quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Isto não pode ficar impune

Um jovem e prestigiado dirigente partidário, ex-ministro e deputado, foi humilhantemente buscado em plena Assembleia da República por um juiz de instrução feito rambo-justiceiro, para ser preso preventivamente por um crime infamante. Passou meses na prisão, antes de ser libertado após decisão do Tribunal Constitucional. Foi injuriado e ofendido pela imprensa de direita e vítima de selectivas e reiteradas fugas de supostas provas da sua culpa. Foi acusado pelo Ministério Público, possesso de uma vertigem persecutória. Despronunciado pelo tribunal, viu agora finalmente confirmada a decisão pelo Tribunal da Relação, que rejeitou o recurso com que o Ministério Público teimosamente insistia em levá-lo a julgamento sem nenhuma base consistente. A decisão do TRL não podia ser mais contundente para os recorrentes, negando qualquer fundamento à acusação.
A decisão não podia ser mais comprometedora para o Ministério Público, que investiu tudo na tentativa de incriminar o político, incluindo a valorização de depoimentos sem qualquer credibilidade e a desqualificação de elementos que claramente ilibavam o arguido, como agora se sabe. O PGR deu cobertura consciente e continuada a essa operação, desde o início. Deve agora assumir a responsabilidade que a dignidade da função exige.
(Corrigido)

Adenda
Paulo Pedroso tem obviamente direito a ser indemnizado pelos elevados prejuízos que lhe foram causados em toda esta ordália. Dada a culpa grosseira -- para não falar em dolo -- do Ministério Público e demais intervenientes neste processo, devem ser eles, e não o Estado, a suportar pessoalmente essa reparação financeira. A sua irresponsabilidade funcional e profissional não deve ser premiada pela irresponsabilidade civil...

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Quem tem dignidade, assume responsabilidades

Questionando-lhe a sageza política, não duvido da dignidade pessoal e profissional do Senhor Procurador-Geral da República. E por isso espero que retire rapidamente conclusões desta decisão judicial, face a tudo o que disse, fez e não fez relativamente a Paulo Pedroso. Relativamente à credibilidade da Justiça neste país.
Já quanto à Senhora Provedora da Casa Pia, duvido de tudo e não espero nada. Ou melhor, espero o pior. Não esqueço que foi durante anos directora de um dos colégios da Casa e nunca deu por nada, até que as reportagens da imprensa aparentemente lhe abriram os olhos sobre os abusos sofridos pelos «seus meninos»! Como ela, tão distraído, só aquele psiquiatra/colunista do «Público», que «tratava» («tratará» ainda?) os meninos há anos e também nunca tinha dado por nada até que, de repente, deu por tudo e... passou a conselheiro dos investigadores judiciais.
Espero sim, que a Justiça esclareça integralmente o caso Casa Pia. Pelas crianças vítimas dos abusos, sejam elas os rapazes que hoje acusam (mesmo que se tenham também tornado abusadores ou delinquentes ou, ainda, mesmo que sejam hoje instrumentalizados), ou outras não chamadas a depôr. E, nesse passo, espero que venha a apurar-se que eventuais responsabilidades terão tido aqueles dois personagens e outros que tais. Na difamação de Paulo Pedroso, de Ferro Rodrigues e eventualmente de outras pessoas caluniosamente envolvidas no processo. Mas também, e sobretudo, pelo que fizeram ou não fizeram pelos meninos e meninas à sua guarda na Casa Pia.

Quem quis tramar Paulo Pedroso ?

Agora que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da Juíza do Processo Casa Pia de que não havia elementos para acusar Paulo Pedroso, é indispensável e urgente que a Justiça apure quem esteve/está por detrás da miserável urdidura que o fez passar cinco meses na cadeia e o procurou destruir política e pessoalmente. E que identifique que erros foram cometidos na cadeia judiciária e quem foi responsável por eles - da equipa da PJ de Dias André, à do Procurador João Guerra, passando pelo Juíz Rui Teixeira.

Paulo Pedroso

Tomem nota: Paulo Pedroso vai ser um dia Primeiro Ministro de Portugal.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Enough is enough

«Depois da desastrosa visita do Presidente Bush à América Latina, é enervante realizar que a sua presidência ainda tem mais de três anos pela frente. Uma administração sem agenda e sem competência seria suficientemente dura para suportar no plano doméstico. Mas o resto do mundo não pode simplesmente aguentar um governo americano tão mau por tanto tempo».
Esta pérola de «anti-americanismo», que indignaria os lacaios que em 2003 me acusaram da doença por antecipar o que agora todos estão a reconhecer, não é minha, não. É do «anti-americano» NEW YORK TIMES em editorial de hoje. Vale a pena ler o resto e ...chorar. Mas não desesperar. A América começa a acordar.

