terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Ligações perigosas

O Presidente da República tem razão quando defende o sigilo das suas audiências privativas em Belém, quer quanto ao que ouviu quer quanto ao que disse. Isso deve estar fora do escrutínio público, desde logo para preservar a sua capacidade de informação e de conselho.
Todavia, pode suceder que, embora mantendo reserva quanto ao que ouviu, o próprio Presidente possa ter interesse em esclarecer o que disse ou não disse em alguma dessas audiências, se tal for importante para "varrer a sua testada" e afastar qualquer dúvida sobre a sua posição ou atuação num assunto de relevante de interesse público.
Tal é o caso das audiências que teve com o ex-presidente do grupo BES, depois de este as ter trazido a público no âmbito do inquérito parlamentar sobre o desmoronamento do grupo.

Adenda
Nada disso se aplica ao Primeiro-Ministro, que tem obrigação de esclarecer inteiramente o teor dos contactos que teve com Ricardo Espírito Santo Silva e do seu seguimento, se algum.

Quem mente e oculta compulsivamente, afinal?

Eu preferia falar da renegociação da divida grega, que muito nos interessa a nós, Portugal, e à Europa. Mas declarações de um enervado Vice Primeiro Ministro, na passada 6a. feira, obrigam-me a usar este espaço para reagir: 

Apodou-me Paulo Portas de mentirosa porque eu reproduzi o que diz o Ministério Público no despacho de arquivamento da investigação sobre os submarinos:


Entretanto o  MNE esclareceu, via Lusa, que a 24 de Junho de 2013 comunicou à PGR que tinha entregue uma carta rogatória às autoridades das Bahamas. Já Paulo Portas afirmou na 6a feira que, como MNE, enviou à PGR a 24 de junho de 2013 a resposta das Bahamas. Resposta que o MP escreve nunca ter  localizado.  A questão mantem-se, pois: o que aconteceu à resposta das Bahamas? Veio ou não, via MNE ou directamente, já que a PGR a não encontra?

A questão importa e muito, porque essa resposta das Bahamas pode esclarecer o circuito que percorreram os 30 milhões de euros pagos pelos alemães fornecedores dos submarinos à empresa ESCOM, do Grupo Espírito Santo. Uma sexta parte, ou seja, 5 milhões sabemos hoje, pelas gravações do Conselho Superior do GES, acabaram em "luvas" nos bolsos de Ricardo Salgado e familiares. E 19 milhões foram transferidos para o Fundo Felltree, constituido nas Bahamas para ludibriar a Autoridade Tributária portuguesa - segundo Luis Horta e Costa, administrador da ESCOM, admitiu há dias na Comissão Parlamentar de Inquérito do BES. Ora se os escroques da ESCOM lavaram através do chamado RERT (Regime Especial de Regularização Tributária) 10 milhões de euros que entretanto repatriaram, resta saber a que bolsos foram parar cerca de 9 milhões de euros nunca declarados ao fisco.

Lembro que na Alemanha foram condenados corruptores em Portugal e na Grécia pela compra dos submarinos; na Grécia está preso o ministro da Defesa envolvido; só em Portugal não se acham os corrompidos .... Ora num negócio corrupto e fraudulento como foi este, seria elementar investigar eventuais acréscimos de património de quem tomou as decisões que se revelaram altamente lesivas dos interesses do Estado.

Mas isso o MP encolheu-se de fazer relativamente a Paulo Portas e a Durão Barroso, os principais decisores políticos nesta negociata - e por isso eu requeri ao juiz de instrução criminal que se prossiga  a investigação. Sublinho, no entanto, que  o MP no despacho de arquivamento não conclui que não houve crimes, antes argumenta que o procedimento criminal  já estará prescrito, ao fim de 10 anos  - o que eu também contesto no requerimento de abertura de instrução.

Sucede que muitas das decisões mais  lesivas para o Estado foram tomadas por Paulo Portas enquanto Ministro da Defesa Nacional, como é  confirmado pelo MP no despacho de arquivamento e por abundantes elementos no processo.

