terça-feira, 13 de setembro de 2016

A UE e as suas obrigações para com Refugiados e Migrantes

"A Cimeira das Nações Unidas para os Refugiados e Migrantes será teste à cooperação para responder ao maior desafio global que enfrentamos: o de valer a milhões de pessoas forçadas a deixar os seus países em busca de protecção e dignidade.

Governos europeus - uns mais que outros - não têm estado à altura das suas obrigações morais e legais como membros da UE. Refugiados e migrantes estão a sofrer às portas da Europa e em solo europeu horrendas violações dos direitos humanos, em especial mulheres e menores desacompanhados. Milhares entregam as suas vidas a redes de traficantes e de outra criminalidade organizada, que os nossos governos fazem prosperar ao recusar abrir vias legais  e seguras para quem precisa de pedir asilo ou trabalho. Assim se põe em causa não apenas a credibilidade, mas, realmente, a própria segurança da Europa.

O processo de recolocação decidido pelo Conselho Europeu marca passo, só 3.000 de 160.000 pessoas foram reinstaladas - há 6 meses que um grupo de 470  Yazidis desespera perto de Idomeni, Grécia por chegar a Portugal, que reitera poder recebê-los...

O pacto UE-Turquia fomenta a abertura de novas rotas de negócio para os traficantes e implica deportar pessoas impedidas sequer de pedir asilo ou reunificação familiar. 

Como se não bastasse, a UE quer replicar o modelo com regimes causadores da opressão e da miséria de que fogem refugiados e migrantes - como o da Etiópia que está desbragadamente a matar etíopes, Senhora Alta Representante, perante o silêncio cúmplice da UE.

Construir mais muros, como o anunciado em Calais, para além do desperdício de recursos, é ineficaz e vai contra tudo aquilo em que a União assenta".


(Minha intervenção no debate plenário do Parlamento Europeu, esta tarde, sobre a Cimeira da ONU sobre Migrantes e Refugiados)

Compromisso

Em entrevista à CNBC, o Ministro das Finanças declarou que «fará tudo para evitar segundo resgate».
Não se duvida obviamente da seriedade do compromisso - que nunca é de mais reiterar -, de evitar novo pedido de assistência externa, que aliás já devia ter sido varrido das hipóteses em risco. Mas o país espera que "tudo" seja também o necessário e o suficiente para garantir esse objetivo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Era o que faltava!

1. O comentador político Marques Mendes - que também é conselheiro de Estado nomeado pelo Presidente da República - considera que o Governo "provoca" e "afronta" o Presidente da República ao aprovar a obrigação de os bancos informarem o Fisco acerca dos saldos de contas bancárias de mais de 50 000 euros, de que Marcelo Rebelo de Sousa já discordou publicamente.
Mas a acusação do comentador/conselheiro é inteiramente despropositada e infundada, não havendo nenhuma razão para ser partilhada em Belém. É evidente que Governo deve, inclusive por interesse próprio, ter em conta as objeções presidenciais em relação a qualquer medida política, legislativa ou administrativa. Mas mantém integralmente a sua autonomia de decisão política, tal como o Presidente preserva intocável o seu poder de veto político, bem como o poder de suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade.

2. No nosso sistema constitucional é ao Governo que compete governar e tomar as decisões pertinentes, assumindo a sua responsabilidade política por elas perante o Parlamento e a opinião pública. O Presidente da República vela pelo regular funcionamento das instituições (com os inerentes poderes de informação e de vigilância), pode mesmo aconselhar ou até advertir o primeiro-ministro, mas não é coach, nem chairman do Governo, nem tem sobre ele nenhum poder de tutela ou de superintendência política. Era o que faltava!
Por isso é descabido um poder de veto preventivo, pelo que o Governo não tem nenhum dever político ou institucional de retirar propostas suas só porque o Presidente manifestou publicamente a sua discordância. Belém pode depois opor-se, mas pelos meios institucionais à sua disposição, com a devida fundamentação, e assumindo a responsabilidade política pela sua utilização. Também não há vetos políticos informais.

3. O sistema constitucional de governo não mudou desde janeiro deste ano, nem consta ter havido uma "OPA política" de Belém sobre São Bento, que aliás só poderia ser feita à margem da Constituição.
A cada instituição o seu papel e as suas responsabilidades, como é próprio de uma democracia constitucional baseada na separação de poderes e na lealdade institucional.

Adenda
Perguntam-me o que penso da medida em causa. Penso que a medida não é pacífica, mas considero, como já escrevi aqui, que há fortes razões a favor dela (para combater a evasão fiscal, que é um imposto escondido sobre os contribuintes cumpridores) e que não são inteiramente convincentes as objeções de inconstitucionalidade.
Por mim, não tenho nada contra a transmissão limitada dos meus saldos bancários ao Fisco, desde que este só possa utilizar esses dados em caso de fundada suspeita de evasão fiscal e haja punição séria para a sua utilização para outros efeitos.

