quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Compromissos

Até onde vale a pena arrastar e adoçar uma reforma, tida por essencial, a fim de desarmar ou atenuar os protestos dos que por ela são afectados?

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Coerência

O PCP propôs a suspensão da liberalização da electricidade. Um tal solução implicaria uma violação do direito comunitário, mas é seguramente mais coerente do que a posição dos que, prestando "lip service" à liberalização, vêm depois contestar as suas consequências, nomeadamente no que respeita à relação entre custos e preços.
Não se pode defender a liberalização e depois defender tarifas que ficam abaixo dos custos, continuando a acumular o défice tarfiário e impedindo a acesso de novos fornecedores ao mercado doméstico.

Ainda as taxas de saúde

Embora eu pense que a questão principal das novas taxas de saúde não é saber se são, ou não, conformes à Constituição (pois uma coisa é a sua "legalidade" e outra coisa a sua justiça), também julgo importante esclarecer essa dúvida. Na verdade, se elas forem inconstitucionais, a questão ficará liminarmente afastada, enquanto, se elas não forem inconstitucionais (como me inclino a pensar, como já escrevi num post anterior), isso retira um dos fundamentos da sua contestação, como se verificou há vinte anos com a instituição das primeiras "taxas moderadoras" (algumas das quais, aliás, já dizem respito a cuidados de saúde cuja decisão não depende dos utentes...). Por isso, o próprio Governo deveria estar interessado em clarificar esse ponto. Numa questão politicamente tão melindrosa, não deveriam subsistir dúvidas de legitimidade constitucional, que está a montante da avaliação da legitimidade política.

domingo, 22 de outubro de 2006

Tese

Se as auto-estradas SCUT tivesssem nascido como auto-estradas portajadas, os seus beneficiários não teriam protestado por esse motivo e o problema das SCUT teria sido evitado. Mesmo qauando onerosa, uma auto-estrada é sempre um factor de rapidez, de comodidade e de segurança. Ao invés, quando se torna oneroso um serviço que era gratuito, os protestos são sempre veementes. É a filosofia dos "direitos adquiridos"...
Moral da história: nunca ofereças gratuitamente um serviço público que no futuro possa ter de vir a ser pago pelos utentes. Custa muito mais...

Correio dos leitores: Pronúncia da Língua

«Lá volta a insistir na história da "pronúncia lisboeta"... Lisboeta sou eu e não subscrevo a sua tese da pronúncia lisboeta, que acusa de carregar nos "ches". (...)
Mas concordo consigo: há vários locutores da rádio que abusam dos ches. Mas não por serem de Lisboa. Na minha opinião, porque herdaram um hábito de alguém que teve sucesso, cujo estilo copiaram e que agora não vem ao caso. Um tique que os auxilia nas pausas, nas hesitações, prolongando a última sílaba até retomarem o curso do texto. Quando a pausa se segue a um plural, lá vem o malfadado che, como se fosse uma sílaba autónoma. Mas isso não é um particularismo exótico da pronúncia lisboeta. É má dicção, porque se pode evitar o som sibilante, não destacando o "s" final da sílaba a que pertence e pronunciando-o, como se deve fazer sempre, de uma forma rápida e abafada.
Na verdade, há que fazer alguma coisa neste domínio. Eu oiço todas as manhãs a TSF e a Antena 1 e fico pasmado. Para além dos desagradáveis ches, alguns dos locutores têm defeitos da fala, dificuldades na articulação de algumas consoantes! Não lhes quero mal, mas julgo que deveriam procurar outra ocupação. Como é que são seleccionadas aquelas pessoas? Fazem testes de leitura? Não acredito. Se prestar atenção aos apelidos, talvez compreenda as razões.»

Jorge O.

Comentário

Infelizmente, as idiossincrasias da pronúncia lisboeta não tão poucas quanto isso, como mostrei neste artigo de há meia de dúzia de anos aqui no Público.

sábado, 21 de outubro de 2006

Sociologia dos media

O Correio da Manhã, que ontem fez esta primeira página, também vai publicar na mesma página, com o mesmo destaque, este «desmentido categórico«?

