações no exerício de certos cargos públicos, como dever jurídico, ou pelo menos como dever deontológico. Não será isso preferível à suspeição que por vezes se cria sobre certas cumplicidades insinuadas, quer no campo da política quer na área da justiça, por exemplo? Quem ousará colocar esta questão na agenda da discussão política? Ou permanecerá ela um tabu, mesmo depois da inédita declaração do presidente da Assembleia da República?

«A UE não está de joelhos» ...

... disse o presidente da UE, o primeiro-ministro luxemburguês Juncker, na Casa Branca. Bush deve ter pensando para si mesmo, rejubilando: «Pois não, está de rastos!»

terça-feira, 21 de junho de 2005

Razão

O Ministro da Saúde tem toda a razão: mais importante do que a dimensão das listas de espera de intervenções cirúrgicas é saber se existe maior acesso às cirurgias e se a demora está ou não a diminuir. Mas há quem só queira ver a rama dos números...

Derrota

Os sindicatos de professores marcaram greve propositadamente para dias de exames. Repudiaram a definição dos exames como "serviços mínimos obrigatórios". Envolveram-se numa guerra com o Ministério por causa disso. Temerariamente, transformaram a não realização de exames na questão principal da greve.
Se tivessem deixado os exames de fora, estariam a celebrar uma greve vitoriosa. Assim, perderam. Não conseguiram impedir os exames. Ainda por cima, ganharam a hostilidade da opinião pública. Podem vangloriar-se dos números de professores em greve. Isso de pouco vale, depois de terem falhado o "prémio grande". A derrota é indesmentível. O radicalismo e a irresponsabilidade aventureira pagam-se caro.

Citações

«O grande problema da Europa é que hesita, o que também não é novo, entre uma evolução confederal e uma federal. De momento, dirige-se para uma espécie de terra de ninguém, nem confederal, nem federal. É uma situação insustentável.
A Europa tem de tornar-se uma federação, deve evoluir nesse sentido. Ela já o fez em matéria de moeda, mas com um problema de legitimidade democrática. Deve fazê-lo de forma mais decidida em matéria de governo, para adquirir essa legitimidade democrática que lhe falta e para ser governada.
De momento, a Europa - se se considerar como um país - é o único país do mundo sem governação.»

(Jean-Paul Fitoussi, entrevista ao Público, 2ª feira, 20 de Junho de 2005)

Constitucionalismo europeu

Embora com atraso, já está disponível na Aba da Causa o meu artigo da semana passada no Público, sobre o constitucionalismo europeu.

Mudança na Galiza?

Tudo vai continuar em suspenso por mais uma semana na Galiza quanto ao governo regional saído das eleições regionais. Os votos dos emigrantes da província de Pontevedra, decidirão se o PP, apesar da forte descida eleitoral, poderá ainda eleger mais um deputado -- que lhe permitirá renovar a maioria absoluta, embora à tangente --, ou se esse deputado cabe ao Partido Socialista, o que permitirá a este partido, que subiu muito em relação às eleições precedentes, formar uma governo de coligação com os nacionalistas galegos, como está previsto, caso tenham em conjunto a maioria dos deputados no parlamento da Comunidade autónoma.
Disso depende o fim ou a continuação do longo reinado de Fraga Iribarne, o homem do franquismo que conseguiu governar a Galiza ininterruptamente depois da transição democrática em Espanha. Em democracia, não há hegemonia "mexicana" que sempre dure...

segunda-feira, 20 de junho de 2005

Contra a corrente

Apesar da decisão do último Conselho Europeu, apontando para a suspensão dos processos nacionais de ratificação da constituição europeia, o Luxemburgo resolveu manter o seu referendo para o próximo dia 10 de Julho. Há quem resista à onda.

Correio dos leitores: Professores

«O causa-nossa não é a minha causa, mas é um blog de amigos, aliás um dos primeiros amigos a divulgar a minha causa.
A minha causa -- eu não dou aulas, eu sou professora de português de meninos e meninas do 2.º ciclo do ensino básico -- é a causa da leitura e da escrita e, a propósito do que Vital Moreira aqui disse (não está em causa a minha concordância ou não), gostava apenas de colocar uma pergunta:
Por que é que, a um professor do ensino básico e secundário, aquilo que a escola lhe pede ao fim de 20, 30 ou mesmo 40 anos de carreira é exactamente o mesmo que lhe exigia no início?
Eu gostava que não fosse!»

