quinta-feira, 21 de julho de 2005

Correio dos leitores: Freitas do Amaral

«(...) A direita não pode perdoar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros a sua participação num Governo PS; a esquerda não lhe perdoa nem o seu passado nem a sua independência presente.
Uma entrevista notável -- nomeadamente na parte que se refere à política externa -- é transformada num acto de traição ao Governo e de candidatura à Presidência. Mas basta ler a entrevista na sua integralidade para se perceber que nada disso tem qualquer fundamento. Solidariedade governamental: repetidamente afirmada; mesmo quando há laivos de crítica, Freitas do Amaral apresenta-se como co-responsável pelos eventuais erros cometidos -- que se relacionariam, aliás, mais com a estratégia de comunicação do que com o conteúdo das medidas difíceis adoptadas pelo executivo. Candidatura presidencial: Freitas do Amaral não exclui a hipótese de se candidatar (e porque deveria fazê-lo) mas afirma claramente que esse assunto não é prioritário para si. (...) Por outro lado, não há qualquer inibição no apoio às medidas impopulares tomadas pelo Governo que são consideradas necessárias, justas e equilibradas. Tudo foi feito «com muita ponderação, conta, peso e medida»...
(...) Freitas do Amaral é um homem que tem um currículo que envergonha a maior parte dos seus actuais críticos. Seria, para mim, um excelente Presidente da República (e eu não teria qualquer dúvida em votar nele), como será um excelente Ministro dos Negócios Estrangeiros. O que espanta é que este país prefira certas nulidades a pessoas com passado, cultura e inteligência. Isso é que é o sinal da (falta de) qualidade das nossas elites (...).»

José Pedro Pessoa e Costa

É este o aeroporto que querem manter indefinidamente?

«O ministro das Obras Públicas frisou que "a continuação da Portela é inviável", até porque este aeroporto já tem hoje graves limitações por não cumprir o estabelecido nas normas da União Europeia em matéria de níveis de ruído. Estas limitações implicam que a Portela não possa, já hoje, funcionar durante a noite, pois o ruído afecta actualmente cerca de 150 mil pessoas. Para além disso, o actual aeroporto está já a recusar diariamente cerca de 84 voos, por falta de capacidade de resposta. A Portela corre ainda o sério risco de ser "desqualificada" como aeroporto europeu, num prazo de dez anos, precisamente por causa dos seus constrangimentos ambientais.» (Diário de Notícias de hoje)

"Mangar com o pagode"

No que respeita à importante reforma da limitação dos mandatos dos titulares de cargos políticos o PSD opõe-se em dois importantes pontos à proposta do PS. Primeiro, quer aplicar a limitação apenas aos autarcas, excluindo os chefes de governo regional e os primeiros-ministros, como propõe o PS; segundo, quer que a contagem dos mandatos seja reposta a zero, ignorando os já completados, diferentemente do PS, que em relação a quem já tenha três mandatos ou mais só admite o desempenho de mais um.
Se com a restrição aos autarcas a reforma ainda faria sentido -- pois é em relação a eles que ela se torna mais necessária (esquecendo A. J. Jardim...) --, já a ideia de permitir que quem já tem três mandatos ou mais ainda possa fazer mais outros três só poder ser a "mangar com o pagode". Se constitucionalmente nada exige tal solução, ela é também politicamente injustificável. O PSD quer mesmo alguma reforma?

Versatilidade

«Apoiante, abstencionista, adversário».

Pós-secularismo

Ja está na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe. A questão é a seguinte: o actual ressurgimento da religião na esfera pública implica uma revisão da natureza laica do Estado ou, pelo contrário, o seu reforço?

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Demissão

Quando um ministro das finanças, de propósito ou desajeitadamente, dá a entender ou deixa perceber que se quer demarcar publicamente do Governo numa questão politicamente sensível (no caso a política de investimentos públicos), não resta outro caminho se não a demissão (mesmo que julgue que tem razão). E antes cedo do que tarde. Se foi ele a aperceber-se disso, ainda bem; se foi Sócrates a tirar a "moralidade" da história, ainda melhor...