Essas decisões incluiram impor a presença da ESCOM no negócio, apesar de saber que trabalhava para os fornecedores alemães, e impor o BES no consórcio financiador da aquisição, contra a vontade dos alemães que até preferiam o banco do Estado, a Caixa Geral de Depósitos, associada ao Deustche Bank. Isto é, Paulo Portas garantiu que Ricardo Salgado e os seus outros comparsas do GES ganhavam por vários carrinhos no negócio, via ESCOM e via BES.

O clamoroso conflito de interesses tinha ainda outras vertentes - o BES era o banco financiador do CDS-PP, que nele tinha contraídos
 2 vultuosos empréstimos. E fora também numa conta do CDS-PP no BES que entrara, na ultima semana de 2004, mais de um milhão de euros em súbito afã depositante de apoiantes, como o fictício  "Jacinto Leite Capelo Rego" - um dos elementos que desencadeou a investigação da PGR, juntamente com intercepções  telefónicas no processo Portucale, em que Paulo Portas é escutado a falar sobre compromissos financeiros secretos.

Por isso eu deixo ao Vice Primeiro Ministro Paulo Portas umas  singelas perguntas, desafiando-o a esclarecê-las publicamente:

- Que empréstimos, e em que condições, tinha o CDS no BES em 2003, 2004 e 2005?
- Qual era a origem do fundo para seu uso exclusivo que o tesoureiro do CDS/PP Abel Pinheiro designava  "ad usum delfini"? E qual foi o destino desse fundo: foi passado ao seu sucessor na direcção do Partido em 2005?
- O que era  "aquilo" que aproveitou para ir fazer ao Canals quando se deslocou à Alemanha no início de Março de 2005? Tratava-se de Michel Canals, sócio fundador da Akoya, sociedade especializada na fuga ao fisco e no branqueamento de capitais?

Fico, ficamos, à espera das respostas. Tranquilamente. Veremos quem mente e oculta compulsivamente, afinal.


(Notas para a minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA 1)


Ana Gomes, MPE

Vertigem grega (5)


Confrontado com a rejeição geral da sua proposta de renegar metade da dívida, bem como para adiar os juros da restante, o governo grego reformulou apressadamente a sua proposta, como relata o Financial Times, que passa agora por transformar em "growth bonds" (obrigações de crescimento) os títulos da dívida aos Estados-membros e ao fundo de resgate, pelo que o seu reembolso ficaria dependente do crescimento económico da Grécia, e em tornar as obrigações na posse do BCE em dívida perpétua, e logo sem obrigação de reembolso. Manter-se-ia naturalmente o serviço de juros, o que é um enorme recuo.
O primeiro problema desde novo esquema é que a dispensa de reembolso da dívida ao BCE equivaleria a um financiamento direto da Grécia, o que é explicitamente proibido pelos Tratados da UE. O segundo problema é saber com que taxa de crescimento é que a Grécia retomaria o pagamento da restante divida e como é que asseguraria esse crescimento. O terceiro problema consiste em saber como é a Grécia poderia assegurar superavit orçamental suficiente para pagar os juros da divida sem ter de contrair novos empréstimos para esse efeito, depois da medidas que já tomou (readmissão de funcionários, suspensão das privatizações, etc.) e que só podem agravar o desequilíbrio orçamental.
Entretanto, a situação financeira dos bancos gregos vai-se deteriorando e o tempo vai escasseando...

Adenda
A admissão explícita de que o Syriza não vai poder cumprir "todas" as suas promessas eleitorais não vai cair bem em Atenas. À medida que os dias passam, "não todas" as promessas vai transformar-se em "muitas". Bastou uma semana para recuar nas grandiosas propostas relativas à dívida e à austeridade orçamental (afinal, já estão disponíveis para garantir um saldo orçamental primário positivo superior a 1%). É a vida!

