quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Êxito

Depois de ter garantido o cumprimento da meta do défice orçamental para o ano passado, o Governo averba o notável sucesso de voltar aos mercados da dívida, muito antes da data prevista.
É certo que uma parte importante deste sucesso deve ser imputado a S. Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, que tem sido o principal artífice da estabilização da zona euro. Mas seria negar a evidência que Portugal não teria podido beneficiar do alivio da pressão nos mercados financeiros se não tivesse cumprido as metas da consolidação orçamental. Já antes da intervenção de Draghi, a curva da taxa de juros da dívida portuguesa mostrava uma sustentada tendência de descida.
Reconheçamos o mérito a quem ele é devido...

domingo, 20 de janeiro de 2013

Branco é, galinha o põe

O Governo fez sair para a imprensa a notícia de que as propostas do FMI ainda eram mais duras do que as que ficaram no relatório final publicado. Sem se dar conta, o Governo veio assim confirmar o que se suspeitava, ou seja, o que saiu no relatório do FMI teve a concordância do Governo. Se este fez excluir algumas ideias e manteve todas as outras é porque endossa estas.
A canhestra tentativa do Governo de se demarcar agora de algumas dessas propostas não revela seriedade política.

Sem exceções

Como era de esperar, lá voltou a oposição à introdução de portagens nas auto-estradas ainda gratuitas.
Ao longo dos anos, porém, nunca vi nenhum argumento convincente contra o principio de que as auto-estradas, como serviços de valor acrescentado que são, devem ser pagas por quem beneficia delas e não pelos contribuintes em geral.
O argumento da "falta de alternativas" não procede: primeiro, porque há sempre alternativas; segundo, porque, por definição, as alternativas são sempre piores do que a auto-estrada, em qualquer região. Por esse argumento, a própria A1 deveria ser gratuita, tantos são os troços em que a alternativa é deveras má (basta pensar no troço Coimbra-Aveiro...).
O único meio de respeitar a equidade social e territorial em matéria de auto-estradas é não abrir excepções ao princípio utilizador-pagador. Os contribuintes não devem ser chamados a pagar as auto-estradas de algumas regiões, ainda por cima, em geral, as mais desenvolvidas do País.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Listas Lagarde - a guardar evasores fiscais?

O Parlamento grego decidiu que o ex-ministro das Finanças Giorgos Papaconstantinou será ouvido para responder às acusações de ter manipulado a apelidada "lista Lagarde".
Papaconstantinou é suspeito de ter modificado a lista de cerca de 2000 nomes de gregos com depósitos avultados no banco suíço HSBC não declarados ao fisco grego.
A lista, entregue pela então Ministra das Finanças do Governo Sarkozy, "perdeu-se" na altura, entre a gaveta do ministro e os corredores do poder, tendo sido recriada por Evangelos Venizelos, sucessor de Papaconstantinou.
As autoridades gregas, que pediram entretanto a lista original às autoridades francesas, notaram que três nomes na lista original estavam ausentes da oficiosa: o de uma prima de Papaconstantinou, do marido desta, e ainda da mulher de outro primo do então ministro. Tudo em família, portanto.
O Parlamento e as autoridades gregas cedem assim à intensa pressão do povo grego, que compreensivelmente não se conforma com a complacência das autoridades para com os milhares de milhões criminalmente evadidos ao fisco pelas suas elites, enquanto vê o seu nível de vida degradar-se drasticamente e a economia do país arrasada, após anos de austeridade imposta pela Europa e pelo FMI.

E em Portugal?
Poucos parecem preocupar-se em saber se o Governo português recebeu ou não também a sua "lista Lagarde" (eu enviei duas cartas a Christine Lagarde sobre o assunto - vd abaixo).
Mas sabemos que o Ministro Teixeira dos Santos teve acesso à lista de portugueses com contas parqueadas no Liechtenstein.
Em vez de serem tornadas publicas estas listas - tal como pedi na altura a Teixeira dos Santos, e também a Vitor Gaspar (vd abaixo) - continuamos sem saber que diligências tomou o Estado português para recuperar esses activos que tanta falta fazem ao erário público. Se é que tomou alguma.