O "Sol" não é um jornal sério

O novel semanário "Sol" imputa-me na primeira página a opinião de que o orçamento é "inconstitucional". É uma pura falsificação.
A única coisa que eu disse -- como, de resto, o próprio jornal relata no interior -- foi que, se a lei das finanças locais e a lei das finanças regionais não fossem publicadas até à entrada em vigor do orçamento (1 de Janeiro), isso poderia levantar um problema de legalidade, visto que o orçamento já prevê as transferências para as autarquias locais e para as regiões de acordo com as novas leis.
Portanto, o "Sol" não é um jornal sério. De mim não voltará a ter a mínima cooperação.

Sobrevivências corporativas

Se for verdade a supressão do financiamento público de esquemas privativos de segurança social e de saúde de certas profissões, é caso para celebrar. Mais vale tarde do que nunca, a extinção das sobrevivências corporativas.

De Aveiro vem...

um exemplo a seguir. Praxes académicas baseadas na violência e na humilhação pessoal deveriam ser proscritas.

Ainda as tarifas de electricidade

Independentemente da questão de saber se existe base legal para alargar para 10 anos o período de recuperação do défice tarifário (a lei fala em 5 anos...), a decisão ministerial que reduziu a actualização das tarifas para 6% suscita outra questão: é que, se não houver redução dos encargos, esse aumento não dá sequer para repor o equilíbrio tarifário, muito menos para recuperar o défice acumulado, o qual portanto continuará a aumentar em 2007, em vez de diminuir. O ministro não esclareceu como se vai resolver a questão no futuro.
Com isto vai provavelmente continuar adiada a abertura do mercado à concorrência. Será que isto faz algum sentido num mercado oficialmente liberalizado? E, na medida em que continua a afastar a entrada de outras empresas (nomeadamente as espanholas) no mercado doméstico, será que a situação não vai ser questionada pela Comissão Europeia?
"O que nasce torto..."

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

O exemplo da BBC

As estações de rádio e de televisão portuguesas deveriam seguir o exemplo da BBC e adoptar um manual de pronúncia de Português.
Com efeito, não será exigível, pelo menos nas estações de serviço público, que os apresentadores e locutores tenham uma pronúncia conforme à norma erudita da Língua, e não, como sucede em tantos casos, uma pronúncia recheada dos particularismos exóticos da pronúncia lisboeta?

Abolição da pena de morte

O João Vasconcelos Costa pede informação sobre a abolição da pena de morte em Portugal. Embora com atraso, aqui vai:
1852 - Abolição da pena de morte para crimes políticos (Acto Adicional à Carta Constitucional);
1867 - Abolição da pena de morte para todos os crimes, salvo os crimes militares mais graves (Lei de 1 de Julho);
1911 - Abolição da pena de morte para todos os crimes (decreto do Governo provisório, depois confirmado pela Constituição de 1911);
1916 (I Guerra Mundial) - Reintrodução da pena de morte para os crimes militares, aplicável apenas em teatro de guerra, que se manteve em vigor durante 60 anos;
1976 - Reposição da abolição total da pena de morte (Constituição vigente).
Com toda a razão podemos dizer que nesta questão civilizacional não nos atrasámos, pelo contrário.