Emília Miranda (blogue Netescrita)

Concordo...

... com esta judiciosa reflexão de Paulo Gorjão.

Professores

As medidas que atingem os professores (suspensão da subida automática das remunerações, aumento da idade de reforma, etc.) são iguais às que atingem os demais funcionários públicos, pelo que não existe nenhuma "perseguição" especial em relação a eles, nem se vê razão bastante para tratamento diferenciado. Foi um erro grave que os sindicatos tenham decidido deliberadamente fazer de centenas de milhares de alunos "carne para canhão" da sua luta contra o Governo, o que virou a opinião pública contra si e tornou o êxito da sua greve dependente do boicote dos exames. Os "serviços mínimos" não põem em causa o direito à greve; pelo contrário, pressupõe a existência da greve.

Crise da UE

Os adversários da UE, nomeadamente os nacionalistas e soberanistas de todos os matizes, devem rejubilar. Depois do chumbo da constituição europeia, e do impasse institucional que isso criou, somou-se agora o rotundo fracasso do Conselho Europeu no que respeita às perspectivas financeiras futuras.
A crise da UE é indesmentível e sem saída à vista. Os riscos de recuo na integração europeia são reais (já há quem peça em França um referendo sobre o euro...). Resta saber o que pensam disto os que se opuseram ao tratado constitucional em nome de outra constituição, "mais europeia e mais social", para a UE. Por este caminho, está-se mesmo a ver...

Privilégios

Esta notícia sobre os novos automóveis dos juízes do Tribunal Constitucional, a ser verdadeira, é lamentável. Sê-lo-ia em quaisquer circunstâncias (por que é que hão-de ter automóveis oficiais, para começar?); é-o sobretudo em tempo de aperto das finanças públicas, quando quase toda a gente vê os seus rendimentos ou regalias diminuídos.

Manifestações racistas

A manifestação nazi-racista de Lisboa no sábado passado, que a polícia controlou devidamente, para além da repulsa política que provoca, tem porém alguns efeitos colaterais positivos: revela a escassez dos seguidores do movimento (algumas centenas), alerta a opinião pública para a sua existência e para o perigo que a sua ideologia e a sua actividade representam para a coesão social e política do País e proporciona aos serviços de segurança e de informações do Estado preciosos elementos sobre o dito movimento e a sua composição, revelando as organizações racistas e fascistas que estão por detrás.

Correio dos leitores: Medicamentos

(...) A obrigação de prescrição por DCI já existe, só que a grande maioria dos médicos não a cumpre, e como não há ninguém para fiscalizar quem cumpre ou não, continua tudo na mesma (...); mais ainda, para que não se possa proceder à substituição basta pôr uma cruz como quem joga no totobola, sem qualquer tipo de justificação. Acontece que há alguns clínicos que optam por trancar as receitas assim que as recebem, ainda antes de prescreverem o que quer que seja, não deixando alternativa a quem dispensa nem a quem compra.
Actualmente, a substituição é uma opção do utente. Se não quiser levar o genérico, está no seu direito. É uma obrigação do farmacêutico mostrar ao utente todos os genéricos que existem no mercado para que ele possa optar. Isto sim é estúpido, dado que para alguns medicamentos chegam a existir 15, 20 possibilidades de substituição, e o que é mais espantoso, quase todas com o mesmo preço...
A meu ver, a actual lei necessita de uns ajustes. A começar pela aberração das cruzinhas! Simplesmente têm que desaparecer para que se possa aumentar significativamente a substiuição. Só que aqui vamos ter outro problema, que já começa a surgir, e que teria tendência a agravar-se, que é a prescrição dos chamados "medicamentos inovadores", muito mais caros que os já existentes no mercado, e muitas vezes sem nenhuma mais valia (muitos são apenas ligeiras alterações das moléculas, sem qualquer efeito a nivel farmacologico). Como é que se iria impedir este fenómeno? Bem complicado, não é?;
Outro ajuste necessário seria obrigar o farmacêutico a dispensar o genérico mais barato. Aqui, antes disso, é necessário rever a forma como se atribuem os preços aos genéricos, dado que dentro do mesmo grupo homogéneo, tem praticamente todos o mesmo preço. (...)
Fora desta lei, outra solução para o problema dos elevados gastos e desperdícios com medicamentos, é avançar para o dispensa em dose unitária, como se faz a nivel hospitalar com alguns medicamentos para doentes crónicos, como os doentes Insuficientes Renais. Mas no estado em que isto está, e com o actual Bastonário da Ordem dos Médicos, certamente que também aqui iriam encontrar forma de bloquear o sistema...