Sabemos também que, em virtude do acordo de troca de informação fiscal celebrado com a Suíça, Portugal poderia ter acesso às contas de portugueses em bancos naquele país, informação imprescindível para o Ministério Público poder agir com processos-crime.
Mas não: o Governo de Passos Coelho preferiu, com o RERT III, oferecer amnistia fiscal a todos os evasores, garantindo-lhes sigilo no que respeita à sua identidade e origem dos capitais, mediante o pagamento de uma taxa de...7,5%!!! o que muitos fizeram, convenientemente, antes de o Acordo com a Suíça entrar em vigor.

Como aparentemente fez Ricardo Salgado, o CEO do BES, que, segundo o Jornal I de ontem, invoca "esquecimento" para não ter declarado ao fisco a bagatela de 8.5 milhões de capitais próprios...
Segundo o "Sol" de 21.12.12 "Ricardo Salgado foi prestar declarações no processo Monte Branco, esta terça-feira, para esclarecer milhões de euros que colocou no estrangeiro até 2010 e que não declarara ao Fisco. Trata-se de capitais movimentados para fora de Portugal através dos serviços da Akoya Asset Management, fundada em 2009, e do seu líder, o suíço Michel Canals".

A Akoya é considerada a maior rede de fraude fiscal e de branqueamento de capitais que operou em Portugal. Por acaso conta entre os seus accionistas o Sr. Alvaro Sobrinho, da Newshold que quer fazer negócio com o Ministro Miguel Relvas e comprar a RTP (vd D.Economico de 28.12.12) Tudo imaculado, está bem de ver.

Segundo o Jornal I, o esquecido banqueiro Salgado teve de corrigir por diversas vezes a declaração de IRS que fez em 2011 e por isso terá acabado por pagar 4,5 milhoes de euros.
Claro que tudo isto só se sabe porque o MP abriu a investigação "Monte Branco" e topou que o Dr. Salgado e a Akoya tinham relações...

O que continua a não se saber é quanto o Dr. Salgado poupou por ter transferido tudo o que transferiu para o exterior, durante anos, sem nada declarar ao Estado, só corrigindo quando foi apanhado pelo MP e, presume-se, pagando apenas 7,5% de imposto, taxa para proteger os ricos evasores fiscais no esquema engendrado no OE 2012 pelo Governo de Passos/Gaspar/Portas e Paulo Nuncio, o Secretário de Estado do Tesouro - e do CDS/PP - especialista na matéria.

Mas não era elementar, até para a credibilidade e descanso do BES, que o Dr. Salgado explicasse a que montante depositado no exterior corresponde a quantia de 4,5 milhoes que pagou ao fisco, em correcção do seus "esquecimentos"?

E não era elementar que o Governo prestasse contas aos portugueses sobre as quantias que o Estado cobrou e deixou de cobrar, ao deixar corrigir os "esquecimentos" do banqueiro Salgado? E que montante afinal deixou que ele mantivesse a bom recato em cofres no exterior do país? E com que justificação, quando sobrecarrega violentamente os contribuintes que nunca se "esqueceram" de pagar impostos e que ganham o que o Dr. Salgado pode gastar em amendoins?
É que quando o Estado impõe os níveis confiscatórios e iníquos de impostos que Gaspar/Coelho/Portas impuseram este ano às classes médias e pobres, era elementar tornar transparentes as doçuras por eles oferecidas ao banqueiro Salgado...

Carta a Teixeira Santos: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/5c2d7dc4-0c28-47aa-b7c0-967a30208be6.pdf

Carta a Vitor Gaspar: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/8ca362d1-55fb-4ba3-bf9e-fc8a8ec46d27.pdf

Carta Lagarde 1: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/14feda44-b19d-49ed-b11b-ad504c041f87.pdf

Carta Lagarde 2: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/e50a663c-b8ae-40f3-a7ec-d4dbe7fb2f08.pdf

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O relatório FMI e a refundação do Estado

Deixo aqui o que disse ontem no Conselho Superior da Antena 1 sobre a desonestidade do relatório FMI, do Governo que o encomendou e que atrás dele se esconde para propor estas devatadoras medidas aos portugueses. Defendi também que este Governo não tem mandato, legitimidade, credibilidade e condições políticas para impor estas medidas.