Tété no circo PE

Tété palhaça e o «Chapitô» premiados com o prémio «Silver Rose» pela rede internacional de ONGs «SOLIDAR» pelo exemplar trabalho (de décadas, mas poucos sabiam) com crianças desamparadas das antigas Tutorias. As que, se não apoiadas e integradas socialmente, também um dia acabarão, de raiva, a queimar carros num qualquer subúrbio, se não se imolarem antes por lentas dependências.
Um prémio também atribuido a Juan Somavia, o resistente democrata chileno que hoje dirige a OIT e criou a «Comissão Mundial pela Dimensão Social da Globalização»; à «Global Call to Action Against Poverty» que lançou a campanha «Make poverty history»; a uma ONG lituana de solidariedade(com um longo nome lituano que não consigo reproduzir) e à rede latino-americana pelo comércio justo "Flower Label Program".
Grande jantar de homenagem a todos os premiados esta noite no Parlamento Europeu com quem conta, com quem trabalha e faz diferença no circo Europa.
Tété, mulher portuguesa forte, inteligente, sensível, desperta, cosmopolita, encanta. Põe todos a rir e a ...pensar.
Fiz parte do júri que atribuiu os prémios. Mais um dia em que valeu a pena andar neste circo. Pelo que Portugal e o mundo, apesar de tudo, têm de bom.

A razão de uma candidatura

«Só senti o impulso de me candidatar depois do PS ter manifestado o apoio a Mário Soares.» (Manuel Alegre, entrevista à TVI, segundo o Diário de Notícias).
Dava para perceber, desde o início. Mas assim fica mais claro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Paris já está a arder

É evidente que a prioridade é acabar rapidamente com a onda de violência e restabelecer a ordem e a segurança pública nas cidades francesas. Mas seria ilusório pensar que depois tudo pode ficar na mesma, com a prisão e condenação de algumas dezenas de responsáveis pelas destruições ocorridas. A situação de crise que os gravíssimos desacatos em Paris e noutras cidades francesas vieram evidenciar carece de respostas políticas de fundo que proporcionem uma esperança de vida decente e digna para todos os que habitam os subúrbios degradados por essa Europa fora. Quando Paris está a arder, convém lembrar que nem só ela é combustível...

sábado, 5 de novembro de 2005

Noutro Planeta

A USAir Force e o Pentágono há anos que investem em projectos para colocar armas no espaço. E agora admitem vir a concretizá-los - invocando fins não apenas defensivos.
Está na ABA DA CAUSA o meu artigo sobre o tema, publicado no COURRIER INTERNACIONAL em 28.10.05.

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Responsabilidade política

Os novos elementos hoje divulgados pelo Público sobre o "caso Eurominas" -- nomeadamente os pareceres oficiais oportunamente emitidos contra a pretendida indemnização da empresa concessionária -- tornam obrigatória uma explicação pública dos membros do Governo que posteriormente vieram a negociar o dossier, acerca das razões que os levaram, contra esses pareceres, a conceder à referida empresa uma vultuosa indemnização (mesmo se inferior à pretendida) e a pôr fim à pendência judicial que estava em curso.
O assunto é demasiado grave e comprometedor para poder passar em silêncio. De duas uma: ou os esclarecimentos são inteiramente convincentes (apesar das aparências), ou então há que tirar as decidas ilações em sede de responsabilidade política. Nada é mais pernicioso para o crédito das instituições do que a suspeita da impunidade em relação a alegados abusos de poder, sobretudo quando eles envolvem o favorecimento de privados à custa do património público.