Saltar etapas, rumo ao desastre

«PCP defende novo referendo à regionalização em 2007». Os adversários da regionalização só podem agradecer outro referendo prematuro, votado a novo desaire, o que significaria a morte definitiva do projecto regionalizador. De resto, como o PS e o Governo já garantiram que tal referendo não se fará nesta legislatura, antes de haver condições para o vencer, é evidente que o PCP só quer instrumentalizar a questão da regionalização para "chatear" o PS. Elementar...

Disponibilidade

Afinal, a principal "mensagem" da entrevista de Freitas do Amaral ao Diário de Notícias, ontem anunciada e hoje publicada, tem a ver com as eleições presidenciais. Ele acha que se está a deixar Cavaco Silva ocupar o terreno sem contestação, censura implicitamente o PS por estar a adiar demasiado esta questão, explica por que é que Cavaco em Belém poderia dificultar a vida do Governo e, para o caso de alguém não ter dado conta, deixa entender claramente que, se for necessário, está disponível para ser ele a disputar o cargo contra o seu aliado de há vinte anos.
Se era intenção de Sócrates continuar a manter esse tema fora da agenda política do PS, parece óbvio que o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros não compartilha da mesma opinião. E a sua disponibilidade fica, incontornavelmente, no ar, "just in case", à consideração de Sócrates...

"Soluções" neoliberais

Um colunista do "Diário de Notícias" da linha neoliberal escrevia ontem sobre a solução dos problemas financeiros do Estado, propondo como solução a privatização das suas funções sociais, nomeadamente a segurança social, a saúde e a educação. Sobre esta preconiza o seguinte: «A educação, com especial relevo para o ensino básico e secundário, deverá igualmente ser transferida para o sector privado, através da adopção dum sistema de cheques educação ou de crédito de imposto.»
A gente lê e pasma. Em que é que esta privatização do ensino aliviaria a despesa pública, se afinal o Estado continuaria pagar o ensino privado!? Aliás, muito provavelmente essa solução até traria mais despesa pública, pois o Estado passaria a suportar os alunos que hoje estão nas escolas privadas à sua custa, e além do pagamento às escolas privadas teria sempre de pagar os professores e funcionários que não poderia despedir...
É caso para dizer que é mais fácil apanhar um falso liberal do que um coxo! Na verdade, o que se propõe não é aliviar o Estado dessa tarefa mas sim convertê-lo ao papel de pagador das escolas privadas. Ora, numa lógica coerentemente neoliberal que justificação é que há para que o ensino não seja uma responsabilidade privada?

terça-feira, 19 de julho de 2005

Não havia necessidade

Eu também acho que Sócrates não devia ter dito na campanha eleitoral que não ia aumentar impostos (nem o contrário). Mas emiti essa opinião aqui mesmo na própria altura, por me parecer que a situação financeira que o Governo iria herdar não poderia prescindir de um considerável aumento de receitas ficais. Agora que um membro do Governo como Freitas do Amaral venha dizer isso, passados meses, não me parece fazer muito sentido. Ou faz?

Estátuas em vida?

Manuel Alegre merece todas as homenagens de Coimbra, do município à Universidade. Mas muito me admiraria que ele aceitasse ser glorificado com uma estátua. Estátuas em vida não rimam bem com esquerda nem com poesia...