Paranóia

O PSD madeirense fez aprovar na assembleia regional da Madeira um protesto contra a minha alegada nomeação pelo Presidente da República para presidir a uma alegada comissão organizadora das comemorações do centenário da República, protesto acompanhado dos habituais insultos pessoais, como é prática naquelas bandas.
Trata-se de mais uma atitude atrabiliária dos apaniguados de Jardim, uma verdadeira paranóia persecutória contra os adversários políticos, que só os torna ainda mais indignos dos cargos que exercem. Primeiro, eu não fui nomeado pelo PR, mas sim pelo Governo; segundo, não se trata da comissão que vai organizar as comemorações do centenário da República, mas sim de uma "comissão de projectos", puramente reflexiva e propositiva; terceiro, a nomeação já ocorreu há mais de um ano (devidamente publicada no Diário da República) e a comissão já cumpriu o seu mandato, pelo que já terminou as suas funções. Trata-se portanto de uma condenação retroactiva. Se na Madeira se tratam as coisas públicas com esta seriedade, estamos elucidados...
Mas mais importante do que os insultos pessoais (há insultos que honram...), como é que se pode tolerar que uma maioria parlamentar regional instrumentalize a assembleia legislativa para protestar contra as nomeações que um órgão de soberania da República faz para cargos de âmbito nacional? Onde está a competência da ALR da Madeira para censurar oficialmente os actos do Presidente ou do governo da República, ainda por cima quando nada têm a ver com a Região? Até quando se vão tolerar os abusos de poder no Funchal? Até quando é que Belém e São Bento vão continuar a política de complacência perante as recorrentes aleivosias políticas de A. J. Jardim? Vão consentir que um destes dias ele faça votar um protesto contra a nomeação de embaixadores ou de ministros?
É tempo de ouvir um definitivo "basta!" a quem tem o dever de representar e governar a República.

Estatuto do Banco de Portugal

Já que se vai alterar o estatuto do Banco de Portugal (e por um bom motivo!), seria uma boa oportunidade esclarecer a sua natureza jurídico-institucional e, independentemente disso, estatuir que, no exercício de actividades de supervisão (enquanto as mantiver...), ele é uma autoridade administrativa, contando-se entre as suas atribuições a defesa os interesses dos consumidores e a fiscalização da observância das regras da concorrência no sector bancário em colaboração com a respectiva Autoridade.

SCUT

A oposição não tem razão quando acusa o Governo de violar um compromisso eleitoral, ao sujeitar certas SCUT a regime de portagem. Na verdade, a manutenção do regime SCUT ficou condicionado à verificação de certos requisitos (nível de riqueza regional e alternativas rodoviárias), como se diz aliás no programa do Governo. O que admira é como se demorou tanto tempo para verificar que certas SCUT não preenchiam esses requisitos...

Tarifas de electricidade

Francisco Louçã acha que os preços da electricidade não devem mesmo subir acima da inflação (independentemente dos custos reais) e que portanto o orçamento do Estado deve subsidiar os consumidores. Generalizando este conceito a todos os produtos e serviços básicos, o "socialismo de consumo" está de volta. Por que não voltar nacionalizar a electricidade?

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Tarifas da electricidade

O Ministério da Economia revelou uma grande imprevidência relativamente à actualização dos preços da electricidade (que as suas medidas agravaram) e uma desastrada reacção à proposta de tarifário da ERSE (que não tinha margem legal para coisa muito diferente), descarregando sobre ela uma responsabilidade que cabe inteiramente ao Governo.
Os danos que episódios destes podem causar ao crédito político do governo são seguramente muito maiores do que os protestos de meia dúzia de corporações contra a perda dos seus privilégios.

Correio dos leitores: SCUT

«Notas sobre o seu comentário à reintrodução de portagens.
1) O programa de auto-estradas reais foi lançado muito tempo antes do das portagens virtuais. Basta dizer que o início da A1 começou no Antigo Regime, com Marcelo Caetano e acabou, mais de 30 anos depois, com Cavaco Silva a Primeiro-Ministro. Já depois, com António Guterres a Primeiro-ministro e João Cravinho a ministro do Equipamento, em 1997, é lançado o programa de SCUT, para ligar zonas do País supostamente menos desenvolvidas em termos económico-sociais e numa lógica de coesão territorial.
2) Os critérios ontem apresentados pelo Governo são cumulativos ? têm de existir simultaneamente os três e não um ou dois deles. Se assim não fosse, o Algarve teria passado a pagar portagens.
3) "Alternativas rodoviárias razoáveis? não é o conceito defendido pelo Governo: esse critério baseia-se na análise do tempo de percurso de um ponto a outro ponto na SCUT e na comparação do tempo de percurso que se leva na via alternativa. Se o factor de comparação indicar que na via alternativa se demora 1,3 vezes ou mais que na SCUT, não se cobra portagem.
4) Claro que se podem sempre questionar se os limites de 80% do PIB, de 90%% do IPCC ou de 1,3x no percurso alternativo são indicadores adequados e se as contas foram bem feitas, mas, mais uma vez, é preciso demonstrar...»