A Irlanda e a selva fiscal na UE

"Eu partilho as grandes esperanças na Presidência irlandesa.
Primeiro Ministro,
Disse apostar no Mercado Único para fomentar o crescimento e o emprego.
Mas a concorrência no Mercado Interno continuará a ser distorcida e pervertida se não fizermos nada contra a rivalidade fiscal florescente entre os Estados Membros.
O "dumping" fiscal entrava a recuperação económica no meu país: 19 das 20 empresas cotadas em bolsa estão domiciliada na Holanda e outros países europeus, para evitar pagar impostos mais altos no seu país e para evitar impostos sobre lucros feitos em países em desenvolvimento.
Vocês na Irlanda, estão agarrados à vosso IRC a 12,5%. Mas sabem que o governo Português está a planear suplantar-vos, pondo-o a 10%?
Outros se seguirão, numa corrida para o fundo que desvia recursos dos orçamentos da UE e nacionais, tão necessários para investir em crescimento, emprego e para sustentar o modelo social europeu.
Será que a Presidencia irlandesa vai agir para por ordem nesta selva fiscal que distorce o Mercado Único?"

Esta era a intervenção que preparei para debate no PE de hoje com o PM irlandês, mas que não pude fazer por se ter esgotado o tempo.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Crise no Mali

A propósito do conflito no Mali, deixo aqui o artigo que escrevi em Novembro para o Acção Socialista sobre a segurança na região.

Recapitulando

Quando a questão da ADSE voltou à agenda politica, convém recordar que fui dos primeiros -- se não o primeiro, a defender a sua extinção já em 2006 -- com argumentos que não vejo razão para rever, salvo no sentido de reforçar a minha posição.
Com efeito, a ADSE já era uma instituição politicamente indefensável desde a criação do SNS, não se compreendendo que o próprio Estado mantivesse e financiasse um sistema de saúde especial para a Administraçao pública, ainda por cima subcontratado ao sector privado . Mas quando o Estado tem de rever drasticamente a despesa pública e o SNS está a ser uma das principais vítimas, não faz nenhum sentido que continue a gastar milhões de euros num sistema de saúde privativo dos funcionários públicos.
O sistema de saúde público deve ser igual para todos, a começar obviamente pelos funcionários públicos.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O FMI e a injustiça fiscal

Escrevi esta semana uma carta a Christine Lagarde, Directora do Fundo Monetário Internacional (FMI), contestando a visão do FMI de que o Estado português "está a esforçar-se para combater o crime fiscal e promover a justiça fiscal".

A afirmação foi feita numa carta assinada por um representante da Sra. Lagarde, respondendo a uma outra carta enviada por mim, em Novembro passado, inquirindo se a Sra. Lagarde, enquanto Ministra das Finanças do governo Sarkozy, à semelhança do que fez com o governo da Grécia, também teria entregue uma "Lista Lagarde" às autoridades portuguesas, identificando possíveis evasores fiscais com activos parqueados na Suíça.

Ora, ao contrário do que afirma o FMI, o Governo português não está de modo nenhum a actuar de maneira eficaz contra a evasão fiscal.

Basta ver o Regime Especial de Regularização Tributária III (Orçamento de Estado de 2012) que beneficiou os perpetradores de fraude e evasão fiscais com uma amnistia dos seus crimes, permitindo-lhes legalizar os capitais transferidos e não declarados às autoridades tributárias, sem ter de os repatriar e mediante o pagamento de uma escandalosamente baixa taxa de 7.5%. Esta taxa valeu ao Estado apenas 258 milhões de euros, face aos mais de 3 mil milhões de euros identificados no estrangeiro.

