segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Centenário da República (1)

Na cerimonia inaugural de ontem no Porto, foi incluída entre os discursos oficiais uma oração por um capelão das Forças Armadas. Tendo em conta que uma das grandes conquistas da República foi separação entre o Estado e a religião, o mínimo que se pode dizer é que se tratou de uma iniciativa despropositada e de mau gosto.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

PIGS

A situação das finanças públicas em Portugal, quando ao défice e ao endividamento, não é seguramente tão grave como a da Grécia, pelo que a correcção orçamental até 2013 pode ser menos dolorosa. Porém, como aqui se mostra, a situação não é muito menos grave no que se refere à incapacidade da economia nacional de gerar excedentes e poupança suficiente. Não são só os défices públicos que têm de ser financiados com empréstimos do exterior.
Claramente estamos a viver acima das nossas possibilidades...

Pensões

Em consequência do prolongamento do tempo de vida -- que aumenta o custo médio das pensões e diminui a relação entre pessoas activas e pensionistas --, são cada vez mais os países que elevam a idade de reforma, de modo a assegurar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões. Agora é em Espanha que se pensa subi-la para 67 anos (dos actuais 65). Em Portugal ainda está em curso o processo de equiparação da idade de reforma dos funcionários públicos (dos 60 para os 65 anos).

Agências de notação de crédito ...em total descrédito!


Eu estava a começar a adormecer e sobretudo não estava nada a pensar pôr-me a escrever aqui, a esta hora (mais uma que Lisboa, em Bruxelas).
Mas um comentário a palavras do Ministro Teixeira dos Santos no Telejornal da meia-noite da SIC-Noticias indignou-me, pela manifesta parcialidade. A roçar a desonestidade.
A peça começa com uma referência às palavras "violentas" com que o Ministro reagiu sobre as apreciações negativas relativamente ao OE, emitidas pela Moody's. Aparece o Ministro a lembrar que o crédito das chamadas agências de notação de crédito é mais do que duvidoso - afinal, diz o Ministro, elas são principais responsáveis por várias apreciações erradas que estão na base da grave crise financeira que todo o mundo vive.
Logo a seguir, entra um jornalista/economista encartado a fazer o contraponto ao Ministro e a explicar quem são, afinal, as tais agências de notação de crédito: são os especialistas que avaliam a capacidade de reembolsar os empréstimos pedidos pelos países, tal como os que existem nos bancos com a competência para avaliar se cada um de nós podemos pagar o emprestimo que pedimos para pagar as nossas casas.
Ficou-se por aqui, o comentário do jornalista/economista. Ou pelo menos, a peça passada na SIC-Noticias. Sugerindo que o Ministro está errado, que a sua irritação e "violência" verbal são despropositadas. E que os diligentes avaliadores da Moody's são gente séria e competente.
Ora, e se quem fez esta peça da SIC-Noticias fosse lamber sabão ou antes passasse a ler relatórios das mais insuspeitas proveniências e o basicozinho "Financial Times" para notar, por exemplo, o que diz o respeitado Martin Wolf: "É um escândalo que o modelo de pagamento para as agencias de notação de crédito não tenha sido mudado. Elas deviam ser pagas por agentes dos compradores, não dos vendedores. Mais importante, o papel regulador das notações deveria ser eliminado pura e simplesmente. Elas não têm credibilidade, nesta matéria. O meu ponto de vista é que, quando muito, elas são um persistente indicator do que está errado no mercado. Na pior das hipóteses, elas estão activamente a enganar".
De facto, ao contrário do que sugere a peça da SIC-Noticias e muitos outros candidatos a cangalheiros da economia nacional que para aí estão a ulular, o Ministro tem carradas de razão: as tais agências de notação de crédito como a Moody's, a Fitch e a Standard and Poor's não têm hoje a mais pequena ponta de credibilidade, depois de ter ficado claro que davam as notações mais altas a bancos, companhias e países que, afinal, não os mereciam, como se veio a descobrir com o eclodir da crise, a partir da queda do Lehman Brothers em 2008. E davam essas e outras notas sem base em avaliação séria e não apenas por incompetência. Muito pior: por falta de imparcialidade e idoneidade - davam notas mais altas a quem lhes pagava mais! A promiscuidade era total.
E o pior é que continua a ser!
Por isso a regulação e supervisão financeiras são urgentes e têm de incluir a disciplina, a responsabilização e a punição desta corja mercenária de pseudo-especialistas que se armam em avaliadores da capacidade de endividamento de países. Uma corja que continua a fazer mossa, porque há comentadores politicos e economicos palermas, ignorantes ou mal-intencionados que continuam a ... dar-lhes crédito!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Haiti: abutres a aproveitar-se da desgraça?


A catástrofe no Haiti está a gerar uma impressionante onda de solidariedade à escala global. Para além das doações e dos voluntários, há até quem se disponibilize para adoptar crianças tornadas órfãs pela tragédia.
As intenções podem ser as melhores. Mas vejo com muita preocupação estes relatos de adopções internacionais 'expresso', numa situação em que as instituições de controle, nacionais e internacionais, não estão operacionais.
Para impedir um escabroso "Arche de Zoe" haitiano (a lembrar o triste episódio no Chade, em que abutres pilhavam crianças a pretexto de que eram órfãos do Darfur), é necessária extrema precaução e vigilância para não permitir que os "lobbies" sem escrúpulos que exploram a adopção internacional possam tirar partido do caos que se vive em Port-au-Prince.
É imperativo verificar que a UNICEF, ONGs internacionais e os media controlem e verifiquem que as crianças transferidas para o estrangeiro são realmente órfãs e que está no seu interesse serem entregues a uma família adoptiva fora do seu país e da sua comunidade. E é preciso que o processo seja feito em conformidade com a Convenção de Haia e que fique registado para posterior acompanhamento da evolução e condições de vida dessas crianças.

