sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

O que se decide no referendo

Numa impressionante manifestação de falta de rigor, a generalidade dos media insistiu até ao último dia em usar a tendenciosa expressão "referendo ao aborto", favorecendo assim a campanha do Não.
De nada valeu explicar, uma e outra vez, que o referendo não é (nem poderia ser) sobre o aborto, mas sim sobre a despenalização do aborto, o que não é a mesma coisa. Que o voto "sim" não é a favor do aborto, mas sim a favor da revogação da punição penal do aborto. E que o voto contra não é só contra o aborto mas sim contra a descriminalização do aborto.
Quanta confusão e desorientação, sobretudo nos meios sociais menos esclarecidos, não se fica a dever a esta irresponsabilidade dos órgãos de comunicação social, incluindo os do serviço público de rádio e televisão (perante a passividade da Comissão Nacional das Eleições e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social)?

PS - Fiz atempadamente uma reclamação sobre esta falta de rigor ao Provedor dos ouvintes da RDP. Fora o registo da recepção da minha queixa, não cheguei a obter resposta quanto à questão colocada.

Mentira e manipulação

Foram precisos quatro anos depois da invasão do Iraque, que ele apoiou entusiasticamente, para que o antigo primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar viesse finalmente reconhecer que não havia "armas de destruição maciça" no Iraque. Mas desculpou-se: «toda a gente pensava que existiam»...
Toda a gente!? Uma mentira não deixa de o ser por ser muitas vezes repetida. Valerá a pena lembrar mais uma vez: (i) que muitos países questionaram as alegações americanas sobre as ADM; (ii) que não havia uma única prova concludente das tais AMD; (iii) e que a missão de inquérito internacional não encontrara nenhum indício delas, tendo a guerra sido desencadeada antes de aquela dar por terminada a sua missão!?

Despenalização com legalização e regulação não é liberalização

A proposta submetida a aprovação no referendo de despenalização do aborto implica três coisas: (i) a descriminalização do aborto voluntário até às 10 semanas, pois num Estado de direito democrático não pode haver despenalização sem que o acto a despenalizar deixe de ser considerado crime; (ii) a legalização do aborto nesses limites, devendo a interrupção da gravidez ser praticada, para ser lícita, num estabelecimento de saúde legalmente reconhecido; (iii) a regulação dos actos de interrupção da gravidez, tanto a nível da ponderação da decisão da mulher (aconselhamento, etc.) como a nível da organização dos serviços de saúde.
Isto é o contrário de uma alegada "liberalização", no sentido corrente da expressão, a qual só existiria se se ficasse pela descriminalização, como sucedeu, por exemplo, com a prostituição, que foi despenalizada mas não foi legalizada nem regulada.
O que é uma espécie de liberalização é, sim, a "semidespenalização" (sem descriminalização) que alguns adversários da despenalização propriamente dita vieram apresentar precipitadamente à beira do referendo. Na verdade, uma tal proposta não passa de uma liberalização do aborto clandestino, visto que ele continuaria a ser crime, não podendo por isso ser legalizado nem regulado, mas deixaria de ser punível, podendo portanto florescer à vontade (com o inevitável descrédito da lei penal).
Contradições do oportunismo e da falta de seriedade...

A trapaça (2)

Lembram-se da ira dos adversários da despenalização do aborto, quando em 2005 descobriram que o PS tinha apresentado um projecto de lei, onde, além da despenalização até às dez semanas por decisão da mulher -- a submeter a referendo --, também se previa um alargamento dos casos de licitude do aborto estabelecidos na lei de 1984, destinados a ser aprovados sem submissão a referendo? "Alargamento da despenalização só por referendo", clamaram!
Qual não é o nosso espanto quando os mesmos cidadãos, a poucos dias do referendo em que se batem contra a desspenalização, tiram da cartola uma proposta de despenalização "sui generis" (renúncia ao julgamento dos crimes de aborto!), a apresentar em caso de hipotética vitória do não, ou seja, contra o resultado referendário!? Se era isso que queriam, por que é que se não lembraram de propor essa solução no referendo, em alternativa à que foi submetida a consulta popular (pergunta que eles, aliás, não contestaram)?
Será que se pode esperar alguma coerência destes senhores?

