domingo, 22 de dezembro de 2013

Reforma inacabada

No meio das apaixonadas discussões sobre a convergência dos dois sistemas de pensões existentes entre nós, ninguém se parece aperceber de que a raiz do problema está no tradicional dualismo do sistema de segurança social -- que integra as pensões --, um regime para o sector público, outro para o sector privado.
Ora, a Constituição é clara, logo desde 1976, em exigir um sistema de segurança social unificado (art. 63º-1 da CRP), o que aliás é uma exigência do princípio da igualdade. Todavia, durante muito tempo nenhum Governo teve a coragem de fazer convergir os dois sistemas de pensões (e não só) -- o que implicaria a perda das vantagens do sector público (idade de aposentação e fórmula de cálculo das pensões) --, sem que ninguém tivesse a coragem de impugnar a situação junto do Tribunal Constitucional. E quando a convergência foi finalmente encetada, só o foi com prolongados períodos de transição quanto ao cálculo do valor das pensões no sector público e sem nunca tocar no valor das pensões já atribuídas (em geral mais elevadas no sector público), mantendo-se portanto a desigualdade de tratamento para situações idênticas.
Sob pressão da situação de emergência orçamental, o actual Governo decidiu apressar a convergência da idade de aposentação e da fórmula de cálculo das pensões. Mas quando pretendeu fazer convergir também o valor das pensões em pagamento, afectando situações juridicamente consolidadas (em princípio protegidas), esbarrou com o Tribunal Constitucional.
Como é bom de ver, essa dimensão do dualismo do sistema de pensões só persiste hoje porque durante décadas se preferiu ignorar a Constituição. Quase quatro décadas depois, a unificação do sistema de pensões continua inacabada. Até agora, por falta de vontade política; agora, com uma pequena ajuda do Tribunal Constitucional...

sábado, 21 de dezembro de 2013

Constitucionalização da política

Na questão da "convergência das pensões", os partidos políticos dedicaram mais tempo -- se não o tempo todo -- à discussão sobre a (in)constitucionalidade da medida do que à discussão do seu (de)mérito politico, como revelam os elaborados argumentários que alguns elaboraram para defender o seu ponto de vista na matéria constitucionbal. Valha a verdade dizer que os meios de infromação não fizeram melhor.
Mas a constitucionalização da política, que tantas vezes aqui tenho assinalado, corre o risco de degenerar também na politização da justiça constitucional, com as claques partidárias a vitoriar ou a vituperar o Tribunal Constitucional, conforme os casos.
Ainda haveremos de lastimar esta confusão de águas.

Endereço errado

A propósito da decisão do TC sobre a convergência das pensões, a dirigente de uma associação de aposentados da função pública saudou o facto de Portugal ter «uma Constituição que defende os Portugueses».
Sem dúvida. Mas neste caso, a saudação deveria ser endereçada ao Tribunal Constitucional, que fez uma aplicação estrita do princípio da "protecção da confiança". A verdade é que houve redução de pensões do sector público em outros países sob emergência orçamental, nomeadamente na Grécia, sem que o referido princípio -- que vale em todo e qualquer Estado de direito constitucional -- o pudesse ter evitado. A diferença, portanto, não está na Constituição, mas sim na sua leitura e aplicação pelo Tribunal Constitucional.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Não é bem assim

