quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Contraproducente

Um leitor reagiu indignado à minha afirmação sobre o salário mínimo no post precedente e afirma que estou de certeza enganado.
Não tem razão. Como referi há uns meses, usando o conhecido critério da relação entre o salário mínimo e o salário mediano, a verdade é que o nosso SMN está muito bem colocado no ranking europeu. Num país onde os salários são em geral muito baixos não se pode esperar que o salário mínimo seja alto.
Considero o salário mínimo uma garantia necessária de um mínimo de dignidade na remuneração do trabalho e sou a favor da sua atualização periódica; mas o seu valor não pode afastar-se tanto da produtividade do trabalho não qualificado que acabe por vitimar aqueles mesmos que pretende proteger. Apesar de tudo, é preferível ter um emprego menos bem remunerado do que não ter emprego nenhum porque as empresas menos competitivas deixam de poder pagar.

Adenda
Conhecido o aumento do salário mínimo no anunciado programa de governo do PS - quase 20% nos próximos quatro anos (de 505 para 600 euros) -, é fácil verificar que ele fica muito acima da projeção de crescimento económico acumulado (cerca de 7 %) e da inflação acumulada (cerca de 5%) no mesmo período de tempo  (extrapolando as previsões da Comissão Europeia até 2017).

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O PCP não quer acordo nenhum?


Neste comunicado hoje tornado público, na fase crítica das negociações com o PS, o PCP insiste em objetivos imediatos que ele sabe serem obviamente inaceitáveis, como, entre outros, o aumento de salário mínimo nacional para 600 euros já em 2016.
Com uma baixa produtividade e com um desemprego elevado, uma subida excessiva do SMN (que já é relativamente elevado em termos comparados) seria irresponsável, pois não só não passaria na concertação social como iria causar mais desemprego e mais falsos recibos verdes.
Ou se trata de uma chantagem política de última instância sobre o PS, que parece disposto a pagar um preço alto pelo acordo, ou o PCP vem declarar urbi et orbi que não está a fim de entrar no jogo...

Adenda
De um leitor: «Apenas para lhe dar outra perspetiva sobre essa situação: eu não excluiria a possibilidade de se tratar de retórica para militante/eleitor CDU ver, num momento em que as coisas podem estar quase fechadas com um resultado final bem diferente do ora reivindicado».
Minha resposta: «Sim, provavelmente é isso. E depois dizer: "Lutámos até à última por isto mas os malandros dos socialistas recusaram".»

Pântano político

Causou alguma excitação política esta notícia no Público de hoje.
No entanto, lidas as declarações atribuídas ao PM, ele limita-se a dizer o óbvio, ou seja, que se o seu Governo não passar na AR ele se mantém em funções de gestão até ser substituído, o que aliás não é um direito, mas sim uma obrigação constitucional. O resto da peça, ou seja, que ele aceitaria ficar indefinidamente em gestão caso o PR não nomeasse um novo governo, é especulação jornalística.
Como expliquei aqui e aqui, uma tal situação seria constitucional e politicamente insustentável. Aliás, mesmo que o PR caísse nesse abuso de poder qualificado, no que não acredito, duvido que o PM aceitasse de bom grado permanecer em funções indefinidamente depois de rejeitado pela AR, privado de poderes efetivos e sujeito à humilhação política quotidiana de ter de executar as decisões de uma maioria parlamentar hostil, essa em plena efetividade de funções.
Pela lógica das coisas, Passos Coelho deve ser o primeiro a não aceitar um pântano político desses.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Não é bem assim

Carlos César não acredita «que um socialista prefira um Governo PSD/CDS-PP com o apoio do partido a um Governo socialista com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda».
Só que a dicotomia que está em cima da mesa não é essa, mas sim entre um Governo do PSD/CDS com a oposição do PS e o tal governo socialista com apoio do PCP e do BE, ou seja (como expliquei aqui, aqui e aqui), entre um PS a liderar uma oposição forte ao governo minoritário da direita ou a liderar um governo problemático (para dizer o menos) com a extrema-esquerda parlamentar.