A trapaça (1)

A tentativa de última hora de alguns adversários da despenalização do aborto de lançar a confusão no referendo, com base numa sugestão de não julgamento dos crimes de aborto ("despenalização" sem descriminalização), não só não teve o sucesso desejado pelos seus congeminadores (a julgar pelas sondagens de opinião mais recentes) como se traduziu num evidente descrédito das posições e argumentos do não.
Pois se, afinal, os adversários da despenalização abdicam da ameaça de punição das mulheres que abortem, onde fica a intransigente "defesa da vida", na qual basearam todo o seu discurso moral contra a despenalização? E onde fica o argumento anterior de que a despenalização eliminaria qualquer limitação ao aborto?

Sociologia dos média

Compare esta capa da edição de hoje do Correio da Manhã com esta notícia com a sondagem do referendo, na mesma edição, perdida no interior do jornal e com um título que esconde a prevista vitória da despenalização. Se a sondagem desse vitória ao não, qual seria a manchete do jornal? Não vale adivinhar à primeira!
Por aqueles lados, chama-se a isto, porventura, rigor e imparcialidade na informação....

As manipulações do NÃO

"A Campanha do NÃO diz que o aumento do número de IVGs demonstra a: 'relação entre o número de abortos e a alteração do quadro legal' mas não há qualquer relação entre esta evolução e a alteração no quadro legal como o NÃO pretende fazer crer."
...
"A Campanha do NÃO diz que os registos de IVG mostram o: 'aumento generalizado do número de abortos após liberalização' mas os dados demonstram o oposto."


São estas as conclusões principais de um estudo minucioso sobre a Evolução do número de interrupções voluntárias da gravidez (IVGs) na Europa da Eurodeputada socialista Elisa Ferreira.

Não deixam margem para dúvidas - nem para mais manipulações dos números pela campanha do NÃO.

Qual é o efeito jurídico e político do referendo?

1. Ganhando o sim, o legislador parlamentar fica obrigado ou autorizado (conforme o referendo seja vinculativo ou não) a legislar no sentido proposto, ou seja, despenalizando o aborto, mediante a alteração do Código Penal, no prazo de 90 dias.
Caso vença o não, parece evidente que os votantes recusam a despenalização, ou seja, rejeitam pelo menos que o aborto deixe de ser penalmente punido. Pode eventualmente alterar-se a moldura penal, por exemplo reduzindo a pena prevista para o crime, mas mesmo aí pode entender-se que isso defrauda a vontade daqueles que votaram contra a despenalização justamente por apoiarem a punição que está em vigor. Seja como for, não se pode eliminar a punição penal nem adoptar uma medida de efeito equivalente, pois tal seria desrespeitar a vontade expressa no referendo.
Por isso, não faz o mínimo sentido político nem constitucional o apelo ao voto contra a despenalização do aborto para depois fazer o contrário, como sucede com a proposta feita à última da hora por alguns movimentos e personalidades antidespenalização, através de uma solução legislativa destinada a "despenalizar" na prática o aborto, afastando à partida qualquer punição, ainda que mantendo o crime no Código Penal ("despenalização" sem descriminalização)!
O essencial na pergunta do referendo é a despenalização, e não as suas circunstâncias adjectivas. Logo, se o não vencesse, não se poderia depois tentar conseguir um resultado similar, embora de diferente maneira.

2. É evidente que, se o referendo não for vinculativo, por falta de quórum, o legislador não fica juridicamente limitado nos seus poderes de decisão, podendo alterar, acto contínuo, o regime penal do aborto como desejar (incluindo, mesmo, implementar a despenalização derrotada no referendo...). E a mesma liberdade existe mesmo em caso de referendo vinculativo, quando se esgotar a sua força vinculativa, pois esta só perdura até ao fim da legislatura em que ocorre o referendo. No caso concreto, até às eleições de 2009. Depois disso, o legislador recupera formalmente a sua inteira liberdade decisória, independentemente do resultado do referendo.
Porém, sob o ponto de vista da legitimidade política, mesmo que o referendo não seja vinculativo, parece evidente que, caso triunfasse o não, não haveria autoridade política (muito menos por parte dos que se opuseram à despenalização) para proceder a uma despenalização do aborto, ainda que só de facto, pelo menos durante um período equivalente ao da duração da força vinculativa do referendo, se a tivesse. Não seria ilícito fazê-lo, mas seria bem pouco democrático, além de defraudador das expectativas de muitos votantes.
Como é lógico, quem vota contra a despenalização não pode pretender... a despenalização. Por conseguinte, só uma vitória do sim no referendo pode assegurar a despenalização do aborto.