No Público de ontem, Isabel Arriaga e Cunha, num artigo acerca das candidaturas a presidente da Comissão Europeia em vista das eleiçoes europeias do próximo ano, afirma que "segundo o Tratado de Lisboa, o presidente da Comissão Europeia (...) é escolhido pelos líderes  da UE, tendo em conta o resultado das eleições [para o Parlamento Europeu]" e que "o sucessor de Barroso deve ser escolhido na cimeira de líderes de Junho de 2014, devendo entrar em funções em Novembro, depois de obter a confirmação do Parlamento Europeu".
As coisas, porém, não são bem assim, nem constitucional nem politicamente. Depois do Tratado de Lisboa, o presidente da Comissão é eleito (e não propriamente "confirmado") pelo Parlamento Europeu, sob proposta (e não depois da "escolha") do Conselho Europeu. Este limita-se a apresentar um candidato ao cargo (e não uma escolha ou nomeação já feita). É certo que o PE não pode eleger senão um candidato proposto pelo Conselho Europeu, mas pode rejeitar o(s) candidato(s) proposto(s), até que algum obtenha maioria (e a nomeação) no Parlamento.
O normal será o Conselho começar por propor o candidato a presidente da Comissão que tenha sido apresentado pelo partido europeu mais votado nas eleições para o PE; caso ele não seja eleito, terá de ser proposto o candidato indicado por outro partido, que possa reunir essa maioria.
Por conseguinte, o Conselho Europeu "escolhe" ainda menos o presidente da Comissão Europeia do que entre nós o Presidente da República "escolhe" o primeiro-ministro. No primeiro caso, o acto decisivo da nomeação do chefe do "governo" europeu é a sua eleição pelo Parlamento Europeu, sob proposta do Conselho Europeu; no caso do primeiro-ministro em Portugal, o acto decisivo é a sua nomeação pelo Presidente da República, que prevalece salvo se AR o rejeitar por maioria absoluta (não havendo nenhuma eleição parlamentar). No primeiro caso só há presidente da Comissão depois da sua eleição pelo PE; no segundo caso, há primeiro-ministro logo depois da sua nomeação pelo PR, embora com poderes limitados até à "confirmação" parlamentar.
Neste aspecto, o sistema de governo da União é mais caracterizadamente parlamentar do que o sistema de governo parlamentar imperfeito da CRP.

Socializar os custos

É fácil garantir prerrogativas sectoriais quando elas são suportadas por todos os demais...

Proporcionalidade

A ideia de que a redução de 10% de uma pensão pode afectar gravemente os "planos de vida" de uma pessoa, mesmo que se trate de valores elevados (no sector público há muitas pensões acima de 5000 euros) e mesmo que o titular tenha outros rendimentos (o Tribunal Constitucional não fez excepções nem qualificações), é uma tese pelo menos desproporcionada.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Imunidade

Portugal vai sair da crise -- quando sair -- bem mais pobre, com o rendimento per capita significativamente reduzido para a generalidade dos portugueses em relação ao nível pré-crise, seguramente em mais de 10%. Pelos vistos, porém, a regra tem excepções, havendo imunidade para rendimentos derivados de prestações públicas...

Adenda
Alguns leitores contestam este post, argumentando que as pensões são a contrapartida concreta dos "descontos" feitos pelas pessoas ao longo da vida. Não é bem assim, porém. Primeiro, as contribuições para o sistema público de pensões servem para pagar as pensões dos que já estão aposentados e não para pagar as futuras pensões dos que pagam as contribuições (essas serão pagas pelos futuros contribuintes); segundo, o valor das contribuições e o valor das pensões é fixado e alterado pelo Estado de acordo com critérios essencialmente políticos; por isso, pelo menos nas pensões da função pública entre nós, não existe correspondência directa entre o valor das pensões e o montante das contribuições ao longo da vida: se houvesse, o valor das pensões seria em geral significativamente inferior ao que é.

Não há protecção da confiança em matéria fiscal

Os que contavam com algum alívio fiscal depois da crise podem desiludir-se. Com a doutrina dos "direitos adquiridos" consolidada pelo Tribunal Constitucional em matéria de prestações públicas, mesmo quando atribuídas em período de "vacas gordas" orçamentais, vai ser preciso continuar a pagá-los em período de "vacas magras".
Em matéria de nível da carga fiscal não há protecção da confiança...