[revisto]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um pouco mais de rigor, sff


Esta passagem, retirada do Diário Económico de hoje, revela um dos instrumentos usuais da esquerda radical na tentativa de desqualificação política da social-democracia, que é a da alegada "traição" aos interesses dos trabalhadores.
É verdade que as duras e contestadas reformas do chanceler alemão, Schröder, de 2003-05 incluíram, entre outras, uma redução das pensões e do subsídio de desemprego, mas é óbvio que não "destruíram" a segurança social, nem as pensões nem os sindicatos, sendo hoje geralmente consideradas como uma das razões para o elevado nível de emprego, o bom desempenho da economia alemã e a sustentabilidade do sistema de segurança social na Alemanha.

Desalavancar


O FMI tem razão neste ponto, tal como relata o Diário Económico. Um dos grandes travões à retoma do investimento entre nós é o excessivo endividamento das empresas, que restringe a sua capacidade de financiamento.
Na orgia do endividamento durante anos, não foi somente Estado que exagerou. As empresas e as famílias fizeram ainda pior. Com a agravante de também se tratar de endividamento externo.
Por isso, justifica-se que haja limites à distribuição de dividendos e de aumento de remunerações dos gestores no caso das empresas cujo endividamento ultrapassa certo limite.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O império da ANF


Com uma demora de mais de três anos, o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República veio estabelecer que as associações de representação empresarial, como a Associação Nacional de Farmácias, não podem desenvolver atividades empresariais, tal como sempre defendi e como demonstrei num parecer junto ao processo, que me valeu uma selvagem campanha de hostilidade pessoal por parte daquela organização.
Sinto-me naturalmente vindicado como jurisconsulto. Entretanto, porém, a ANF manteve o seu império empresarial...

O dito e o não dito


Faltou dizer: "O PS não é nem será o Syriza"!

Antologia do cinismo político

Francisco Louçã hoje ao Diário de Notícias:
«É a primeira vez que os portugueses têm um Governo que os defende na União Europeia, e esse governo é o de Alexis Tsipras. Portanto, (...) são os únicos ministros que na União Europeia cuidam dos portugueses».
Engana-se portanto quem pensa que os nossos representantes políticos em Bruxelas são quem nós elegemos. Afinal, delegámos esse poder aos gregos!
Deve ser por isso que a principal das medidas do novo governo grego em prol dos interesses portugueses é pregar um calote de 500 milhões de euros quanto à divida que a Grécia tem para Portugal, pela nossa participação no primeiro resgate da Grécia em 2010/11. Não se poderia imaginar maior desvelo dos nossos novos defensores sem mandato em Bruxelas...
Edificante! Como é que haja quem leve a sério políticos destes?!

sábado, 31 de janeiro de 2015

Vertigem grega (4)


A ver se percebemos o que vai na cabeça do Syriza:
-- o programa de contra-austeridade. já em execução avançada, vai custar, segundo as próprias estimativas, cerca de 12 mil milhões de euros em despesa adicional e perda de receita; o financiamento deste programa é puramente ficcional (tipo "luta contra a evasão fiscal e o contrabando");
-- que se saiba, os cofres do Estado vão ficar vazios dentro de semanas; a Grécia depende, portanto, de fundos externos para poder manter o Estado em funcionamento;
-- todavia, ao romper com o programa de ajustamento negociado com a troika, a Grécia prescinde ostensivamente da última fatia do empréstimo acordado, no valor de 7 mil milhões de euros, como se vê na notícia do Le Monde acima;
-- ora, a Grécia está excluída dos mercados da dívida pública, dados os juros proibitivos, agravados com a vitória do Syriza (acima dos 10%);
-- acresce que, durante o corrente ano a Grécia vai ter de reembolsar cerca de 22 mil milhões de euros de empréstimos externos, que começam a vencer já em Março; sem fundos próprios, tendo renegado a assistência financeira da troika e sem poder ir ao mercado refinanciar-se, a Grécia só pode entrar em default.
Conclusão: a única explicação para este enigma é que o Governo Syriza se prepara para cessar pagamentos internos e externos, encaminhando-se deliberadamente para a bancarrota e para a saída do euro.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Vertigem grega (3)


Neste artigo no Financial Times, G. Rachman explica por que é que "a versão grega de economia voodoo pode desmoronar-se -- e rapidamente". A pergunta óbvia é: "de onde vai vir o dinheiro"?