3. De resto, independentemente do referendo, não se afigura compatível com o Estado de Direito afastar em termos gerais e abstractos a punição de um facto punível como crime, o que seria uma espécie de amnistia antecipada. Na verdade, há aí uma contradição nos termos, um verdadeiro contra-senso. Não se pode renunciar antecipadamente a punir um tipo de crime. O direito penal existe para punir os casos de ilícito criminal. Se há crime, pune-se; se não se quer punir, só resta a despenalização propriamente dita, ou seja, a descriminalização.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Correio da Causa: não "sem qualquer justificação"

«Muito esclarecedora é a forma como os defensores do "não" fazem equivaler a IVG a pedido da mulher à liberalização total e ao aborto sem qualquer justificação. Ou seja, a opinião da futura mãe parece ser irrelevante para o caso. Alguns admitem (por convicção ou por estratégia) que certas circunstâncias concretas, nomeadamente as já previstas na lei (perigo para a vida ou para a integridade física da mãe, malformações graves do feto, violação) podem justificar um aborto. Outros admitem mesmo estudar outras circunstâncias objectivas passíveis de justificar uma interrupção de gravidez. Porque, nesses casos, "existe um motivo". Mas a opinião da pessoa mais afectada, que verá as suas condições e projectos de vida irremediavelmente afectados para sempre por uma gravidez que não planeou nem desejou, é motivo nenhum.
Saúdo a coerência dos que defendem a ilegitimidade da interrupção da gravidez em todas as circunstâncias. Tenho pena que, muitas vezes, não manifestem igual apego à defesa do direito à vida na oposição a todas as formas de privação da vida, como a pena de morte e a guerra. Considero porém que "vida" é muito mais do que existência biológica. É também ter projectos, sonhos, expectativas, um passado, um presente e um futuro. E isso, a mãe tem numa medida incomparável com um feto de dez semanas. Embora pareça "não ser nada" na opinião de alguns pensadores.
Passar por uma gravidez, ter um filho e educá-lo supõe, creio que estaremos todos de acordo, inúmeras cedências e sacrifícios, mesmo quando esse filho é desejado e planeado. Obrigar quem não quer a passar por isso, sob ameaça de prisão ou sequer de processo penal, representa uma crueldade e uma intromissão intolerável na autonomia de cada um. Representa também um desprezo pelo direito de cada criança a nascer e viver no seio de uma família que a deseje e a ame - espontaneamente e não por imposição da lei penal.
E obrigar as mulheres a abortar clandestinamente em condições inseguras e pouco higiénicas, longe da vista e das consciências dos que preferem assobiar para o lado, representa um problema de saúde pública a que o Estado tem a obrigação de dar resposta. Como sempre, as consequências não são exactamente as mesmas para as mulheres com maior autonomia e poder económico e para as "outras": na aldeia globalizada em que hoje vivemos, quem pode tem sempre a opção de abortar. Pode não a exercer, por sucesso dos métodos de planeamento familiar ou por imperativo de consciência - como também não terá de exercer se a IVG for despenalizada. Mas essa opção existe sempre. Basta ir a Badajoz ou, para as mais desafogadas, a Londres ou a Amesterdão.