Hic labor...

Parece que o presidente da Comissão Europeia vai aventar no seu discurso sobre o estado da União perante o Parlamento Europeu a hipótese de retirar certas despesas públicas (despesas de investimento, educação e investigação) do cálculo do défice para efeitos da Pacto de Estabilidade.
Não é inédita essa ideia, mas nunca ganhou tração política. Resta saber se é diferente desta vez.
Ela levanta duas dificuldades:
  - primeiro, não é fácil encontrar uma base constitucional nos Tratados para uma mudança desse alcance, que vai muito além da "flexibilidades" pontuais já existentes;
  - segundo, mesmo que essas despesas deixassem de contar para o défice, elas continuariam a contar para a dívida pública, por ser preciso financiá-las; ora, o défice orçamental, mesmo escondido, gera dívida e não se vê como é que os países já muito endividados, como Portugal (e outros do sul da Europa) podem aumentar mais a dívida sem tornar mais difícil o acesso ao financiamento e aumentar o seu custo; aí é que "a porca torce o rabo"...

Adenda (15/9)
Juncquer não referiu esse tema no discurso sobre o estado da União, tendo-se limitado a referir de passagem as "flexibilidades" do PEC.

Dupla surpresa


Na sua genuína e justificada surpresa, Skidelsky também poderia ter perguntado: "Portugal não tem imposto sucessório?! Mas com um governo de esquerda, vai voltar a ter, não vai?"
Mas como bem sabemos, a resposta a esta pergunta também é negativa. Mistérios que a esquerda por vezes tece.

domingo, 11 de setembro de 2016

Leviandade

A proposta de extinguir os "comandos", na sequência da morte de dois instruendos, revela a leviandade "bloquista" em questões de defesa e de Forças Armadas.
De facto, uma coisa é a investigação integral do que aconteceu, o apuramento de responsabilidades e as mudanças que hajam de ser feitas e, entretanto, a suspensão da instrução, como se fez; outra coisa é avançar à cabeça com a extinção da unidade, como se umas forças armadas eficazes pudessem prescindir de corpos operacionais especiais como os comandos!

sábado, 10 de setembro de 2016

Acho bem

1. É de saudar a iniciativa da Universidade Católica de criar uma faculdade de medicina, a primeira numa universidade privada.
Defendo, vai para 20 anos, uma tal possibilidade e sempre entendi que a Universidade Católica é a universidade privada com mais recursos para o efeito. Além de alargar a oferta de ensino da medicina entre nós, a nova faculdade vai aliviar a pressão para o aumento de vagas nas universidades públicas e oferecer aos interessados que não tenham lugar nas universidades públicas uma alternativa entre ir estudar medicina para o estrangeiro (os que têm meios) ou a deixar de realizar a sua opção profissional.

2. Não vai faltar a velha e relha lenga-lenga malthusiana da Ordem dos Médicos contra o alegado "excesso de médicos", que a realidade desmente todos os dias, como quando ficam desertas as vagas abertas nos hospitais fora dos grandes centros.
De resto, tal como sucede noutras profissões (advogados, engenheiros, etc.), a comodidade pessoal dos que já estão na profissão não deve prevalecer em termos absolutos sobre o direito à profissão de quem quer ser médico.A concorrência profissional não faz mal a ninguém...

Um pouco mais de prudência, sff

Em entrevista a uma televisão, o "superjuiz" Carlos Alexandre declarou que "sofremos [os juízes] cortes no ordenado ao longo dos últimos quase dez anos e atingiram severamente mais as magistraturas do que outros" e que "os primeiros cortes ocorreram logo no governo do senhor engenheiro José Sócrates".
Trata-se de uma declaração surpreendente na boca de um juiz.
Primeiro, não é verdadeira a primeira observação, o que não fica bem a um juiz. De facto, não houve nenhuma discriminação profissional nos cortes de remunerações (salvo no facto de até terem começado por atingir somente os membros do Governo e gabinetes ministeriais). E é de elementar justiça que os cortes tenham pesado relativamente mais nos cargos mais bem remunerados, onde se contam os juízes (mesmo descontando o subsídio geral de alojamento, que ninguém mais tem. sem estar sujeito a imposto, mas que conta para a pensão dos juízes jubilados...).
Segundo, a explícita imputação dos cortes ao Governo Sócrates é assaz infeliz, pois tendo o juiz em causa a seu cargo o processo e a eventual acusação de José Sócrates, a mais elementar prudência mandava guardar silêncio sobre alguma razão de queixa pessoal ou corporativa contra o arguido. O ressentimento pessoal ou corporativo não favorece a imparcialidade judicial.