Correio dos leitores: Novo aeroporto

«Não posso deixar passar sem reparo a sua entrada de sábado, intitulada "Vistas Curtas". Por que motivo é que afirma que quem se oponha ao projecto da OTA está a defender "os interesses localistas imediatos de Lisboa"? Não seria eu quem diria que todos os defensores da OTA estão a defender os interesses localistas imediatos do centro do país.(...)
Não tenho suficientes conhecimentos para ter uma opinião definitiva, mas tudo o que tenho lido leva-me a crer que seria um disparate afastar o aeroporto para 50 km de Lisboa, com custos exorbitantes, que, ainda por cima, tornariam absurdos todos os gastos que se tem tido com a Portela nos últimos anos.
O que observo é haver vários lobbies interessados na Ota: a construção civil em geral; a ANA e a TAP, que olham com pânico para qualquer solução que viabilizasse voos de baixo preço ("low cost") noutros aeroporto perto de Lisboa (Alverca, Montijo, Tires, etc.).
Não desprezo o risco associado à implantação urbana da Portela, mas considero-o aceitável para um país com as dificuldades financeiras que nós temos. Se estivessemos a nadar em dinheiro, talvez olhasse com mais interesse para os argumentos dos otistas. (...)»

Miguel Magalhães

«A mim parece-me que vistas curtas são as daqueles que defendem a mudança do aeroporto de Lisboa com base num suposto aumento de tráfego aéreo ao longo dos próximos decénios. É preciso ter em conta que ainda não se encontrou forma de fazer aviões voar sem ser a petróleo. E o petróleo está perto do pico da sua produção mundial, e a procura de petróleo está a aumentar rapidamente nos países asiáticos. Estes factos sugerem que, ao longo dos próximos decénios, a utilização do avião nos países ocidentais não poderá crescer muito mais - provavelmente terá que decrescer.
Um novo aeroporto demora 10 anos a estar pronto, e só faz sentido construí-lo se for para o utilizar durante 20 ou 30 anos. Fazer prospeções do futuro a um tal prazo é difícil. O passado não é bom guia para prever o futuro! O facto de o tráfego aéreo ter vindo a aumentar não implica que ele vá continuar a fazê-lo. A mim parece-me impossível que ele continue a aumentar (no Ocidente) por muitos mais anos.»

Luís Lavoura

«Fico surpreendido pela sua posição (mesmo descontando a motivação de ferroada política) sobretudo porque admiro o posicionamento que tem sobre as SCUT, atento o seu posicionamento político.
Não decorre do argumento que cita "...estando indesmentivelmente previsto para dentro de poucos anos o esgotamento da capacidade do actual aeroporto da capital..." a construção do novo aeroporto na Ota como tem sido apresentada quando continua sem resposta (publicação na Internet dos estudos fundamentadores) o repto para uma solução equivalente, gradualista e mais mais barata (Portela + Alverca, por exemplo)».

JE

Correio dos leitores: Escola pública

«Parece-me(...) que nem tudo foi dito contra o sistema vouchers e a pseudo-liberdade de escolha da escola privada. O sistema de vouchers apenas favorece a criação de «guetos» em que cada confissão religiosa, etnia ou grupo social escolhe excluir todos os outros. É uma opção contra a escola inclusiva, que apenas confere a cada grupo a possibilidade de viver e ser educado apenas com os seus, excluindo todos os restantes. A cada casta sua escola, é este o princípio da liberdade de escolha a que se referem os defensores da escola privada...»
Manuel Piteira

Correio dos leitores: Caminhos-de-ferro

«Gostaria de fazer a seguinte pergunta relativamente à rede ferroviária de alta velocidade: será que a alta-velocidade é prioritária quando não temos uma estrutura básica ferroviária em condições no país?
Vamos a outros países europeus - por exemplo a Alemanha ou a Holanda, onde resido - e é possível viajar entre praticamente qualquer cidade com um mínimo de expressão sem muitas mudanças de comboio e sem esperar longos períodos pela mudança. Quaisquer cidades separadas por cerca de 100 kms terão ligação directa entre si, sem necessidade de mudança de comboio. (...)
Em Portugal não é possível ligar directamente Coimbra e Leiria - 60 ou 70 kms! Leiria, capital de um distrito fortemente industrializado, não possui uma ligação ao intercidades ou alfa pendular, as nossas ligações rápidas. A ligação Porto-Bragança, 200 a 250 kms, não existe. O mesmo se passa com qualquer capital de distrito no interior. As estações portuguesas são uma verdadeira vergonha - já referiu, e com razão, por diversas vezes, o problema com as estações de Coimbra.
Os comboios não têm um mínimo de condições de conforto.
(...) Será que antes de embarcarmos em aventuras - que serão necessárias no futuro, não o nego - como a alta velocidade, não deveríamos antes começar por remodelar a nossa rede ferroviária convencional? (...)»