Na ultima carta à Sra. Lagarde sublinhei ainda a iniquidade do nível confiscatório de impostos a sobrecarregar os trabalhadores portugueses em 2013, a pretexto do Programa de Ajustamento Financeiro, enquanto o Governo nada faz para recuperar os activos em dívida ainda na posse dos devedores do Banco Português de Negócios, que ascendem a cerca de 3 mil milhões de euros. Sem que o Governo seja pressionado nesse sentido pela Troika, integrada pelo FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O freio nos dentes


«CIP quer reduzir indemnizações para menos de 12 dias e adiamento do Fundo de Compensação».
Não satisfeita com as enormas reduções já sofridas pelo subsídio de desemprego, a confederação patronal quer ainda mais.
Com o freio nos dentes, só descansará quando o despedimento custar zero!...

Relatório do FMI (3)

Como partido de governo temporariamente na oposição, o PS não deve recusar-se a entrar no debate com o Governo sobre as propostas do FMI. Ressalvadas as suas linhas vermelhas -- nomeadamente a recusa de redução do perímetro do SNS e da privatização do ensino --, muitas das propostas do relatório são incontornáveis e as demais são negociáveis.
O que não faz sentido é uma atitude "à BE", rejeitando qualquer discussão sobre a redução da despesa pública -- que é inevitável. Se não for feita agora, terá de ser feita quando o PS estiver de novo no Governo...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Relatório do FMI (2)

Muitas das propostas do FMI são óbvias medidas de racionalização do Estado, que só perdem pela demora. Outras, porém, são a mais chilra expressão da ideologia neoliberal contra o Estado social, como, por exemplo, a redução do perímetro de serviços prestados pelo SNS (e o aumento do copagamento pelos utentes) e a privatização do serviço público de ensino.
Sucede que ambas as propostas são flagrantemente inconstitucionais, visto que a CRP não deixa dúvidas quanto à obrigação do Estado de assegurar a escola pública a toda a gente e sobre a natureza "universal e geral" do SNS (ou seja, destinado a todos e prestando todos os cuidados de saúde, e não só uma parte).
Por interposto FMI, o Governo resolveu empunhar o machado de guerra ideológica que até agora tinha prudentemente mantido em suspenso. Agora, sim, a coisa é a sério!

O Relatório FMI (1)

O Relatório do FMI hoje dado a conhecer pelo Jornal de Negócios revela que o Governo resolveu subcontratar à instituição financeira mundial um programa político completo de reformulação do Estado em Portugal.
Já não bastava a Portugal ter de recorrer a assistência financeira externa. Agora recorremos também ao exterior para a formulação das opções políticas e de medidas governamentais.
Já se sabia que tínhamos perdido a soberania financeira, enquanto durar a asssitência externa; o que não se sabia é que, para este Governo, também perdemos a própria autodeterminação política...
Um pouco mais de decência política, sff!