Adenda
Parece-me óbvio que se não chegar a haver um acordo à esquerda a alternativa que resta ao PS não é propriamente "servir de mulata" ao governo de direita!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Risco


São notícias como esta (apropriadamente ilustrada com o rosto da líder do Bloco...)
que fazem descrer na sustentabilidade orçamental de um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar.
As pensões constituem o principal fator de pressão sobre as finanças públicas. Manter os atuais montantes já requer uma exigente ginástica orçamental. Descongelá-las é um obvio risco para as necessárias metas de redução do défice orçamental e de aumento do saldo primário das contas públicas. Não se vislumbra onde está a margem orçamental para isso...

sábado, 31 de outubro de 2015

Reciclagem democrática

Pode obviamente defender-se (tal é o meu caso) que um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar não faz sentido, politicamente falando. Todavia, acusar um tal governo de "politicamente e moralmente ilegítimo", como insiste a nossa direita em dizer, faz ainda menos sentido, visto tratar-se de uma solução perfeitamente conforme à Constituição e às regras básicas da democracia parlamentar, sendo por isso inatacável sob o ponto de vista da legitimidade política e moral.
Decididamente, a nossa direita precisa de uma pequena reciclagem em matéria de convicção e formação democrática. E se só tem esse argumento para combater o governo de esquerda que aí vem, é melhor procurar outros.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Jornalismo de sarjeta

1. Sem me querer pronunciar sobre o caso concreto Sócrates v Correio da Manhã, cujos contornos exatos desconheço, não me parecem porém fundadas as acusações absolutas de "atentado à liberdade de imprensa" e de "inconstitucionalidade" contra a aplicação das normas legais (nomeadamente o art. 70º do Código Civil e os arts. 878º e segts do CPC) que permitem aos tribunais, a título cautelar e a pedido dos interessados, impedir a publicação de escritos (em jornais ou livros) gravemente atentatórios da honra ou do bom nome e reputação ou da privacidade de alguém, nomeadamente de escutas telefónicas sob segredo de justiça.

2. É fácil mostrar porquê:
Primeiro, tal como todas as demais liberdades, a liberdade de imprensa não é absoluta, podendo ter de ceder em caso de colisão com outros direitos fundamentais ou outros valores constitucionalmente protegidos, como são os direitos de personalidade e o segredo de justiça (e outros, como o direito de resposta).
Segundo, os direitos e liberdades pessoais impõem-se diretamente tanto ao Estado como aos particulares, incluindo portanto os jornais;
Terceiro, a própria Constituição (art. 20º-5) obriga ao estabelecimento de instrumentos judiciais especiais, "céleres e prioritários", para a proteção dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o que testemunha a primazia da defesa destes quando em colisão com os demais (incluindo a liberdade de imprensa); de resto, outros direitos, como o direito de propriedade, podem ser defendidos por medidas cautelares judiciais.
Por último, a liberdade de imprensa mede-se mais pela liberdade de informação e de opinião política e ideológica do que pela liberdade do "jornalismo de sarjeta" de lesar arbitrariamente os direitos de personalidade alheios.

Adenda
A expressão que serve de título a este post deve-se ao antigo presidente da comissão deontológica do Sindicato dos Jornalistas, Óscar Mascarenhas. O seu a seu dono.

Um novo tipo de coligações eleitorais?


Eis um excerto da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico, onde proponho um novo tipo de coligação eleitoral que preserva a identidade politica e eleitoral de cada partido coligado.