A UE no Haiti


O Parlamento Europeu debateu ontem o que a UE faz, e devia fazer, para ajudar a população haitiana.
Foi interessante ouvir a Alta Representante Ashton referir que se está a considerar o envio de um destacamento da EUGENDFOR , uma força multinacional europeia composta por polícias para-militares, para a qual Portugal contribui com elementos da GNR. Uma força que tem estado desaproveitada.
No Haiti falta tudo, incluindo a segurança, condição indispensável para o trabalho humanitário.
Apesar de se compreender, num primeiro momento, o envio de meios essencialmente militares para lidar com a situação de segurança no país num contexto de urgência, já que ninguém consegue superar os militares (americanos) na rapidez de projecção de forças e material, será necessário substitui-los gradualmente por forças policiais e/ou para-militares. E ninguém está melhor preparado para as tarefas de policiamento em situação de crise humanitária aguda do que a EUGENDFOR.

Entra Comissária, sai comiserada...


Estive ontem na audição do Parlamento Europeu de Cecilia MALMSTRÖM (na foto acima), designada pela Suécia para Comissária Europeia.
A quem Barroso tenciona entregar, a meias com a luxemburguesa Viviane REDING, o antigo pelouro JAI (Justiça e Assuntos Internos), ficando responsável pelas áreas dos Assuntos Internos, o que inclui as políticas de imigração e de asilo, luta contra terrorismo e crime organizado, equilibrio entre segurança e direitos fundamentais, incluindo protecção de dados, política de vistos, espaço Schengen, etc. - tudo áreas a "lisbonizar" (de Tratado de Lisboa) doravante, nos termos do chamado "Programa de Estocolmo", recentemente aprovado no PE.
Dos seis candidatos a Comissário cujas audições acompanhei (Ashton, Füle, Piebalgs, Reding, Jeleva e Malmström), a candidata sueca (que vem da família política Liberal) foi de longe quem mais impressionou pela qualidade da sua prestação, incluindo visão estratégica e as doses certas de determinação e voluntarismo (bem necessárias para termos comissários políticos e não buro/tecnocratas). Claro que já a conhecermos, ajudou - além de ter feito a recente presidência sueca como Ministra para os Assuntos Europeus, ela foi membro do PE até 2007 e quem se interessa por direitos humanos, como eu, deu por ela.
À hora em que a Comissão das Liberdades Cívicas do PE reunia para aprovar MALMSTRÖM com distinção, chegava a notícia (que eu esperava): a comiserada "jelek" JELEVA retirava a candidatura. Apesar do Presidente Barroso ainda na véspera lhe ter reiterado a sua confiança, não obstante o veredicto negativo da Comissão de Desenvolvimento do PE.
Já vem outra búlgara a caminho, Kristalina GEORGIEVA, com audição marcada para dia 3 de Fevereiro. Desta vez parece que é para valer - colegas búlgaros garantem que é excelente e até de amigos de Washington (ela vem do Banco Mundial) estou a receber mensagens a enaltecer-lhe as qualidades. Um até me diz que com esta jogada, Borisov, o antigo guarda-costas do ditador Jivkov que hoje ocupa a presidêcia em Sófia, mata dois coelhos de uma cajadada - mandando-a para Comissária, livrar-se-á de potencial concorrente.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Alegre

Como declarei publicamente há várias semanas, a candidatura presidencial de Manuel Alegre era um dado adquirido. Quase tão inevitável parece o apoio oficial do PS, mesmo que contrafeito, à candidatura do seu desavindo militante. Se há cinco anos Alegre surgiu contra o candidato oficial do seu partido, capturando boa parte do seu eleitorado, desta vez antecipou-se, retirando espaço de manobra ao PS. Agora seria Sócrates a assumir a responsabilidade de fraccionar o partido e dividir o seu eleitorado.
Quer isto dizer que o PS se deve pura e simplesmente render sem condições ao avanço unilateral "potestativo" de Alegre? Não é crível que assim seja. Parece fácil antecipar que o PS só pode "engolir o sapo" em contrapartida de um compromisso de Alegre no sentido de moderar o seu óbvio "gaullismo" presidencial  (que leva consigo o risco de uma inaceitável deriva presidencialista, que o PS sempre combateu), a moderar a sua hostilidade contra os rumos da integração europeia  (que as suas críticas ao Tratado de Lisboa e ao mercado interno revelam) e a atenuar a sua oposição à modernização social-democrata da teoria e da prática política do PS (que o levou a uma afinidade electiva com o Bloco de Esquerda).
Um partido responsável não pode abdicar de "red lines" nesta matéria, sob pena de oportunismo.