Citações: Independência judicial

«Mas é necessário um grande esforço de imaginação para discernir como pode a supressão de um subsistema de saúde ou o condicionamento do direito a férias minar a independência dos juízes e apoucar o estatuto requerido pelo exercício cabal das suas funções.»
(M. Filomena Mónica, Público de hoje)

Etiópia - outro banho de sangue

Este é o texto de uma carta que mandei esta manhã a todos os membros do PE e de que dei conhecimento ao governo português, com pedido de intervenção urgente:

"Another bloodbath is taking place in Ethiopia.
As I write to you, EU ambassadors are unable to leave the compound where they are meeting, random shooting is heard in the streets of Addis Ababa. This follows bloody incidents yesterday, where security forces killed people spontaneously protesting against PM Meles government and EPRDF, the ruling party. The new parliament has been boycotted by the opposition forces, contesting official results and anti-democratic behaviour of the ruling party. The top leaders of the opposition have been arrested, and some of them beaten, including the elected Mayor of Addis Ababa, Mr. Berhanu Nega, who was picked up when leaving the Dutch Embassy.
As you know, there were elections in Ethiopia in 15 May and 21 of August, which the EU Election Observation Mission, which I headed, considered not to have met international standards for genuine democratic elections, despite unprecedented competition and the massive turn out of the people. This evaluation was due to manipulation of overall result in the counting and tabulation of votes, following recognition of a landslide against the ruling party in the capital. And also to undemocratic control of the media, general climate of intimidation and serious human rights violations against opposition supporters committed by the government since election day. I witnessed, and publicly condemned, the peak of such repressive and anti-democratic behaviour on 8 June, when over 40 people were killed in Addis Ababa, elected opposition leaders put under house detention and over 5.000 people subsequently arrested.
Despite those ominous incidents, the conclusions of the EU EOM publicised on August 25, and two critical European Parliament resolutions adopted since then (the last on October 13, denouncing the undemocratic behaviour against opposition inside and outside the new Ethiopian parliament), European governments, although verbally standing by EU EOM conclusions, in practice have been acting as if it was «business as usual» with Mr. Meles. In the last weeks congratulations for PM Meles «re-election» have been pouring in from Europe, including from the British Presidency and the Presidency of the European Commission. Earlier on, just after the June killings and arrests, Mr. Meles was invited to rub shoulders with G-8 and «Africa Commission» leaders in Scotland. That amounts to rubbing salt in the wounds of Ethiopians who thought that democracy was at reach when they massively turned out to vote on May 15.
Most ironic is that Europe counts in Ethiopia, a country which depends on European aid, the largest recipient in Africa. Europe could definitely make the difference for democracy in Ethiopia.Instead, current European leaders are choosing to fail it. In doing so, they are not just failing Ethiopians. They are also failing Europe.
Please, urge your government and the Commission to act promptly and consistently for democracy in Ethiopia. Demand the release of arrested elected opposition leaders and supporters. PM Meles should be accountable.
Stop the killing of Ethiopians who dare to believe that democracy is possible in Ethiopia".

Sobre o terramoto

Entre edições especiais de jornais e publicação de livros, o terramoto de há 250 anos em Lisboa (e noutros locais menos lembrados...) deu origem também ao "pequeno blogue do grande terramoto", de Rui Tavares. A seguir!

terça-feira, 1 de novembro de 2005

Correio dos leitores: "O homem em duplicado"

«A candidatura do Dr. Cavaco Silva é a imagem cuidada de que tivesse de dizer a si próprio, este sou eu! Recauchutado, com a pública confissão de um desgosto escondido, do mais fundo de si mesmo, veio agora no manifesto dizer palavras em arrependimento, e que daquela maneira poderia largar o antigo caminho para tomar outro. O único senão é que não basta de mudar de roupa, quando o molde é em todo igual. Ele é, e será sempre, a sua cópia, o seu duplicado de ex-primeiro-ministro. A questão é a de ficarmos a saber se Cavaco é o candidato a Presidente da República, ou o duplicado é o candidato a Primeiro-Ministro, e o que sucederá a um ou a outro no caso da eleição. Não será fácil viver com o duplicado de si próprio; pior, conviver com o original. Esperemos que tal não venha a ser insuportável para ambos. Pior, para todos nós.»
João Eduardo Gomes

O assalto

Depois da auto-retirada candidatura de Harriet Miers, por manifesta falta de perfil e currículo, Bush indicou mais um juiz da direita profunda, Samuel Alito, para o Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Desta vez, a extrema direita bushista rejubila.

Correio dos leitores: Greve de zelo na justiça

«(...) Esta greve da semana de lá, por causa da extinção dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, medida que tem justificação, é o menos.
O pior é a greve quotidiana, greve de zelo, que os Juízes começaram a fazer, desde 15 de Setembro, que não é mediática, mas que é bem mais nociva. Às 17:30 suspende-se a audiência, mesmo que só falte ouvir uma testemunha, e, sobretudo, o despacho diminuiu consideravelmente, pois que eles, e os funcionários, passaram a observar estritamente o horário do funcionamento dos Tribunais, como é, aliás, de seu direito.(...)»