Adenda
O Governo grego recusa-se desafiadoramente a negociar uma extensão do programa de assistência financeira, sem abdicar do seu próprio programa de reversão da austeridade orçamental, cujo custo, seguramente subavaliado, importa em 12 000 milhões de euros, e não tem nenhum financiamento garantido. O Syriza encaminha a Grécia alegremente para o estampanço financeiro (e depois económico e político).

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TTIP


Vou estar amanhã neste colóquio em Guimarães (Caldas das Taipas) sobre o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos, cujas negociações acompanho desde o início.

Adenda
Eis um pequeno relato jornalístico do colóquio.

Vertigem grega (2)


"Não reconhecemos nem o memorando nem a troika" - diz ministro da Administração Pública do novo Governo grego ao Le Monde.
Mas foi da troika e com base no memorando assinado com ela que a Grécia recebeu centenas de milhões de euros de empréstimos que lhe permitiu evitar a bancarrota, manter o Estado a funcionar, pagar salários e pensões e repor a economia nos trilhos.
É evidente que isto só pode ser lido como uma declaração de guerra à UE e ao FMI. Depois de repudiar o acordo, será que o próximo passo na vertigem grega é dizer que também não reconhece a dívida?

Vertigem grega (1)

O novo governo grego apressou-se a entrar em rota de colisão com a troika, tomando medidas que vão claramente de encontro ao programa de ajuste orçamental e económico.
Sabendo-se que o encerramento do atual programa de assistência está pendente do desembolso de uma fatia importante da ajuda financeira -- que é vital para a Grécia manter capacidade orçamental --, como é que  o governo grego pensa convencer os emprestadores a libertarem o dinheiro se a Grécia repudia ostensivamente as obrigações decorrentes do acordo e rompe unilateralmente o acordo?
Como seria de esperar, os mercados reagem negativamente (fuga de depósitos, afundamento bolsista dos bancos, pulo dos juros da dívida grega). A ominosa expressão "crise de liquidez" insinua-se.
Decididamente, a julgar por estes primeiros indícios, as coisas podem vir a correr mesmo mal na Grécia.

Adenda
Parece que a estratégia do governo grego é partir para o confronto a todo o vapor, antes de qualquer negociação com a UE. Resta saber se o aventureirismo do Syriza não arrisca precipitar uma crise financeira insolúvel no país (provocada pela fuga de capitais e pelo afundamento dos bancos) mesmo antes de Bruxelas a Frankfurt terem podido esboçar algum plano de contingência.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Alívio

O esclarecimento era necessário, sobretudo depois do equívoco criado por posições pouco avisadas oriundas do PS logo após a vitória do Syriza.

Adenda
Infelizmente, ao contrário da expetativa do deputado Vitalino Canas, as primeiras medidas do governo do Syriza não são nem "moderadas" nem "pragmáticas". Pelo contrário!

Adenda 2
Respondendo à interpelação de um leitor: mesmo aceitando (sem concordar) que a vitória do Syriza é uma "questão que só diz respeito aos gregos", o que me "faz espécie" são aqueles que entre nós combatem o BE e que depois festejam a vitória do BE grego. Ainda por cima receio bem que as coisas vão correr mal na Grécia e que a identificação com o Syriza não vai ser propriamente um ativo político.

A questão grega


Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Sobre a questão grega, evidentemente.

Flexibilidade condicionada


Pode discordar-se, mas é essa a única leitura da recente comunicação da Comissão sobre a não contagem de certos investimentos no cálculo do défice para efeitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. E além disso, tem lógica.
Não pode beneficiar dessa flexibilidade quem esteja em défice excessivo. Não se pode ter as duas coisas ao mesmo tempo. Na visão da UE é a redução do défice que abre margem para flexibilidade orçamental e não o contrário. Com essa posição a Comissão coloca pressão sobre Portugal e outros países com défice excessivo (como a França) para saírem dessa situação quanto antes, a fim de beneficiarem de maior margem para investimento público.