Adenda
Um leitor objeta que a coligação eleitoral light que eu proponho (coligação de listas) é inconstitucional porque a Constituição só refere a "coligação de partidos" e que ela não vai avançar porque precisa de maioria de 2/3 na AR.
Mas não tem razão. Primeiro, a Constituição não proíbe tal mecanismo e só se refere às coligações de partidos para prever a apresentação de deputados em lista conjunta, não excluindo portanto coligações que não impliquem lista conjunta. Segundo, esta matéria não precisa de maioria de 2/3 e, de qualquer modo, não percebo por que é que algum partido se oporá a esta solução, que em abstrato é tão útil à esquerda como à direita.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Secretário de Estado não tem nenhuma razão, mais uma vez

1. O ainda secretário de Estado do Governo cessante, Pedro Lomba, veio defender que existe uma "convenção" entre nós segundo a qual quem ganha as eleições tem direito não somente a formar governo mas também a governar, não podendo portanto ser rejeitado na AR pela oposição, quando maioritária (como é o caso). Mas, mais uma vez, não tem nenhuma razão. Trata-se de uma descarada invenção de conveniência, uma verdadeira treta, como mostrei aqui.
A única "convenção" que existia era a de que quem ganha eleições, mesmo sem maioria, tem direito a formar governo e a defendê-lo perante a AR (só podendo ser rejeitado por uma maioria absoluta). E essa prática foi inteiramente respeitada com a indigitação de Passos Coelho, como sempre defendi.

2. Tal como quando defendeu, antes das eleições, que afinal não tinha de ser o partido mais representado na AR a formar governo (quando temia que fosse o PS), PL vem agora defender que não pode haver rejeição parlamentar do novo Governo PSD-CDS  (como a Constituição expressamente prevê), devendo os demais partidos respeitar um suposto "direito a governar" de quem ganhou as eleições, mesmo sem maioria absoluta. Era o que faltava!
Não, a "hora negra do regime" não está em um governo minoritário ser rejeitado na AR, mas sim no facto de a direita querer irresponsavelmente subverter o sistema constitucional de governo, contestando esse básico poder em qualquer regime de base parlamentar, como o nosso.
Será preciso recordar as regras mais elementares de democracia parlamentar (a que me referi aqui e aqui)?

Adenda
Um leitor acusa-me de, sendo afeto ao PS, estar a "puxar a brasa à minha sardinha". Sem fundamento, porém. Primeiro, nunca defendi posição diferente. Segundo, como é sabido, até sou de opinião de que o PS não deveria viabilizar a rejeição do Governo. Terceiro, ao contrário de PL, não tenho nenhum interesse pessoal nesta questão, pois não sou deputado nem putativo membro do governo.

domingo, 25 de outubro de 2015

"Testamento governamental"


O título desta peça do Jornal de Notícias não é inteiramente correto, visto que o governo cessante só entrou em funções de gestão com a sua demissão formal no dia da primeira reunião da nova AR, no dia 23. Mas o facto de as nomeações anteriores a essa data não serem ilícitas não as torna politicamente admissíveis. Pensar que um Governo possa ter nomeado uma centena de boys & girls em véspera de eleições constitui uma situação de "testamento governamental" e de abuso de poder censurável à luz de qualquer padrão de ética política democrática.
Penso que a nova maioria devia pensar em propor imediatamente uma lei a proibir a nomeação de funcionários desde o dia da convocação de eleições, sob pena de nulidade, salvo os casos de comprovada e estrita necessidade pública, ou seja, nos casos imprescindíveis e inadiáveis. Duvido que alguma situação real passe estes dois testes.
[revisto]

Adenda
Independentemente das credenciais da interessada, que não são poucos, a eventual nomeação da ex-presidente da AR para embaixadora na OCDE só poderá ser efetuada por decisão de um governo em plenitude de funções, o que não é o caso do Governo cessante, que já está demitido e se encontra, portanto, em funções de gestão, e que parece que também não vai ocorrer com o novo Governo de Passos Coelho, que tudo indica não vai passar na AR...

Antologia do nonsense político


Nesta altura do campeonato?! Decididamente, estão a mangar com o pagode!

