segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Um pouco mais de rigor sff


Não faz nenhum sentido comparar o valor do salário mínimo em termos absolutos, sem entrar em linha de conta com a diferença nacional dos níveis dos salários em geral.
O modo normal de comparar o salário mínimo é em termos de proporção do seu valor em relação ao valor da mediana dos salários (ou seja, o ponto intermédio do leque salarial). Ora, segundo este critério o salário mínimo em Portugal estava em 2012 (portanto, antes da recente subida) entre os mais elevados da zona euro (e não entre os cinco mais baixos, como diz a notícia acima).


Adenda
Perguntam-me o que penso do enorme aumento do salário mínimo na Grécia, que vai passar para 750 euros (x 14 meses), o que compara com os nossos 505 euros (depois do recente aumento). Penso que é uma enorme irresponsabilidade económica, que vai estoirar com muitas PMEs, diminuir a competitividade externa do País e lançar no desemprego milhares de trabalhadores, a começar pelos supostamente beneficiados pelo aumento. É um presente envenenado. O aumento é tanto mais injustificado quanto é certo que, devido à recessão, se deu uma queda dos salário médio e do salário mediano.

Estão a mangar connosco


No início, este governo resolveu submeter a concurso o recrutamento de dirigentes na administração pública, como prova da independência e da desgovernamentalização da função pública.
"Bem prega Frei Tomás", porém. Soube-se agora que catorze dirigentes da segurança social recém-nomeados são todos do PSD e do CDS e já tinham sido nomeados a título provisório há quatro anos (!!) por este governo. Concursos a sério, como se imagina!
Como diz Helena Garrido no Jornal de Negócios:
«É com casos destes que os partidos perdem o respeito dos cidadãos, é com casos destes que se vai ameaçando os pilares da democracia moderna. Também o PSD tinha prometido que não haveria mais "jobs for the boys". Vê-se. Vale mais desistir dos concursos. É mais sério, merece mais respeito.»

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Aqui ao lado


A sondagem de opinião hoje publicada no El País confirma a fragmentação do leque partidário espanhol e o apoio dos novos partidos antissistema, desde o Podemos, que lidera a sondagem, até ao Ciudadanos, que aparece em quarta posição, isso à custa dos dois partidos governantes tradicionais, o PP e o PSOE, sobretudo este, que fica abaixo dos 20%, não tirando partido da sua oposição ao Governo do PP.
É claro que ainda vai correr muita água debaixo das pontes até às eleições gerais do final do ano, incluindo o destino do governo Syriza na Grécia. As eleições regionais na Andaluzia em março e as eleições autárquicas e regionais de maio podem dar uma imagem mais precisa quanto à consistência deste panorama político. Mas a manter-se este quadro político, a Espanha arriscar-se-ia a ficar ingovernável.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Vertigem grega (7)


A dura realidade começa a destroçar as ilusões do governo Syriza. Para além de não terem conseguido nenhum apoio para um única das suas propostas sobre a dívida e de continuarem sem apresentar alternativas credíveis, esta decisão do BCE (inevitável face à saída unilateral da Grécia do programa de ajustamento com a Troika) vem tornar ainda mais difícil a vida dos bancos gregos.
No meio do espalhafato mediático e do fracasso negocial, o Governo grego parece cada vez mais um aprendiz de feiticeiro a braços com uma mistura explosiva que ameaça estoirar-lhe nas mãos.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A UE refém de Atenas


Esta é a introdução da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico, acerca do impacto do Governo Syriza sobre a política de comércio externo da União Europeia e, em especial sobre o acordo de comércio e investimento com os Estados Unidos (TTIP).

Adenda
Esta é a posição oficial grega sobre o TTIP que refiro no meu texto: «Syriza-led Greek parliament ‘will never ratify TTIP’».