O Syriza da Madeira


Pelos vistos, também há quem gostaria de pregar um calote aos credores da enorme divida acumulada pela Madeira, apesar da cornucópia de transferências financeiras da UE e da República. Na verdade, se há algo entre nós de parecido com a Grécia em matéria de irresponsabilidade financeira e de viver acima das capacidades é a Madeira.

Adenda
Quando o PSD verbera a gestão orçamental dos anteriores governos (onde se aliás se incluem os seus...) deveria penitenciar-se antes de mais pela verdadeira orgia orçamental que foi a Madeira durante décadas.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O novo normal em Bruxelas...


Somos todos gregos...ou queremos ver-nos gregos?


A vitória do Syriza este fim-de-semana é histórica para a Grécia e para toda a Europa. É uma vitória da democracia, como todos terão de reconhecer, incluindo os que tudo fizeram para intimidar e condicionar o voto dos gregos, como o governo alemão.

Mas, acima de tudo, é um claríssimo sinal de que a Europa tem de mudar. 

O povo grego ergueu-se contra a humilhacao e o sofrimento que lhe estão a ser impostos e veio dizer que quer um caminho alternativo.

É uma salutar chicotada democratica dada a uma Alemanha que hoje domina a Europa, embalada pela sua própria prosperidade e pelas patranhas que lhe vendem os seus governantes de que está a salvar os pobrezinhos dos "pigs" sulistas, enquanto o que verdadeiramente faz é salvar os ricos bancos alemães dos seus próprios desvarios. 

Mas importa que a escolha dos gregos se transforme num verdadeiro terramoto político e acelere o abandono do fanatismo austeritário que tão devastador tem sido para a Europa e para a Democracia europeia. 

O reconhecimento do falhanço da receita austeritária já está explícito no programa de investimento publico que a Comissão Juncker acaba de lançar e que implica uma leitura flexível do chamado Pacto Orçamental. E já está explícito nas medidas que o BCE finalmente anunciou de injecção de liquidez na economia, por via de compra directa de obrigações do tesouro aos Estados Membros da zona euro, fazendo uma interpretação extensiva do seu próprio mandato, apesar da oposição da Alemanha.

Mas tudo vai agora depender do respaldo que o novo governo grego venha a encontrar na Europa e em particular nos países que mais estão a sofrer com a crise.

Há pouco mais de uma semana, escrevia o já velozmente empossado Primeiro Ministro Tsipras, num artigo de opinião no El País, que a mudança tinha de vir do sul. Muito do que acontecer daqui para a frente - e espero que o Syriza saiba estar  à altura das suas responsabilidades no governo em Atenas e na governação da União Europeia - vai  depender da forma como actuem agora os governos dos outros países do sul da Europa também brutalmente afectados pela crise. 

Do Governo Passos Coelho e Portas, porém, não temos a esperar senão mais do mesmo: o talibanismo do bom aluno servil junto da Senhora Merkel e o oportunismo despudorado, quando toca a colher os beneficios das mudanças que antes disse impossíveis e até combateu: é a atitude de incentivo e contribuição zero ao programa Juncker e ao programa de "quantitative easing" do BCE,  transformada subitamente, a posteriori, com PM e VPM a procurarem cavalgar e capitalizar as mudanças. Sobre o que a Grécia disse querer nas urnas, ouvimos já Passos Coelho escarnecer, vergonhosamente, como "conto de crianças". Ele prefere os contos de terror que os portugueses têm a contar da sua governação....

Ora,  já que a voz do Governo português não se ouve em Bruxelas ou Berlim, ou só se ouve para ecoar a melodia ilusória de que "Portugal está no bom caminho" que convém à Senhora Merkel para continuar a levar no engodo o povo alemão, é imperativo que se faça ouvir a voz da oposição portuguesa, e do PS em particular, desmentindo a narrativa mentirosa, expondo os reais efeitos da crise em Portugal e apoiando a mudança radical que Tsipras quer promover.