João Sousa André

Direito de resposta: "Privilégios sindicais"

O dirigente sindical Mário Nogueira, indirectamente citado neste post, desmente a notícia jornalística que lhe deu origem. Como é devido, e justo, aqui fica o essencial da sua resposta:
«Sempre que há uma Greve, como refere a lei, "as ausências [ao serviço] durante o período de greve presumem-se motivadas pelo exercício do respectivo direito?. Acontece, contudo, que em dia de Greve há professores que por não terem serviço na sua escola não podem ser contabilizados para efeito da greve, não podendo por isso ser-lhes descontado o dia de salário. São os casos, por exemplo, dos colegas de atestado médico, de "folga", de férias ou em situação que os dispense de actividade docente para qualquer efeito, tal como os dirigentes sindicais com dispensa total de serviço, como é o meu caso, os vereadores a tempo inteiro nas autarquias, entre muitos outros.
Nestes casos, dada a impossibilidade de lhes ser descontado o dia pela escola, há professores que fazem chegar ao Sindicato, sempre que há greve, um cheque no valor de um dia do seu salário, procedimento que no SPRC é obrigatório em relação a todos os que se encontram a tempo inteiro.
Para o SPRC seria inadmissível e intolerável que os seus dirigentes sindicais beneficiassem de algum privilégio relativamente à sua situação de professor e, por essa razão, tornou esse procedimento obrigatório em relação a todos os que se encontram com dispensa total de serviço para actividade sindical ou, tendo apenas redução parcial, o dia de greve coincida com um em que não tem serviço na escola. Obrigatório desde o momento da fundação do SPRC, o que aconteceu há 23 anos!
A verba recolhida é, então, incluída no chamado ?fundo de solidariedade? e serve para apoiar causas e iniciativas (...).
Por isso, o que está em causa não é o desconto do salário dos dirigentes sindicais em greve que, no SPRC, como nos restantes Sindicatos da FENPROF é obrigatório! E, até, em relação à greve em referência tanto eu como a colega Helena e outro colega do mesmo agrupamento, descontámos, como antes disse, dois dias de salário (um pela escola, outro para o SPRC). (...)»

Mário Nogueira

segunda-feira, 18 de julho de 2005

«Incorrecto»

Com a prestimosa contribuição do Público, que procede à sua distribuição, lá vai sobrevivendo a revista "Nova Cidadania", que se autopromove com a frase «6 anos politicamente incorrectos». Mas o que é que pode haver de "incorrecto" numa publicação de direita que não é mais do que uma mistura de chão conservadorismo tradicional com banal neoconservadorismo?

Competência

A competência de Mário Pinto para tratar dos aspectos constitucionais do direito ao ensino e da liberdade de ensino (cfr. artigo hoje no Público) é igual à minha para discutir teologia católica, ou seja, nenhuma. Já a sua competência para representar o grupo-de-interesse das escolas privadas, essa ninguém lha contesta. É pena é misturar uma coisa com outra...

Julguei que estávamos em austeridade financeira...