Fobias presidenciais (2)

Outro leitor interroga-se sobre se o Presidente da República não pode invocar uma "objeção de consciência anticomunista" (sic) para negar a nomeação de um governo assente num acordo de sustentação parlamentar que envolve o PCP e o BE.
A resposta é obviamente negativa. Primeiro, não se vê como é que o anticomunismo pode consubstanciar uma objeção de consciência verdadeira e própria, que tem a ver com objeções "ontológicas", de índole moral ou religiosa. Segundo, os titulares de cargos políticos não podem invocar objeção de consciência para se furtarem ao desempenho dos seus poderes, que também são deveres constitucionais (por exemplo, o veto de uma lei do aborto por parte de um presidente da República ultracatólico). Terceiro, o PR só pode excluir do governo as forças políticas constitucionalmente banidas, o que não é o caso.
As fobias políticas presidenciais não podem dispensar o PR do cumprimento das suas obrigações constitucionais.

Fobias presidenciais (1)

Um leitor pergunta-me por que é que eu posso ser contra um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar e depois negar ao Presidente da República igual direito.
Há aqui um equívoco. Eu não nego a Cavaco Silva, nem como cidadão nem sequer como Presidente da República, o direito de ser pessoalmente contrário a tal solução governativa e de o declarar publicamente. Sucede, porém, que sendo ele Presidente da República, ele não pode usar as suas objeções políticas para privar o país de um governo dotado de apoio parlamentar maioritário, sobretudo quando não existe outra solução alternativa.
Num sistema de governo de tipo parlamentar como o nosso são a composição e a vontade do Parlamento que devem prevalece na definição das soluções governativas. As fobias políticas presidenciais contam pouco nessa equação.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sem pés para andar

Era inevitável aparecer a sugestão de um "governo de iniciativa presidencial", como saída para a crise política instalada (como sugerido hoje no semanário Sol pelo ex-deputado dos PSD Paulo Mota Pinto). Mas essa ideia não tem pés para andar na atual situação.
Primeiro, o próprio Cavaco Silva sempre declarou que as soluções governativas devem ser encontradas no quadro da AR sem ingerência presidencial. Segundo, um governo de "iniciativa presidencial" só seria concebível como solução de último recurso, depois de esgotadas todas as hipóteses de solução no quadro parlamentar. Terceiro, um tal governo teria de ser negociado previamente com os partidos, de modo a obter um nihil obstat parlamentar.
Ora, é evidente que o governo de coligação PSD-CDS não esgota as soluções de governo disponíveis no atual quadro parlamentar, pelo que não se verifica a segunda condição acima referida. Portanto, um governo de iniciativa presidencial naufragaria logo no seu primeiro teste parlamentar.

Deslealdade constitucional

1. Há quem defenda que com a sua comunicação de ontem Cavaco Silva quis dizer que, mesmo não tendo outra solução de governo disponível,  não vai nomear um governo do PS com o PCP e com o BE, mantendo por isso em funções de gestão o governo do PSD-CDS apesar de rejeitado na AR.
Mas se a comunicação presidencial me fez perder qualquer confiança nos insondáveis e arbitrários desígnios de Belém, continuo a pensar que o Presidente da República não pode embarcar nessa golpada, tanto mais que não podem ser ignoradas as suas funestas consequências para os interesses do País.

2. Se o fizesse, CS não incorreria apenas numa qualificada afronta à AR, configurando uma verdeiro "contempt of Parliament", Violaria também a sua obrigação constitucional de nomear um governo em plenitude de funções, para assim assegurar o regular funcionamento das instituições que lhe compete garantir e salvaguardar. É óbvio que os governos de gestão são por definição soluções transitórias, destinados a ser substituídos logo que possível por soluções de governo com plenos poderes.
Não concebo o PR a incorrer num tão qualificado abuso de poder.

