quarta-feira, 5 de outubro de 2005

A greve dos juízes

Como se mostrou no Prós & Contras, existe controvérsia entre os juristas sobre se os juízes gozam do direito à greve.
Como titulares de cargos públicos, os juízes não são funcionários públicos nem trabalhadores, pelo que não gozam directamente de tal direito por efeito da Constituição, que só garante tal direito aos trabalhadores. Contudo, não havendo também uma proibição constitucional expressa, tal direito poderá ser reconhecido aos juízes pela lei, ao abrigo da cláusula constitucional de que o elenco constitucional de direitos fundamentais não exclui outros direitos reconhecidos pela lei (ou pelo direito internacional). Isso só não seria admissível, se se entendesse, com Jorge Miranda, que a greve é intrinseca e absolutamente inconciliável com a função judicial, tal como configurada na Constituição. Seja como for, a verdade é que não existe nenhuma lei que reconheça aos juízes o direito de fazer greve, pelo que falta o necessário título jurídico.
Evidentemente deixaria de haver lugar a controvérsia, se a lei regulasse expressamente essa matéria, seja reconhecendo tal direito aos juízes, ainda que com limitações, seja proibindo-o de todo em todo.

Correio dos leitores: Farmácias

«(...) Os militares, os magistrados, as polícias, os advogados, os professores, a Associação~Nacional de Farmácias (ANF), os próprios sindicatos, etc., constituem neste país verdadeiras tribos. Os próprios militares falam de "vida militar" por oposição à "vida civil" (ou civilizada?). Muitos magistados apresentam a sua profissão como algo à parte das outas profissões ("sagrada" ?!).
O Governo actual revelou grande coragem ao enfrentar estas "castas" de privilegiados e está a sofrer da parte delas uma reacção brutal. Nalguns pontos já recuou e temo muito que recue mais. Por exº. não vi ainda implementada a possibiliade de abrir mais farmácias, prometida pelo Governo. Em Braga são práticamente as mesmas do "antigamente", enquanto que a população triplicou ou quadruplicou. Temos de andar vários quilómetros para encontrar uma das duas farmácias de serviço e nas horas normais é preciso esperar em "bicha" por vezes 1 hora para ser atendido! (...)»

Barreiros Martins

terça-feira, 4 de outubro de 2005

"Feudalismo"

«Curiosamente, a reivindicação de estatutos privilegiados privativos é acompanhada da mais latitudinária utilização dos instrumentos sindicais dos trabalhadores comuns, incluindo a manifestação e a greve, mesmo quando o seu estatuto público é manifestamente incompatível com eles, como sucede com os militares e os juízes, os primeiros porque a natureza das suas funções o não pode consentir, os segundos porque nem sequer são funcionários ou trabalhadores, mas sim titulares de cargos públicos, a quem não se podem estender de pleno os direitos próprios dos trabalhadores.»
(Excerto do meu artigo de hoje no Público: link exclusivo para assinantes).

Correio dos leitores: Privatização da REN

«Em relação à anunciada privatização da REN, devo referir que, embora seja claramente um caso de monopólio natural, não decorre desse facto, parece-me, que a gestão da rede seja necessariamente pública. O que o Estado deve assegurar é que, quem quer que seja o operador da rede eléctrica nacional, ele não possa auferir rendas monopolísticas, garantindo apenas uma retribuição do capital compaginável com o mercado. Para tal, tem importância fundamental o papel da ERSE. Ao contrário do que diz o Luís Lavoura noutro comentário ao mesmo "post", o caso da Portugal Telecom é distinto, tratando-se de um sistema em que o Estado português enveredou pela situação de acesso negociado em vez de acesso regulado, o que obrigou os operadores privados de telecomunicações a negociarem com o operador da rede, seu concorrente, o acesso à mesma. (...)
No caso da REN, e desde que se garanta o acesso de todos os operadores sem discriminação à rede (incumbência da ERSE), não vejo porque é que isso possa trazer "engulhos" ao mercado. Ou porque é que isso traduz uma perda de soberania económica. (...)Na vizinha Espanha, a REE é detida pelos geradores de electricidade e a CLH (distribuidora de carburantes) é detida pelos vários operadores de gás natural e petróleos em Espanha, Galpenergia incluída.»

Pedro Martins Barata

E a reforma institucional?