E não se diga que as propostas de dita "despenalização da mulher sem liberalização do aborto" respondem, sequer minimamente, a este problema. Como todos sabemos, não existem mulheres presas em Portugal pela prática de aborto, apesar de se estimar em 20.000 o número de abortos praticados por ano no nosso país. Isto é revelador do ponto a que a sociedade em geral rejeita a criminalização desta prática - ninguém denuncia, as autoridades policiais não a tratam como prioridade de investigação, os juízes têm pudor em condenar as (poucas) mulheres acusadas. Mas o principal problema está lá: é que o aborto é remetido para a clandestinidade. As mulheres poderiam não ser condenadas a prisão (embora pudessem ser sujeitas a "penas alternativas", quase tão estigmatizantes como a prisão), mas os médicos e técnicos de saúde sê-lo-iam na mesma.
Por outro lado, as mulheres que viessem a ter a pouca sorte de cair nas "malhas da justiça" continuariam a ficar expostas e a ver a sua intimidade devassada por polícias ou magistrados no âmbito de um processo, apesar de tudo, penal. Numa campanha em que um dos argumentos utilizados pelo "não" foi o das consequências psicológicas que o aborto pode ter sobre as mulheres que o praticam, será interessante interrogarmo-nos sobre se a sujeição a um processo judicial, independentemente da pena concreta que venha ou não a ser aplicada, fará algo para minorar essas consequências... Ou seja, o que alguns partidários do "não" propõem para solucionar o problema do aborto em Portugal, é nada: não haveria mulheres na prisão (como já não há) e o aborto continuaria clandestino (como já é) e liberalizado na clandestinidade (como já está). Continuariam a existir processos penais e as mulheres continuariam a ter de expor perante estranhos os aspectos mais íntimos das suas vidas.
Diz-se muitas vezes que a solução para o problema do aborto passa, primeiro, pela prevenção das gravidezes indesejadas e, depois, pelas respostas sociais de apoio à maternidade. Concordo sem reservas que estas têm de ser prioridades do Estado. Não vejo porém em que medida é que conflituam com a despenalização do aborto. Pelo contrário, julgo ser claro que só o acompanhamento médico e psico-social das mulheres que desejam abortar permitirá apurar se a sua vontade é verdadeiramente livre para o fazer e encontrar soluções ao nível do planeamento familiar que evitem gravidezes indesejadas no futuro.
Por último, aplaudo a acção das muitas instituições particulares - algumas inspiradas na sua objecção de princípio ao aborto - que trabalham incansavelmente, por vezes com inúmeras dificuldades, para apoiar as mulheres que desejam ser mães. E espero que as mulheres possam continuar a contar com elas independentemente dos resultados de dia 11. É que a grande virtude do SIM é fazer com que todas as opções fiquem disponíveis, todas decisões possam ser tomadas em consciência. Pelo que o seu trabalho continuará a fazer todo o sentido.
Por tudo isto, voto SIM

