quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Rankings escolares

O problema com os "rankings" escolares é que provavelmente as melhores escolas são feitas pelos melhores alunos, ou seja, os oriundos das elites sociais, com melhores condições de sucesso escolar, e que, muitas vezes, ainda seleccionam os seus alunos. A correlação inversa, entre as escolas menos bem classificadas e a origem social menos favorável dos alunos, também é em geral verdadeira. A escola que ficou mais bem classificada seguramente ficaria longe dos primeiros lugares, se tivesse os alunos da pior; e a escola com piores resultados daria uma grande salto na classificação, se tivesse os alunos da melhor.
Como habitualmente sucede, os comentadores puseram em relevo o domínio das escolas privadas no "top ten"; deveriam também assinalar a larga representação de escolas privadas entre as piores. Ao contrário do que pretendeu insinuar, não existe uma equação biunívoca entre escola de qualidade e escola privada.

Governo do Continente?

As questões colocadas pelo líder regional do PS da Madeira são inteiramente pertinentes. Primeiro, seria conveniente que o Estado, que transfere muitos milhões para o orçamento regional, dedicasse umas sobras ao devido investimento nos serviços do Estado na região. Segundo, não existe nenhuma razão para que o Governo da República abdique de dar visibilidade a esses mesmos investimentos, incluindo através da presença do PM ou de ministros na respectiva inauguração. O mesmo vale, de resto para os Açores.
Por um lado, os açorianos e madeirenses têm direito a serviços públicos estaduais tão bons como os do Continente. Segundo, apesar do reduzido número de serviços do Estado que subsistem nas regiões autónomas (entre eles os tribunais, as forças armadas, as forças de segurança, as universidades), o Governo da República ainda não se tornou o governo apenas do Continente...

Referendo (5)

Embora, a meu ver, o Tratado de Lisboa não deva ser referendado em si mesmo, ele mesmo proporciona a possibilidade de um referendo europeu a sério, ou seja, um referendo sobre a permanência de Portugal na UE.
De facto, o novo tratado permite agora a saída de qualquer Estado-membro da UE, a ser formalizada através de um acordo com a União. Portanto, depois de entrado em vigor o novo Tratado, pode ser convocado um referendo, cumprindo os requisitos constitucionais, com a seguinte simples e clara pergunta:
«Portugal deve sair da UE?»
De resto, é este o único referendo que merece haver sobre a questão, suprindo aquele que deveria ter existido aquando da adesão (mas nessa altura a nossa Constituição não permitia referendos). Referendar tratados de revisão da UE, como o Tratado de Lisboa, seria um sucedâneo pobre e democraticamente equívoco. Aliás, a generalidades dos opositores dos tratados de revisão são na verdade contra a UE.
Querem um referendo europeu? Então aí está o verdadeiro e genuíno referendo europeu!

Aditamento
Será a pensar neste referendo, que José Sócrates anda a fazer "fazer caixinha" sobre a questão? Se é assim, chapeau!

Aditamento 2
Entretanto, António Vitorino não exclui a opção de Sócrates por um referendo sobre a ratificação do próprio Tratado, embora sem adiantar em que termos.

Referendo (4)

Ao contrário do que matreiramente aqui se insinua, não existe nenhuma contradição entre o que escrevi aqui e aqui, pela simples razão de que existe uma diferença essencial de natureza jurídica e política entre o Tratado Constitucional e o Tratado de Lisboa, como mostrei aqui.
De resto, para ver o que tenho escrito sobre o referendo basta utilizar a função de pesquisa do Blogger (ali acima), com a palavra "referendo".

Referendo (3)

Por princípio, defendo que não deve haver referendos sobre leis ou tratados internacionais em si mesmos, cuja aprovação deve estar reservada à AR, à qual pertence o poder legislativo e o poder de aprovar tratados. Os referendos devem incidir sobre questões políticas concretas, a ser depois vertidas em leis ou tratados pela AR (se o referendo for positivo), como sucedeu com o referendo da despenalização do aborto.
Era esta, aliás, a filosofia constitucional do referendo entre nós, até que a revisão constitucional de 2005, tendo em vista o prometido referendo sobre o Tratado Constitucional de 2004 (que não veio a ser convocado), veio permitir referendos directamente sobre tratados respeitantes à UE.
Independentemente da minha discordância com esse regime especial (que não vale para outros tratados nem para as leis), penso que tal hipótese deve ser excepcional e que não faz sentido submeter a referendo tratados que, pela sua extrema complexidade, não permitam que a generalidade das pessoas possam inteirar-se sobre o que é que se decide no referendo, como é o caso, a meu ver, do novo Tratado de Lisboa (nesse aspecto assaz diferente do malogrado Tratado Constitucional, como mostrei aqui).
Trata-se de uma simples questão de seriedade democrática.
Aditamento
É evidente que já poderia fazer sentido um referendo, não sobre o tratado em si mesmo, globalmente considerado, mas sim selectivamente sobre as principais inovações políticas que ele traz à UE (embora não seja fácil fazer uma selecção destas...).