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Vertigem grega (6)

Num artigo hoje publicado hoje no Público vários dirigentes do Bloco de Esquerda insistem em defender o perdão de metade da dívida grega e a conferência internacional sobre a dívida, tal como proposto inicialmente pelo Syriza (sendo aliás compromissos eleitorais).
"Azar dos Távoras", sucede que ambas as propostas já saíram da agenda negocial do Governo Syriza, em mudança vertiginosa, que já desistiu explicitamente do perdão da dívida e já nem sequer fala da tal conferência.
O mesmo vai suceder com a proposta de fim da austeridade orçamental. Qualquer concessão da UE em matéria de dívida (por exemplo, associar o reembolso ao crescimento da economia, como eu próprio logo defendi) vai exigir da Grécia seguramente dois compromissos: (i) assegurar o serviço de juros da dívida (e para isso manter o necessário saldo orçamental primário positivo); (ii)  criar condições para um crescimento sustentado da economia (o que não passa obviamente por aumentos incomportáveis de salários nem pela suspensão das privatizações).
Ou seja, a Grécia não de vai libertar nem da disciplina orçamental nem da monitorização externa.

Abuso de autoridade (10)

José Sócrates: «Esta prisão preventiva é abusiva, desproporcionada e ilegal».

Incompetência atávica

Acumulam-se os casos de rotunda incompetência governativa, com grave lesão do interesse público (desde logo, do erário publico) e dos utentes dos serviços públicos. Depois dos casos mais escandalosos do último ano (a entrada em funcionamento do novo mapa judicial e a colocação de professores no início do atual ano letivo), surge agora o do incrível falhanço do novo sistema de cobrança de multas dos transporte urbanos.
O que surpreende mais uma vez não é somente a inépcia em si mesma mas também a inaceitável demora em repará-la, que neste último caso já vai em mais de um ano! O que já não surpreende é a tentativa para alijar responsabilidades políticas e para atirar a culpa para os serviços (ou para as máquinas...).

Ligações perigosas

O Presidente da República tem razão quando defende o sigilo das suas audiências privativas em Belém, quer quanto ao que ouviu quer quanto ao que disse. Isso deve estar fora do escrutínio público, desde logo para preservar a sua capacidade de informação e de conselho.
Todavia, pode suceder que, embora mantendo reserva quanto ao que ouviu, o próprio Presidente possa ter interesse em esclarecer o que disse ou não disse em alguma dessas audiências, se tal for importante para "varrer a sua testada" e afastar qualquer dúvida sobre a sua posição ou atuação num assunto de relevante de interesse público.
Tal é o caso das audiências que teve com o ex-presidente do grupo BES, depois de este as ter trazido a público no âmbito do inquérito parlamentar sobre o desmoronamento do grupo.

Adenda
Nada disso se aplica ao Primeiro-Ministro, que tem obrigação de esclarecer inteiramente o teor dos contactos que teve com Ricardo Espírito Santo Silva e do seu seguimento, se algum.

Quem mente e oculta compulsivamente, afinal?

Eu preferia falar da renegociação da divida grega, que muito nos interessa a nós, Portugal, e à Europa. Mas declarações de um enervado Vice Primeiro Ministro, na passada 6a. feira, obrigam-me a usar este espaço para reagir: 

Apodou-me Paulo Portas de mentirosa porque eu reproduzi o que diz o Ministério Público no despacho de arquivamento da investigação sobre os submarinos:


Entretanto o  MNE esclareceu, via Lusa, que a 24 de Junho de 2013 comunicou à PGR que tinha entregue uma carta rogatória às autoridades das Bahamas. Já Paulo Portas afirmou na 6a feira que, como MNE, enviou à PGR a 24 de junho de 2013 a resposta das Bahamas. Resposta que o MP escreve nunca ter  localizado.  A questão mantem-se, pois: o que aconteceu à resposta das Bahamas? Veio ou não, via MNE ou directamente, já que a PGR a não encontra?

A questão importa e muito, porque essa resposta das Bahamas pode esclarecer o circuito que percorreram os 30 milhões de euros pagos pelos alemães fornecedores dos submarinos à empresa ESCOM, do Grupo Espírito Santo. Uma sexta parte, ou seja, 5 milhões sabemos hoje, pelas gravações do Conselho Superior do GES, acabaram em "luvas" nos bolsos de Ricardo Salgado e familiares. E 19 milhões foram transferidos para o Fundo Felltree, constituido nas Bahamas para ludibriar a Autoridade Tributária portuguesa - segundo Luis Horta e Costa, administrador da ESCOM, admitiu há dias na Comissão Parlamentar de Inquérito do BES. Ora se os escroques da ESCOM lavaram através do chamado RERT (Regime Especial de Regularização Tributária) 10 milhões de euros que entretanto repatriaram, resta saber a que bolsos foram parar cerca de 9 milhões de euros nunca declarados ao fisco.