José A.

Dois pesos

Por que é que os jornais e os blogues que deram guarida ao disparatado ataque do presidente do sindicato dos juízes contra o primeiro-ministro, por causa dos serviços sociais da PCM, não fizeram depois menção do comunicado oficial que, entre outras coisas, informa que: (i) o PM não beneficia de tais serviços sociais; (ii) esses serviços sociais não constituem um subsistema de saúde, como sucede com os serviços sociais do Ministério da Justiça?

segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Citações: Greves judiciais

«As greves dos juízes e magistrados deram que falar, mas não tiveram grande importância. Primeiro porque, como notou há tempos Miguel Sousa Tavares, são irrelevantes alguns dias perdidos numa justiça que demora eternidades a dar qualquer passo. Depois, porque as greves não abalaram o prestígio da justiça portuguesa, pelo simples facto de que esse prestígio já não existe.»
(Francisco Sarsfield Cabral,"Independência", Diário de Notícias de hoje)

IVG - cumpra-se a lei!

Não haverá referendo sobre despenalização do aborto antes de finais de 2006. E o Primeiro-Ministro faz ponto de honra em cumprir esta promessa eleitoral. Mas pode e deve provar prematura a ironia de Ana de Sá Lopes, hoje, no «PÚBLICO», de que tão avulso rigor resulta de «não haver desígnio nacional» em causa. Eu, que acho que é sobretudo por falta de mundo que Sócrates ainda não percebeu o valor político de apostar em mulheres (daí o reduzido número no governo), faço-lhe a justiça de lhe creditar o entendimento de que a despenalização do aborto também involve direitos humanos: os das mulheres, à privacidade e a disporem do seu corpo.
Como pode então Sócrates, sem quebra de promessa, promover mais do que um «desígnio», o «imperativo» de assegurar às portuguesas a protecção de elementares direitos, consagrados na Constituição e nos principais instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Portugal?
Antes de mais, impedindo que uns senhores polícias e magistrados do Ministério Público, aparentemente sem mais nada de importante para fazer, continuem a entreter-se a consumir tempo de serviço e dinheiro dos contribuintes, perseguindo, investigando e acusando mulheres suspeitas de prática de aborto. Basta sugerir aos Ministros da Justiça, da Administração Interna e ao Procurador Geral da República que ponham os escassos recursos humanos e financeiros das polícias e do M.P. atrás da mais perigosa criminalidade, designadamente da criminalidade organizada. Todos recordamos Durão Barroso a fazer aquele número de chamar o Director da PJ e ordenar-lhe, diante das câmaras da TV, «mão pesada para os incendiários»; ninguém criticou. Cabe agora ver Sócrates a pedir «desvio da mão das suspeitas de aborto», fundamentalismo antes sobre os suspeitos de corrupção, fraude e evasão fiscal, por exemplo (vantagem tripla para o erário público).
Cabe também ao PM mostrar que respalda o seu Ministro da Saúde no esforço de fazer os hospitais públicos cumprirem a actual lei reguladora da IVG, facultando-a a quem preencha os critérios da lei. Basta fazer-se uma interpretação inteligente, semelhante à que se faz em Espanha, onde a lei não é realmente muito diferente da nossa. Identificar os profissionais médicos e de enfermagem que invocam objecção de consciência será útil para avaliar se ela também os tolhe nas horas de serviço em clínicas privadas (onde os abortos costumam ter outras recatadas designações...)
Mas sobretudo o PM tem de ser visto a respaldar o Ministro da Saúde no rápido licenciamento de clínicas privadas especializadas na IVG. Nos termos da lei actual, pois claro. Onde se facultem IVGs nas mesmas condições em que tantas portuguesas as vão fazer a Espanha. Que venha a «Los Arcos» e que se legalizem, exigindo os mesmo padrões, as congéneres que existem clandestinamente por esse país fora. Trata-se de vencer a resistência ao cumprimento da lei actual pela lógica do mercado. Veremos até onde objectarão então certas consciências...
Se o governo socialista agir já para fazer cumprir a actual lei, tudo pode mudar decisivamente. Nos mais elementares direitos das portuguesas. Sem depender do prometido referendo e sem que o PM desrespeite a promessa eleitoral.