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Nem todos os tratados são iguais

Excerto do meu artigo de hoje no Público ("O tratado de Lisboa"), também transcrito na Aba da Causa:
«Não sendo propriamente uma reedição do Tratado Constitucional quanto ao seu conteúdo, o [novo] Tratado Reformador muito menos o é quanto à sua natureza jurídica e política, na medida em que se apresenta como uma simples revisão dos dois tratados vigentes, e não como uma refundição global dos tratados anteriores, como sucedia com o primeiro. Isso altera substancialmente tanto a sua compreensão, como o seu alcance jurídico».
Ao contrário dos gatos à noite, nem todos os tratados sobre a UE são iguais. E não são precisas grandes luzes para os distinguir...

Um pouco mais de rigor, sff.

Não é verdade, como se sustenta aqui, que o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) exija um racio de 1 professor doutorado para cada 30 estudantes em cada faculdade, pois tal requisito é exigível, sim, para cada universidade globalmente considerada. Por isso, na mesma universidade a abundância de doutorados numas faculdades pode compensar a escassez em outras.
Isso não quer dizer, porém, que cada curso não tenha de ter também requisitos mínimos de professores doutorados. Mas tais requisitos, a determinar nos termos estabelecidos para a acreditação de cada curso, podem ser inferiores à média acima referida.

Nem todas as greves são justas

É o caso da greve dos pilotos aéreos, uma das profissões mais bem pagas (para além dos "fringe benefits"), que visa manter regalias desproporcionadas em relação aos demais trabalhadores, como a idade de reforma antes dos 65 anos (para poderem acumular a reforma com o emprego noutras companhias) e um valor de pensões que os seus descontos para a segurança social não podem justificar.
Em vez de tergiversar com apelos ineficazes, o Governo deveria divulgar as remunerações e o valor das pensões em causa, para que a opinião pública pudesse tomar posição contra a chantagem social e política de uma pequena aristocracia profissional que quer conservar os seus privilégios injustos.

Quando a descentralização falha

«DECO alerta para elevadores perigosos em Lisboa e Porto».
E nos municípios menos dotados de meios a situação deve ser pior. A continuar esta situação, coloca-se a questão de saber se foi correcta a transferência desta competência para os municípios. O falhanço municipal nesta matéria pode descredibilizar a descentralização em questões de segurança.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O regabofe madeirense

«Com base na respectiva lei orgânica, proposta e aprovada pelo PSD, a Assembleia da Madeira (68 deputados) concedeu em 2006 aos grupos parlamentares e representantes únicos de partidos mais de cinco milhões de euros, montante praticamente ao nível do que a Assembleia da República disponibiliza para um total de 230 deputados e quase sete vezes mais que os 770 mil euros atribuídos pelo Parlamento dos Açores, com 54 eleitos. No entanto, tais verbas destinadas à actividade parlamentar têm sido transferidas para as contas dos partidos para cobrir despesas de funcionamento e financiar campanhas.» (Público de hoje, sublinhado acrescentado).
Comentários, para quê?!

Tratado (6)

A meu ver, não faz nenhum sentido – e constitui mesmo uma mistificação grosseira – condenar o Tratado de Lisboa como expressão do "neoliberalismo", pois os princípios e normas em que baseia a crítica antiliberal da UE pertencem aos tratados em vigor (nomeadamente o Tratado de Roma, de 1957, e o Acto Único Europeu, de 1987), tanto mais que as alterações do novo Tratado moderam alguns traços mais liberais e reforçam a dimensão social da União.
Seria o mesmo que os monárquicos criticarem uma revisão da Constituição portuguesa, não pelas alterações efectivamente introduzidas, mas sim por... não abolir a República!

Tratado (5)

Os que defendem o referendo sobre o Tratado de Lisboa já experimentaram lê-lo? E acham que algum cidadão comum consegue passar da segunda página?
Não será tempo de deixar de brincar aos referendos?