De dentro da UE (2)

"Renúncia de candidata búlgara «não afecta» Durão Barroso".
Não é bem assim. Se é verdade que os candidatos a comissários são indigitados pelos governos dos Estados-membros -- no caso o governo de direita búlgaro --, não é menos certo que é o Presidente da Comissão que forma a equipa, distribui os papeis e define os pelouros, cabendo-lhe igualmente "treinar" os seus subordinados para o embate com o Parlamento.
Por isso, o "chumbo" de Jeleva, que é nada menos que ministra dos Negócios Estrangeiros do seu País, não é somente uma derrota para o seu Governo e para o PPE -- a que pertence o partido governamental búlgaro --, mas também um revés político para Barroso. Ao contrário do que sucedeu há cinco anos com o italiano Butiglione, afastado por declarações politicamente inadmissíveis, desta vez a rejeição de Jeleva fundou-se em pura incompetência para o lugar que lhe foi atribuído. Por Barroso.

De dentro da UE

O abandono da controversa candidata búlgara a comissária europeia era obrigatório quando se tornou claro que iria ser rejeitada pela Comissão parlamentar competente, por manifesta incompetência.
Pela segunda vez consecutiva -- há cinco anos com Butiglione, agora com Jeleva --, o Parlamento Europeu tornou claro que embora não tenha poderes formais vetar candidatos individuais -- visto que só há voto sobre a Comissão em conjunto --, nenhum deles pode pensar em manter-se contra o Parlamento.
Assim se constrói a democracia parlamentar europeia.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Sintra em causa

A avaliar por este artigo no Público de hoje, do jornalista José António Cerejo, há quem se amofine por eu e os outros vereadores socialistas da Câmara de Sintra fazermos o nosso trabalho, em defesa dos interesses dos munícipes de Sintra.
Há quem leve a mal que os vereadores socialistas de Sintra tomem a iniciativa de pedir audiências a membros do Governo para os sensibilizar para o cumprimento das obrigações e promessas governamentais relativamente a Sintra e aos sintrenses.
Mas quem leva a mal, só pode ser porque nada faz - e nada fez - por ver satisfeitos os interesses de Sintra e dos sintrenses.
Quem, por exemplo, não põe pressão sobre o Governo para que construa centros de saúde e o Hospital de Sintra e para que garanta já neste Orçamento do Estado para 2010 o financiamento necessário (sendo entendimento de que cabe à Câmara Municipal de Sintra disponibilizar entretanto o terreno).
Quem não tem interesse em pressionar e articular-se com a CCDR-LVT, com o Ministério do Ambiente e com outras autoridades, para pôr cobro à proliferação de depósitos de inertes e de sucatas ilegais no Concelho de Sintra, com evidente prejuízo para o Estado e para a saúde e a qualidade ambiental dos sintrenses.
Eu e os outros vereadores socialistas na CMS levamos a sério o mandato para que fomos eleitos. Não somos de cruzar os braços e ficar à espera, passivamente. Não somos de nos resignar.
Nem somos de dissuadir, nem de intimidar, com tonterias pseudo-autoritárias.
Não somos, por exemplo, de nos conformar com respostas inaceitáveis como aquela que me foi dada pelo Presidente da Câmara de Sintra, quando em reunião de Câmara, em Novembro passado, perguntei que diligências havia a Câmara feito para acabar com o depósito ilegal de inertes que transformara um vale junto a Serra da Carregueira, em Belas, numa monstruosa lixeira. Obtive então do Dr. Fernando Seara a curiosa resposta (está em acta) de que o assunto era "de Estado", que lhe havia sido pedida confidencialidade e, portanto, que não contasse com ele para violar a confidencialidade do Estado.
Questionado logo nesse mesmo dia por mim, o Estado (CCDR-LVT e Ministério do Ambiente) foi lesto a negar que houvesse "segredo de Estado", a prestar informações sobre o que havia sido feito (pouco, muito pouco) e a ordenar uma inspecção da IGAOT.
Nada como continuar a lembrar ao Estado que estão em causa também directivas europeias. Foi isso que os vereadores socialistas de Sintra fizeram. Representando não a Câmara Municipal de Sintra, mas a si mesmos e aos cidadãos que os elegeram.
Que os vereadores socialistas o tenham feito prejudica a autoridade da Câmara? Prejudica o interesse dos sintrenses? Evidentemente que não.
O que amofina quem se amofina é que os vereadores socialistas estão a fazer, o que a Câmara de Sintra não faz e devia fazer.

Jelek Jeleva

Jelek significa mau, sem qualidade, negativo em língua indonésia.
É o que me ocorre para qualificar a prestação da designada Comissária búlgara, como já aqui expliquei.
É o que me ocorre também tendo em atenção o currículo da senhora Rumiana Jeleva: é que acabo de notar que ela foi deputada no Parlamento Europeu entre 2007 e 2009. E, coisa extraordinária, ate era membro das duas Comissões em que eu mais trabalhei - Assuntos Externos e Segurança e Defesa. Ora nunca a vi lá, nunca dei por ela, nunca a ouvi dizer nada, nem bom, nem mau! Nem me lembro de um só relatório dela, ou de emendas que tenha apresentado às dezenas de relatórios em que trabalhámos nesses dois anos. Possivelmente passava na Comissão para assinar e depois ia à sua vida... Enfim, um género de deputar que nada tem a ver comigo.
Um género que nada tem de búlgaro também - totalmente diferente foi a notada e excelente prestação do seu colega Nickolai Mladenov (hoje Ministro da Defesa da Bulgária), com quem trabalhei intensamente e de quem fiquei amiga, apesar da diferente cor partidária (ele, tal como a Jelek Jeleva, também é do PPE).