Lembro que na Alemanha foram condenados corruptores em Portugal e na Grécia pela compra dos submarinos; na Grécia está preso o ministro da Defesa envolvido; só em Portugal não se acham os corrompidos .... Ora num negócio corrupto e fraudulento como foi este, seria elementar investigar eventuais acréscimos de património de quem tomou as decisões que se revelaram altamente lesivas dos interesses do Estado.

Mas isso o MP encolheu-se de fazer relativamente a Paulo Portas e a Durão Barroso, os principais decisores políticos nesta negociata - e por isso eu requeri ao juiz de instrução criminal que se prossiga  a investigação. Sublinho, no entanto, que  o MP no despacho de arquivamento não conclui que não houve crimes, antes argumenta que o procedimento criminal  já estará prescrito, ao fim de 10 anos  - o que eu também contesto no requerimento de abertura de instrução.

Sucede que muitas das decisões mais  lesivas para o Estado foram tomadas por Paulo Portas enquanto Ministro da Defesa Nacional, como é  confirmado pelo MP no despacho de arquivamento e por abundantes elementos no processo.

Essas decisões incluiram impor a presença da ESCOM no negócio, apesar de saber que trabalhava para os fornecedores alemães, e impor o BES no consórcio financiador da aquisição, contra a vontade dos alemães que até preferiam o banco do Estado, a Caixa Geral de Depósitos, associada ao Deustche Bank. Isto é, Paulo Portas garantiu que Ricardo Salgado e os seus outros comparsas do GES ganhavam por vários carrinhos no negócio, via ESCOM e via BES.

O clamoroso conflito de interesses tinha ainda outras vertentes - o BES era o banco financiador do CDS-PP, que nele tinha contraídos
 2 vultuosos empréstimos. E fora também numa conta do CDS-PP no BES que entrara, na ultima semana de 2004, mais de um milhão de euros em súbito afã depositante de apoiantes, como o fictício  "Jacinto Leite Capelo Rego" - um dos elementos que desencadeou a investigação da PGR, juntamente com intercepções  telefónicas no processo Portucale, em que Paulo Portas é escutado a falar sobre compromissos financeiros secretos.

Por isso eu deixo ao Vice Primeiro Ministro Paulo Portas umas  singelas perguntas, desafiando-o a esclarecê-las publicamente:

- Que empréstimos, e em que condições, tinha o CDS no BES em 2003, 2004 e 2005?
- Qual era a origem do fundo para seu uso exclusivo que o tesoureiro do CDS/PP Abel Pinheiro designava  "ad usum delfini"? E qual foi o destino desse fundo: foi passado ao seu sucessor na direcção do Partido em 2005?
- O que era  "aquilo" que aproveitou para ir fazer ao Canals quando se deslocou à Alemanha no início de Março de 2005? Tratava-se de Michel Canals, sócio fundador da Akoya, sociedade especializada na fuga ao fisco e no branqueamento de capitais?

Fico, ficamos, à espera das respostas. Tranquilamente. Veremos quem mente e oculta compulsivamente, afinal.