A ministra da Cultura anunciou a disponibilidade do Estado para apoiar financeiramente a sobrevivência da companhia de ballet da Gulbenkian, que a Fundação resolveu extinguir. Mas o Estado não tem já a sua própria instituição oficial de ballet, a Companhia Nacional de Bailado?

sábado, 16 de julho de 2005

Vistas curtas

De um líder político que alinha demagogicamente com os interesses localistas imediatos de Lisboa na questão do novo aeroporto não são de esperar grandes vôos. Estando indesmentivelmente previsto para dentro de poucos anos o esgotamento da capacidade do actual aeroporto da capital -- e mesmo assim à custa de enormes investimentos para lhe prolongar a vida até 2015 --, como é o presidente do PSD pode tomar posições tão pouco responsáveis? Ainda se se tratasse de algum candidato ao município de Lisboa...

Privilégios sindicais

Que dizer de dirigentes sindicais que convocam greves, que implicam para os grevistas perda de remuneração dos dias de greve, e que depois pretendem receber a remuneração do dia de greve como se não tivessem feito greve, invocando dispensa de serviço para trabalho sindical? Há alguma moralidade nisso?

Só?

«PCP culpa Governo por incêndios e crise económica». E pela seca, e pelo Alberto João Jardim!?

sexta-feira, 15 de julho de 2005

Correio dos leitores: A escola pública (3)

«Li com atenção e particular agrado o seu artigo no «Público». Mais uma vez verifico a forma pertinente como desmonta a polémica com que tantas vezes se tem rodeado a discussão em torno da chamada liberdade de ensino em Portugal. Permito-me juntar apenas um argumento adicional. Como pai de um jovem autista é na escola pública que encontro as condições possíveis (e desejáveis) de integração do meu filho numa escola que se pretende inclusiva. Com que direito o Estado continua a subsidiar directa ou indirectamente o ensino privado que, regra geral, crianças como o meu filho não tem hipóteses de frequentar?
Mesmo ao nível da educação pré-escolar, onde os apoios educativos abrangem escolas privadas, a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais é recusada ou desaconselhada. Falo por experiência própria, mas também não me esqueço da recusa por parte do colégio onde em Braga frequentei o Ensino Primário - o Colégio D. Diogo de Sousa - em admitir uma criança com o síndrome de Down cujo irmão mais velho era já aluno da referida instituição.»

João Pedro Cunha-Ribeiro

Correio dos leitores: A escola pública (2)

«Concordo com o essêncial do artigo respeitante à escola pública/escola privada. No entanto gostaria de fazer notar que essas opiniões têm como ponto de partida que em todos os lugares existe uma "oferta" de escola pública em quantidade e qualidade aceitáveis. O que não sucede, por exemplo em algumas zonas de Lisboa, onde o parque escolar é insuficiente (nomeadamente por se deixar urbanizar sem que se instalem outros equipamentos) ou aquele que existe só oferece mau ensino, insegurança e horários incompatíveis com a profissão dos pais. Veja-se por exemplo os casos das Expo (escolas insuficientes) e do Lumiar (escolas insuficientes e oferta "degradada"). Como resultado desta situação sou obrigado a ter osmeus filhos numa escola privada, o que consome uma enorme fatia do orçamento familiar. É uma decisão que cabe a mim, mas que desonera o Estado de alguma responsabilidade e assim tenho a "garantia" que os meus filhos terão uma melhor formação escolar, o que os beneficiará, mas também beneficiará o País.
Gostaria, e muito, de ter à disposição dos meus filhos uma boa escola pública. Tenho procurado saber junto da autarquia de Lisboa e do Ministério daEducação o porquê da não criação dos estabelecimentos de ensino público na zona onde moro, mas nunca obtive qualquer resposta...».