São e salvo, de Timor ao Haiti

David Wimhurst, o canadiano que fala português e que foi o inintimidável porta-voz da UNAMET, a extraordinária missão da ONU que organizou o referendo em Timor Leste em 1999. Voltei a abraçá-lo em Díli, em Agosto passado, nas celebrações dos 10 anos do referendo.
Hoje vejo-o citado na imprensa internacional, sobre os mortos e feridos da ONU no Haiti.
David, o corajoso, continua em forma, sempre a trabalhar, desafiando a sorte. Sobreviveu à fúria das milícias em Díli, sobreviveu à fúria do planeta em Port-au-Prince.
Ah grande David, um abração forte, amigo e aliviado!

Twittando

Twittar pode salvar vidas, aprende-se com o terramoto no Haiti.
Eu, que tinha posto de lado o Twitter ao dar por encerrada a campanha eleitoral de Sintra, vou entao recomeçar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Comissão Barroso II

Escrevo numa altura em que já foram ouvidos pelo Parlamento Europeu vários dos 26 comissários indigitados pelos Estados Membros e distribuídos por pastas pelo Presidente Barroso.
Com poucas excepções - Joaquín Almúnia, na Concorrência, Karel de Gucht, no Comércio Internacional e Michel Barnier (Mercado Interno) - ninguém impressionou muito positivamente. Longe disso.
Alguns candidatos, como Viviane Reding (Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania), são claramente competentes e sabedores, mas responderam à maior parte das perguntas com lugares comuns e generalidades. Outros, como Olli Rehn (que apreciei na Comissão Barroso I, na pasta do Alargamento e que agora fica responsável por questões económicas e monetárias), parecem agora lobotomizados, incapazes de exprimir uma ideia autónoma, um esboço de estratégia. Há uns, como Stefan Füle (Alargamento e Política de Vizinhança) que demonstraram solidez e faro político, mas sem se atreverem a apresentar uma visão convincente para a sua área de responsabilidades.
Sobre a Alta Representante Ashton já aqui escrevi: deixou uma impressão de capacidade e abertura, mas não entusiasmou ninguém.
Quem se distingue decisivamente de todos os outros candidatos é Rumiana Jeleva, indigitada para as áreas da Cooperação Internacional, Ajuda Humanitária e Resposta a Crises. Não só está fragilizada pela opacidade dos seus interesses financeiros e pelas ligações do marido, que a imprensa descreve como "mafiosas", como revelou diante do Parlamento Europeu ser completamente desadequada para a posição. Durante as três penosas horas da sua audição, ontem, Jeleva demonstrou à saciedade que não percebe nada das suas áreas de responsabilidade e que é incapaz de articular um argumento coerente... Impensável vê-la a superintender, por exemplo, a operação de ajuda face à catástrofe no Haiti (felizmente que a burocracia europeia não está à espera e a operação já está em curso), ela que ontem mostrou nem sequer saber que o que é, onde fica... o Golfo de Aden!
O cenário desta Comissão II é preocupante. Os candidatos parecem ter instruções para revelarem o menos possível sobre prioridades, visões políticas e aspirações. A maior parte das audições são exercícios estéreis em que os deputados fazem perguntas de substância, para receberem sistematicamente respostas vagas e vazias, tanto do ponto vista político, como da substância. Talvez haja recomendações do Presidente Barroso, que, traumatizado pela humilhação de 2004 - quando o Parlamento impôs a retirada do reaccionário Buttiglione e uma reafectação parcial das pastas - quererá evitar atritos e situações delicadas.
Pois ficou bem pior a emenda do que o soneto. A procissão ainda vai no adro, ainda há candidatos para apreciar, mas a confirmar-se a tendência, Barroso vai ter que fazer mudanças para convencer o Parlamento Europeu a aprovar a Comissão.
Mas não é justo responsabilizar exclusivamente Barroso, que é obrigado a jogar com a "matéria prima" que as capitais lhe enviam. Muitas delas, aparentemente assustadas com o reforço dos poderes da Comissão e do Parlamento que resulta do Tratado de Lisboa, fazem o que podem para enfraquecer a Comissão, mandando gente mal preparada e sem visão política.
A Europa merece melhor.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Como era de esperar...

"Cedências na Educação abrem nova frente de guerra na Função Pública".
Só a imprudência poderia ignorar os "efeitos colaterais" das cedências aos sindicatos dos professores, com os correspondentes efeitos financeiros. Como aqui se tinha advertido...

Ai o Haiti! Ai, ai,ai!

Não bastava já tudo o resto, pobres gentes do Haiti! 100.000 mortos é a previsão mais conservadora!
E todos os expatriados que lá se encontravam a tentar ajudar! Como centenas de militares e civis brasileiros. Como o tunisino Hedi Annabi, o chefe da missão da ONU, com quem trabalhei no Conselho de Segurança e que dizem estar morto. Mais um servidor da ONU morto - vem-me o Sérgio à memória, a morrer lentamente nos escombros em Bagdad.
Mais um? Dezenas, provavelmente centenas, da ONU, da UE... Preparo-me para mais noticias tristes sobre amigos e conhecidos.
Mas nada prepara para a crueldade das imagens de dor e destruição que a TV nos traz casa dentro. Vem-me à cabeça que temos tido sorte em Lisboa. Vem-me à cabeça o que aprendi sobre preparação para terramotos em Tóquio. E sobre os efeitos devastadores depois, os fogos que se seguem, o caos sobretudo para onde nada se previu ou preparou.
A TV começa a mostrar a devastação no Haiti, a uma escala inimaginável. Como ajudar? É imperioso ajudar!
Mas tirem-me da frente o gringo evangelista que agradece ao Pai do céu. É por estas e por outras que eu cada vez fico mais ateia.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Ashton - a MNE da UE