Raquel T

Correio da Causa: "Os donos do não"

«Alguns movimentos do "não" surgiram agora com a ideia de que mesmo que o "não" vença no referendo as mulheres que praticam o aborto devem ser "despenalizadas" (apesar de isto não resolver, como é óbvio, o problema dos abortos clandestinos).
Tal ideia, parece-me a mim, só pode surgir de pessoas que se acham donas do voto "não". De facto, como podem elas ter a certeza que a maioria das pessoas que votam "não" não querem efectivamente que as mulheres que praticam o aborto sejam penalizadas com penas de prisão? Serão donas do voto "não"? O que essas pessoas pretendem é interpretar abusivamente o sentido do voto das pessoas que vão votar "não" a uma pergunta deveras clara.
Como podem dizer que há chantagem por parte do governo quando este vem dizer que tudo fica na mesma se o "não" vencer? Se o "não" vencer é porque há uma maioria de pessoas que considera que deve ser mantida a penalização no nosso ordenamento jurídico. Por isso, o "sim" é o único voto que garante a efectiva despenalização das mulheres que recorrem ao aborto, ao mesmo tempo que combate o aborto clandestino.»

Pedro R.

Correio da Causa: Os contra-sensos do não

"(...) Obrigado pela sua exposição clara das contradições do não.
No ponto 5 do seu texto faz notar que: "Ao defender agora a dispensa de punição (...), os partidários do não entram em contradição com a principal razão da sua oposição à despenalização, que é a utilização da ameaça de punição penal como meio de dissuasão da decisão de abortar."
Estes desenvolvimentos recentes da posição do "não" demonstram claramente que o interesse essencial dos proponentes do "não" é a imposição de um princípio doutrinário católico (pessoa humana desde a concepção) através dos aparelhos legal e judicial do estado Português. A insensibilidade com que se pode propor uma pseudo-solução que agrava o problema do aborto clandestino mostra que o que realmente conta é a condenação simbólica de toda a infracção do indissimulável dogma. A ocorrência reiterada das infracções torna-se até uma vantagem.
(...) Presumo que seja mais fácil reagir a este problema de forma projectiva (acusando de intolerância quem faz notar a nudez do rei) do que encarar os próprios demónios.
Pôr o dedo na ferida não será politicamente aceitável em Portugal onde os brandos costumes são soberanos (só) à superfície, mas será legítimo deixar essa brandura insalubre persistir?»

Miguel M.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Gentilezas do «não»

Mandem mais o Prof. Gentil Martins para a frente com a bandeira do "não", por favor!
Acabo de assistir à exibição do respeitável cirurgião na SIC-Notícias (conseguiu mesmo embaraçar o Mário Crespo!...), pejada de argumentos fundamentalistas e estatisticas erróneas (as do «aumento» dos abortos em Espanha, por exemplo).
Mas, sobretudo, importa agradecer as «gentilezas» dedicadas pelo gentil professor às mulheres portuguesas - essas levianas, «que enganam os maridos» e por isso nunca irão aos hospitais, preferindo a clandestinidade do vão-de-escada para abortar; essas que "abortam porque lhes apetece" e até vêm para a televisão apregoá-lo...
Pessoal do "não" - esmerem-se em mais "gentilezas" destas, por favor!
Toda a gente do SIM agradece. Gentilmente.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Gostaria de ter escrito isto

«A primeira confusão [dos adeptos do não] é de fundo, é voluntária e tem sido explorada na propaganda. O "não" apresenta-se como se fosse o "não ao aborto" e como se os outros fossem seus apoiantes. Mas o referendo, como tem sido dito até à exaustão, é apenas sobre a despenalização e apenas em certas circunstâncias. Ninguém pretende uma promoção do aborto. É má-fé sugerir o contrário. Mesmo que o "não" ganhasse por cem por cento no dia 11 não haveria por isso um aborto a menos do que há hoje. O "não" no referendo não é um "não ao aborto".»
[José Vítor Malheiros, Público de hoje; link só para ssinantes]

Correio da Causa: Parcialidade da RDP

«A RDP (rádio) parece-me que também anda a fazer campanha pelo Não. Ontem, no noticiário das 19 horas, e hoje no das 8 horas, falaram exclusivamente e em detalhe de iniciativas de campanha do Não. Então ontem, às 19 horas, parecia um tempo de antena: dois oradores do Não, entrevistados, a explanarem em detalhe os seus pontos de vista.
Depois, no noticiário das 20 horas, em compensação, puseram só a campanha do Sim, mas com muito menos detalhe.
Não sei bem quais são os critérios da RDP mas, claramente, o ouvinte não fica com uma visão balanceada daquilo que ambos os lados andam a fazer na campanha.»

Luís L.

Os poderes ocultos na RTP

«Alegre questiona critérios da RTP na cobertura da campanha [do referendo]».