Deslealdade institucional (2)

Parece evidente que o apelo envenenado de CS à divisão do PS vai ser um tiro pela culatra.
Devo, aliás, declarar que se eu fosse deputado, e sendo embora um antigo, declarado e convicto opositor de um acordo de governo do PS com a estrema-esquerda parlamentar (como escrevi aquiaqui e aqui, por exemplo), não infringiria porém a disciplina parlamentar, depois de vencido no grupo parlamentar. De duas uma: ou votaria de acordo com a posição vencedora (eventualmente com uma declaração de voto) ou deixaria o meu lugar na AR (temporária ou definitivamente) para dar lugar a outro na votação.
Não acredito que algum deputado do PS proceda diferentemente.

Deslealdade institucional (1)

Ao incitar diretamente à dissidência dentro do grupo parlamentar socialista na rejeição do governo da coligação de direita, Cavaco Silva não quebrou somente uma elementar regra de lealdade institucional, que é o respeito pela autonomia da AR e dos partidos e grupos parlamentares. Desafiou também expressamente o desrespeito da mais básica das regras de uma democracia parlamentar, que é a disciplina parlamentar em questões de governo.
Como sempre defendi, se um regime presidencialista pode conviver com a falta de disciplina parlamentar, um regime parlamentar não. Tanto mais que entre nós os eleitores votam nos partidos e não diretamente nos candidatos, que nem sequer figuram no boletim de voto.

Maus augúrios (4)

É evidente que a comunicação de Cavaco Silva vai ser festejada entusiasticamente pela direita e seus comentadores, a cuja agressividade política contra a esquerda nada ficou a dever. Mas duvido que seja aplaudida pelos que fora do campo da direita discordam da solução de governo do PS com a esquerda radical, que não podem rever-se na linguagem bélica de CS nem na falta de um mínimo de distanciamento e serenidade institucional por parte do Presidente da República.
Seja como for, quando o Presidente da República toma partido militante numa ácida contenda partidária corre o risco de deixar de ser visto como o garante imparcial do regular funcionamento da instituições. E isso pode ser o princípio do fim da confiança coletiva no Presidente da República.

Maus augúrios (3)

Ao sublinhar a traço grosso o perigo de um eventual governo do PS com apoio da esquerda antieuropeísta para a confiança externa no Pais, nomeadamente os mercados da dívida e os investidores, Cavaco Silva não podia ignorar que, vindo de onde vem, o seu alarme vai ter eco e pode funcionar como self-fulfilling prophecyprejudicando gravemente os interesses do País.
Parece óbvio que CS não hesita nos meios para esconjurar a "ameaça esquerdista".
Isto tem todos os ingredientes para não acabar bem.

Maus augúrios (2)

Infringindo ostensivamente uma norma óbvia da convivência institucional, Cavaco Silva apelou diretamente à responsabilidade individual dos deputados na votação das moções de rejeição do novo governo da coligação de direita, passando por cima dos partidos políticos, como se pudesse haver liberdade de voto individual num assunto destes. Embora sem nomear o PS, era ele o alvo óbvio de apelo à dissidência do PR.
É evidente que esta provocação de CS ao PS, que coincide com o seu total alinhamento com o bloco PSD-CDS, só pode ter efeitos contrários, consolidando o apoio dos deputados socialistas à liderança do Partido, bem como a aliança das esquerdas. Mais grave do que isso, não se vê como é que esta gratuita provocação política de CS pode deixar de envenenar definitivamente as relações entre o Largo do Rato e Belém, abrindo uma guerra aberta numa relação desde sempre marcada pela hostilidade recíproca.
Preparemo-nos para cenas pouco edificantes.

Maus augúrios (1)

1. Ou me engano muito ou a comunicação de Cavaco Silva desta noite pode ter inaugurado o mais profundo conflito político-institucional jamais ocorrido desde o início da era constitucional em 1976.
O Presidente da República não se limitou a dizer que indigita Passos Coelho por o PSD ter ganho as eleições, de acordo com a tradição nesta matéria, o que não é objecionável (como defendi, por exemplo, aqui). Ele acrescentou, porém, que o fez porque considera preferível uma solução de governo minoritário, necessariamente frágil e instável (contra o que ele próprio defendeu), do que a alternativa de governo maioritário que está a ser negociada à esquerda sob a égide do PS, solução que invetivou por todos as formas e qualificou de "altamente inconsistente".