A UE ultrapassou com dificuldade o escolho da oposição da Áustria à abertura das negociações para a adesão da Turquia. Mas quem ganhou foi a Croácia, que, "por coincidência", viu antecipada a decisão de abertura do seu próprio processo negocial e que seguramente entrará na UE muito mais cedo do que a Turquia (se é que esta alguma vez entrará...). Portanto, retoma-se o processo de alargamento, quando ainda mal está "digerida" a grande ampliação precedente.
Entretanto, com a suspensão "sine die" do processo de ratificação da Constituição Europeia, no seguimento da rejeição popular na França e na Holanda, continuará indefinidamente congelada a reforma institucional da União. Até onde poderá a UE continuar a expandir-se, sem adaptar as suas instituições?

Como era óbvio...

... a greve dos magistrados e funcionários judiciais só tem a ver com a defesa dos privilégios de que hoje gozam, alguns dos quais o Governo decidiu extinguir, por razões de equidade social e de solidariedade no esforço de equilíbrio das finanças públicas -- nomeadamente o sistema privativo de saúde, que custa aos utentes da justiça 15 milhões de euros por ano --, mas de que os magistrados não querem abdicar. Toda a retórica sobre a independência dos juízes (como se ela estivesse em perigo!...) e sobre os males da justiça não passa de manobra de diversão. Admitisse o ministro voltar atrás, e logo as outras pretensas razões de queixa desapareceriam.

Que país, este!

Ver o presidente do STJ a intervir em directo num debate na televisão - isso já é pouco comum. Vê-lo polemizar com o Governo sobre o estatuto económico-profissional dos juízes - isso é pelo menos descabido. O presidente de um supremo tribunal deveria ser um exeomplo de discrição e distanciamento em relação às coisas mundanas. Pelos vistos, há quem não pense assim...

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Correio dos leitores: Privatização da REN

«A privatização da REN é a repetição do erro que foi feito com a venda da rede fixa de telefones à Portugal Telecom. Desde então esse erro tem tido repetidas e nefastas consequências, pois que o Estado perdeu a capacidade de impor condições de concorrência iguais para todas as empresas, e impõe aos consumidores de telefones fixos a correspondente factura. A ANACOM tem-se mostrado impotente para debelar o trunfo de que a Portugal Telecom dispõe.
Já agora, podiam privatizar também a REFER [rede ferroviária]...»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Derrotas

«(...) Eduardo Prado Coelho, no Público de hoje, consegue escrever um artigo sobre as eleições autárquicas que começa assim: "Não tenhamos ilusões: a imagem do PS que vai resultar das próximas eleições autárquicas é a de uma enorme derrota", sem mencionar, uma única vez, o seu amigo Manuel Maria Carrilho que, no entanto, não parece estar em condições de conquistar a Câmara de Lisboa.
Quer dizer, uma enorme derrota do PS - mas da qual Carrilho não será minimamente responsável! Extraordinário!»

J. P. Pessoa e Costa

Comentário

De facto, no artigo citado EPC menciona expressamente entre as causas de algumas previsíveis derrotas do PS a má escolha dos candidatos, citando os casos do Porto, de Coimbra, de Oeiras, mas omitindo o caso de Lisboa, onde a quase certa derrota se ficará a dever em grande parte à inadequação do candidato (que EPC apoia), visto que o PS parecia ter à partida boas condições para ganhar.

Soberania

O plano apresentado pelo Governo para o sector energético (liberalização, concorrência entre a Galp e a EDP no gás e na electricidade, privatização dos operadores) é claro e tem lógica. Só não vejo o sentido que faz a anunciada privatização da REN, a qual passará a gerir as infra-estruturas de transporte da electricidade e do gás.
Tais infra-estruturas são básicas para preservar um mínimo de soberania económica do País; constituem "monopólios naturais", por definição imunes à concorrência; as suas receitas derivam das tarifas reguladas, pagas pelos operadores. Que sentido faz então privatizar essas infra-estruturas, para além do propósito de realizar encaixe financeiro? E vale isso a perda do controlo público sobre essas redes e o perigo de a REN ir parar a mãos estrangeiras (designadamente espanholas)?