Correio da Causa: A pergunta do referendo

«Interrogo-me porque é que a pergunta do referendo sobre a despenalização do aborto tem levantado tanta celeuma entre os partidários do não e os abstencionistas. Que pergunta poderia substituir a presente (confesso que ainda não vi nenhuma alternativa)?
Creio que, a partir de outra qualquer questão que nos toque podemos reflectir por analogia. Poderíamos ter sido consultados sobre o envio de soldados portugueses para o Iraque. Nessas circunstâncias, a questão colocada poderia ser: "concorda com o envio de tropas portuguesas para o Iraque integradas numa coligação internacional para ajudar a implantar um regime democrático, derrubando o regime actual, julgando os seus responsáveis e erradicando o terrorismo internacional que ele suporta?" Contudo, a pergunta não especifica quantos soldados se enviam, quanto tempo permanecem, que tipo de missões devem realizar, etc, etc, etc., Nem poderia especificar, porque não faz sentido criar o contingente, as missões, etc, antes de existir uma decisão popular. A pergunta a fazer até poderia ser: "Concorda com o envio de tropas portuguesas para o Iraque?" De facto, tudo o que se lhe sucede será concretizado pelos nossos deputados e governantes que legitimamente foram eleitos para as respectivas funções.
Pelo exposto, não entendo como é que os vários partidos representados na Assembleia e os movimentos de cidadãos que se formaram para reflectir sobre a questão da despenalização do aborto não hão-de manter o seu envolvimento e, por essa via, fazerem ouvir as suas mais válidas dúvidas e prerrogativas contribuindo para ajudar a construir um edifício que seguramente não aparecerá como que por milagre no dia seguinte ao referendo.»

Vasco Luis T.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

IVG: SIM, pela vida

"É o sofrimento atroz, irreparável, de milhares de portuguesas e portugueses o que está em causa. Não podemos permitir que continue. Porque o que vai ser referendado no dia 11 de Fevereiro não é, de facto, o aborto. É o Código Penal. O aborto, esse vai continuar a fazer-se. A questão é como, quando e quanto."

O extracto é de um artigo meu, hoje publicado no PÚBLICO. Pode ler-se também na ABA DA CAUSA .

Correio da Causa: A "despenalização" à moda do "não"

«"d) Como justificar a manutenção do aborto na clandestinidade (pois ele continua a ser crime), se acham agora que ele não deve ser punido?"
A única coisa que se manteria, portanto, era: quem tem dinheiro vai ao estrangeiro, quem não tem vai para o vão de escada, com o "enorme conforto" de saber que não irá para a prisão. Esta "despenalização" fictícia só serve para que continue a não ser possível fazê-lo em estabelecimento de saúde próprio. Ou estou enganado? (...).»

Henrique J.

Comentário
Não, o leitor não está enganado. Mantendo-se o aborto previsto e punido no Código Penal como crime, ele não poderia ser realizado nos estabelecimentos de saúde legalmente reconhecidos, continuando à margem do sistema de saúde. Por outro lado, manter-se-ia para as mulheres o estigma do crime e da condenação penal.

Correio da Causa: O PSD e o referendo

«Temos vindo a assistir, na minha opinião, a uma campanha encapotada do PSD pelo "não" no referendo à despenalização do aborto.
Não falo da posição pessoal do Dr. Marques Mendes, mas dos tempos televisivos de antena oficiais do partido. Sob o pretexto de "informar os portugueses", o PSD tem vindo a lançar ainda mais a confusão.
No primeiro tempo de antena, os portugueses foram esclarecidos que a pergunta que se nos coloca é sobre uma «liberalização total» do aborto.
No segundo tempo de antena, ficou bem claro que os cientistas e médicos estão «unanimemente» na defesa da vida humana desde a sua concepção, pois "não se trata de uma questão ética ou filosófica".
Que mais se seguirá?
É lamentável tamanha incoerência e desonestidade. (...) Porque não terão assumido, como deviam, o lado do "não"? (...)»

João T.

Comentário
De facto, a duplicidade do PSD nesta referendo é flagrante. Por um lado, faz "flirt" com os sectores laicos do partido, declarando que não tem posição oficial sobre o referendo; por outro lado, faz campanha efectiva contra a despenalização, ficando de bem com os sectores mais conservadores e com a Igreja Católica. Ou seja: "a tocar dois carrinhos".
No entanto, penso que a posição oficial sempre permitiu o empenhamento de muitos dirigentes e militantes do PSD do lado do sim, o que não teria ocorrido, pelo menos com a mesma dimensão, caso o partido tivesse optado oficialmente pelo não.

Condecorações II

Ninguém explica aos funcionários da Presidência da República que não se deixa nenhum condecorado civil sair de Belém de faixa traçada? ou seja, que há regras que disciplinam o uso das condecorações...