Não gostei de tudo o que disse a Baronesa Ashton, na audição de hoje no PE.
Nem, sobretudo, do que não disse (por exemplo, a ausência de um tímido acto de contrição pelo apoio à invasão do Iraque - "apoiei, baseada na informação então disponível, "there you are!").
Em matéria de Segurança e Defesa meteu um bocado de água, sabe pouco ainda. E quando não sabe, defende-se com as teses "bifes" - que não defendem, expõem os paus nas rodas que o RU tem metido na engrenagem (por exemplo, a posição reticente contra um QG único para missões de segurança e defesa comuns...)
Ela até respondeu razoavelmente à minha pergunta sobre o Irão. E revelou ser aplicada, ter estudado bem a lição desde que veio pela primeira vez, em Dezembro.
Quanto aos valores e principios, que bastamente evocou, deu-me a sensação de autenticidade, a sugerir que quando dominar os assuntos vai tomar posição pelo que interessar à Europa, mesmo que isso implique convencer/tirar o tapete a Londres.
O que mais me agradou foi a sua atitude - a de resistir, com compostura mas tenacidade, aos ataques da direita conservadora britânica, procurando por em causa o seu percurso de militante pelo desarmamento nuclear (como se os mesmos caretas tivessem ousado chatear o Dr. Barroso pelo seu passado marxista-leninista-maoista!...), e ainda sendo capaz de lhes mandar umas escadas abrangentes.
E a sua atitude honesta, sem pretender saber tudo arrogantemente (à la Mandelson), levianamente (à la Blair), displicentemente (à la Bilt).
E a sua capacidade de diálogo, de ouvir, de abertura, de vontade de interagir democraticamente com o PE.
Não sei explicar, mas fiquei com a sensação de que temos mulher. De que a Cathy Ashton pode crescer no novo posto de MNE (chamem-lhe o que quiserem) ao serviço da UE.

Cabinda - quem ataca quem?

Um grupo rebelde da FLEC desencadeou um ataque em Cabinda que mandou logo ao fundo a reputação que Angola queria ganhar com a organização do CAN.
Estive em Luanda há um mês e vi a euforia sobre o CAN que o regime cultivava mas que estava realmente disseminada na sociedade. E por isso estou solidária com todos os angolanos que agora se sentem golpeados. Mas é altura de os convidar a reflectir. Afinal, quem ataca quem? Quem alimenta e dá pretextos a estes flecs-flacs?
Foi um ataque incompetente, conforme foi admitido pelos próprios organizadores de opereta, que acertaram nos jogadores togoleses, em vez de na segurança angolana que os escoltava. Um ataque incompetente, da treta, mas certeiro a deitar abaixo a auto-confiança dos angolanos.
Uma auto-confiança que, frequentemente, entre a nomenclatura do regime assume foros de arrogância. Uma arrogância que cega e a impede de ver que há problemas a resolver em Cabinda - como documentei aqui no blogue, na reportagem que publiquei sobre as eleições em Cabinda em Setembro de 2008, que observei como membro do PE.
E o mais irónico é que voltei com a convicção de que os problemas que Luanda tem a resolver em Cabinda são resolvíveis - com uma fracção de investimento em Cabinda dos rendimentos de petróleo gerados... em Cabinda.
Investimento sério, em serviços básicos de que a população tem falta. Investimento sério, no respeito pela dignidade, diversidade e liberdade de expressão e informação dos cabindas. Investimento sério no diálogo com quem verdadeiramente representa e sente os cabindas e não fantoches manipulados - tanto como os outros, que ora atiram pela flec, ora chutam pela flac.... Investimento sério na participação política dos cabindas na governação de Cabinda e de Angola.
Só espero que, passado o CAN, este triste incidente tenha consequências políticas am Luanda.
Os angolanos (cabindas incluidos) merecem mais responsabilidade e menos arrogância.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Desvio da função presidencial

Na sua entrevista ao Expresso -- claramente uma entrevista de um pré-candidato -- Manuel Alegre não podia ter mais razão quando defende que o activismo de Cavaco Silva na confrontação com o Governo quanto à orientação política deste tem dois efeitos nefastos. Por um lado, desvia o Presidente das suas funções próprias de supervisão e moderação do funcionamento da instituições. Por outro lado, retira espaço e iniciativa à oposição partidária e parlamentar, em particular, por sinal, ao PSD...