(Notas para a minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA 1)


Ana Gomes, MPE

Vertigem grega (5)


Confrontado com a rejeição geral da sua proposta de renegar metade da dívida, bem como para adiar os juros da restante, o governo grego reformulou apressadamente a sua proposta, como relata o Financial Times, que passa agora por transformar em "growth bonds" (obrigações de crescimento) os títulos da dívida aos Estados-membros e ao fundo de resgate, pelo que o seu reembolso ficaria dependente do crescimento económico da Grécia, e em tornar as obrigações na posse do BCE em dívida perpétua, e logo sem obrigação de reembolso. Manter-se-ia naturalmente o serviço de juros, o que é um enorme recuo.
O primeiro problema desde novo esquema é que a dispensa de reembolso da dívida ao BCE equivaleria a um financiamento direto da Grécia, o que é explicitamente proibido pelos Tratados da UE. O segundo problema é saber com que taxa de crescimento é que a Grécia retomaria o pagamento da restante divida e como é que asseguraria esse crescimento. O terceiro problema consiste em saber como é a Grécia poderia assegurar superavit orçamental suficiente para pagar os juros da divida sem ter de contrair novos empréstimos para esse efeito, depois da medidas que já tomou (readmissão de funcionários, suspensão das privatizações, etc.) e que só podem agravar o desequilíbrio orçamental.
Entretanto, a situação financeira dos bancos gregos vai-se deteriorando e o tempo vai escasseando...

Adenda
A admissão explícita de que o Syriza não vai poder cumprir "todas" as suas promessas eleitorais não vai cair bem em Atenas. À medida que os dias passam, "não todas" as promessas vai transformar-se em "muitas". Bastou uma semana para recuar nas grandiosas propostas relativas à dívida e à austeridade orçamental (afinal, já estão disponíveis para garantir um saldo orçamental primário positivo superior a 1%). É a vida!

[revisto]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um pouco mais de rigor, sff


Esta passagem, retirada do Diário Económico de hoje, revela um dos instrumentos usuais da esquerda radical na tentativa de desqualificação política da social-democracia, que é a da alegada "traição" aos interesses dos trabalhadores.
É verdade que as duras e contestadas reformas do chanceler alemão, Schröder, de 2003-05 incluíram, entre outras, uma redução das pensões e do subsídio de desemprego, mas é óbvio que não "destruíram" a segurança social, nem as pensões nem os sindicatos, sendo hoje geralmente consideradas como uma das razões para o elevado nível de emprego, o bom desempenho da economia alemã e a sustentabilidade do sistema de segurança social na Alemanha.

Desalavancar


O FMI tem razão neste ponto, tal como relata o Diário Económico. Um dos grandes travões à retoma do investimento entre nós é o excessivo endividamento das empresas, que restringe a sua capacidade de financiamento.
Na orgia do endividamento durante anos, não foi somente Estado que exagerou. As empresas e as famílias fizeram ainda pior. Com a agravante de também se tratar de endividamento externo.
Por isso, justifica-se que haja limites à distribuição de dividendos e de aumento de remunerações dos gestores no caso das empresas cujo endividamento ultrapassa certo limite.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O império da ANF


Com uma demora de mais de três anos, o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República veio estabelecer que as associações de representação empresarial, como a Associação Nacional de Farmácias, não podem desenvolver atividades empresariais, tal como sempre defendi e como demonstrei num parecer junto ao processo, que me valeu uma selvagem campanha de hostilidade pessoal por parte daquela organização.
Sinto-me naturalmente vindicado como jurisconsulto. Entretanto, porém, a ANF manteve o seu império empresarial...

O dito e o não dito


Faltou dizer: "O PS não é nem será o Syriza"!

Antologia do cinismo político

Francisco Louçã hoje ao Diário de Notícias:
«É a primeira vez que os portugueses têm um Governo que os defende na União Europeia, e esse governo é o de Alexis Tsipras. Portanto, (...) são os únicos ministros que na União Europeia cuidam dos portugueses».
Engana-se portanto quem pensa que os nossos representantes políticos em Bruxelas são quem nós elegemos. Afinal, delegámos esse poder aos gregos!
Deve ser por isso que a principal das medidas do novo governo grego em prol dos interesses portugueses é pregar um calote de 500 milhões de euros quanto à divida que a Grécia tem para Portugal, pela nossa participação no primeiro resgate da Grécia em 2010/11. Não se poderia imaginar maior desvelo dos nossos novos defensores sem mandato em Bruxelas...
Edificante! Como é que haja quem leve a sério políticos destes?!

sábado, 31 de janeiro de 2015

Vertigem grega (4)