David D.

«(...) Conhece realmente o Algarve? Não conta só conhecer de férias. É que o Algarve concentra o seu emprego na Hotelaria, Restauração, Comércio que têm salários 20 a 30% mais baixos que a média dos salários e uma taxa mais alta de salários mínimos. É que o Algarve vê a sua riqueza medida pelo PIB, mas o PIB não é a metodologia mais adequada para medir a riqueza do Algarve. O PIB é o que se produz e não o que se recebe ou distribui. Mas a riqueza propriamente dita de uma pessoa é o que ela recebe e não o que produz. O Turismo do Algarve gera muitas receitas mas grande parte do valor acrescentado, da riqueza criada, não fica na região. Por outro lado, na metodologia do PIBpc são apenas considerados os residentes mas, no Algarve, temos uma população permanente muito superior à residente. Pessoas que estão por cá 6 ou mais meses por ano e que não contam como residentes e para as estatísticas. Pelo que, mesmo optando por medir o PIB e a produção, temos mais pessoas por quem estatisticamente dividir o PIB e menos PIB por pessoa no Algarve.
Sobre o pagamento da SCUT Via do Infante por todos os contribuintes de todo o país, julgo que o que o Estado recebe em impostos do Algarve é bem suficiente para cobrir tal "despesa."»
Sérgio M.

Comentário
Como se mostra na segunda carta, há sempre alguém que acha que os seus privilégios privativos devem ser pagos pelo orçamento do Estado, ou seja, pelos outros, mesmo quando estes já têm de pagar os seus....

Rankings

Nos últimos anos, em alguns círculos intelectuais e políticos, está na moda denegrir a Universidade de Coimbra. A resposta está aqui. A notícia da morte da velha universidade era algo exagerada...

Pagar duas vezes

Enquanto os cidadãos do continente são chamados a satisfazer uma contribuição adicional para o SNS, com as novas taxas de saúde, os Açores e a Madeira dão-se ao luxo de prescindir delas.
Será porque os serviços de saúde regionais estão de boa saúde financeira? Nada disso: é apenas porque os contribuintes do Continente lhes pagam a liberalidade. Pagam duas vezes: no Continente pagam as taxas de saúde; nas regiões autónomas pagam a isenção delas. É assim a solidariedade territorial entre nós...

Com custos para os contribuintes (2)

Duas razões são invocadas pelo Governo para manter o regime SCUT para várias auto-estradas, a saber, o baixo rendimento per capita das respectivas regiões e a falta de alternativas rodoviárias razoáveis (foi este critério, convenientemente "martelado", que permitiu manter a auto-estrada do Algarve isenta de portagens). Só que, com base no primeiro critério deveriam estar isentas as duas auto-estradas que cruzam o Alentejo; e com base no segundo critério, deveria ficar isenta a própria A1 (Lisboa-Porto).
Coerência política e equidade territorial são coisas que, pelos vistos, não valem na questão das SCUT...

CCC - Com custos para os contribuintes

Para quem, como eu, sempre contestou o regime das auto-estradas sem custos para o utente (SCUT), o fim desse regime em algumas delas só pode ser motivo de satisfação. Só é pena sobrarem algumas, designadamente a do Algarve, sendo escandaloso, sob qualquer ponto de vista, que a segunda região mais rica do país continue a beneficiar de uma auto-estrada gratuita, paga pelos contribuintes de todo o país...