Correio dos leitores: Em defesa dos juízes

«(...) Já que o cita [o artigo do Público de Marinho e Pinto sobre os juízes]-- o que eu, numa lógica cartesiana que me parece aceitável, interpreto como um sinal do seu apoio e concordância --, pergunto-lhe directamente a si, Sr. Professor, o que a Marinho Pinto caberia perguntar: quais são os "supermercados especiais a preços mais baratos" em que me posso abastecer?; quais são os "transportes gratuitos" em que posso viajar, para além dos transportes públicos entre o local de trabalho e a residência (...); quais são as "compensações para despesas específicas" a que tenho direito e que, por certo, no futuro terei de exigir judicialmente ao Estado já que nunca as recebi? quais são os "médicos mais caros" a que posso recorrer - para assim deixar de pagar do meu bolso, como sempre fiz, as consultas da especialidade de que a minha filha menor infelizmente necessita e cujos médicos se recusam a fazer protocolo com os SSMJ?
(...) O que é que eu, que nem sindicalizado sou, os meus antigos estagiários (...), as largas dezenas de colegas que conheço pessoalmente - e que são bons profissionais por mais que Marinho Pinto diga o oposto e o Sr. Professor aplauda -, fizemos para confiscar ao povo português a sua soberania? O que é que nós fizemos para merecer isto? (...)».

A A (Juiz de Direito)

domingo, 2 de outubro de 2005

(In) Justiça - III

Mais notas sobre imprensa recente:
DN de 30.9 - «Os negócios entre Câmaras municipais e clubes de futebol, ganharam uma nova dimensão com a construção de estádios para o Euro 2004». O Presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, acusou a PJ de nada ter feito no combate à corrupção na Câmara do Porto «apesar de solicitada».
PÚBLICO de 27.9 - a presença de juízes nos orgãos disciplinares do futebol com o pagamento em senhas de presença «continua a gerar polémica na magistratura. Uns pensam que a prestação de serviços juridicos remunerados por magistrados judiciais em exercicio colide claramente com a dignidade constitucional própria da função jurisdicional». Mas enquanto a polémica prossegue, eles continuam a ganhar as senhazinhas de presença.... E se uma Comissão Disciplinar da Liga de Outros Chutadores tambem ostentasse avençar juízes e outros magistrados judiciais ?
EXPRESSO de 1.10 - «Assessora da PGR fala sobre corrupção no MP»: Teresa Sousa, já condenada por corrupção, extorsão e violação do segredo de Justiça disse em Julho, em julgamento, à Procuradora que pedia a sua condenação em 10 anos de prisão «se sou dona dos segredos da PGR e se eu for condenada - sei que vou sê-lo - não tenho a menor dúvida de que terei muita coisa para revelar. Haverá muitos colegas seus que estarão aqui sentados como eu». Não se percebe por que as revelações sobre os chamados «processos confidenciais», que Teresa Sousa coordenava na PGR, já do conhecimento dos Procuradores, tardam a ser divulgadas à imprensa e/ou pela imprensa.
EXPRESSO de 1.10 - O Conselho de Cooperação Económica da UE recomenda ao governo, com carácter urgência o cumprimento de cinco exigências: à cabeça «resolver o problema da Justiça», logo seguido de «combater a economia paralela e a evasão fiscal». Dois problemas interligados, evidentemente.
PÚBLICO de 1.10.05 - Juízes, magistrados do MP e funcionários judiciais fazem greve em protesto por redução de férias e outras regalias. Por isso se preocupa o MEDEL (Magistrados Europeus para a Democracia e a Liberdade). «Há um clima preocupante de ataque ao poder judicial em diversos paises europeus» diz o Presidente do Sindicato dos Magistrados Judiciais, António Cluny, «a análise global tornou evidente a existência de um percurso de enfraquecimento das magistraturas, sobretudo nos paises onde se combatem interesses poderosos» onde se têm observado «retaliações contra os magistrados». Em Portugal não é preciso - elas encarregam-se de dar tiros nos pés. Será por isso que também parecem tão pouco eficazes no combate aos «interesses poderosos» e assim cada vez mais descredibilizam a Justiça? É que, apesar de muitos profissionais sérios, competentes e dedicados, a Justiça em Portugal é lenta, de má qualidade em geral, desgovernada na ética profissional e, suspeita-se, cada vez mais infiltrada pela corrupção.