Quando a segurança absoluta convive mal com a equidade

Voltando a conferir valor absoluto ao princípio da protecção da confiança (sem paralelo na jurisprudência constitucional comparada), o Tribunal Constitucional reiterou o seu entendimento, a propósito da convergência das pensões, de que as prestações públicas conferidas por lei se tornam constitucionalmente intocáveis, mesmo que isso se traduza numa manifesta desigualdade, não somente em relação aos que beneficiam de prestações de valor menor em igualdade de circunstâncias (os pensionistas do sector privado) mas também em relação aos que no futuro venham a aceder às mesmas prestações (os futuros pensionistas do sector público).
O problema é que as prestações públicas são pagas pelas contribuições e impostos de todos, incluindo neste caso pelos demais pensionistas, actuais ou futuros, que em igualdade de circunstâncias continuam a receber ou passarão a receber menos do que os actuais pensionistas do sector público. O excesso de segurança para alguns traduz-se num défice de equidade para os demais.

Adenda
Estando o País internacionalmente comprometido a atingir a meta do défice inscrito no orçamento, a poupança prevista para o corte nas pensões do sector público agora inviabilizado pelo Tribunal Constitucional só pode ser compensada por cortes equivalente noutras rubricas da despesa (não se vê bem onde...) ou por um aumento correspondente da receita, muito provavelmente um novo aumento da carga fiscal.

Adenda 2
Alguns leitores pergumtam-me se, afinal, os princípos constitucionais contam ou não. A minha resposta é: todos contam, sem dúvida! Mas: (i) princípios não são normas, sendo por definição menos "densos" e mais flexíveis do que as normas, não podendo por isso ter valor absoluto; (ii) em geral, os princípios têm de ser articulados com outros princípios conflituantes, como, por exemplo, o princípio da igualdade (neste caso, igualdade entre as pensões do sector público e do sector privado), o que pode fazer relativizar o seu alcance; (3) na situação de emergência orçamental em que o País se encontra, o princípio da proteção da confiança pode ter de sofrer compressões, pelo menos transitórias, que não seriam admissíveis em tempos normais, quando estejam em causa situações de grande impacto orçamental (como é o caso).

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Debate em plenária sobre a preparação da próxima Cimeira Europeia


Senhor Presidente,

 

Olhem para Lampedusa! Olhem para a espiral de insegurança na Líbia! E vejam a UE numa profunda crise política, não somente incapaz de agir em conjunto, mas com os seus Estados-Membros a rivalizarem, colocando a segurança da Europa em risco e falhando até a obrigação humanitária de salvar vidas em perigo no mar. Energia, ciber-segurança e ameaças marítimas, incluindo o crime organizado e o terrorismo, não estão a ser adequadamente tratadas pelo Conselho, que, apesar da retórica, não está a investir na base industrial e tecnológica necessária para construir uma política de segurança e defesa comum autónoma – muito pelo contrário…

Olhem para o meu país, Portugal, para o desmantelamento dos  estratégicos estaleiros de Viana do Castelo. Olhem para os sectores estratégicos da produção e distribuição de energia, reunidos pelo Programa de privatização da Troika sob o controle do Partido Comunista Chinês. Os orçamentos nacionais na área de segurança e defesa estão a ser cegamente cortados em total des-coordenação. Contrapartidas fictícias abundam em contratos públicos de defesa eivados de corrupção. Capacidades militares cruciais estão a ser destruídas.

Olhem para o Mali, olhem para a República Centro-Africana; a França teve de intervir sozinha e de emergência. Querem mais evidências gritantes de que o Conselho da UE e a Comissão estão a falhar na Politica Comum de Segurança e Defesa, estão a falhar na segurança da Europa?

 

  Esta é a tradução da minha intervenção esta semana no debate plenário sobre a preparação da próxima Cimeira europeia com representantes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Não é bem assim...