domingo, 30 de outubro de 2005

Referendo

Há um argumento que eu não acompanho na justificação do Governo para a recusa de despenalizar o aborto sem referendo: a ideia de que «por princípio» uma questão decidida por referendo só deve ser alterada por essa mesma via.
Para começar, no primeiro referendo não houve decisão nenhuma, visto que o referendo não foi vinculativo, por falta de quórum. Independentemente disso, não se pode sustentar que, uma vez feito um referendo sobre certa matéria, a Assembleia da República fica privada de voltar a legislar sobre ela. Isso não é assim, nem sob o ponto de vista constitucional, nem sob o ponto de vista dos princípios da democracia representativa. Recorrer ao referendo não implica expropriar a AR, daí em diante, da sua competência legislativa nessa matéria.
As razões para sustentar a decisão que foi adoptada pelo PS (e que acho correcta) são ambas políticas: primeiro, o compromisso eleitoral assumido pelo PS no sentido do referendo, que só deve ser abandonado se o referndo não puder realizar-se em tempo útil; segundo, a ideia de que numa matéria destas, o referendo poder conferir à despenalização (suposto que desta vez esta solução sai vencedora...) não só uma maior legitimidade política, mas também uma maior estabilidade normativa.

Serviços sociais

Não faz nenhum sentido a abstrusa tentativa de comparação, feita pelo presidente do sindicato dos juízes, entre o subsistema de saúde de que gozam os juízes e os serviços sociais da Presidência do Conselho de Ministros -- que aliás existem em muitos outros departamentos da Administração Pública --, pela simples razão de que os segundos se destinam a proporcionar prestações sociais complementares, onde a componente de saúde é puramente marginal.
Mas a questão dos serviços sociais na Administração Pública levanta um problema relevante, para além do seu custo financeiro, que é o da desigualdade entre serviços e funcionários. Penso que, na medida em que sejam defensáveis, tais serviços sociais deveriam assentar em dois princípios básicos: (i) universalidade e igualdade das prestações sociais suportadas pelo Orçamento de Estado; (ii) prestações complementares suportadas por contribuições dos beneficiários.

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Para além do gozo...

Se Karl Rove é o cérebro de Bush, o que é Libby em relação a Cheney? O fígado? Agora que foi indiciado por perjúrio e obstrução à Justiça, será que vamos finalmente ver Cheney amargar?
E se Rove for pelo mesmo caminho? Se já é penoso aguentar Bush assim, o que acontecerá se a criatura ficar entregue à nesciedade inata?
Por onde irá a América? E o mundo? Pior é difícil, mas não impossível.