(In) Justiça - II

Mais notas sobre imprensa recente:
PÚBLICO de 27.9, artigo de José Vítor Malheiro -«Há 15.455 menores a viver em instituições, à espera de decisão judicial para serem adoptados». «Os processos de adopção não estão a andar mais depressa, a nova lei não tornou as adopções mais céleres. Está tudo na mesma e as crianças continuam à espera». Mesmo depois de se conhecer o caso Caso Pia (só a ponta do «iceberg»), e os maus-tratos e assassínios da Joana e outras crianças às mãos de familiares pervertidos. Porque «muitos juizes continuam a despachar a tutela de crianças com base em convicções religiosas ou ideológicas(...) mesmo quando os técnicos aconselham o contrário».
PÚBLICO de 28.9.05 - «Esquema do "saco azul" do PS-Felgueiras foi usado em vários outros municípios. Ministério Público concluiu pela existência de "fortes indícios da prática de crimes contra o Estado" imputáveis "a responsáveis e titulares de cargos políticos". Novos processos foram abertos há ano e meio, mas não tiveram até hoje qualquer andamento». Comentários para quê ?
PÚBLICO de 28.9.05 - «Um relatório do Conselho Superior da Magistratura avaliou 94 tribunais como deficientes e muito maus em termos de produtividade e de apreciação global». 37 tribunais são considerados exemplares. Sem comentários.

(In)Justiça - I

Notas sobre jornais dos últimos dias:

DN de 23.9.05 - «Segundo o acordão da juíza (...) que veio anular o mandado de prisão preventiva emitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, Fátima Felgueiras esteve «ausente, alegadamente, para o Brasil», colocando-se numa situação de aparente fuga à Justiça». Fátima Felgueiras está a ser investigada desde 1999 e esteve sob mandado de captura desde 2003. Mas só em 2005 é que o processo ficou pronto para ir a julgamento. Que começará em Outubro,aparentemente. Daqui a quantos anos acaba, ninguém sabe.
PÚBLICO de 26.9. - «No seu projecto de acórdão sobre o recurso de Paulo Pedroso, Rodrigues Simão explica que não teve em conta, na sua decisão, as declarações prestadas em tribunal, durante o julgamento do processo da Casa Pia, pelo arguido Carlos Silvino e pelas alegadas vítimas, que voltaram a envolver o ex-ministro do PS nos factos da pronúncia, cuja junção ao processo fora pedida pelos advogados da Casa Pia». O projecto ainda não passou a Acórdão, com o visto de mais dois Juízes da Relação, mas os jornais já sabem e relatam o seu conteúdo....
PÚBLICO em 30.9 - Fátima Felgueiras escreve ao abrigo do Direito de Resposta. E em entrevista ao EXPRESSO em 1.10, afirma que apenas avisou a Direcção Nacional da PJ da data em que se apresentaria à Justiça portuguesa. Queixa-se de que «inspectores da PJ do Porto passaram a informação a jornalistas para desencadear o aparato mediático que a esperava, visando «instigar a opinião publica a acreditar que é possivel encetar acordos de qualquer espécie com a Justiça portuguesa». FF estranha a promiscuidade de certos inspectores da PJ com jornalistas - nada que já não fosse habitual antes da sua fuga para o Brasil. Embora a precisão dos detalhes revelados sobre a investigação conduzida pelo Inspector Dias André no caso Casa Pia deva ter batido novos recordes de «performance». Pois não é que até o ex-patrão da PJ, o Juíz-Desembargador Adelino Salvado, discutia o caso ao telefone com um jornalista do «CORREIO DA MANHû?

Choque


O "Growth Competitiveness Index" das economias, do Fórum Económico Mundial, deve ser um choque para os ultraliberais. É certo que os Estados Unidos estão entre os primeiros, mas o ranking é liderado pela Finlândia, com outros países escandinavos a ocuparem os demais lugares cimeiros.
Definitivamente, ao contrário dos dogmas neoliberais, um elevado grau de fiscalidade, de despesas públicas e de garantias sociais constituem um incentivo ao crescimento. (A propósito, Portugal ocupa um honroso 22º lugar...)

Gestão da Internet

A Europa contesta o papel dos Estados Unidos na gestão da Internet. De facto, o que a todos pertence não deve ser gerido unilateralmente por um único país. É tempo de estabelecer uma gestão internacional da Internet.