Erro de análise

Não concordo com os que dizem que o rápido acordo entre o Ministério da Educação e os professores revela que se perderam quatro anos em conflito na questão da avaliação e da carreira docente. É evidente para mim que o acordo só foi possível justamente porque a anterior Ministra fez valer a sua determinação num regime exigente quanto a essas matérias.
É certo que para obter a concordância dos sindicatos, o actual Ministério recuou em muitos pontos importantes do regime vigente (abolição da divisão da carreira docente, simplificação da avaliação, abertura do acesso ao topo da carreira, etc.); mas os sindicatos tiveram de aceitar aquilo que antes sempre recusaram, designadamente uma avaliação com consequências na carreira e quotas para as classificações mais elevadas. Nunca o teriam feito antes. Nem agora o fariam, se a alternativa não fosse a manutenção do sistema que Maria de Lurdes Rodrigues tenazmente impôs. Não se perdeu tudo...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Fora do coro

Não acompanho a congratulação geral pelo acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores. Quando se cede em quase tudo, como sucedeu do lado governamental, é fácil concluir acordos. Quando se busca "a outrance" a concordância dos interessados, é sempre a parte pública que perde.
Com o acordo, quase todos os professores chegam ao topo da carreira com o decurso do tempo, mesmo os que nunca passem do mediano e corriqueiro "bom" na avaliação, o que não tem paralelo em nenhuma outra carreira no sector público (muito menos no privado evidentemente). É como se todos os militares tivessem garantida a chegada a general, ou todos os funcionários públicos a subida a assessor principal.
É evidente também o forte impacto deste regime sobre as finanças públicas e sobre o sistema de pensões, numa época em que a contenção da despesa pública vai estar na ordem do dia nos próximos anos.

Hostilidade

A habitual hostilidade do Expresso em relação a José Sócrates pode revestir aspectos verdadeiramente destemperados, como quando na edição de hoje considera "autoritarismo" a imposição de disciplina de voto na exclusão da adopção no caso dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Sucede, primeiro, que a disciplina de voto é um facto normal numa democracia parlamentar (a ainda mais num governo minoritário); segundo, e mais importante, acontece que Sócrates se limitou a lembrar que o grupo parlamentar do PS estava politicamente vinculado pelo explícito compromisso eleitoral nesse sentido!...
Quando se quer dizer mal, vale tudo.

Incosntitucionalidades

Não considero existir nenhuma inconstitucionalidade na decisão que reconhece o casamento entre pessoas no mesmo sexo, excluindo porém a possibilidade de adopção.
Desde há muito defendo que, embora a Constituição só garanta directamente o casamento de pessoas de sexo diferente (pelo que o Código Civil não era inconstitucional), não impede contudo que a lei o estenda a pessoas do mesmo sexo, como ontem se decidiu.
Sendo a lei livre para o reconhecer, também é livre quanto aos termos em que o pode fazer, excluindo o direito de adopção, diferença de tratamento que só seria ilegítima se fosse arbitrária, o que a meu ver não é o caso.
Tal como os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo não tinham razão quando consideravam inconstitucional a reserva de casamento para pessoas de sexo diferente (por alegada discriminação de género), também os defensores do direito à adopção por cônjuges homossexuais não têm razão quando consideram inconstitucional a sua exclusão. Num caso e noutro, isso cabe na margem de decisão do legislador.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Acordo entre Ministério da Educação e Sindicatos

Passa pouco da uma da manhã e acabo de ouvir as notícias de que, ao fim de uma maratona de 15 horas de negociação, a Ministra da Educação e a maioria dos Sindicatos dos professores terão chegado a acordo.
Se assim é, estamos todos de parabéns: a Ministra Isabel Alçada e os Sindicatos, antes de mais. Mas também os professores, os pais e, sobretudo, os alunos.
Mas há uma coisa que teremos ainda de esclarecer: a Ministra diz que nem todos os professores chegarão ao topo da carreira, dependendo a progressão da classificação e outros factores de avaliação. Julgo tê-la ouvido dizer que só 1/3 chegarão ao topo.
Mário Nogueira da FENPROF, que agora vejo na TV em conferência de imprensa, insiste que a progressão até ao topo está assegurada para todos os professores, nem sequer, a restringe já só aqueles que tenham classificação de BOM.
Em que ficamos? Amanhã veremos, pelo que tiver sido escrito no acordo.
Mas sobre o que pretendia Mário Nogueira para os professores não restam dúvidas: não era carreira; era circuito de aviário.

Professores - carreira ou circuito aviário?

Esta tarde, enquanto duravam as negociações entre a Ministra da Educação e os sindicatos dos professores, escrevi o seguinte texto, que só agora tenho oportunidade de aqui publicar:

"A FENPROF está a esticar demasiado a corda nas negociações com a Ministra da Educação, com a tese absurda de que todos os professores classificados com BOM devem ter garantido chegar ao topo da carreira docente.
Onde é que se já viu uma carreira, digna de ser considerada como tal, em que todos os funcionários classificados com BOM (leia-se cumpridores q.b., sem especial zelo ou especiais capacidades) têm automaticamente garantida a progressão até ao topo?
Uma carreira profissional parte do pressuposto que a experiência, a tarimba, acrescenta à qualidade. Mas só antiguidade não basta – é preciso provar/verificar ciclicamente que há mereceimento acrescido. E é preciso medir, tanto quanto possível, o merecimento relativo – que o tempo e as experiências vão alterando.
O que seria das nossas magistraturas se todos os procuradores e juízes classificados com BOM tivessem por garantido chegar a Procurador-Geral Adjunto e Juiz-Conselheiro?
O que seria das nossas Forças Armadas se todos os militares classificados com BOM tivessem por garantido acabar em generais ou almirantes de 3 estrelas?
O que seria da nossa diplomacia se todos os funcionários classificados com BOM e MUITO BOM tivessem por garantido chegar a embaixador? Na categoria de “embaixadores” há, salvo erro, 27 vagas, para um universo de cerca de 500 diplomatas – o que determina que a maioria dos funcionários diplomáticos acabe a sua carreira na categorias de “conselheiro” e “ministro plenipotenciário”, mesmo tendo a classificação de MUITO BOM.
Se a Ministra abrisse mão e aceitasse que todos os professores classificados com BOM chegavam automaticamente ao topo estaria a abrir um precedente insustentável - estaria em causa o principio da igualdade entre as diferentes carreiras do Estado. Porquê o privilégio dos funcionários de uma em desfavor dos das outras?
Uma carreira em que todos têm garantido chegar obrigatoriamente ao topo não é uma carreira – é um circuito de aviário".