Irão: fantasias de destruição

O Presidente do Irão declarou que Israel devia ser "eliminado do mapa" durante uma conferência intitulada «Um mundo sem Sionismo». Hoje, numa marcha em Teerão, reiterou esta afirmação. Por muito chocante e odiosa que seja, ela só surpreende quem não acompanha a evolução do regime iraniano. Ou quem sobrepõe o petróleo e contratos a direitos humanos. Senão, vejamos:
O regime iraniano viola massivamente os direitos humanos dos seus próprios cidadãos e cidadãs. No exterior mantem ligações estreitas com o movimento xiita Hizb'allah, que, além de continuar a desestabilizar o Líbano com milícias à revelia da Resolução 1559 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, insiste em não reconhecer a retirada de Israel do Sul do Líbano (que foi considerada total pelas Nações Unidas) e jura continuar a luta. Num ataque terrorista levado a cabo pelo Hizb'allah em Buenos Aires em Julho de 1994, um edifício da comunidade judaica argentina foi literalmente demolido, causando 85 mortos e 240 feridos: o relatório judicial de Março de 2003 acusou vários diplomatas iranianos, incluindo o próprio embaixador na Argentina na altura, Hadi Soleimanpour.
Há fortíssimas suspeitas de que, além de apoiar o regime sírio (e o pai Assad era muito mais opressivo que o filho, que sobretudo não manda nada), o Irão também apoie o Hamas e a Jihad Islâmica (constam da lista de organizações terroristas da UE). A Jihad Islâmica reivindicou um ataque suicida a um mercado em Israel onde morreram 5 civis e foram feridas dezenas de pessoas, poucas horas antes do discurso de Ahmadinejad. As paradas militares iranianas são regularmente acompanhadas por slogans belicistas anti-americanos e anti-israelitas. A 22 de Setembro deste ano, os adidos militares europeus abandonaram ostensivamente uma dessas paradas, quando se deram conta que os mísseis balísticos de médio alcance eram acompanhados por cartazes apregoando «Morte à América, Morte a Israel, Israel tem que ser eliminado da face da terra».
As declarações de Mahmoud Ahmadinejad confirmam que, depois da saída do seu predecessor Khatami (que melhorou relações com a Europa e assumiu a importância de se encontrar uma fórmula de coexistência entre palestinianos e israelitas), o Irão voltou atrás no tempo.
Saeb Erekat, chefe da equipa que negoceia com Israel em nome da Autoridade Palestina, salientou a natureza contraproducente e fantasista das declarações de Ahmadinejad: "Os palestinianos reconhecem o direito de Israel existir. Rejeito estes comentários. Precisamos de discutir como introduzir um Estado palestiniano no mapa, e não como eliminar o Estado de Israel."
A perigosa retórica dos radicais do regime iraniano, a recusa em se integrarem na comunidade que compõe as Nações Unidas e de se pautarem pelo direito internacional, são precisamente a razão pela qual o mundo tem calafrios perante a hipótese de um Irão nuclear. E enquanto os ayatollahs não aceitarem - como fizeram o Egipto e a Jordânia, por exemplo - que Israel está para ficar, a comunidade internacional vai continuar a considerar o programa nuclear iraniano muito mais ameaçador do que o real arsenal nuclear israelita. Como podemos convencer Israel a abrir mão da Bomba, enquanto alguns no Irão continuam a alimentar semelhantes fantasias de destruição?
Em finais de Junho, em Londres, num encontro com uma delegação da Comissão de Assuntos Externos do PE sobre o programa da presidência britânica da UE, o MNE Jack Straw respondeu a uma pergunta minha sobre como via o evoluir do regime iraniano face à eleição do «durão» Ahmadinejad (dias antes) e repercussões nas negociações da UE com Teerão sobre o programa nuclear iraniano. O Ministro mostrou-se optimista, embora cauteloso: «Temos de dar o benefício da dúvida ao homem...".
Subscrevo parcialmente o que Kofi Annan e Tony Blair disseram em relação a esta diatribe de Ahmadinejad: estou «enojada»; «estupefacta» é que não.

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Insistir no disparate

Mesmo depois do que aqui escrevi há dias sobre a data da entrada em vigor da lei que põe termo aos privilégios dos titulares de cargos políticos, há quem insista no erro, cheio de descabida ira. E se da primeira vez podia ser somente desmazelo, da segunda vez já só pode ser negligência grosseira, ou pior.

Sahara Occidental: aux portes du terrorisme

Já está na ABA DA CAUSA o meu artigo sob o título acima que foi publicado anteontem pelo jornal francês "DNA- Dernières Nouvelles de Alsace" e pelo jornal belga "LE SOIR" ontem.
Curioso que imprensa francesa e belga se tenham interessado e espanhola não... "Et pour cause!"
E a causa é a insustentável situação de opressão que se vive no Sahara Ocidental, e pela qual a nossa vizinha Espanha (mas não só) tem grandes responsabilidades (como Portugal tinha em Timor-Leste). E o interesse que o assunto começa a suscitar no Parlamento Europeu, apesar das pressões e chantagens que o regime marroquino desencadeou para evitar uma resolução sobre a situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental. Que eu iniciei no grupo socialista do PE.
Pressões e chantagens que falharam redondamente - a resolução foi aprovada sem votos contra e uma abstenção. E antes, com o plenário do PE a abarrotar, fora derrotada esmagadoramente uma proposta presidencial para adiar a votação...
A resolução apoia o envio de uma missão do PE ao Sahara Ocidental para investigar a situação dos prisioneiros políticos e dos direitos humanos em geral. Seria bom que Marrocos não lhe impedisse o acesso, como impediu missões que o Parlamento espanhol tentou enviar recentemente. Senão, isto no PE ainda é só o princípio...

Quem governa?

O meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, encontra-se também na Aba da Causa. Para ajudar a situar o lugar do Presidente da República no nosso sistema constitucional.

Proliferações....