Surpreedente surpresa

Se há quem não deva revelar surpresa pela dimensão da subida das tarifas da energia eléctrica, segundo a proposta da ERSE, é o Governo.
Primeiro, a subida tem a ver essencialmente com o défice tarifário criado pela artificial contenção das tarifas em 2006 -- sendo responsabilidade do Governo não ter revogado a limitação das actualizações tarifárias, que vinha do antecedente -- e pela factura das energias renováveis, estabelecida pelo Governo para remunerar generosamente o investimento nessa área. Segundo, é também da responsabilidade do Governo a fixação de um exíguo prazo de 3 anos para recuperar o défice acumulado.
Nesse quadro legal, a ERSE não tinha grande margem de manobra. Por isso, só resta ao Governo uma de duas coisas: (i) subsidiar a electricidade à custa do Orçamento (o que está fora de causa); (ii) alargar o prazo de recuperação do défice. E mais uma terceira: não procurar enjeitar as suas responsabilidades...

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

As reformas com quem não as quer?

Sempre que um sector profissional ou uma corporação se sentem ameaçados nos seus interesses por uma reforma, logo vem a ladaínha de que "as reformas só se podem fazer com os interessados".
Trata-se, porém, de uma contradição nos termos. Como é que se pode implementar uma reforma "com os interessados", se a única coisa que os interessados querem é justamente manter o "status quo"!? É evidente que as mudanças que implicam perda de regalias ou privilégios só se podem fazer contra os interessados...

Um pouco mais de seriedade, sff.

O PSD condenou ontem o orçamento 2007, por ele aumentar a despesa pública! Para isso, limitou-se a comparar a despesa estimada com a do orçamento anterior, em termos absolutos, quando tais comparações se fazem sempre em termos de relação com o PIB. Ora, segundo esse critério, a despesa desce, e até desce muito no caso das despesas de pessoal.
Pouco sério, portanto, para dizer o menos. O pior cego é o que se recusa a ver. A fazer oposição assim, o PSD só pode esperar descrédito.

Nem mais

«Nem o Estado pode utilizar a religião para fins políticos nem a religião pode usar o Estado para fins religiosos.» (Jonatas Machado, segundo o Diário de Notícias de hoje).
Se o tal instituto católico do Estado em Roma não for pura e simplesmente extinto no âmbito do PRACE, o mínimo que se pode exigir é que ele seja liberto das suas funções religiosas...

Timor Leste - o relatório da ONU

Gostava de ver as caras daqueles jornalistas portugueses que continuam a deixar-se emprenhar por certos "spinners" malais...