2. Cavaco Silva não adiantou o que fará quando essa alternativa lhe for presente depois da quase certa rejeição do Governo Passos Coelho na AR.
Mas a violência das palavras que usou e o tom bélico com que se referiu à possibilidade de um Governo do PS com apoio do BE e do PCP, como se fosse o Mal encarnado, revelam que, mesmo que venha a ter de o nomear por falta de alternativa viável, não lhe vai dar o benefício da dúvida e o vai declarar como persona non grata, fazendo-lhe a vida tão negra quanto puder.
Preparemo-nos para o pior.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Um pouco mais de cuidado, sff


Extraordinário! Este título diz precisamente o contrário da notícia a que respeita, a qual se reporta ao meu artigo de hoje no Diário Económico, cuja primeira frase diz exatamente que um governo de esquerda seria perfeitamente legítimo!
O que eu contesto nesse artigo é a ideia abstrusa de submeter tal Governo a um regime de tutela do Presidente da República.

Adenda
Lamentavelmente, apesar desta correção e do protesto de vários leitores da própria notícia, o título enganador lá continua!

Tutela presidencial


Depois de ver desbaratada a sua estúpida teoria da ilegitimidade de um eventual governo à esquerda, a direita descobriu agora a teoria da tutela presidencial sobre os governos que não lhe agradam, como explico na minha coluna de hoje no Diário Económico.
É definitivo: a direita não compreende e muito menos se conforma com as regras da democracia parlamentar!

Nem as pensam!

1. Já disse o que tinha dizer sobre a monumental golpada constitucional e política que consistiria em manter indefinidamente em "funções de gestão" um governo rejeitado pela AR havendo uma alternativa de governo disponível.
Um leitor pergunta se nessa hipótese absurda poderia haver orçamento para 2016.

2. A resposta é obviamente negativa (como já disse aqui). Seria uma contradição nos termos.
Primeiro, o orçamento é a expressão financeira das opções políticas e do plano de atividades anual de um governo; ora, um governo de gestão não tem, por definição, opções políticas próprias (porque as viu rejeitadas na AR) nem, consequentemente, um plano anual de atividades para as efetivar.
Segundo, os governos de gestão estão constitucionalmente limitados aos "atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos", o que os limita aos atos imprescindíveis e inadiáveis (como entende, e bem, o Tribunal Constitucional); ora, o orçamento não passa esse teste, pois não é imprescindível nem inadiável, visto que na falta de um novo orçamento aplica-se o do ano anterior por duodécimos. Quando muito, pode tornar-se necessária alguma alteração pontual do orçamento, mas nunca um novo orçamento.
Por último, é evidente que, sendo minoritário o governo de gestão, como seria o caso, ele veria rejeitada pela oposição qualquer tentativa de aprovação do orçamento na Assembleia da República .

3. Caso arrumado, portanto. O que espanta é que ideias destas passem pela cabeça de alguém responsável. Decididamente há à direita quem se tenha "passado dos carretos".

Um pouco mais de rigor, sff


Não pode ser "escondido" o que ainda não existe, visto que o acordo ainda não está concluído, como toda a gente sabe (e como a própria notícia refere). E as negociações para o concluir não podem decorrer propriamente na praça pública.
Além disso, mesmo depois de concluído o acordo, faz todo o sentido não o abrir ao público antes de o apresentar aos órgãos próprios do Partido nem talvez mesmo antes de concluído o debate parlamentar sobre o programa de governo do PSD e do CDS, sob pena de este se tornar um debate antecipado sobre o programa de governo PS e não sobre o da coligação de direita, como deve ser.

Perda de tempo?