Privilégios católicos

Um dos privilégios da Igreja Católica estabelecidos na Concordata de 1940 e que se mantém, inconstitucionalmente, trinta anos depois do 25 de Abril, diz respeito à assistência religiosa nas instituições públicas ditas "segregadas" (forças armadas, hospitais, prisões, etc.). Era a única igreja que tinha esse direito, sendo os seus ministros oficializados e pagos pelo Estado. No caso das forças armadas têm mesmo patente militar, estando integrados nos quadros de oficiais!
Ora as únicas coisas que um Estado laico, como o nosso, deve fazer para respeitar a liberdade religiosa são: (i) disponibilizar espaços de culto nessas instituições e (ii) assegurar a todas as religiões, em pé de igualdade, o acesso a essas instituições e a prestação de assistência religiosa aos respectivos crentes. O resto cabe as igrejas, elas mesmas. Agora que o assunto é finalmente encarado, importa fazer prevalecer a Constituição e a separação entre o Estado e as igrejas.

Citações: Greve de juízes

«A máscara caiu. E caíram as últimas ilusões sobre o estado da Justiça, quando os juízes se julgam no direito de fazer greve - e fazer greve numa frente comum com os funcionários judiciais - sem questionarem minimamente se esse direito não constitui um intolerável abuso de autoridade de quem usufrui dos privilégios da soberania. Se a crise de valores se instalou assim no coração do sistema - a Justiça -, aonde é que iremos parar?»
(Vicente Jorge Silva, Diário de Notícias online)

sábado, 1 de outubro de 2005

Beber chá com Khadaffi?

Noticiam os jornais que José Sócrates, o Primeiro Ministro de Portugal, vai amanhã em visita-relâmpago à tenda de Khadaffi, o ditador que mantem o povo líbio e até cidadãos estrangeiros (entre eles, seis enfermeiras búlgaras e um médico cubano condenados à morte), sujeitos a todo o tipo de violações de direitos humanos. Khadaffi, o governante terrorista que mandou os seus esbirros armadilhar os aviões da UTA e PANAM que explodiram matando centenas de inocentes passageiros e habitantes da vila escocesa de Lockerbie, e que por isso teve o seu país diversos anos refém, sob pesadas sanções do Conselho de Segurança da ONU (que Portugal votou quando lá esteve).
Aparentemente o PM vai em busca de negócios reluzentes, cheirosos a petróleo, pontes e estradas para empresas de Portugal... Faz mais do que fizeram antes, desgostantemente, um MNE do PS, Jaime Gama, e um MNE do PSD, Martins da Cruz (que eu, enquanto Secretária para as Relações Internacionais da mesma direcção do PS a que pertencia José Sócrates, critiquei duramente e voltaria a criticar). Porque José Sócrates não é só MNE: é Primeiro-Ministro e vai com a nutrida companhia dos Ministros da Defesa, da Economia, das Obras Públicas, segundo a imprensa. Tudo, decerto, para melhor cativar o louco terrorista, que passou a ser «respeitável» desde que anunciou desistir do «brinquedo» nuclear que pretendia para as suas macabras diversões.
Não sou adepta do corte de relações diplomáticas com qualquer regime, por mais detestável que seja. O processo de Timor-Leste serviu-me também para aprender que na era da globalização, quanto mais relações houver, quanto mais contactos diplomáticos, comerciais, turisticos, culturais e outros se desenvolverem, mais se pode ajudar quem, sujeito a esses regimes, luta pela mudança e pela liberdade. Mas para isso, para falar se preciso for com o diabo, se fizeram os diplomatas. E para isso também servem as empresas e outros interlocutores ditos técnicos, maxime os ministros das pastas «técnicas». Mas o envio de um MNE e, por maioria de razão, de um Chefe de Governo ou de Estado, transmite um sinal de caução política inegável e indelével. Para quem recebe e sobretudo para quem o emite.
Não venham com a desculpa esfarrapada de que outros já foram também ao beija-mão do criminoso beduíno - nenhum deles irradia decoro ou decência. A começar por Tony Bliar (mas a pérfida Albion também nunca se armou em decente, verdade se diga....).
Já se imagina os visitantes que poderão desfilar em Pyongyang proximamente (mas ainda não consta que haja petróleo)! A fila deles seria longa agora em Bagdad, de novo a comer à mão de Saddam, se o torcionário se tem deixado daquela irritante mania de jogar o gato-e-o- rato a própósito das ADM que afinal não tinha.... Por este andar, se a familia Bin Laden conseguir desalojar os Saud em Riade, ainda os haveremos de ver a todos (ou sucessores igualmente invertebrados) em bicha à porta da tenda do «travesso» Ossama, basta que este esboçe um ténue acto de contrição....
Dá jeito um Primeiro Ministro perceber alguma coisinha de política externa. Se não percebe, convem que se aconselhe bem - é para isso que servem um MNE e conselheiros diplomáticos. A política externa portuguesa não pode ser ditada apenas por cifrões e por patrões, muito menos chicos-espertos, construam eles estádios de futebol, estradas, plataformas petrolíferas ou vendam telefones ou tapetes. Portugal não abriu sequer ainda uma embaixada em Tripoli, não tem lá quaisquer estruturas que apoiem empresas ou instituições que tenham alguma coisa a fazer na Líbia. Uma ida à tenda de Khadaffi pelo Primeiro-Ministro neste contexto, ao beija-mão de quem vai, não pode deixar de ser interpretada como um endosso da respeitabilidade política de um ditador terrorista que devia estar preso e a ser julgado por crimes contra a Humanidade.
Não é em meu nome, em nome do meu Portugal, nem do meu PS, que José Sócrates irá à Libia beber chá com Khadaffi.