Na sua análise da atividade dos eurodeputados portugueses na presente legislatura, no Expresso de sábado passado, o jornalista Daniel do Rosário comenta que o elevado número de relatórios de que sou autor (o segundo melhor score de todo o PE) se deve fundamentalmente ao facto de eu ser presidente da comissão de comércio internacional do PE (INTA).
É uma parte da explicação, mas não toda: se fosse essa a principal razão, o mesmo se deveria passar com os presidentes das demais comissões do PE, o que porém não é verdade, pois nenhum outro tem sequer um terço dos relatórios que me couberam, como se mostra no quadro junto (fonte: Votewatch Europe).

 
  Chairs of the EP Committee

Reports drafted
AFET (E. Brok)
5 (rank 54th)
DROI (Lochbihler)
2 (rank 170th)
SEDE (Danjean)
2 (rank 170th)
DEVE (E. Joly)
4 (rank 75th)
INTA (V. Moreira)

41 (rank 2nd)
BUDG (A. Lamassoure)
3 (rank 110th)
CONT (M. Theurer)
1 (rank 310th)
ECON (S. Bowles)
10 (rank 20th)
EMPL (Pervenche Berès)
8 (rank 29th)
ENVI (M. Groote)
4 (rank 75th)
ITRE (A. Sartori)
3 (rank 110th)
IMCO (M. Harbour)
1 (rank 310th)
TRAN (B. Simpson)
13 (rank 13th)
REGI (D. M. Hübner)
10 (rank 20th)
AGRI (P. De Castro)
14 (rank 10th)
PECH (G. Mato Adrover)
2 (rank 170th)
CULT (D. Pack)
3 (rank 110th)
JURI (K-H Lehne)
13 (rank 13th)
LIBE (López Aguilar)
0 (rank 509th)
AFCO (C. Casini)
8 (rank 29th)
FEMM (M. Gustafsson)
2 (rank 170th)
PETI (E. Mazzoni)
2 (rank 170th)

Seja como for, porém, os relatórios, sobretudo os relatórios legislativos e equiparados (como a aprovação de tratados), são a mais exigente tarefa parlamentar dos deputados, o que no meu caso acresce ao esforço e à responsabilidade da presidência da INTA.

SIM ao Relatório Estrela!


O Parlamento vota amanhã em plenário - depois de a primeira votação ter sido bloqueada por parte dos grupos da direita - o relatório da deputada Edite Estrela sobre os direitos sexuais e reprodutivos.
Nos últimos meses, eu e todos os eurodeputados recebemos milhares de emails de cidadãos  mobilizados por organizações religiosas e da direita mais reaccionária e instrumentalizados numa campanha de desinformação  propagando a ideia de que o relatório - não vinculativo - estabelecia o aborto como direito fundamental e promovia a "educação homossexual" das crianças, sendo um atentado ao direito dos pais a educarem os seus filhos. Enquanto escrevo no meu gabinete em Estrasburgo, dezenas de pessoas gritam lá fora, através de potentes megafones: "Não ao Relatório Estrela!!".
Na verdade, o texto do relatório Estrela sustenta que todos os indivíduos têm o direito a fazer escolhas informadas e responsáveis no que se refere à sua saúde sexual e reprodutiva, insta os Estados Membros da UE a garantirem acesso universal a uma informação, educação e serviços sobre os direitos sexuais e reprodutivos, sublinha que o aborto não deve nunca e em nenhumas circunstâncias ser promovido como uma forma de planeamento familiar e ainda que as taxas de interrupção da gravidez devem ser reduzidas através da prestação de uma educação sexual acessível e de métodos modernos de contracepção. Urge ainda os países membros da UE a garantirem um financiamento sustentável dos serviços públicos e de organizações da sociedade civil que prestam serviços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, etc.
É fundamental desmascarar esta campanha mentirosa, insidiosa e "ad mulierem"  numa altura em que assistimos ao crescimento preocupante de organizações de extrema-direita reaccionárias, muitas vezes ligadas a grupos religiosos fundamentalistas, com crescentes capacidades de organização, mobilização e deturpação -  o relatório é descrito por muitos como um golpe ditatorial e desumano!!!
As eleições europeias que se avizinham em Maio de 2014 vão, provavelmente, associar a estas organizações uma facção política de extrema-direita, também ela, cada vez mais vociferante e com maior expressão mediática e social. Não podemos deixar-nos intimidar pelos truques populistas, demagógicos e desonestos de que usam e abusam.
É por isso também que, amanhã, votarei, sem hesitar, a favor do Relatório Estrela.
Pela educação e  informação dos cidadãos, pela saúde reprodutiva, pela liberdade e pelos direitos reprodutivos!