Nada vai ser mais central do que o que fazer à dívida soberana, que na Grécia como cá aumentou exponencialmente com as troikas do austeritarismo e do empobrecimento forçado. A Grécia pode precisar de mais um perdão da dívida que é totalmente impagável, já esta acima dos 170 % do PIB - e não será nada de novo já teve duas, em 2010 e 2012 com acordo europeu. Portugal precisa certamente de renegociar a sua dívida, que hoje acima dos 130% constitui uma canga arrasadora dos esforços feitos pelos portugueses para sair da crise. 

A solução para não pode mais ser fragmentada, tem de ser europeia e reforçar em vez de enfraquecer o euro: precisamos de um Fundo Europeu de Redenção para gerir e amortizar colectivamente as dívidas públicas europeias, incluindo a alemã que também esta acima dos convencionados 60%.

Não podemos deixar que se empurre para fora da UE a Grécia, como alguns maldosamente querem. É preciso fazer compreender ao povo alemão que sem Grécia e sem euro lá se acabaria a sua galinha dos ovos de ouro. 

Qual Grexit, qual carapuça! Só salvando o euro, salvaremos a Europa.


(Notas transcritas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)


A primeira derrota

A primeira derrota do novo governo grego vai ser a falta de adesão à sua proposta de conferência dos países periféricos sobre a dívida.
Não creio que algum dos governos convidados esteja disponível para integrar esse "sindicato dos devedores", até porque nenhum deles defende o não pagamento, como propõe o Syriza (com as consequências já à vista na subida dos juros da dívida grega). A sede para a discussão de qualquer afeiçoamento da dívida (maturidades, juros, etc.) é obviamente o Conselho da União e o BCE.

Grécia (7)

Há um equívoco quanto à dimensão da vitória do Syriza, folgada sem dúvida (com 36% dos votos), mas longe de "esmagadora", como se chegou a dizer, por ter ficado à beira da maioria parlamentar absoluta.
A perceção errada tem a ver com o facto de o sistema eleitoral grego dar um bónus de 50 deputados ao partido vencedor, pelo que só 250 dos 300 deputados do parlamento é que são repartidos entre as diferentes listas concorrentes. Sem esse generoso bónus, o Syriza teria ficado a mais de 50 deputados da maioria e teria tido mais dificuldades em formar governo.

Adenda
A propósito uma solução dessas seria impossível em Portugal, por ser obviamente contra a regra da proporcionalidade. Entre nós, a maioria absoluta só se alcança com cerca de 45% dos votos.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Grécia (6)

Já há coligação de governo na Grécia, tendo o Syriza obtido o apoio dos Gregos Independentes, um partido de direita nacionalista, cuja única coisa em comum com o Syriza é a oposição ao programa de ajustamento da troika, sendo ainda mais radicais do que o Syriza na questão da dívida.
Estranha coligação e mau sinal...

Grécia (5)

A Grécia que o Syriza herda está felizmente em melhores condições económicas e financeiras do que no auge da crise. Já há saldo orçamental primário positivo, economia a crescer, começo de redução do desemprego. A austeridade não foi em vão.
Por isso, começa a haver condições para algum alívio da austeridade orçamental e para amenizar a enorme crise social. Em vez de reverter os ganhos efetuados no campo da consolidação orçamental com o seu radicalismo antiausteridade, o Syriza deveria capitalizar os seus efeitos positivos.

Grécia (4)

A minha previsão é que a UE acabará por fazer algumas concessões à Grécia "para pôr a bola" no campo do governo grego -- como algum reescalonamento da dívida grega nas mãos do BCE, ou o alongamento do calendário de redução da divida, ou o desconto orçamental dos investimentos cofinanciados pelo programa de investimento estratégicos da UE --, mas a troco da reafirmação do compromisso com o programa de reajustamento económico e orçamental da Grécia -- o que inviabiliza grande parte do programa do Syriza. Restarão as medidas sociais de socorro aos mais pobres, como o subsídio de eletricidade ou os cheques-alimentação, cujo financiamento é viável.
No final, entre aceitar essas concessões e romper com a UE, o Syriza acabará por conformar-se com primeira alternativa. Resta saber se a vida do governo será longa...