Bali - o terror de novo

Eu à espera de notícias dolorosas de Addis Abeba (o Governo de Meles Zenawi proibiu uma manifestação que a Oposição convocou para amanhã e já começou há dias, no interior do país, de novo a prender em massa opositores). Mas afinal é de Bali que chegam sinais de sangue - mais três bombas criminosas, não se sabe ainda quantas vítimas. Al Qaeda pela mão da vingança da Jemah Islamyia, ou sectores militares «oknun» (encobertos) a alertar o Presidente e o Governo que vão dar luta pelo Aceh, desestabilizando a Indonésia onde mais doi e for possível ?
Imagens de Bali correm-me em turbilhão pela memória. A escala inevitável, acolhedora, a caminho ou no regresso de Dili. O sorriso calmo, incomparável dos balineses. A distinção das suas mulheres fusiformes. O acordar verde no Pita Maha em Ubud. Boiar no mar muito salgado da deliciosa praia do Intercontinental em Jimbaran. Kuta Square, onde eu nunca falhei uma voltinha para compras no Milo's. Mas sobretudo a busca dramática dos portugueses noutro Outubro, em 2002. Os telefonemas angustiados das familias. Os putos do surf que discutiam no escuro se queriam ou não sair, apesar de feridos. Os soldados ainda combalidos, mas compostos e incansáveis à procura dos camaradas ainda não aparecidos. A Maria Manuel sem mãos a medir, a correr ceca e meca, a ajudá-los a perguntar por eles (também por isto o MNE lhe pagou miseravelmente...). O cheiro revoltante da morgue improvisada num camião frigorífico, nas traseiras do hospital, pelo chão os sacos de plásticos salpicados de gelo a derreter, restos de gente a apodrecer. As fotografias horripilantes desses restos que foi preciso ver e revolver, para detectar sinais do soldado Diogo Ribeirinho. Que nunca apareceu, desgraçadamente.
E há quem me acuse de ser alarmista perante o terrorismo. Que ironia viver num país, à beira-mar plantado, que levianamente se crê imune e e ainda mais levianamente brinca às «inteligências».

Gripe das aves - a próxima pandemia?

Já está na ABA DA CAUSA o meu artigo «Prevenir a Pandemia» que foi publicado pelo COURRIER INTERNACIONAL ontem 30.9.05, em edição dedicada à mais exterminadora pandemia que a Humanidade pode enfrentar se degenerar a gripe das aves que neste momento mata no Extremo-Oriente.

Quando os privilégios acabam é para todos

Prosseguindo a sua determinação em pôr fim à parasitação de dinheiros públicos por corporações sectoriais, o Ministro da Justiça acaba de anunciar o fim do financiamento do sistema de segurança social dos advogados pela taxa de justiça. De facto, por que é que a segurança social de uma profissão liberal há-de ser subsidiada pelo Estado?
Este caso dos advogados -- que têm ocupado frequentemente a pasta da Justiça -- revela, aliás, um dos traços mais comprometedores da "captura" do Estado pelos interesses de grupo privados.