Quando dá gosto ver ganhar os liberais, mesmo de direita

«Polónia: Liberais infligem derrota pesada aos gémeos Kaczynski nas legislativas».
É um alívio. Problemática, porém, vai ser a "coabitação" do novo governo liberal com o reaccionário Presidente da República, cujo mandato se mantém até 2010, não sendo de esperar que este se demita, como seria curial, depois do seu envolvimento directo na sujíssima campanha eleitoral do seu partido. Dada a natureza "semipresidencial" do sistema de governo polaco, não são de augurar relações pacíficas.

Notários (2)

O Estado pode definir como exclusivos os actos privativos de cada profissão (por exemplo, os actos notariais), mas não está obrigado a considerar legalmente necessários certos actos profissionais nem, muito menos, a garantir a clientela de certas profissões.
A "desnotarização" de actos e negócios jurídicos da vida pessoal e empresarial (desde o reconhecimento de assinaturas à constituição de associações), constitui uma das mais virtuosas medidas da desburocratização e da simplificação administrativa.

Notários (1)

Segundo o Público de ontem «notários acusam o Estado de violar as regras da concorrência», por causa do programa "Casa Pronta", que permite a aquisição de casa sem intervenção de notário.
Independentemente do caso concreto, a verdade é que os notários não têm legitimidade para falar de concorrência. O notariado foi privatizado, mas sem concorrência na prestação de serviços notariais. Para isso, não deveria haver "numerus clusus" no acesso à profissão, nem limitação territorial da sua competência, nem fixação de honorários.
Se eu fosse Governo, procederia à efectiva liberalização dos serviços de notariado. Ou será que também há direitos adquiridos no proteccionismo profissional?

"Revolução constitucional"

Importei para a Aba da Causa o meu artigo da semana passada no Público sobre a "revolução constitucional" do novo líder do PSD.
O meu artigo de amanhã no mesmo jornal será sobre o Tratado de Lisboa.

domingo, 21 de outubro de 2007

Contenção institucional (3)

É evidente que o PGR pode ter todas as dúvidas sobre a constitucionalidade de qualquer lei que tenha de aplicar, incluindo sobre a norma que proíbe em termos absolutos e pune criminalmente a divulgação de escutas telefónicas, ainda que respeitem a processos penais já não estejam em segredo de justiça. Até concordo com ele nesse ponto (ver aqui e aqui).
O que, porém, não parece razoável é que, tendo ele o poder pessoal de requerer ao Tribunal Constitucional a respectiva declaração de constitucionalidade, venha discutir essa questão na praça pública. Se não quer assumir a responsabilidade de desencadear a fiscalização da constitucionalidade, deve limitar-se a cumprir a lei, como lhe compete como mandatário da República para a prossecução penal, arguindo penalmente os que violam a lei.

Contenção institucional (2)

Que o Ministério Público é uma magistratura hierarquizada e responsável, comandada pelo PGR --, tal é o que resulta da Constituição e da lei. Que a realidade não condiz bem com essa configuração --, bem se sabe, desde há muito.
No entanto, o papel do PGR não pode ser o de vir fazer queixas públicas sobre o "feudalismo" e os senhorios particulares dentro do Ministério Público, mas sim de fazer prevalecer a sua autoridade sobre a instituição e assumir a sua responsabilidade.

Contenção institucional (1)

O que é que leva pessoas normalmente sensatas a incorrerem em incontinência verbal, ainda por cima quando exercem cargos em que ela é especialmente censurável?
Quando um Procurador-Geral da República declara publicamente suspeitar de que está sob escuta telefónica, de duas uma: ou há algum fundamento razoável para essa suspeita, e então deveria ter procedido ao apuramento da situação; ou não há, e então trata-se de uma declaração leviana e irresponsável, pelo alarme e insegurança que cria nos cidadãos comuns acerca de escutas ilegais.
Em qualquer caso, não deveria ter trazido essa questão para público. Tendo-o feito, deve ao País um imediato esclarecimento satisfatório, sob pena de abalar seriamente a contenção e a responsabilidade com que deve ser exercido o cargo que exerce.

sábado, 20 de outubro de 2007

Por que não?

«Saúde: Associação Portuguesa de Hospitalização Privada quer que o Governo autorize faculdades medicina privadas».
Se preencherem os requisitos legais e "passarem" no escrutínio prévio da nova Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, por que não? Se o Estado não pode (ou não quer) investir mais no ensino de medicina nas universidades públicas, ao menos que deixe actuar o sector privado...