Grécia (3)


O Financial Times pergunta se Tsipras vai ser um Lula ou um Chávez.
A resposta é: nenhum! Ambos tinham dinheiro para gastar, o que o líder grego não tem.

Grécia (2)

A tentativa de todas as esquerdas em Portugal para cavalgarem a vitória da esquerda radical na Grécia, incluindo partidos que pouco têm a ver com o Syriza, como o PS e o PCP, releva de um oportunismo pouco recomendável.

Adenda
Faltava o partido de Marinho e Pinto. Subitamente parece que "todos somos Syrisa" (salvo seja, no que me diz respeito).

O patrono

Durante os anos da prolongada recessão económica, tanto na Europa como nos Estados Unidos, o economista Paul Krugman foi uma referência para todos os adversários da austeridade orçamental, em nome da ideia de que o crescimento da procura é a primeira alavanca da economia e que, na falta de procura privada bastante, a expansão da despesa pública com recurso à dívida é a única solução disponível. A austeridade orçamental levaria necessariamente ao agravamento da recessão (teoria da "espiral recessiva"), com as suas sequelas no desemprego, na redução de salários e na limitação dos próprias receitas fiscais do Estado.
Todavia, como mostra o economista Jeffrey Sachs, a narrativa de Krugman não parece poder explicar a retoma económica apesar da travagem mais ou menos forte da despesa pública, não somente nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas também -- poderíamos acrescentar -- um pouco por toda a União Europeia, incluindo Irlanda, Espanha, Portugal, etc.
Os nossos teóricos da "espiral recessiva", que entretanto já meteram a expressão na gaveta, vão ter de se explicar...

domingo, 25 de janeiro de 2015

Grécia (1)

Como se previa, a Coligação da Esquerda Radical (Syriza) ganhou folgadamente as eleições gregas, sendo portanto chamada a governar o país. É pena não ter obtido maioria absoluta, pois assim sempre vai ter o álibi de que não pode levar a cabo o seu programa.
Porque, de facto, o programa do Syriza é pura e simplesmente irrealizável, num país que está sob assistência financeira, quer na parte em que propõe um generalizado calote na dívida pública (eliminação de grande parte da dívida, moratória indefinida sobre a parte restante, pagamento só em caso de crescimento económico futuro...), quer na parte em que defende a rejeição imediata do Memorando da troika e a sua substituição por um Plano de Reconstrução Nacional com um custo orçamental estimado de doze mil milhões de euros, a ser supostamente financiado por receitas tão etéreas como a recuperação de dívidas fiscais atrasadas, luta contra a evasão fiscal, etc.
Estando o país dependente de uma fatia remanescente do empréstimo da troika, não se vê como é que o vai obter com propostas destas. Tempos atribulados, os próximos na Grécia!

Prémio imerecido


Sim, o Governo pode estar "embaraçado" pela mudança de tom na política orçamental (pela mão da Comissão) e da política monetária (pela mão do BCE) na UE, mudança por que não se bateu. Mas, no fundo, o Governo há de pensar que, mesmo sem ter investido nela, pode ser beneficiário político dessa mudança, na medida em que uma e outra podem melhorar as perspetivas da economia europeia e da economia nacional: mais desvalorização do euro, nova baixa das taxas de juro, mais consumo, mais investimento, mais emprego, mais exportações, menos encargos da dívida pública, mais receita fiscal, maior margem orçamental, etc.
Mesmo se imerecido, o Governo pode apropriar-se do prémio.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Estranha simpatia


Com que é que o PS simpatiza no Syriza?!

Adenda
Julguei que as simpatias do PS na Grécia iam para o PASOK, o partido socialista grego, principal vitima do desmoronamento da ficção económica e orçamental que a Grécia era e que a crise de 2008 pôs a nu.