Citações: A greve dos juízes

«A passividade e anomia do poder político e da sociedade permitiram que as nomenclaturas das corporações [judiciais] acreditassem que podiam definir não só o seu estatuto funcional e remuneratório, mas também o funcionamento do sistema de justiça. Dois simples sindicatos, com dois ou três mil inscritos, são os verdadeiros detentores do poder soberano de administrar a justiça. Dois sindicatos confiscaram ao povo português essa parcela da soberania.»
(António Marinho, Público de hoje, link só para assinantes)

A "democracia" de A. J. Jardim

«Jardim instrumentaliza na Madeira único jornal estatizado do país» (Público online). Apesar de não serem uma surpresa, os factos relatados são edificantes sobre o poder de Jardim.
Há uma pergunta que tem de ser feita: para além do serviço público de rádio e de televisão, constitucionalmente obrigatório, será que cabe ao Estado e outras entidades territoriais, como as Regiões Autónomas, deterem órgãos de comunicação social? Por que não proibir legalmente a posse de jornais e outros meios de comunicação social por parte do Estado, das Regiões autónomas e autarquias locais (fora os jornais oficiais e as publicações informativas)?

Correio dos leitores: Privilégios dos jornalistas

«Se caiem os subsistemas de saúde e de segurança social dos militares, polícias e outros, com regalias superiores ao regime geral de segurança social do país, como é o que o Governo mantém o subsistema de segurança social e de saúde dos jornalistas, mais vantajoso que o dos próprios funcionários públicos?
A Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas (CPAFJ) (...) tem um estatuto próprio e mais favorável do que o regime geral de segurança social. O Governo (...) garantiu em 30 de Maio, segundo o sindicato, a manutenção da Caixa dos Jornalistas "com o actual estatuto". Isto é, garante a excepção face ao regime geral e a manutenção do respectivo subsistema de saúde. (...)
Os militares e os polícias não fazem parte da nova classificação da casta dos privilegiados. Já a manutenção dos privilégios dos jornalistas pretende recompensar e garantir os favores prestados ao poder político?»

A. Morais Silva

Correio ds leitores: Referendo

«Uma vez (já há alguns anos) participei numa discussão interna do BE sobre argumentos a favor do direito ao aborto. Tentei explicar às participantes (eram muito maioritariamente mulheres) que, a meu ver, o aborto não é um direito inalienável, mas sim um compromisso prático entre um valor (a vida humana) e outro valor (o controle da própria fertilidade).
Não tive qualquer sucesso. As restantes pessoas estavam todas de acordo sobre o direito da mulher ao seu corpo e sobre o aborto ser um direito."No meu corpo mando eu", basicamente. É claro que, com argumentações destas, não se vai a lado nenhum.
É por isto que, temo, se se fizer muito em breve, e muito à pressa, um referendo sobre a despenalização do aborto, esse referendo poderá ter um resultado não muito diferente do do anterior. O que terá consequências lamentáveis para a causa da despenalização.»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Referendo

«A Conferência Episcopal Portuguesa considera inoportuna a realização entre eleições do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Segundo os bispos, a consulta deveria realizar-se em 2006. Não entrando em considerações sobre a realização referendo entre eleições (apesar de não perceber qual é o problema), considero a posição dos bispos absolutamente incoerente. Então, para eles, o aborto não é um homicídio? Não está ali uma vida? Se assim é, como podem eles pretender a realização de um referendo em 2006? Eu sou favorável à realização do referendo porque não equiparo o feto a um bebé. Se equiparasse, era contra. Não passa pela cabeça de ninguém referendar a despenalização do homicídio, pois não?»
Carlos Azevedo

quinta-feira, 29 de setembro de 2005

Lugares de encanto

Place de l'Europe, Paris.

Lisboa-Paris

Determinado a aproveitar o melhor possível na minha breve estada em Paris, corro ao Fórum des Halles antes de jantar para a inevitável visita à livraria da FNAC. Fechada, porém! Olho o relógio: já passa das 19:30, hora do encerramento. Imagino, incrédulo, a FNAC de Lisboa a fechar à mesma hora. Benefícios da liberalização do horário do comércio...

Falam para quem?

Ontem, ao ouvir pela rádio as deputadas do PCP e do BE que intervieram no pequeno debate parlamentar acerca da convocação do novo referendo sobre a despenalização do aborto, dei comigo a pensar por que é que em Portugal não está assegurada a vitória nesse referendo. Com discursos daqueles não sei se se mobiliza alguém para além das pessoas já convencidas...
E não haverá ninguém que diga à deputada do BE que se não trata do "referendo do aborto" mas sim do referendo da despenalização do aborto?