Correio da Causa: "Fretes da RTP"

«Acho que não tem razão no seu ataque à RTP, pelo menos no que respeita à "segunda volta" do Prós e Contras. O assunto é suficientemente importante para merecer dois programas e só se pode ganhar com mais discussão. E se os do "não" avançarem com as suas novas propostas hoje, cabe aos do "sim" desmascará-las. Não vejo motivo para o receio que parece manifestar. E também me parece despropositada a acusação implícita que faz à responsável pelo programa».
Fernando S.

Comentário
Tem razão o leitor. A minha nota foi precipitada no que respeita ao Prós & Contras e involuntariamente injusta no que respeita a Fátima Campos Ferreira. Aqui fica a correcção.

Condecorações

Sinto-me em desconfortável companhia, com o Dr. Souto Moura condecorado hoje com a Grã-Cruz de Cristo.
Ninguém explica ao Presidente Cavaco Silva que a Ordem Militar de Cristo, a mais prestigiada e a mais preservada condecoração portuguesa, não se entrega a ninguém por exercício de ofício?

Ainda os fretes da RTP

E o tempo desmesurado e desequilibrado que a RTP concedeu à propaganda do «não» no Telejornal das 20.00 horas de ontem?

Os fretes da RTP

Não pode ser mais escamoteada a parcialidade da RTP neste referendo, em favor do "não".
Como se não bastasse a tribuna privilegiada proporcionada a Marcelo Rebelo de Sousa, nem a sistemática utilização tendenciosa da expressão "referendo do aborto" em vez de "referendo da despenalização do aborto" (onde estão o Provedor do tele-expectador e a ERC na condenação desta manifesta falta de rigor informativo?) vem agora o "frete" da oferta de uma segunda volta do "Prós & Contras", hoje, para permitir aos partidários do não difundirem a grande manobra de mistificação que eles inventaram à última da hora (ver posts precendetes).

O oportunismo paga-se

É evidente que tanto Matilde Sousa Franco como Rosário Carneiro abusam da sua posição de deputadas "independentes" do PS para militarem na oposição à despenalização do aborto, contra a posição oficial do Partido de que são deputadas, com uma visibilidade que nunca teriam se não tivessem essa qualidade.
Mas é evidente que isso nunca poderia suceder, se não fosse o oportunismo político do PS (primeiro em 1995, depois em 2005) em integrar no seu grupo parlamentar personalidades ostensivamente de direita, que nada compartilham com o património político e cultural do PS, como é o caso das duas referidas deputadas. O oportunismo político paga-se, cedo ou tarde. E ainda bem!

domingo, 4 de fevereiro de 2007

A grande manobra (2)

A manobra de mistificação de última hora dos opositores ds despenalização do aborto (ver post precedente) revela duas coisas: (i) que eles já não a acreditam na repressão penal como meio de impedir o aborto; (ii) que eles estão disponíveis para trocar a "defesa da vida", com que até agora tinham enchido o seu discurso, por uma operação do mais cínico oportunismo.
Na iminência de perderem o referendo, estão dispostos a tudo, desde que salvem o seu sectarismo moral. Coerência e escrúpulos, eis o que não abunda na hostes do "não".

A grande manobra

É oficial. Numa operação concertada, a frente comum dos movimentos do "não" e os dirigentes políticos com eles alinhados (incluindo Marques Mendes) vieram lançar uma grande manobra de mistificação do referendo, afirmado-se agora também a favor da "despenalização" do aborto. Ou seja, votar contra a despenalização seria, afinal, votar na despenalização!?
O aborto continuaria a ser crime, previsto e punido no Código Penal, como hoje. Só que, defendem agora, não haveria punição.
O que não dizem é o seguinte:
a) Como compatibilizar essa "despenalização" com o resultado do referendo, se o "não" vencesse (pois o que está em causa é mesmo a despenalização)?
b) Como explicar a ideia de um crime sem punição?
c) Como impedir as mulheres de "abusarem" do aborto (como dizem pretender), se deixar de haver a ameaça de punição?
d) Como justificar a manutenção do aborto na clandestinidade (pois ele continua a ser crime), se acham agora que ele não deve ser punido?