Em relação ao post anterior, um leitor argumenta que empossar Passos Coelho como primeiro-ministro quando já se sabe que ele não vai passar na AR é um "frete à direita é uma perda de tempo".
Não concordo. Pelo contrário, é uma solução que convém à esquerda. Primeiro, porque lhe dá o "gozo" de derrotar o governo de direita no local próprio; depois, porque assim ganha maior legitimidade para formar um governo alternativo.
Numa democracia constitucional os procedimentos são relevantes.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O que se segue?

1. Apesar da flexibilidade da norma constitucional sobre a formação de governos, defendo que há uma "convenção constitucional" (ou seja, uma prática continuada e até agora consensual), segundo a qual a prioridade cabe ao partido mais representado na AR, que no caso concreto é o PSD, dando-lhe oportunidade de constituir governo e de se submeter ao voto parlamentar. Não vejo razões fortes para derrogar essa "convenção".
É certo que (i) tal governo será minoritário, apesar da precipitada coligação com o CDS, pelo que não cumpre o requisito político indicado previamente pelo PR, e que (ii) neste momento tudo indica que ele não passará no parlamento, estando em vias de conclusão um acordo de governo maioritário alternativo. Mas, por um lado, também parece óbvio que o PR não tem poder para impor esse requisito como condição absoluta; e, por outro lado, o tal acordo de governo alternativo ainda não é oficial, nem foi tornado público, não podendo portanto o PR dá-lo por definitivamente adquirido.

2. Caso o PSD não desista de formar governo e este seja rejeitado na AR, a solução lógica (até porque não se afigura haver outra conforme à Constituição) será chamar a formar governo o segundo maior partido parlamentar, que é o PS.
Não há razão nenhuma para todo este processo não estar concluído dentro de três ou quatro semanas.

De cabeça perdida


Este excerto de um comentário de J. M. Fernandes no Observador revela como a imprensa de direita está a perder o mais elementar sentido de moderação e de respeito pelos adversários no debate político.
Sim, não dá para acreditar! Disgusting!

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Governo sob tutela presidencial? (2)

Relativamente ao post anterior, é certo que existe um infeliz precedente nas orientações dadas por Jorge Sampaio ao Governo Santana Lopes em 2004. Mas por isso a critiquei veementemente na altura (mais tarde o próprio Sampaio havia de considerar errada a sua iniciativa). Tenho por isso autoridade para a rejeitar de novo.
Um mau precedente não pode justificar a sua repetição. Na primeira vez pode ser produto da inadvertência; a repetição só pode ser justificada pela vontade deliberada de incorrer em abuso de poder presidencial.

Governo sob tutela presidencial? (1)

1. Perdida a tese da alegada ilegitimidade de um eventual acordo de governo à esquerda, a direita não tardou a recorrer a outro estratagema, como mostra esta tese de Marques Mendes: se não puder ser impedido, pelo menos um tal Governo  tem de ser colocado sob tutela presidencial.
Esta tese padece, porém, de um pequeno problema: não tem nenhuma base constitucional, é incompatível com a separação de poderes e contraria frontalmente a função constitucional do Presidente da República.

2. No nosso sistema constitucional de governo, o Presidente da República não participa no governo e os governos não dependem da sua confiança, nem ao serem nomeados nem na sua ação posterior. Não compete ao PR avaliar o mérito ou demérito dos governos ou da ação governativa (que cabe somente à AR e aos eleitores).
O PR não tem funções de orientação ou direção dos governos nem das suas políticas. Pode dar conselhos, emitir recomendações e, até, fazer advertências (tendo em vista o seu poder de veto legislativo e de dissolução parlamentar). O que não pode é exigir compromissos quanto ao programa ou quanto à orientação política dos governos, nem muito menos dar-lhes instruções.
Por conseguinte, não faz nenhum sentido a ideia de o PR colocar condições substantivas a um governo no momento da sua nomeação nem estabelecer orientações para a sua ação futura. Se o fizesse, o PR tonar-se-ia corresponsável pela ação governativa. Ora o PR não responde perante os eleitores por essa ingerência na governação. E não pode haver poder governativo imune à responsabilidade política.