A ver se percebemos o que vai na cabeça do Syriza:
-- o programa de contra-austeridade. já em execução avançada, vai custar, segundo as próprias estimativas, cerca de 12 mil milhões de euros em despesa adicional e perda de receita; o financiamento deste programa é puramente ficcional (tipo "luta contra a evasão fiscal e o contrabando");
-- que se saiba, os cofres do Estado vão ficar vazios dentro de semanas; a Grécia depende, portanto, de fundos externos para poder manter o Estado em funcionamento;
-- todavia, ao romper com o programa de ajustamento negociado com a troika, a Grécia prescinde ostensivamente da última fatia do empréstimo acordado, no valor de 7 mil milhões de euros, como se vê na notícia do Le Monde acima;
-- ora, a Grécia está excluída dos mercados da dívida pública, dados os juros proibitivos, agravados com a vitória do Syriza (acima dos 10%);
-- acresce que, durante o corrente ano a Grécia vai ter de reembolsar cerca de 22 mil milhões de euros de empréstimos externos, que começam a vencer já em Março; sem fundos próprios, tendo renegado a assistência financeira da troika e sem poder ir ao mercado refinanciar-se, a Grécia só pode entrar em default.
Conclusão: a única explicação para este enigma é que o Governo Syriza se prepara para cessar pagamentos internos e externos, encaminhando-se deliberadamente para a bancarrota e para a saída do euro.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Vertigem grega (3)


Neste artigo no Financial Times, G. Rachman explica por que é que "a versão grega de economia voodoo pode desmoronar-se -- e rapidamente". A pergunta óbvia é: "de onde vai vir o dinheiro"?

Adenda
O Governo grego recusa-se desafiadoramente a negociar uma extensão do programa de assistência financeira, sem abdicar do seu próprio programa de reversão da austeridade orçamental, cujo custo, seguramente subavaliado, importa em 12 000 milhões de euros, e não tem nenhum financiamento garantido. O Syriza encaminha a Grécia alegremente para o estampanço financeiro (e depois económico e político).

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TTIP


Vou estar amanhã neste colóquio em Guimarães (Caldas das Taipas) sobre o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos, cujas negociações acompanho desde o início.

Adenda
Eis um pequeno relato jornalístico do colóquio.

Vertigem grega (2)


"Não reconhecemos nem o memorando nem a troika" - diz ministro da Administração Pública do novo Governo grego ao Le Monde.
Mas foi da troika e com base no memorando assinado com ela que a Grécia recebeu centenas de milhões de euros de empréstimos que lhe permitiu evitar a bancarrota, manter o Estado a funcionar, pagar salários e pensões e repor a economia nos trilhos.
É evidente que isto só pode ser lido como uma declaração de guerra à UE e ao FMI. Depois de repudiar o acordo, será que o próximo passo na vertigem grega é dizer que também não reconhece a dívida?

Vertigem grega (1)

O novo governo grego apressou-se a entrar em rota de colisão com a troika, tomando medidas que vão claramente de encontro ao programa de ajuste orçamental e económico.
Sabendo-se que o encerramento do atual programa de assistência está pendente do desembolso de uma fatia importante da ajuda financeira -- que é vital para a Grécia manter capacidade orçamental --, como é que  o governo grego pensa convencer os emprestadores a libertarem o dinheiro se a Grécia repudia ostensivamente as obrigações decorrentes do acordo e rompe unilateralmente o acordo?
Como seria de esperar, os mercados reagem negativamente (fuga de depósitos, afundamento bolsista dos bancos, pulo dos juros da dívida grega). A ominosa expressão "crise de liquidez" insinua-se.
Decididamente, a julgar por estes primeiros indícios, as coisas podem vir a correr mesmo mal na Grécia.

Adenda
Parece que a estratégia do governo grego é partir para o confronto a todo o vapor, antes de qualquer negociação com a UE. Resta saber se o aventureirismo do Syriza não arrisca precipitar uma crise financeira insolúvel no país (provocada pela fuga de capitais e pelo afundamento dos bancos) mesmo antes de Bruxelas a Frankfurt terem podido esboçar algum plano de contingência.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Alívio

O esclarecimento era necessário, sobretudo depois do equívoco criado por posições pouco avisadas oriundas do PS logo após a vitória do Syriza.