OE2013-ferrar o trabalho e proteger o capital



No Conselho Superior da Antena1, ontem de manhã, insurgi-me contra o Orçamento do Estado para 2013, por poupar quem aufere rendimentos do capital e punir quem vive do seu trabalho.
Considerei que o corte nos subsidios de férias,  a sobretaxa para os pensionistas e a mudança de escalões do IRS são inconstitucionais.
Mas  “a mais grosseira das inconstitucionalidades neste orçamento – lamentavelmente ausente dos pedidos de fiscalização apresentados pelo Presidente da República e pelo meu partido, o PS – reside na desproporção chocante entre a diminuição de rendimentos por via do confisco tributário para quem trabalha (37% para quem trouxer 1.600 euros por mês para casa) , em contraste com quem pode dar-se ao luxo de não trabalhar, graças a dispor de rendimentos de capital" (taxa máxima de 28%).
"É o princípio da igualdade na distribuição de sacrifícios pedidos aos cidadãos que está em causa: ferra-se o trabalho e continua-se a poupar e a proteger o capital”.
Denunciei, mais uma vez, o Regime Especial de Regularização Tributário inserido no OE 2012, que permitiu a evasores fiscais como o Dr. Ricardo Salgado, do BES, legalizar os capitais transferidos para a Suiça, sem ter de os repatriar, sem ter de explicar a sua origem e de prestar contas diante da justiça,  mediante uma escandalosamente baixa taxa de 7,5%.
Defendi que Governo deveria divulgar a lista dos maiores evasores fiscais, como fez há dias o Ministério das Finanças britânico.
E inquiri : “Como explicar que o Ministério das Finanças não vá atrás dos devedores do BPN, da SLN, da Galilei, que têm património e dinheiro nos ‘offshores’ e, no entanto, mantêm dívidas ao Estado, que não pagam, e que ascendem a  mais de 3 mil milhões de euros?”.
Conclui:
“A espiral recessiva, para a qual o Presidente da República avisou e através da qual este governo está a destruir a economia, não vai parar à custa da decisão do Tribunal Constitucional – seja ela qual for – nem à custa da indecisão do Presidente da República, como se vê por todas as contradições em que ele se tem enredado.
Só nós, os portugueses, é que podemos -  e devemos -  pôr na rua estes verdadeiros vende-pátrias, que estão a escavacar o país, a empobrecer a classe média e a agravar a pobreza dos mais pobres, e que poupam os ricos e os ajudam a ficar ainda mais ricos”.







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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Táxis

«Táxi: Valor da bandeirada aumenta para 3,25 euros».
Mas por que é que o serviço de táxis continua sujeito a entrada limitada e com preços tabelados oficialmente? Por que é que não se liberaliza a entrada e os preços, com a devida regulação e supervisão? Por que é que os táxis hão-de permanecer como uma das poucas atividades de acesso limitado e com preços administrativos? O Governo não tem coisas mais importantes para fazer do que fixar a "bandeirada" dos táxis? Liberaliza-se a água e a eletricidade, mas não se liberalizam os táxis?!

Orçamento (2)

São inaceitáveis as declarações governamentais sobre as alegadas consequências catastróficas de um eventual chumbo do orçamento no Tribunal Constitucional, visto que podem ser lidas como uma pressão, obviamente ilegítima (e além do mais ineficaz, se não contraproducente...), sobre o Tribunal.
Espero que, desta vez, o Governo tenha feito o trabalho de casa (o que não fez no ano passado) e tenha feito chegar ao TC argumentos convincentes para defender a sua posição. Fora isso, deve aguardar disciplinadamente o veredicto do Palácio Ratton.

Orçamento

O País vive suspenso da questão de saber se o orçamento é inconstitucional ou não. O caso não é para menos. Ninguém pode antecipar o que o Tribunal vai decidir no seu sempre prudente juízo.
Entretanto, não compartilho pessoalmente dos argumentos que têm sido enunciados para defender a inconstitucionalidade -- e é a inconstitucionalidade (e não a constitucionalidade) que é preciso demonstrar de forma convincente, pois em caso de dúvida ela é dada como "não provada".
Primeiro, o orçamento deste ano é bem menos desequilibrado na repartição dos sacrifícios (entre sector público e privado e entre rendimentos do trabalho e do capital) do que o do ano passado. Segundo, nem a redução dos escalões de IRS nem a sobretaxa uniforme sobre o IRS alteram a progressividade do imposto (certamente menor do que antes, mas ainda assim progressividade). Terceiro, não me impressiona o "enorme aumento" da carga fiscal -- a Constituição não proíbe impostos elevados!
É certo que se mantém, embora reduzido a metade, um corte adicional nos rendimentos dos funcionários públicos em relação aos trabalhadores do setor privado. Mas parece-me mais do que razoável que em situações destas quem tem uma situação comparativamente mais favorável (menor horário de trabalho, maiores remunerações em média, mais segurança no emprego) e seja remunerado pelo Estado, seja chamado a contribuir mais para os encargos públicos em situações excepcionais (e é disso que se trata!).
Resta a sobretaxa sobre as pensões (excluídas as mais baixas), que me parece o único ponto constitucionalmente problemático. Ainda assim, o ponto não me parece suficientemente forte para sustentar um juízo de inconstitucionalidade. Também as pensões acima da média beneficiam de uma situação relativamente vantajosa: por um lado, na generalidade dos casos, os descontos feitos ao longo da vida contributiva não dariam para cobrir a maior parte das pensões; segundo, ao contrário dos trabalhadores no activo, cujos descontos financiam as pensões actuais, os reformados não correm o risco de ficar sem rendimentos, por causa de despedimento.
No meio de tudo, o elo mais fraco na actual situação de crise não são os funcionários públicos nem reformados (ressalvadas as pensões mais baixas) mas sim os trabalhadores do setor privado, com os salários relativamente mais baixos, aliás a passarem por reduções nominais (o que não sucede com os demais), e com o elevado risco de desemprego e de perda absoluta de rendimentos....