Joao Gregorio

Correio dos leitores: Privilégios

«(...) Victor Constâncio tem um salário que, segundo 'O Independente', rondará os 20.000 euros mensais, logo cerca de 280.000 euros anuais (20.000 x 14), sem contar provavelmente com todos os outros privilégios: automóvel topo de gama, ajudas de custo, telefones, etc., etc.,etc,.
Alan Greenspan, governador do Federal Reserve System Americano, o equivalente nos EUA ao nosso Banco de Portugal, ganha por ano 180.000 dólares (cerca de 145.000 euros), metade do que ganha o nosso (...) Victor Constâncio.
Posto isto nem sei o que dizer mais. Não é o Greenspan que ganha mal. É Constâncio e toda a sua equipa que ganha bem de mais. Multiplique-se isto tudo por dezenas de empresas públicas cujos administradores têm remunerações semelhantes.
E ainda vem o Presidente Jorge Sampaio pedir sacrifícios aos trabalhadores Portugueses por conta de outrem, cujo salário médio anual rondará os 11.500 Euros (segundo dados do ministério das Finanças), e sobretudo aos funcionários públicos, essa raça de incompetentes que ganham fortunas e nada fazem, que vêm as suas progressões congeladas. (...)»
J. J. Alfaiate

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Eurofobia francesa

Grande maioria dos franceses tem saudades do Franco francês (mais de 70% entre os que rejeitaram a constituição europeia). Nada que um referendo não resolva. Já agora...

Correio dos leitores: Carcavelos

«Os meus parabéns pelo seu texto sobre os acontecimentos de Carcavelos. É exactamente aí que bate o ponto! Enquanto os gravíssimos problemas sociais que estão na origem de tais acontecimentos, e que se agravaram nos últimos anos, não forem atacados com firmeza e determinação, a repressão, que não contesto ser necessária, só por si não irá resolver nada! É dar uma aspirina para aliviar as dores de um canceroso, sem atacar a doença em si! Mas parece que há pouca gente que queira encarar o problema de frente... É mais fácil prender, e convencer a opinião pública de que se está, dessa maneira, a pugnar pela segurança dos cidadãos. E, não atacar de frente este flagelo social, é dar argumentos à direita para propagandear o seu populismo.»
(Carlos B.)

Greves

Para além das vantagens que têm sobre os trabalhadores do sector privado (segurança no emprego, remunerações, idade de reforma, cálculo da reforma, férias, baixas por doença, tempo de trabalho, etc.), os funcionários públicos têm ainda um outro "privilégio": as suas greves não prejudicam somente (nem principalmente) a entidade patronal (ou seja, o Estado), mas sim e sobretudo os utentes dos serviços públicos, isto é, a população em geral.
O que me parece, porém, da greve dos professores é que o seu evidente "oportunismo" temporal (coincidência com os exames) só pode virar contra eles a população. Com toda a justeza, aliás! Sendo este o primeiro teste à sua firmeza no que respeita às providências de disciplina das finanças públicas, o Governo, esse, não pode ceder. Em nome dos contribuintes e em nome dos utentes do sistema de ensino.