Nota - esta será a base do que responderei aos cidadãos que me escreveram sobre este tema.
 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Mandela


Um dos momentos mais emotivos da minha vida foi o encontro com Nelson Mandela, poucos meses depois da sua libertação da prisão de Robben Island, quando inesperadamente ele apareceu para jantar com os participantes num seminário organizado pelo ANC nos arredores de Joanesburgo sobre o futuro constitucional de uma África do Sul livre do apartheid, entre os quais me encontrava.
Faleceu o homem, mas fica a sua vida e o seu exemplo imorredouro de lutador pela liberdade e dignidade dos sul-africanos e pelas causas nobres da Humanidade.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Preto-e-branco

O problema das dicotomias em preto-e-branco, como a que é apresentada por Manuel Alegre sobre o "bom" e o "mau" socialista, reside em que muita gente (como o autor dests linhas) não se revê substantivamente em nenhuma das categorias, por concordar com alguns traços de uma e de outra e rejeitar outros tantos de ambas.
O maniqueísmo político raramente é bom conselheiro, muito menos dentro da mesma família política.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Aparências iludem

Chegado hoje a meio da tarde a Bali, Indonésia (8 horas mais tarde do que Lisboa), já recebi uns quantos desejos de "boas férias"! Mas não estou em férias, pelo contrário. Bali não é somente uma famosa estância turística, que aliás conheço de anterior visita turística há uns dez anos, mas também um célebre centro de congressos.
Nos próximos cinco dias vou estar inteiramente ocupado a participar na conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), integrado na delegação da UE, e na conferência parlamentar da OMC, de que sou copresidente (enquanto presidente da comissão de comércio internacional do Parlamento Europeu).
Infelizmente, na véspera da cimeira ministerial, ainda se não sabe se vai haver um acordo sobre o pacote de três temas que estão há muito em discussão (facilitação comercial, segurança alimentar e tratamento especial para os países mais pobres), ou se a Índia vai manter o seu veto. A credibilidade da OMC como plataforma de negociação multilateral para a liberalização e a regulação do comércio internacional pode estar em causa.

A prenda

Há mais de uma década que os CTT queriam uma licença bancária para aproveitar as sinergias da sua rede e os serviços financeiros que desde há muito prestavam.
O Governo recusou... até agora, quando a empresa entrou em privatização. Este Governo é assim: para os privados tudo!

O problema...

... das empresas públicas, como os Estaleiros de Viana, é que quando começam a perder encomendas e competividade, em vez de reduzirem custos e tentarem dar a volta por cima, começam a ser subsidiadas pelo Estado, acumulando perdas e dívida, até se tornar incontornável a sua inviabilidade. Então, de súbito, todos os trabalhadores perdem o emprego e os contribuintes assumem as perdas...

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Uma vergonha

Reportagem da RTP sobre a educação e formação de adultos: este Governo fez uma devastação, no programa "novas oportunidades" e no resto.
Não se trata somente de uma questão do direito de todos à educação e à formação, incluindo os que não tiveram essa oportunidade enquanto jovens, quase sempre por falta de meios. Está em causa também o combate ao desemprego de longa duração e a luta pela competitividade da economia.
Uma vergonha!