Adenda
Infelizmente, ao contrário da expetativa do deputado Vitalino Canas, as primeiras medidas do governo do Syriza não são nem "moderadas" nem "pragmáticas". Pelo contrário!

Adenda 2
Respondendo à interpelação de um leitor: mesmo aceitando (sem concordar) que a vitória do Syriza é uma "questão que só diz respeito aos gregos", o que me "faz espécie" são aqueles que entre nós combatem o BE e que depois festejam a vitória do BE grego. Ainda por cima receio bem que as coisas vão correr mal na Grécia e que a identificação com o Syriza não vai ser propriamente um ativo político.

A questão grega


Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Sobre a questão grega, evidentemente.

Flexibilidade condicionada


Pode discordar-se, mas é essa a única leitura da recente comunicação da Comissão sobre a não contagem de certos investimentos no cálculo do défice para efeitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. E além disso, tem lógica.
Não pode beneficiar dessa flexibilidade quem esteja em défice excessivo. Não se pode ter as duas coisas ao mesmo tempo. Na visão da UE é a redução do défice que abre margem para flexibilidade orçamental e não o contrário. Com essa posição a Comissão coloca pressão sobre Portugal e outros países com défice excessivo (como a França) para saírem dessa situação quanto antes, a fim de beneficiarem de maior margem para investimento público.

O Syriza da Madeira


Pelos vistos, também há quem gostaria de pregar um calote aos credores da enorme divida acumulada pela Madeira, apesar da cornucópia de transferências financeiras da UE e da República. Na verdade, se há algo entre nós de parecido com a Grécia em matéria de irresponsabilidade financeira e de viver acima das capacidades é a Madeira.

Adenda
Quando o PSD verbera a gestão orçamental dos anteriores governos (onde se aliás se incluem os seus...) deveria penitenciar-se antes de mais pela verdadeira orgia orçamental que foi a Madeira durante décadas.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O novo normal em Bruxelas...


Somos todos gregos...ou queremos ver-nos gregos?


A vitória do Syriza este fim-de-semana é histórica para a Grécia e para toda a Europa. É uma vitória da democracia, como todos terão de reconhecer, incluindo os que tudo fizeram para intimidar e condicionar o voto dos gregos, como o governo alemão.

Mas, acima de tudo, é um claríssimo sinal de que a Europa tem de mudar. 

O povo grego ergueu-se contra a humilhacao e o sofrimento que lhe estão a ser impostos e veio dizer que quer um caminho alternativo.

É uma salutar chicotada democratica dada a uma Alemanha que hoje domina a Europa, embalada pela sua própria prosperidade e pelas patranhas que lhe vendem os seus governantes de que está a salvar os pobrezinhos dos "pigs" sulistas, enquanto o que verdadeiramente faz é salvar os ricos bancos alemães dos seus próprios desvarios. 

Mas importa que a escolha dos gregos se transforme num verdadeiro terramoto político e acelere o abandono do fanatismo austeritário que tão devastador tem sido para a Europa e para a Democracia europeia. 

O reconhecimento do falhanço da receita austeritária já está explícito no programa de investimento publico que a Comissão Juncker acaba de lançar e que implica uma leitura flexível do chamado Pacto Orçamental. E já está explícito nas medidas que o BCE finalmente anunciou de injecção de liquidez na economia, por via de compra directa de obrigações do tesouro aos Estados Membros da zona euro, fazendo uma interpretação extensiva do seu próprio mandato, apesar da oposição da Alemanha.

Mas tudo vai agora depender do respaldo que o novo governo grego venha a encontrar na Europa e em particular nos países que mais estão a sofrer com a crise.

Há pouco mais de uma semana, escrevia o já velozmente empossado Primeiro Ministro Tsipras, num artigo de opinião no El País, que a mudança tinha de vir do sul. Muito do que acontecer daqui para a frente - e espero que o Syriza saiba estar  à altura das suas responsabilidades no governo em Atenas e na governação da União Europeia - vai  depender da forma como actuem agora os governos dos outros países do sul da Europa também brutalmente afectados pela crise. 