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A. Marques Júnior

De regresso ao blogue, depois de umas semanas de ausência, não quero deixar de recordar, ainda que com atraso, a grata memória de António Marques Júnior, que tão prematuramente nos deixou. Sendo um genuíno revolucionário do 25 de Abril, jovem tenente ainda num movimento de capitães, manteve sempre na vida política e na privada a mesma atitude de contida discrição, da modéstia exterior e da força interior que só os bons são capazes de conjugar.
Obrigado por tudo, velho amigo!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

PM insulta reformados


Aqui fica o que disse hoje no Conselho Superior (Antena 1) sobre as ofensas que o Primeiro Ministro dirigiu a reformados com longa carreira contributitiva e outros desconchavos da Justiça e da desgovernação em Portugal.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Justiça fiscal na UE e em Portugal?

"Pode o Presidente Barroso explicar porque é que a Troika que monitoriza o programa de ajustamento em Portugal não diz uma palavra ao ver o Governo português legalizar a evasão e a fraude fiscais e a lavagem de dinheiro por individuos, empresas e bancos que estao identificados como tendo acumulado mais de 4 mil milhões de euros só na Suíça, ao permitir-lhes pagar uma indecentemente baixa taxa de 7,5%?
Sem ter de repatriar esses activos, sem ter que revelar a possível origem criminosa desses activos e, ainda por cima, escandalosamente garantindo-lhes a protecção do segredo!
Onde está a justiça, a igualdade e a equidade sobre as quais o Presidente Barroso hoje aqui falou, mas que os cidadãos europeus, sofrendo o desemprego e a pobreza em consequência da crise, não vêm de tido a UE pôr em prática?"

Foi a pergunta que dirigi esta manhã ao Presidente da Comissão Europeia em debate no PE sobre as propostas da Comissão e de Van Rompuy em debate na próxima Cimeira Europeia. A propósito deste assunto, já enviei uma pergunta escrita à Comissão. A resposta pode ser encontrada aqui.

Barroso não respondeu - para espanto de muitos parlamentares, havia entretanto abandonado o hemiciclo, deixando um dos seus Comissários a fingir que respondia.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Governo alienado do povo

No Conselho Superior da Antena1 desta manhã acusei o governo de estar alienado do povo português, por não exigir que as condições decididas para a Grécia na semana passada sejam aplicadas a Portugal.
Recordei que o ministro Vítor Gaspar disse, no mesmo dia em que o Eurogrupo decidiu alterar as condições gregas, que o programa devia aplicar-se a Portugal. E que o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, também afirmara que as mesmas regras deveriam ser aplicadas a Portugal e Irlanda: “não se enganou, não ouviu mal”, sublinhei.
Mantive que a aplicação de algumas medidas decididas para a Grécia a Portugal, por virtude do principio da igualdade,  nos beneficiaria  ao viabilizar reduções nas taxas de juro, a carência do pagamento de juros durante alguns anos e a extensão das maturidades. O que nos permitiria respirar, neste Portugal  onde o Governo de Passos Coelho despreza arranjar meios para promover o crescimento e onde os níveis de desemprego atingem níveis estratoesféricos.
“Não se entende, não se aceita este recuo às ordens da Alemanha, de uma forma contrária aos procedimentos europeus, ao princípio da igualdade invocado por Juncker e Gaspar, e contrária à justiça mais elementar”, considerei,  acusando os governos da Alemanha e Portugal: “A Alemanha está a mentir ao povo alemão, porque na verdade está a fazer-se uma reestruturação da dívida grega. O Governo português está a mentir ao dizer que não quer ficar com a reputação estragada por causa da Grécia, quando na verdade se está a demitir de exigir medidas que seriam benéficas para Portugal".