David Caldeira

Correio dos leitores: A escola pública

«Pensa que os objetivos com os quais o ensino público foi criado no século 19, nomeadamente o fomento da coesão e unidade nacionais e linguísticas, são compagináveis com as aspirações de liberdade, inclusivamente cultural, dos cidadãos, e com os atuais países multi-étnicos e multi-religiosos? Não lhe parece que, pelo contrário, o espírito nacionalista do século 19 é contraditório com a forma moderna
de ver o mundo e os países?
Os liberais não são a favor da desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino, ao contrário daquilo que Você afirma no seu artigo. São a favor de que esse financiamento permita ao aluno (ou aos seus pais) a escolha da escola. Isso pode ser feito através de um sistema de "vouchers", por exemplo, no qual o financiamento é dirigido para a escola que o aluno decide frequentar, seja qual fôr a sua natureza. Não há neste sistema qualquer eliminação das responsabilidades estatais na garantia do direito à educação. Simplesmente, essas responsabilidades deixam de ser efectivadas através do financiamento a algumas escolas, e passam a ser efectivadas através do financiamento directo ao aluno. O aluno fica assim com a total liberdade de escolher a escola que pretende.»

Luís Lavoura

Comentário
1. A principal razão de ser da escola pública é a de proporcionar a toda a gente um ensino não confessional nem sectário, sem distinções de qualquer espécie. O carácter multi-étnico e multi-religioso das actuais sociedades só aumenta essa responsabilidade. A escola pública é um meio de integração e inclusão social.
2. Eu não disse que os liberais querem a desresponsabilização do Estado do ensino, pelo contrário. Mas se eles fossem liberais coerentes, era o que deveriam querer, dispensando o Estado dessa tarefa. Assim, como são falsos liberais, o que pretendem é que o Estado financie as escolas privadas.
3. O Estado não tem nenhuma obrigação de financiar o ensino privado, nem deve fazê-lo. O seu único dever é oferecer um ensino público de qualidade a toda a gente e não fomentar escolas confessionais, identitárias e segregacionistas.
4. Pelas razões que expliquei no meu artigo, o regime de "vouchers" não proporciona muito mais liberdade de escolha do que a que já existe. Apenas subsidiaria as escolas privadas àqueles que já as frequentam. Ninguém vai trocar uma boa escola pública por uma escola privada medíocre. E as escolas privadas de qualidade são dispendiosas.

quinta-feira, 14 de julho de 2005

A singularidade da escola pública

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe. Entretanto considero pertinentes as achegas e observações de J. Vasconcelos Costa, cujo comentário agradeço.

terça-feira, 12 de julho de 2005

Concorrência, precisa-se

Fizeram-me chegar a reprodução de um anúncio relativo ao trespasse de uma farmácia numa cidade do interior, emitido por uma empresa de mediação imobiliária especializada em negócios de farmácias. Valor proposto: 5 milhões de euros, ou seja, 1 milhão de contos! (No link da empresa consta a indicação da farmácia mas não o preço do trespasse...)
Trata-se de um valor enorme, que traduz a valorização especulativa e o enriquecimento indevido proporcionado pelas restrições à abertura de farmácias, criando verdadeiros monopólios territoriais com rendosos volumes de negócios e elevados níveis de lucros. O que se espera para pôr fim a este regime irracional e contrário aos interesses dos utentes?

Explicação a pedido

Luís Novais Tito acha que não faz sentido continuar a votar a Constituição europeia, depois da rejeição da França e da Holanda. Ora, tal como os malteses e os luxemburgueses, que já a votaram depois disso (e outros Estados o vão fazer), eu também acho que faz todo o sentido.
Por várias razões, a saber: (i) porque, de acordo com uma declaração anexa ao tratado (e que tem o mesmo valor dele), se pelo menos 4/5 dos Estados-membros (ou seja 20), ratificarem o tratado e outros não, a questão será "considerada em Conselho europeu", o que quer dizer que a recusa de dois Estados não basta para matar o processo de ratificação; (ii) porque a falta de ratificação de um país não dispensa os demais do dever de ratificação que assumiram perante todos os outros ao assinarem o tratado; (iii) porque os franceses e holandeses só vinculam os seus governos e não os demais, nem os cidadãos dos demais Estados, que desejam também tomar posição (eu não me sinto representado por eles e quero tomar posição); (iv) porque cabe aos governos francês e holandês assumirem a responsabilidade pela rejeição perante os demais governos, que não devem facilitar-lhes a vida, desistindo de proceder à ratificação; (v) porque é totalmente diferente apurar no final do processo que, por exemplo, 22 ou 23 Estados ratificaram e 2 ou 3 não o fizeram, do que desistir de tomar posição só porque houve duas rejeições; (vi) porque se todos os Estados tomarem posição, como devem, e uma esmagadora maioria deles se pronunciarem pela ratificação, então será muito maior a pressão política sobre a França e a Holanda para reconsiderarem a sua rejeição (com outro referendo), se necessário com alguma revisão de alguns pontos do tratado (como sucedeu com a Dinamarca, a propósito de Maastricht); (vii) porque na inevitável negociação sobre essa matéria, terá muito mais força quem tiver procedido à ratificação.