É o interesse próprio, estúpido

O relatório do INFARMED sobre a prescrição e venda de medicamentos genéricos não pode ser mais esclarecedor. É muita baixa a proporção de receitas médicas que prescrevem genéricos ou que autorizam a substituição dos medicamentos de marca por genéricos; mesmo quando isso sucede, na maior parte dos casos as farmácias não procedem à substituição, preferindo aviar os medicamentos de marca prescritos.
Mas a conduta de uns e outros é perfeitamente racional sob o mponto de vista do seu interesse pessoal. Com a sua dependência em relação aos laboratórios farmacêuticos (a começar pelos célebres congressos...), a maior parte dos médicos tende para receitar medicamentos de marca (até porque nisso são incentivados pela própria Ordem!...); por sua vez, os farmacêuticos têm todo o interesse em vender medicamentos de marca, muito mais caros, porque lucram mais, já que a taxa de comercialização não varia em função do preço.
Quem paga a factura são obviamente os utentes, visto que a comparticipação do Estado está calculada pelo preço dos genéricos, quando existem, pelo que, ao comprarem medicamentos mais caros, são eles que suportam integralmente a diferença.
O remédio só pode ser normativo: (i) obrigar à prescrição por DCI, pelo menos no SNS; (ii) obrigar as farmácias a aviar genéricos sempre que o médico não tenha imposto medicamentos de marca; (iii) diminuir a margem de comercialização das farmácias em relação aos medicamentos de preço mais elevado.

quinta-feira, 16 de junho de 2005

Referendo europeu conjunto. Ah, sim?

Diz a TV que o PM defende agora um referendo a realizar conjuntamente, no mesmo dia, nos Estados que se dispuserem ainda a ratificar o Tratado «Uma Constituição para a Europa». Ora bem.
Isso defendi também eu, na direcção do PS, mal o texto final do Tratado foi aprovado. E a ideia não era minha: circulava no Partido Socialista Europeu.
Talvez se tivesse evitado muita chatice. Talvez os cidadãos franceses, holandeses e outros vissem melhor a floresta - a Europa - e menos enfiassem à àrvore - os governantes que mal governam a Europa e os seus países.
Governantes de quem, apesar de tudo, se espera agora, neste Conselho Europeu, que mostrem uma réstea de visão, responsabilidade, liderança.
Não é que eu esteja muito esperançada. Olhem para a foto de família: é cada canastrão! Valha-nos o Juncker , que é o melhor e o mais realmente "socialista" deles todos.

Álvaro Cunhal

À distância de Bruxelas, segui algumas das imagens que a televisão proporcionou do funeral de Álvaro Cunhal. Impossível não ficar tocada pela discreção com que envolveu os sofridos últimos anos de vida. E pela manifestação de vontade política com que quis estar «presente» no seu próprio funeral.
Sim. Porque o acompanhamento popular solidário, comovido e massivo ao seu derradeiro destino constituiu a última figuração simbólica da inquebrantável unidade do seu Partido e do povo, por que toda a vida trabalhou. Bandeiras vermelhas ao alto, «Internacional» entoada a plenos pulmões, Lisboa e o país curvados à passagem do féretro, adversários e protagonistas políticos de todos os matizes evocando respeitosamente as suas qualidades: tudo constitui o legado triunfal e final que Álvaro Cunhal quis deixar ao país, ao Partido, aos camaradas e aos amigos.
Logrou-o, reconheçamo-lo, tão só porque foi um bravo, um homem forte e determinado. Um Príncipe do seu tempo. Tão impiedoso e frio na vertigem das suas ideias e princípios, quanto correcto, cortês e até afável nas relações pessoais.
Nos meus vinte anos, do alto da minha «verdade maoísta», vezes sem conta o tomei verbal e muralmente como alvo privilegiado a abater. Três decadas passadas, sem apagar divergências, declaro o meu respeito pela sua memória e admiração pela sua vida de combate. E por isso expresso solidariedade a todos, familiares e camaradas, que choram a sua perda.
A Ministra da Cultura sintetizou o que Álvaro Cunhal inspira hoje a quem, como eu, a certa altura combateu o seu projecto político: «Foi um herói contra o fascismo. E por isso também um construtor da nossa democracia».

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Para a história

Desde os funerais de Maurice Thorez e de Palmiro Togliatti, há quatro décadas, que nenhum dirigente comunista europeu mereceu uma homenagem póstuma tão imponente como a que hoje foi tributada a Álvaro Cunhal. A história do movimento comunista ganhou uma nova iconografia.
(Imagem: "Funeral de Togliatti", por Renato Guttuso)

A África que Funciona

A África que Funciona é o título feliz do último número do Courrier Internacional. Raramente se fala deste lado de África. O que funciona em África não costuma ser notícia. Como não é notícia a vida que se sente nos mercados africanos, a energia e o esforço que se adivinha nos que por lá passam, compram e vendem. Essa África tão cheia de vida e resistente, fica lá, esquecida e localizada. Mas mesmo não sendo notícia, ela também existe. Felizmente!