No sábado passado, o Dr. Miguel Monjardino explicou na revista SÁBADO que discordava de um meu artigo publicado no EXPRESSO dia 15.10, intitulado 'Irão e nuclear'. (ver ABA DA CAUSA).
Li com atenção o Dr. Monjardino. E o que mais me surpreendeu foi a total ausência de reflexão - ou mesmo opinião - sobre o futuro do Tratado de Não proliferação Nuclear (NPT).
E é isso que explica o nosso desacordo: enquanto eu vejo a crise nuclear iraniana no contexto global da erosão do regime de não proliferação nuclear, o Dr. Monjardino ignora este aspecto e argumenta como se de uma questão bilateral - entre Washington e Teerão - se tratasse. Só espero que o Dr. Monjardino não se esqueça também de mencionar o NPT (e os direitos e deveres que daí decorrem para os seus signatários) aos alunos na sua Universidade....
Segundo o Dr. Monjardino, o meu erro principal é o de defender que "abolir o actual arsenal nuclear americano...iria tornar mais difícil a países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Irão manter os seus programas ou ambições nucleares." Defenderei isto tudo "implicitamente"...
Costumo ser bastante explícita nas minhas ideias e julgo tê-lo sido também desta vez. O que eu escrevi foi: "o NPT estabelece um equilíbrio entre as obrigações das potências nucleares legais em desarmar gradualmente e o direito dos restantes estados em adquirirem, de forma transparente e legal, tecnologia nuclear para fins civis. Cada sinal por parte da França, Reino Unido, Estados Unidos, China e Rússia de que não querem desarmar nos termos do art. 6 do NPT, representa mais uma machadada neste equilíbrio crucial."
Ao ignorar as minhas referências ao equilíbrio entre desarmamento e não-proliferação na base do NPT, e ao dever de todas as potências nucleares o respeitarem, o Dr. Monjardino reproduziu o meu argumento incorrectamente. Nunca defendi que o programa nuclear iraniano per se dependesse da abolição do arsenal nuclear americano, mas sim que o futuro do NPT a longo prazo também passa por gestos na direcção do desarmamento nuclear pelos EUA e pelas outras 4 potências nucleares autorizadas.
Mas é verdade que saliento particularmente as contribuições dos EUA para a erosão do NPT. E não estou só. A revista The Economist, a 20 de Outubro, num artigo sobre a estratégia diplomática da administração Bush em relação à não proliferação, significativamente intitulado "Nuclear confusion", salienta vários exemplos da forma errática e selectiva como os EUA exigem a aplicação do NPT. Referindo-se ao exemplo mais recente e talvez mais gritante - o recente acordo nuclear com a Índia - o The Economist lembra (e muito bem) que "bending the rules for India makes it harder to uphold them elsewhere...". Numa altura em que se procura desarmar a Coreia do Norte e evitar que o Irão adquira armas nucleares (e a Venezuela e outros...), os EUA decidem coroar como legítima uma potência nuclear (a Índia) à margem da lei. E continuam a fingir não reparar nos seus aliados Israel e Paquistão, também fora da lei neste domínio, com arsenais que só dão "argumentos" para a proliferação a vizinhos (incluindo, precisamnete, o Irão). Nuclear confusion, indeed!
Também não defendi que as potências nucleares concentrassem esforços na demanda do Graal (a abolição total de arsenais nucleares), mas sim que contribuíssem de forma responsável e gradual - nomeadamente através de medidas de desarmamento no contexto do NPT, mas também através de uma diplomacia nuclear coerente e realista em relação ao Irão, por exemplo - para o fortalecimento dos consensos à volta do regime de não-proliferação a longo prazo. Porque, apesar de serem complexas e muitas vezes difícil de aplicar, as regras do NPT são as únicas que temos. E como diz o The Economist, referindo-se ao hábito desagradável desta Casa Branca de aplicar dois pesos e duas medidas no cumprimento do NPT, «breaking those rules can lead to anarchy".
E assim proliferam os "anti-americanos primários", para desapontamento do Dr. Monjardino! Até o "The Economist"....

(PS - Este texto foi escrito e enviado através da Sábado ao Dr. Monjardino antes do ataque odioso do Presidente iraniano contra Israel e os EUA. Que não me leva a mudar uma palavra. Mas em breve o comentarei).

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Patético

A anunciada queixa apresentada na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas pelos dirigentes sindicais dos juízes e magistrados do Ministério Público relativa a uma alegada violação da independência dos tribunais em Portugal, por causa das medidas do Governo quanto às suas regalias económico-profissionais, seria ridícula se não fosse patética. Haja pudor!