Espaço de manobra... perigosa

No passado dia 11 de Janeiro, a China lançou um míssil de médio alcance contra um seu satélite obsoleto. (...) Pequim agiu por razões estratégicas ligadas à crescente rivalidade com os EUA (...) Mas a verdade é que o teste chinês representa uma escalada perigosa e ameaçadora para todo o mundo(...) Todos os países dependem hoje do uso pacífico do espaço, enquanto só algumas potências têm a capacidade de militarizá-lo. Tal como na proliferação nuclear, será apenas uma questão de tempo até que outras lhes sigam o (mau) exemplo, com riscos catastróficos para todo o mundo.

Estes são extractos de um artigo meu publicado no COURRIER INTERNACIONAL em 2.2.2007. Pode também já ser lido na ABA DA CAUSA.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Estratégia da confusão

Em desespero de causa, os opositores à despenalização do aborto - que é o que está em causa no referendo -- também se dizem agora pela... "despenalização", à sua maneira, claro, ou seja, mantendo o aborto como crime! É isso que explico no meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, agora disponível na Aba da Causa.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Negócios da China II

Em 30 de Novembro de 2005 escrevi aqui, a propósito da visita do Primeiro-Ministro chinês a Lisboa e do embargo de armas da União Europeia sobre a China:
"a firme oposição do PE ao levantamento do embargo (e eu não me arrependo de ter trabalhado nesse sentido). Pelo menos enquanto não houver avanços significativos na protecção dos Direitos Humanos naquele país e um esclarecimento sobre a sorte das vítimas que sobreviveram ao massacre de Tien An Men, muitas até hoje desaparecidas, outras presas. (...)Os governantes chineses, com proverbial paciência, aguardam presidências [da União Europeia] mais favoráveis, disponíveis para a vergar numa questão que envolve ... negócios da China. Com os olhos em Portugal, que em 2007 assumirá a presidência da UE."
Depois de o MENE ter considerado os Direitos Humanos uma questão marginal nas relações com a China, o próprio Primeiro Ministro declarou que "há pontos que estão a ser trabalhados há muito tempo (...) esses pontos exigem negociação", como é o caso "do embargo da venda de armas."
Lembro que a presidência luxemburguesa em 2005 teve que pôr travões a fundo à ânsia de convencer os outros parceiros da UE a levantar o embargo de armas à China, por causa da pressão combinada dos EUA, do Parlamento Europeu e de dezenas de ONGs de Direitos Humanos.
Lembro que a situação dos Direitos Humanos na China continua desastrosa, com a Amnistia Internacional a assinalar a execução de quase 1.800 pessoas naquele país só em 2006, revoltas rurais a serem reprimidas de forma sangrenta e a censura do regime a asfixiar a livre troca de ideias até na internet. Mas acima de tudo, Pequim não dá sinais de querer revelar o que verdadeiramente aconteceu a centenas de mortos e desaparecidos na sequência do massacre de Tian An Men, nem de levar a cabo reformas políticas para pôr fim à ditadura que, apesar de alguns progressos no plano económico, continua de ferro no campo das liberdades civis e políticas.
Lembro que, quando o PM e o MENE afirmam que a posição de Portugal a este respeito "é a mesma da União Europeia", estão a omitir o facto de o Conselho Europeu estar profundamente dividido em relação ao levantamento do embargo.
Se estas declarações do PM e MENE indicam, como parecem, que a Presidência portuguesa da UE vai levar a cabo uma ofensiva diplomática a favor do levantamento do embargo de armas sobre a China, devem estar preparados para uma confrontação com o Parlamento Europeu, com ONGs de todo o mundo e... com os Estados Unidos. (E aí, mais com o Congresso, do que com a Administração).
Se, por outro lado, estas declarações não passarem de uma ofensiva de charme para chinês ver, então tudo isto é triste e pouco digno - e diz muito sobre uma visão de curto prazo e sem princípios da política externa.
Mas nada disto surpreende, sabendo-se como estão a ser geridos outros dossiers internacionais. E sabendo-se também que acaba de ser eliminada a Divisão de Direitos Humanos do MNE...
Não é preciso muito mais para demonstrar como o Primeiro Ministro está mal aconselhado em matéria de política externa.