Pôr tempo em meio

O presidente da Comissão europeia fala agora em suspender os processos de ratificação da constituição europeia. Tudo indica que o Conselho Europeu deste fim de semana -- que parece caminhar para um fracasso na questão financeira -- não tomará nenhuma orientação sobre o assunto, deixando a cada Estado a decisão sobre o que fazer, o que é um sinal de recuo evidente. Entre nós Mário Soares já fala numa renegociação do tratado. Neste contexto de depressão e dúvida, ainda faz sentido avançar com o referendo entre nós na data marcada?

terça-feira, 14 de junho de 2005

Comparar o que não é comparável

Como "moral" de uma meritória investigação às nomeações de pessoal pelo Governo Sócrates, o Jornal de Negócios conclui que o total de nomeações é superior ao do Governo Santana Lopes no mesmo período de tempo.
Trata-se porém de uma comparação de todo descabida. O governo de Santana Lopes era dos mesmos partidos do governo precedente (Durão Barroso), sendo vários membros do Governo os mesmos. Por isso nem estes precisaram de nomear novos gabinetes, nem o Governo teve de substituir a maior parte dos cargos de confiança política, como governadores civis, directores-gerais, dirigentes de institutos públicos, directores de serviços regionais do Estado, etc. As duas situações não são portanto comparáveis. Comparação relevante seria com o Governo de Durão Barroso.
Além disso, verifica-se que: (i) a grande maioria das nomeações dizem respeito aos gabinetes ministeriais, e mesmo aí a comparação com o Governo anterior é favorável ao actual; (ii) a maior parte das substituições nas administrações de empresas públicas ocorreram por termo do mandato, e não por substituição antecipada; (iii) não houve mudanças nos cargos dirigentes intermédios da Administração, salvo por termo do mandato, o que cumpre a promessa de retirar essas situações da categoria de cargos de livre nomeação política.
Também é pena que, na sua tarefa comparatística, o jornal não tenha notado que, ao contrário do que normalmente sucede com as mudanças de Governo, desta vez não houve mudança nem nas administrações nem nas direcções de órgãos de comunicação social públicos, o que é um progresso de valor inestimável...

"Clube anti-referendário"

Não, meu caro Luís Nazaré (post abaixo), eu não pertenço ao clube dos adoradores do referendo. Pelo contrário, sou assaz céptico, em geral. Mas não o excluo em certos casos. Defendo o referendo em relação à Constituição europeia porque entendo que as mudanças em causa justificam uma legitimação e uma responsabilização nacional acrescida.
Contudo, nunca defendi este referendo latitudinário sobre o tratado constitucional em globo, mas sim um referendo sobre questões concretas, tal como aliás dispõe a Constituição (por isso é que se tornou necessário rever a Cosntituição para permitir o referendo que se vai fazer). Penso que o referendo não é instrumento adequado para votar um texto complexo e multifacetado como a constituição europeia (ou qualquer outra). Como se viu na França e na Holanda, as pessoas votaram "não" pelos mais variados motivos, mesmo se contraditórios: uns por a constituição significar um excesso de integração, outros por não ser suficientemente federalista; uns por ela ser neoliberal, outros por não ser suficentemente liberal. Isto sem falar nos muitos que votaram contra por razões que nada têm a ver com a constituição, fazendo dela o bode expiatório de todas as queixas políticas da hora (contra Chirac, contra o desemprego, contra a entrada da Turquia, contra a globalização, etc. etc.).
Há ainda a enorme susceptibilidade dos referendos às conjunturas negativas (sem falar na sua vulnerabilidade ao populismo e à demagogia). Em tempos de crise económica e social, os referendos tendem inexoravelmente para o não. Fosse há meia dúzia de anos, numa fase de crescimento económico, de menos desemprego e boas perspectivas europeias, e o referendo da constituição europeia teria passado sem dificuldades. Por isso, o resultados dos referendos não depende somente do mérito das propostas em causa mas sim do contexto em que são votadas. E só isso bastaria para aconselhar as maiores reservas sobre as virtudes do referendo...