Portugal na ONU - enterrado na areia

Portugal absteve-se anteontem na votação em Nova Iorque da resolução aprovada pela Comissão de Descolonização das Nações Unidas sobre o Sahara Ocidental.
O Sahara Ocidental está, recorde-se, desde 1974 em conflito com Marrocos. Na mesma lista da ONU em que estava Timor Leste, dos Territórios Não-Autónomos. Ocupado ilegalmente por Marrocos. Sujeito à opressão e ao cortejo de violações de direitos humanos inerentes a uma ocupação. Como Timor Leste, quando estava ocupado pela Indonésia.
Juridicamente, face ao direito internacional, as duas situações eram muito semelhantes. A diplomacia portuguesa sempre fez essa associação: e por isso sempre votou a favor da autodeterminação do Sahara.Marrocos também sempre fez essa associação: e por isso em todas as resoluções sobre Timor Leste, mesmo as da Comissão de Direitos Humanos, sempre votou contra Portugal.
Mas havia diferenças entre o Sahara Ocidental e Timor Leste: uma das diferenças era que Portugal assumia as suas responsabilidades de ex-colonizador como Potência Administrante; e por isso fez o que fez para levar Timor Leste a exercer o seu direito de autodeterminação. Os governos de Espanha, antiga potência colonial do Sahara Ocidental, pelo contrário, sistematicamente e desde sempre procuraram (e o de Zapatero não destoa) lavar as mãos do problema (apesar da solidariedade do povo espanhol com os saharauis ser forte). O papel da França no caso é semelhante ao da Austrália em Timor Leste até 1999, instigando a Indonésia a invadir e apoiando-a depois na ocupação.
A resolução anteontem aprovada é favorável ao plano de paz para a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental como solução política para o conflito, na base de acordo entre as partes, e incentiva o Secretário-Geral da ONU e o seu Enviado Pessoal a procurarem uma solução que seja aceitável para ambas as partes.
Votaram a favor desta resolução 76 países, entre os quais 15 países da União Europeia ? Austria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Alemanha, Hungria, Irlanda, Holanda, Polónia, Eslováquia, Eslovénia, Suécia, Reino Unido. Abstiveram-se, como habitualmente, a França e a Espanha. Agora acompanhadas por Portugal.
No ano passado, já com este Governo, Portugal votou a favor de um texto com a mesma terminologia. Como votou também em anos anteriores. Respeito pelo direito internacional em matéria de direito à autodeterminação e coerência relativamente às nossas posições sobre Timor Leste assim o impunham, evidentemente. E não foi votar dessa maneira que alguma vez obstaculizou esfusiantes negócios de empresas portuguesas em Marrocos.
Como se justificará que Portugal, sob um mesmo governo socialista, mude de um ano para o outro tão significativamente o posicionamento face a este caso emblemático em matéria de direito internacional, em matéria de direito à autodeterminação e de direitos humanos, relativamente a um conflito que perigosamente se prolonga e agudiza às nossas portas?
Não, não estou apenas escandalizada.
A palavra certa é «disgusted» - tão desgostada, como enojada.

O que é que Marrocos teme mostrar no Sahara Ocidental?

A resposta está documentada no recentemente publicado Relatório da Missão enviada pela Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU ao Sahara Ocidental.
O Relatório demonstra a gravidade e extensão das violações dos direitos humanos cometidas por Marrocos no Sahara Ocidental e salienta a urgência de agir para ajudar as vítimas da repressão.
Afirma o Relatório: «o direito à autodeterminação do povo do Sahara Ocidental deve ser assegurado e exercido sem tardar». E sublinha «quase todas as violações dos direitos humanos se alimentam da não aplicação desse direito fundamental».

Marrocos, de porta fechada à Europa

No início deste mês, Marrocos não autorizou subitamente a visita de uma delegação de parlamentares europeus ao seu território. E do mesmo passo cancelou a visita de uma delegação ad hoc do Parlamento Europeu ao Sahara Ocidental, há mais de um ano em preparação com as autoridades marroquinas, com o objectivo de apreciar a situação dos direitos humanos. Apesar de todos os "acordos de princípio", várias vezes reiterados, e a menos de 48 horas da partida dos parlamentares para Rabat e Layoune.
O Presidente da Câmara de Representantes de Marrocos, Abdelwahad Radi, que ainda a 26 de Setembro assegurava que "não seriam poupados esforços para que a visita tenha sucesso", a 2 de Outubro veio dizer que "a delegação apenas contribuirá para defender as teses do Intergrupo Paz para o Sahara Ocidental do Parlamento Europeu", alegando que três dos cinco membros da delegação integram o dito Intergrupo.
O Parlamento Europeu , como instituição democrática, tem por princípio assegurar a pluralidade dos membros das suas delegações a países terceiros. A Delegação em causa era, portanto, composta por representantes das várias facções políticas.

O caso faz lembrar Timor Leste e as razões por que a Indonésia rejeitou a missão parlamentar portuguesa em 1991, que desde há anos vinha preparando com Portugal.

O que é que Marrocos tem medo de mostrar no Sahara Ocidental?