Um PM amnésico

“O primeiro-ministro é que sofre de amnésia e de desfaçatez sem medida quando diz o que diz, e quando esquece as promessas que fez aos portugueses e as críticas que fez ao PS para chegar ao poder”, disse eu no Conselho Superior da Antena 1 na semana passada, dia 27/11/2012, recordando que em Março de 2011 Passos Coelho assegurava que era um disparate mexer nos subsídios de férias e de Natal.
Considerei nessa manhã, horas depois de ser alcançado entenfimento entre o Eurogrupo e o Fundo Monetário Internacional para dar mais tempo e juros mais baixos à Grécia e para perdoar parte da dívida daquele país, que aquele acordo era  “demonstração de como está fundamentalmente errada a obstinação do primeiro-ministro nesta austeridade do custe o que custar”.
Parti,  como muita outra gente conhecedora dos precedentes e do principio de igualdade que seria aplicável entre membros do Eurogrupo, do pressuposto de que aquele acordo, aliviando as condições de ajustamento para a Grécia, acabaria por ter repercussões benéficas para Portugal.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sem comentários



 (in Jornal de Angola, 20/11/12, http://jornaldeangola.sapo.ao/23/0/23/foto_do_dia_1019)
(in Jornal de Angola, 26/11/12, http://jornaldeangola.sapo.ao/23/0/23/foto_do_dia_1023)

Tudo o que tenho a dizer, já o disse em entrevista ao jornalista Mário Crespo, na SIC Notícias, no passado dia 23. Curiosamente, é o único dia da semana passada sem link on line...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O futuro da Europa em jogo no Conselho Europeu da semana passada

"Foi positivo o facto do Governo, pelas palavras do Ministro Paulo Portas, ter finalmente rejeitado a proposta de redução do orçamento comunitário para o período 2014-2020. Mais vale tarde do que nunca.

Esta questão é de maior importância para um país como o nosso em crise, porque é deste orçamento que vem a maior fonte de investimento para o país. Esta proposta de redução é inaceitável também para o Parlamento Europeu que está aqui, tem poderes e vai utilizá-los a escorar a Comissão Europeia, que está também a tentar travar esta revolução. O orçamento representa cerca de 1 por cento do PIB e é 45 vezes mais pequeno que a soma dos 27 orçamentos dos países membros da UE juntos.

Não me admiraria que não houvesse acordo nesta cimeira e que esta questão fosse reenviada para Maio do próximo ano.
Temo que estes adiamentos tenham um impacto grave nos mercados e que transmitam uma imagem de incapacidade da UE para lidar com a crise.

Está em causa a pertença do Reino-Unido à UE. O Reino-Unido que está a fazer a sua chantagem mas que desta vez está a levá-la longe demais. Tanto o partido conservador como o partido trabalhista criaram uma armadilha perigosíssima que pode desligar o Reino-Unido da UE, e a UE sem o Reino-Unido não seria a UE em todos os sentidos.

Temo sobretudo que um adiamento tenha um impacto devastador numa Europa em recessão. Recessão que engloba toda a União, porque até a Alemanha está a começar a pagar a factura das políticas erradas de austeridade punitiva.
O adiamento desta decisão sobre o orçamento comunitário, junto a outros adiamentos de decisões importantes como a do empréstimo à Grécia - que está num impasse porque a Alemanha não quer reestruturar a divida e fazer países como a própria Alemanha pagar por isso - ou ainda decisões relativas à união bancária, são muito preocupantes."