Do Governo Passos Coelho e Portas, porém, não temos a esperar senão mais do mesmo: o talibanismo do bom aluno servil junto da Senhora Merkel e o oportunismo despudorado, quando toca a colher os beneficios das mudanças que antes disse impossíveis e até combateu: é a atitude de incentivo e contribuição zero ao programa Juncker e ao programa de "quantitative easing" do BCE,  transformada subitamente, a posteriori, com PM e VPM a procurarem cavalgar e capitalizar as mudanças. Sobre o que a Grécia disse querer nas urnas, ouvimos já Passos Coelho escarnecer, vergonhosamente, como "conto de crianças". Ele prefere os contos de terror que os portugueses têm a contar da sua governação....

Ora,  já que a voz do Governo português não se ouve em Bruxelas ou Berlim, ou só se ouve para ecoar a melodia ilusória de que "Portugal está no bom caminho" que convém à Senhora Merkel para continuar a levar no engodo o povo alemão, é imperativo que se faça ouvir a voz da oposição portuguesa, e do PS em particular, desmentindo a narrativa mentirosa, expondo os reais efeitos da crise em Portugal e apoiando a mudança radical que Tsipras quer promover.

Nada vai ser mais central do que o que fazer à dívida soberana, que na Grécia como cá aumentou exponencialmente com as troikas do austeritarismo e do empobrecimento forçado. A Grécia pode precisar de mais um perdão da dívida que é totalmente impagável, já esta acima dos 170 % do PIB - e não será nada de novo já teve duas, em 2010 e 2012 com acordo europeu. Portugal precisa certamente de renegociar a sua dívida, que hoje acima dos 130% constitui uma canga arrasadora dos esforços feitos pelos portugueses para sair da crise. 

A solução para não pode mais ser fragmentada, tem de ser europeia e reforçar em vez de enfraquecer o euro: precisamos de um Fundo Europeu de Redenção para gerir e amortizar colectivamente as dívidas públicas europeias, incluindo a alemã que também esta acima dos convencionados 60%.

Não podemos deixar que se empurre para fora da UE a Grécia, como alguns maldosamente querem. É preciso fazer compreender ao povo alemão que sem Grécia e sem euro lá se acabaria a sua galinha dos ovos de ouro. 

Qual Grexit, qual carapuça! Só salvando o euro, salvaremos a Europa.


(Notas transcritas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)


A primeira derrota

A primeira derrota do novo governo grego vai ser a falta de adesão à sua proposta de conferência dos países periféricos sobre a dívida.
Não creio que algum dos governos convidados esteja disponível para integrar esse "sindicato dos devedores", até porque nenhum deles defende o não pagamento, como propõe o Syriza (com as consequências já à vista na subida dos juros da dívida grega). A sede para a discussão de qualquer afeiçoamento da dívida (maturidades, juros, etc.) é obviamente o Conselho da União e o BCE.

Grécia (7)

Há um equívoco quanto à dimensão da vitória do Syriza, folgada sem dúvida (com 36% dos votos), mas longe de "esmagadora", como se chegou a dizer, por ter ficado à beira da maioria parlamentar absoluta.
A perceção errada tem a ver com o facto de o sistema eleitoral grego dar um bónus de 50 deputados ao partido vencedor, pelo que só 250 dos 300 deputados do parlamento é que são repartidos entre as diferentes listas concorrentes. Sem esse generoso bónus, o Syriza teria ficado a mais de 50 deputados da maioria e teria tido mais dificuldades em formar governo.

Adenda
A propósito uma solução dessas seria impossível em Portugal, por ser obviamente contra a regra da proporcionalidade. Entre nós, a maioria absoluta só se alcança com cerca de 45% dos votos.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Grécia (6)

Já há coligação de governo na Grécia, tendo o Syriza obtido o apoio dos Gregos Independentes, um partido de direita nacionalista, cuja única coisa em comum com o Syriza é a oposição ao programa de ajustamento da troika, sendo ainda mais radicais do que o Syriza na questão da dívida.
Estranha coligação e mau sinal...