Um pouco mais de prudência, sff

Surpreende-me a segurança com que tantos leigos em matéria jurídico-constitucional asseguram que o Tribunal Constitucional vai chumbar a convergência do regime de pensões do sector púbico com o regime geral, por alegada violação do princípio da protecção da confiança.
Há, porém, algumas razões para ser cauteloso nesta questão:
- primeiro, tal como qualquer outro princípio jurídico, os princípios constitucionais nunca são absolutos, sendo sempre dotados de uma certa flexibilidade, que dá ao juiz uma margem maior ou menor de liberdade para a sua concretização de acordo com as características de cada situação concreta (como se viu ainda recentemente na decisão do TC sobre o aumento do horário semanal de trabalho da função pública para as 40 horas);
- segundo,  no caso concreto, o dito princípio da protecção da confiança tem de se articular, numa tarefa de ponderação prática, com o princípio da igualdade (como se referiu aqui), o qual não tem menos peso do que aquele;
- terceiro, tratando-se de uma medida de fortíssimo impacto orçamental, há um outro princípio constitucional, importado do direito constitucional da UE (e que por isso goza de primazia sobre os princípios do direito constitucional interno), que é o princípio da sustentabilidade orçamental, se se mostrar que não havia medida menos gravosa nem mais equitativa para alcançar os objectivos da redução do défice orçamental a que o País está obrigado.
Tal com na vida, também no direito constitucional nem tudo o que parece é...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Conselho Superior de 19 de Novembro


O Primeiro-Ministro (PM) veio no sábado dia 16 acenar com o sucesso da Irlanda, ao anunciar querer voltar a financiar-se nos mercados sem recorrer a mais empréstimos sob as condições da Troika, para começar a justificar antecipadamente as medidas de austeridade ainda mais duras que a coligação Coelho/Portas prepara impor aos portugueses quando falharem as injustas medidas que agora tenta fazer passar por via do Orçamento de Estado para 2014 -  medidas que o PM sabe ser inexequíveis, com decisão reprovadora do Tribunal Constitucional ou não.

Num primeiro momento, o Ministro Marques Guedes e escribas de serviço deixaram perceber espanto e decepção com a decisão irlandesa: tantas esperanças haviam posto no ir de carrinho com a Irlanda, que quando ela passou e os deixou apeados, maldisseram a sorte de terem de desbravar sozinhos o que será um programa cautelar da Troika, o mais tardar em Junho de 2014. Mas, na desfaçatez irrevogável que caracteriza a coligação Coelho/Portas logo trataram de sublimar o revés, convertendo-o em arma de arremesso - contra os portugueses e o PS, claro....

Para isso, vá de recorrer a truque de pacotilha, da que gastam os marqueteiros da coligação: durante anos andaram a propagandear que “Portugal não era a Grécia”, que o tigre irlandês “é que era” modelo que Portugal seguia.  Quando a Irlanda, por sua conta e risco, ousa levantar voo da prisão da Troika - porque tem condições para isso, que Portugal não tem - Coelho/Portas ensaiam a cambalhota na desgovernada coelheira, descartam a incapacidade herbívora de emular o tigre, tratando de brandir a proeza celta como incentivo para porem os portugueses a comer ... mais erva.

O PM debitou, com quantos dentes tem na boca, propaganda enganosa:
argumentou que Portugal para ter sucesso semelhante precisa ainda de fazer cortes em salários e pensões como a Irlanda. Ora, pelas mãos insensíveis e empobrecedoras de Coelho e Portas, em cortes nos salários dos sectores publico, cortes nas prestações sociais incluindo pensões, subsídio de desemprego e outros, Portugal já fez sacrifícios muito mais substanciais do que a Irlanda. Acresce que os níveis de desemprego são muitos mais gravosos em Portugal do que na Irlanda - de 2009 para 2013 o desemprego entre nós subiu de 10,6 para 17,4 e na Irlanda apenas de 12 para 13%.