Descubra as semelhanças

Enquanto em Espanha o Governo acaba de anunciar, em ambiente de grande pompa e circunstância, um exigente Plano Estratégico de Infra-estruturas e Transporte (PEIT), que entre outras coisa prevê a ligação de todas as capitais de província (correspondentes às nossas capitais de distrito) pela rede ferroviária de alta velocidade até 2020, entre nós questiona-se com grande soma de argumentos o lançamento de duas linhas básicas, do Porto a Lisboa e de Lisboa a Madrid.
Pobres e falhos de ambição, assim vamos nós, como quase sempre. E se pedíssemos a associação à Espanha como "comunidade autónoma de regime especial"?

Correio dos leitores: Despenalização do aborto

«Há ainda um outro motivo, fundamental, pelo qual é preciso liberalizar o aborto: para que não seja condenado o pessoal médico que realiza o aborto. Porque, não se esqueça, no tribunal de Setúbal foram absolvidas as mulheres nas quais o aborto foi realizado, mas não foi absolvida a mulher que os realizou. [Aguarda julgamento separado.] Sem despenalização do aborto, este continuará na clandestinidade, e não poderá surgir em Portugal, à luz do dia, uma oferta médica para fazer abortos (clínicas, como em Espanha).
Não basta despenalizar as mulheres. É preciso despenalizar o pessoal médico.»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Referendos

«"Nessa altura [de análise do processo de ratificação da Constituição europeia] só terá voz e força quem tiver tomado posição..."
Esperemos que nessa altura só tenham força e voz aqueles países nos quais a Constituição tenha sido aprovada ou rejeitada POR REFERENDO.
É que, se na França ou na Holanda a Constituição tivesse sido sujeita a aprovação meramente parlamentar, é certo e sabido que ela teria sido aprovada por uma enorme maioria dos deputados. E isso indica que, nesta questão, há um enorme desfasamento entre as opiniões públicas e as opiniões dos políticos.
O que lança uma enorme dúvida sobre a validade das aprovações da Constituição que foram feitas apenas pelos parlamentos - ou seja, sobre a maioria das aprovações até agora.»

Luís Lavoura

Comentário
A validade das aprovações por via parlamentar não está em causa. Provavelmente muitas outras leis aprovadas pelos parlamentos em todos os países não seriam aprovadas em referendo (e vice-versa). So what? O tratado não exige a sua própria aprovação por referendo; e nas democracias representativas a regra é a decisão parlamentar e não o referendo. Há países, como a Alemanha, onde nem sequer está previsto o referendo. Por isso, o peso dos países na reconsideração da constituição europeia não deve depender do modo da sua votação.
O problema dos referendos sobre textos globais de grandes diplomas é a sua aleatoriedade e imprevisibilidade e a sua vulnerabilidade às circunstâncias correntes. Se o mesmo referendo fosse realizado em circuntâncias económicas e sociais menos deprimidas, talvez o resultado pudesse ter sido completamente diverso. Será que essa possibilidade inquina a validade dos referendos realizados? Claro que não.