Foi o que eu disse no Conselho Superior de 20 de Novembro de 2012:
http://www.rtp.pt/play/p296/e99563/conselho-superior

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Café Pushkin

Nunca tinha vindo a Moscovo (nem à Rússia), que aliás nunca esteve entre as minhas prioridades de viagem. Mas, para quando viesse, sempre houve para mim um sítio imperdível na capital russa: o Café Pushkin, que a canção de Gilbert Bécaud sempe me evocou, desde que primeiro a ouvi em 1964, tinha menos de 20 anos.
E foi isso que fiz hoje, sem a Natalie de Bécaud, é certo, mas não sem o chocolate quente, nem sem a emoção que quase cinco décadas de distância dessa canção terna não estiolaram.

Antologia do dislate político

«Vasco Lourenço: Guerra na Europa é «inevitável», Portugal deve sair do Euro».

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fracas figuras na Cimeira Europeia

No Conselho Superior da Antena 1 no passado dia 23 de Outubro, considerei chocante que Pedro Passos Coelho "tenha entrado mudo e saído calado" da ultima cimeira europeia, não dando conta aos outros chefes de governo europeus das consequências que a austeridade está a produzir em Portugal.
Sublinhei o papel desempenhado nessa ultima Cimeira Europeia pelo presidente francês François Hollande "combatendo várias perversas ideias, entre elas a prisão perpétua da austeridade que amarra países como o nosso e que é imposta pela visão obsessiva de Angela Merkel".
Sublinhei a importância de Hollande ter unido a sua voz às dos chefes de governo da Itália, Grécia e Irlanda. "Quem não se ouviu foi Pedro Passos Coelho, em nome de Portugal", que "desperdiçou as palavras do presidente francês, tal como tem desperdiçado a admissão por parte do FMI, do erro de cálculo do impacto das medidas de austeridade".
Critiquei ainda o PM português por grosseiramente ter criticado François Hollande "que lhe estava a dar a mão", chegando mesmo ao desplante de afirmar que Portugal 'se sente confortável' com o programa de austeridade.
Acusei também Durão Barroso de inação ao não ter posto a Comissão Europeia a reagir à admissão do erro do FMI, e ao não ter pedido à troika para rever o impacto desse mesmo erro, concluindo que "Barroso não defende Portugal na CE, ao contrário do que estupidamente repetiu José Sócrates, quando o apoiou para um novo mandato em 2009".

sábado, 27 de outubro de 2012

E depois? (3)

No nosso sistema constitucional de governo, baseado nas eleições parlamentares e na legitimidade parlamentar, o Presidente da República não governa nem é responsável pelo governo, sendo acima de tudo um "poder moderador", cujo papel é o de bombeiro e não de incendiário.
Isto é válido mesmo (se não especialmente) em tempos difíceis.

E depois? (2)

Quem defende a demissão forçada do Governo deveria ser claro na resposta a duas perguntas chave: (i) quais seriam os custos, no que respeita à crise orçamental e ao regresso aos mercados da dívida, da abertura de uma crise política neste momento? (ii) para além da forma, do ritmo e da repartição social da austeridade, há realmente alguma alternativa de fundo à política de ajustamento orçamental (que não passe pela saída do Euro)?

E depois?

Mário Soares vem de novo defender a demissão do Governo, se não for por iniciativa própria, por decisão do Presidente da República.
Ele não indica, porém, ao abrigo de que poder presidencial é que isso poderia ser feito -constitucionalmente, bem entendido.
E também não nos diz qual o passo seguinte:
   - novo governo no actual quadro parlamentar, por exemplo PSD-PS? Suposto que solução legítima (o PS foi claramente afastado do governo nas últimas eleições), há condições para isso?
   - governo independente de iniciativa presidencial ? Que legitimidade (se não tivesse o apoio expresso do parlamento) e que autoridade teria, e quanto tempo duraria?
   - dissolução da AR e convocação de eleições antecipadas? Alguma perspectiva de uma nova maioria?
E se o "tiro saísse pela culatra", criando-se um impasse político, que margem de manobra e de credibilidade política restaria para o Presidente da República?