Se Coelho e Portas se inspiraram na Irlanda, imitaram porventura  o que lá acharam de mais cruel e iníquo, mas nunca tentaram sequer emular na firmeza, inteligência e mesmo intransigência negocial irlandesa na Europa, batendo o pé à Alemanha, a outros governos preconceituosos e ultraliberais do Norte europeu e à barrosa Comissão Europeia.

A Irlanda, realmente, nunca foi modelo a que Portugal se pudesse colar: quando se viu forçada a pedir 85 mil milhões de euros  à Troika, a Irlanda tinha feito as contas do que precisava para resgatar os bancos ultra-endividados; tinha um plano de reformas do Estado faseado e já em curso, com objectivos  claros e datas;  tinha batido o pé à Alemanha, à Comissão Europeia e até o Parlamento Europeu, recusando mexer no IRC de 12,5 % - legalmente batoteiro na selva fiscalmente que se tornou esta  UE dominada pelo ultraliberalismo;  tinha um acordo de concertação social a ser rigorosamente cumprido e tinha um governo de coligação envolvendo o partido trabalhista, da família política do PS.

Tudo substancialmente diferente de Portugal, desde a reforma do Estado que o Governo levou dois anos (incluindo os mais de nove meses de gestação Portas)  para tirar do tinteiro, do acordo de concertação social que o Governo negociou mas  não cumpre e à inexistência  de consenso politico parlamentar que a coligação Coelho/Portas se empenhou em perpetuar.

E em muitas outras áreas as condições da Irlanda eram muito mais favoráveis do que as de Portugal, além da vantagem competitiva incomensurável de ser um país de língua inglesa, há décadas sede de multinacionais. Na Irlanda a economia está solidamente assente nas exportações, que representaram 108% do PIB entre 2009 e 2013, enquanto em Portugal, apesar do mínimo aumento que Coelho e Portas hossanam como milagre económico, não passam dos 39% do PIB.

A economia da Irlanda era, à partida,  muito mais competitiva do que a nossa, com mais capacidade de resistir á quebra da procura interna, em que a Troika e  coligação Passos/Portas, mais troikista  que a Troika, se empenharam. Por  isso a Irlanda se propõe voltar a buscar financiamento no mercado  quando apresenta um défice orçamental de  8,2 % - mais do dobro da meta que Portugal se obrigou a  cumprir em 2014, quando deveria regressar aos mercados. E a Irlanda paga já hoje 3,5  de taxa de financiamento nesses mesmos mercados. Enquanto Portugal - como explicou na Índia o inefável Ministro dos Negócios Estrangeiros dando mais umas machetadas no desconchavo governamental - se não conseguir taxas de juros de 4,5% em 2014, pode assobiar às botas de um eufemistico programa cautelar – restar-lhe-á um segundo resgate, puro e ainda mais duro.

O Primeiro-Ministro aplica-se agora a usar o exemplo da Irlanda para pressionar o Tribunal Constitucional e para pressionar o PS, supondo que o intimida como anti patriótico se não assinar o cheque em branco que a coligação pretende, para enterrar  mais o país naquilo a que chama de programa cautelar e que ninguém sabe o que poderá ser. Certo, certinho é que implicará mais condicionantes e prorrogará a supervisão da Troika. Porventura, será apenas um eufemismo para o segundo resgate que o próprio PM brandia ameaçadoramente antes das eleições autárquicas.

 
Se a receita da Troika e da coligação mais troikista do que Troika tiver resultado, Portugal fará como a Irlanda, vai financiar-se aos mercados e manda a Troika à fava... Se precisarmos de segundo resgate, é porque a Troika e a coligação Passos/Portas falharam. Resta a Passos demitir-se e passar o país a eleições. Só assim haverá governo com credibilidade, legitimidade e, espera-se, engenho e arte para negociar em nome de Portugal,  o que for preciso - chame-se segundo resgate, programa cautelar ou para-raios merkeloso, arrancado a Merkel e Barroso.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

40 horas

«Tribunal Constitucional deixa passar lei das 40 horas na função pública».
As dúvidas sobre a constitucionalidade eram legítimas mas a decisão é correcta. Como aqui se defendeu na altura própria.