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Vítor Constâncio - "too big to fail?"

Foi uma magistral lição de mais de hora e meia, a que o Dr. Vítor Constâncio, Governador do Banco de Portugal, deu no Seminário Diplomático. Sobre a evolução da crise, a comparação das crises, as causas da crise, a comparação da crise por país, por indicativo económico, etc....
Eu, que tenho lido tudo o que posso sobre a crise, confesso que aproveitei. E ouvi comentários muito apreciativos dos meus colegas diplomatas.
Mas ficaram duas questões a martelar-me na cabeça:
1. porque é que o catedrático Dr. Vítor Constâncio não é rapidamente chamado a "briefar" o seu antigo colega do Banco do Portugal, hoje residente em Belém, para ver se se põem de acordo sobre a gravidade da crise e, já agora, na identificação de soluções, para beneficio dos portugueses? É que o cenário preocupado, mas relativizado na comparação com outros países europeus, que o Dr. Constâncio veiculou aos diplomatas portugueses é significativamente menos alarmante do que a iminência pirotécnica do "país de tanga" prenunciada pelo Senhor Presidente da República no discurso do Ano Novo.
2. Porque é que um vulto académico da dimensão e clarividência do Dr. Vitor Constâncio explica agora tudo tin-tin por tin-tin sobre a crise, mas embotou enquanto regulador no Banco de Portugal e nada viu vir da crise e dos casos de polícia BPN e BPP que a crise expôs (já para não falar na trafulhice no BCP, que uma zanga de compadres trouxe ao de cima)?
Na exposição no Seminário Diplomático as lições pareciam para tirar por todos, indistintamente, independentemente das suas responsabilidades.
Ora eu não sou reguladora, não presido ao Banco de Portugal, nem vou às reuniões do Eurogrupo, nem sequer sou economista como o Dr. Vítor Constâncio. Dedididamente, não tenho responsabilidades nesta matéria equivalentes às do Dr. Constâncio. E, no entanto, já desde a crise do "subprime" em 2007, que muita gente no PE - eu incluida - pedia reforço da supervisão e alertava para a falta de regulação nos "hegdge funds", perigos nos "sovereign funds" e "offshores", promiscuidade nas "credit rating agencies", etc...
Por isso preocupa-me não ter vislumbrado naquela douta exposição do Dr. Constâncio ensaio do menor, do mais ténue, tímido ou disfarçado assumir de alguma responsabilidade. Ora, algum "mea culpa" é devido por quem devia regular e não regulou, por quem devia supervisionar e não supervisionou - ainda por cima havendo relatórios do PE a pedir e recomendar medidas urgentes.
Algum "mea culpa" não só é devido, como até engrandece. Mas parece que não são só bancos que se acham "too big to fail".
Inquieta-me a constância da relutância do Dr. Constâncio.

Espanha - a presidência do que resta

O MNE espanhol Miguel Moratinos foi a estrela convidada no Seminário Diplomático.
Foi simpático vir a Lisboa, nesta primeira viagem ao exterior como Presidência rotativa da UE.
E foi curioso que, logo ao saudar os presentes, tivesse notado a presença de tão poucas mulheres entre os embaixadores (apesar de tudo, eramos mais de uma dezena - as possíveis no topo de uma carreira que só começou a admitir mulheres em 1975, graças ao MNE Mário Soares!)
Mas soube a pouco a intervenção do Ministro espanhol. Porventura indicativa de como poderá ser fluida a presidência espanhola da UE neste semestre. Menos pelas dificuldades internas que absorvem o governo de Zapatero, com o desemprego ao nível arrepiante de 20%. Mais por Espanha ter que presidir só a uma parte das antigas competências - as que o Tratado de Lisboa não entregou à nova Alta Representante para a Política Externa da UE e ao novo Presidente do Conselho Europeu. Com todos as instituições a terem de, prudentemente, navegar à vista, para não encalharem umas nas outras, o que causaria dano à imagem da UE que se quer projectar com o novo Tratado...
O Ministro Moratinos explicou: desintegrou-se o antigo CAGRE (Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas); ele passará a presidir ao CAG (Conselho de Assuntos Gerais); e à Baronesa Ashton caberá presidir ao FAC (Foreign Affairs Council).
Não sei se o Ministro topou, mas aquele "FAC" com pronúncia espanhola soou a "jardinice" e pôs a luso-diplomática plateia a sorrir e a bichanar. Só espero que o episódio nada tenha de premonitório relativamente ao desempenho da Sra. Ashton. Porque seria a UE a pagar as favas.

Diplomacia precisa-se. Política também.