Pedir pouco

«A Câmara de Lisboa quer ter uma palavra decisiva sobre as alterações na rede de autocarros da Carris.»
E eu acho que a CML quer pouco. Ela deve reclamar a propriedade e a tutela da Carris, bem como o respectivo financiamento, obviamente, como sucede com demais municípios com transportes colectivos urbanos no resto do País...

Tratado (4)

Duvido das vantagens de alimentar um mistério sobre o modo de ratificação do novo Tratado da UE. Ou a questão já está decidida no sentido da ratificação por via parlamentar, dispensando o referendo, e então não há razão para adiar o anúncio da decisão (outros países já o fizeram); ou ainda não está fechada uma decisão sobre o assunto, e então... devia estar!

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Tratado (3)

Depois de ter rejeitado o Tratado Constitucional, em 2005, a França quer agora recuperar a honra europeia perdida, propondo-se ser o primeiro País a ratificar o Tratado de Lisboa.

Tratado (2)

Os críticos do novo Tratado, e os críticos da UE em geral, censuraram o facto de nesta cimeira só se terem discutido questões de pormenor, ou até marginais, deixando de lado as grandes opções da nova "constituição" europeia.
Mas a crítica não procede, pois tudo o resto tinha sido negociado na presidência alemã, acordado na cimeira de Bruxelas (que aprovou o "mandato") e burilado na presidência portuguesa. Os únicos problemas sobrantes eram, por isso, as tais "questões de pormenor". O que estava assente não precisava de discussão.

Tratado (1)

Acordo alcançado, novo tratado aprovado!
A UE acaba de superar o impasse institucional (se não houver nenhum percalço nas ratificações). Já não era sem tempo!

Impostos (3)

«Ainda não é possível baixar impostos» -- concordam Ferreira Leite e Pina Moura, dado que a situação orçamental ainda não o permite.
De acordo; mas se se atenua o ritmo de redução do défice (como parece ser o caso da proposta de orçamento para 2008), então vai-se adiando o momento em que se torne possível baixar impostos.

Impostos (2)

Apesar do aumento das receitas fiscais entre nós, fazendo elevar o seu peso no PIB (mesmo assim, sem figurar entre os países com maiores aumentos), a carga fiscal em Portugal continua bem inferior tanto à média da OCDE como sobretudo à média da UE.
Continua por isso a haver margem para uma contribuição da receitas para o equilíbrio das finanças públicas, mediante o seu crescimento acima do PIB.

Impostos (1)

Um relatório da OCDE ontem citado pelo Jornal de Negócios confirma o que de há muito se sabe, a saber, que em Portugal os impostos indirectos (onde avulta o IVA) tem um peso na receita fiscal muito superior ao da média dos Estados-membros da organização, respectivamente 39,3% e 31,9%. A mesma diferença se verifica quanto ao peso de tais impostos no PIB. Ao contrário, o peso dos impostos sobre o rendimentos (IRS) e sobre as empresas (IRC) é muito inferior à média da OCDE.
A explicação está tanto nas taxas elevadas dos impostos indirectos entre nós como nas numerosas deduções e isenções, bem como na evasão fiscal, no caso dos impostos sobre o rendimento. Basta pensar nas baixas taxas de tributação efectiva dos rendimentos do capital, das profissões liberais e da generalidade das empresas.
Desse modo, o nosso sistema fiscal deve estar entre os menos equitativos da OCDE, dada a implícita regressividade do IVA e a baixa progressividade real do IRS entre nós.
[revisto]

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

"Delinquência jornalística"

Numa entrevista ao Jornalismo & Jornalistas, o jornalista Manuel António Pina declarou (tal como citado aqui): «Continua a haver muito corporativismo no jornalismo, não há uma condenação profissional da classe em relação aos jornalistas que agem mal. É preciso ter-se a coragem de romper com isto e denunciar a delinquência profissional».
Porém, como se viu na campanha contra o regime de disciplina profissional dos jornalistas, há quem entenda que não há nenhuma "delinquência", ou que ela deve continuar impune.

Correio da Causa: Ordens profissionais

«É altura de o Estado se capacitar que já não é um Estado Corporativo. Como tal, não pode haver instituições que são, simultâneamente, associações privadas (de profissionais) e organismos (profissionais) públicos.
Ou uma coisa, ou outra. As duas coisas têm que ser separadas. As associações privadas não podem ao mesmo tempo fazer o papel de organismos públicos, e ser abençoadas e protegidas pelo poder do Estado.
Tem que haver uma separação clara e total entre o Estado, que é um regulador, e as associações (profissionais ou outras), que são grupos de pressão mas que não têm qualquer poder.»

Luís L.