Adenda
Ao contrário do que é noticiado, a questão essencial - ou seja, que as 40 horas não são inconstitucionais --, foi votada por unanimidade (como se pode ler no acórdão). Os "votos de vencido" dizem respeito ou somente à fundamentação ou apenas ao art. 10º, que proíbe a derrogação das 40 horas por qualquer instrumento de regulação do trabalho em funções públicas.

Antologia das proclamações improváveis

«Oficiais: Demissão do director da PSP representa "ingerência do poder político".»
Homessa! Então o Governo já não tem o poder de mudar a chefia das forças de segurança? Será que a  PSP também já acha que tem direito a autogestão!?

Eanes

A homenagem ao primeiro Presidente da República da era constitucional-democrática é inteiramente merecida. Como poucos dos que tiveram intervenção na implantação do regime democrático em Portugal ele passou o teste do tempo, com sabedoria, equilíbrio, modéstia e moderação. E sem ressentimentos!
Virtuosos não são os homens de Estado que presumem nunca ter errado mas sim os que sempre procuraram agir acertadamente.

Europeístas para todas as estações

Numa entrevista ao jornal i, Vicente Jorge Silva (que foi cofundador deste blogue há dez anos) declara-se desiludido com a União Europeia, chegando a considerar a saída do euro.
VJS não está sozinho nesta desilusão: 60% dos cidadãos europeus compartilham desse sentimento, o dobro dos que assim pensavam antes da crise.
Eis o verdadeiro problema da integração europeia: tendo baseado a sua legitimação e a sua popularidade nos resultados durante décadas (crescimento, aumento do bem-estar, abolição de fronteiras, etc.), a sua aceitação é posta em causa quando ela entra em crise e deixa de providenciar as vantagens que tradicionalmente proporcionava. Depois da crise, a União Europeia precisa de uma base de legitimação democrática mais funda, mais genuína e mais estável. A União Europeia precisa de criar europeístas não somente para os tempos das "vacas gordas" mas também para os tempos difíceis, por sobre os tempos e as circunstâncias -- ou seja, europeístas para todas as estações.

Constitucionalite

No Público de ontem, Manuel Carvalho perguntava se a violência política é constitucional, respondendo obviamente que não. Todavia, numa democracia a violência política não é inaceitável só por ser inconstitucional, mas sim, antes de mais, por ser ... antidemocrática!
A observação do prestigiado jornalista deixa no entanto entender até que ponto o vírus da "constitucionalite" se está a espalhar entre nós, tornando todo o debate político em debate constitucional. Em princípio, o que é constitucionalmente ilegítimo é-o por ser politicamente ilegítimo, e não o contrário.

Antologia de proclamações improváveis

«Vasco Lourenço avisa governantes: "Ou saem a tempo ou vão ser corridos à paulada"».
Não consta que entre os meios para remover governantes num regime democrático conste a paulada. Decididamente, há cabeças demasiado excitadas no País neste momento...

domingo, 24 de novembro de 2013

"Violência legítima"

Ao contrário de alguns arroubos bélicos, num Estado de direito democrático a violêncua nunca é um meio legítimo de ação política ou de protesto cívico.

sábado, 23 de novembro de 2013

Mário Soares

O voluntarismo e activismo do "velho leão" socialista é digno de toda a admiração; o radicalismo das posições e a violência da linguagem, não.

Dez anos de Causa Nossa

Há exactamente uma década nasceu o Causa Nossa. Dez anos na vida de um blogue é muito tempo!
Quando o blogue surgiu, éramos mais do que hoje a fazê-lo. Mas fora isso, e o impacto da grande crise (orçamental, económica, social) por que o País passa, não mudou o essencial, ou seja, a orientação e a atitude do Causa Nossa, tal como expresso no seu texto fundador.
Os governos e as circunstâncias passam, o Causa Nossa fica.