Seminário Diplomático - dois dias para os nossos embaixadores e chefes de missões ouvirem análises e orientações do poder político sobre os desafios que Portugal enfrenta no plano externo. E reagirem q.b.
Um exercício para que este ano, subitamente, voltei a ser convidada (não, desde que suspendi a carreira no MNE em 2003, não tenho tido mesmo nada a ver com política externa - primeiro como responsável das Relações Internacionais do PS, depois como eurodeputada e membro da Comissão de Relações Externas do PE....).
Um exercício agradável: rever amigos espalhados pelo mundo - e, felizmente, tenho muitos no MNE, a que continuo a chamar "a minha casa".
E um exercício útil, particularmente nesta encruzilhada de desafios e oportunidades para Portugal, a Europa e o Mundo: a crise económica e financeira global, o fracasso da UE e do multilateralismo na Cimeira do Clima, as ameaças à segurança de todos e de cada um, as novas relações de forças a serem BRIColadas à escala global e à escala europeia (projectando-se no Serviço Europeu de Acção Externa em formação), etc...
Um exercício a demonstrar que, mais do que nunca, Portugal precisa de diplomacia. Atenta, criativa, combativa - em suma, profissional.
E diplomacia desta exige não apenas recursos humanos e financeiros adequados (o que neste momento não acontece no MNE, apesar de ter dos melhores e mais dedicados funcionários do Estado), mas também comando político com sentido estratégico.
Ora, este inclui capacidade de coordenação interministerial e de articulação interna com os principais/potenciais agentes de projecção de Portugal no exterior: empresas, instituições culturais e cientificas, ONGs, etc..
Áreas em que continua a haver um défice bloqueador, como reconheceram quer o MENE Luis Amado, quer o PM José Sócrates. Um défice de que se ressente, por exemplo, na há muito apregoada "diplomacia económica".
Foi dito que em breve começaria a funcionar um recentemente decretado Conselho de Coordenação Estratégica para a Economia, envolvendo ministérios, AICEP, associações empresariais, etc.. com o designio de apoiar em especial a internacionalização de PMEs. Fiquemos de olho!
Em suma, diplomacia precisa-se. Mas sem política (incluindo determinação política para obrigar a indispensável articulação interna), a diplomacia não nos levará onde é preciso.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Selamat Jalan, Gus Dur!


Abdurrahman Wahid, ex-Presidente indonésio, morreu.
A noticia chegou-me seca, curta, despojada de detalhes, pela TV.
Por uma locutora que, de certeza, não fazia ideia nenhuma de quem ele era, de quem ele fora, como fora importante para Timor Leste, para a democracia na Indonésia, para Portugal, para mim.
Por uma locutora que tropeçava no nome muçulmano, como nenhum locutor tropeçaria há 10 anos atrás - quem então não sabia quem ele era, quem não conhecia o dirigente islâmico que defrontara a ditadura suhartista, que ousara ir visitar Xanana à prisão, quem não sabia que ele se tornara Presidente em resultado das primeiras eleições livres na Indonésia em Junho de 1999, quem não preferia chamar-lhe mais facilmente, mesmo sem saber que também era um vocativo afectuoso, mais simplesmente "Gus Dur" (Irmão Dur)? Por uma locutora que não sabia que ele tinha vindo a Portugal em 2004, sem preconceitos de qualquer espécie, consultar o Prof. João Lobo Antunes, para ver se conseguia o impossível - recuperar a visão.
Morreu dia 30 de Dezembro de 2009, dois dias depois de fazer 10 anos que Portugal e a Indonésia restabeleceram relações.
Ele foi, sintomaticamente, o primeiro líder político e religioso a receber-me, quando eu cheguei a Jacarta em Janeiro de 1999. Era então líder da maior organização muçulmana do mundo, a Nadhatul Ulama, com mais de 40 milhões de fieis. Era firmemente anti-sectário, era ecuménico, era militante activo do diálogo entre religiões, denunciava o wahabbismo como ideologia perversa e reaccionária, inspiradora de extremistas e o regime saudita como exportador/financiador do terrorismo.
Ele foi quem fez acelerar o processo de reconsideração pelo parlamento indonésio da anexação de Timor Leste, depois do referendo, em Outubro de 1999, estava a INTERFET a instalar-se ainda.
Ele foi quem se empenhou politicamente no processo de restabelecimento das relações diplomáticas com Portugal, o que viria a concretizar-se a 28 de Dezembro de 1999.
Ele foi o Presidente da República da Indonésia que recebeu de mim credenciais como primeira embaixadora de Portugal em Jacarta, a 7 de Julho de 2000. (vd. foto aqui)
Falavamos de tudo, além de Timor- Leste, claro. Mas sobretudo da Indonésia - dos conflitos nas Molucas, no Poso, na Papua, no Aceh - sem complexos, sem rodeios, sem paninhos quentes. "O quê? os militares não vos querem deixar entrar em Banda Aceh? Pois vão, por favor vão mesmo e depois venham a correr contar-me o que é que acharam!" Fomos, comigo presidindo a uma delegação da UE, em Maio de 2000, encontrando o Aceh a ferro e fogo. E a seguir corremos a contar-lhe e deparamos com uma abertura premonitória da que o tsunami, anos mais tarde, dramaticamente forçaria os militares a engolir...
Ele tinha os olhos semi-cerrados, mas via muito mais que quase todos os de olhos bem abertos. Ele era cego, mas tinha visão. Cometeu erros, claro - quem os não comete?
Mas era um homem bom, um democrata, um humanista, um homem de diálogo, um homem corajoso, um homem sem medo das rupturas. Ah, e tinha um humor danado!
Eu tinha-lhe admiração e afecto. Fico-me com eles, daqui por diante a engrossar em saudades.
Selamat Jalan, Gus Dur!