Adenda
O mais grave da entrevista consiste, porém, na evidência de que, como juiz de instrução, ele não se vê sobretudo como garante dos direitos e garantias das pessoas investigadas ou acusadas em processo penal, mas sim como braço da acusação e da ação penal, que constitucionalmente compete ao Ministério Público. Lamentável!

Adenda 2
Ao sublinhar, a despropósito, que "não tem contas em nome de amigos", o entrevistado não podia ser mais claro na revelação de que para ele tal é o que sucede no caso de Sócrates. É evidente que ele pode ter essa convicção, eventualmente baseado em provas concludentes. Mas se tal é o caso, deve exigir a acusação sem mais demora, pelos meios próprios, em vez de anunciar a decisão numa entrevista, o que constitui uma manifesto abuso de poder e violação qualificada das regras do due process penal. Inaceitável!

Adenda 3
Surpreendentemente, o entrevistado revelou ter a convicção de ter o telefone sob escuta. Mas não se entende porque é que não requer uma verificação pelos serviços oficiais qualificados ou não pede um aparelho "blindado" contra interferências eletrónicas. De qualquer modo, feita a revelação pública de factos que constituem crime, só lhe resta resta pedir a abertura de um processo de investigação para apuramento de responsabilidade, sob pena de leviandade e irresponsabilidade do entrevistado. Inacreditável!

Adenda 4
Tenho uma interpretação malévola para esta insólita entrevista, que em vez de ser "desastrada", como alguns consideraram, tem o propósito deliberado de provocar o seu próprio afastamento do processo Sócrates, por a acusação continuar "às aranhas" e ele não querer assumir a responsabilidade pessoal pelo fracasso.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

"Folclore" brasileiro


Eis o lead da minha coluna desta semana no Diário Económico digital. Sobre o protecionismo económico brasileiro e as negociações para um acordo comercial entre a UE e o Mercosul.

Adenda
Há leitores a defender o protecionismo comercial externo em nome da "soberania económica nacional". É uma opção política que tem custos elevados tanto para os consumidores (que pagam muito mais caro produtos que o país importa) como para as empresas brasileiras (que não podem concorrer com as de países que têm a acesso facilitado aos grandes mercados da UE e dos Estados Unidos, ao abrigo de acordos de liberalização comercial). Isto sem falar nos efeitos nocivos do protecionismo sobre a competitividade externa da economia e a atração de investimento direto estrangeiro.

Ainda bem!

1. Há males que vêm por bem.
O infeliz episódio das viagens de alguns secretários de Estado ao Euro de futebol em França por conta da Galp levou o Governo a aprovar um código de conduta que inclui regras sobre limites dos presentes aceitáveis pelos governantes, o que defendo há mais de uma década e que devia ter sido uma das primeiras iniciativas do Governo, uma vez que estava no seu programa.

2. Agora há dois passos complementares a dar:
   - primeiro, generalizar a mesma solução a todos os titulares de cargos políticos, incluindo os deputados, e a todos os níveis de governo (nacional, regional e local); espero que sejam os representantes do PS a tomar a iniciativa nos órgãos competentes;
   - segundo, regular legislativamente a atividade de representação e defesa de interesses junto dos órgãos do poder (lobbying), que também defendo há muito e que também perde pela demora, e que deve competir à AR.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A. Barbosa de Melo (1932-2016)


Fui seu discípulo e colega nas lides académicas na FDUC ao longo de mais de meio século. Devo-lhe gestos de solidariedade pessoal improváveis ainda durante a ditadura. Compartilhei com ele, embora em bancadas diferentes,  a construção dos pilares constitucionais e legislativos do regime democrático.
Foi uma das pessoas mais íntegras, sábias e estimáveis com quem convivi. Aqui fica a minha homenagem, ao jurista insigne, ao estadista dedicado e, sobretudo, ao humanista empenhado.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O partido das touradas

Para a causa abolicionista é bom que o CDS se apresente como o partido das touradas, em nome da tradição mais conservadora do País.
Com efeito, o patrocínio oficial das touradas pelo CDS, em nome da "tradição" e da "identidade" - que sempre foram o caldo de cultura dos movimentos mais retrógrados no Portugal moderno, desde o miguelismo ao neotradicionalismo -, vem politizar explicitamente a barbaridade da tauromaquia e deixa em maus lençóis os poucos que à esquerda apoiam a crueldade da tortura de animais para gáudio público.
A partir de agora, é claro que as touradas têm um partido e é nele que se devem rever os "aficionados" militantes da causa tauromáquica.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Laicidade

Devia ser desnecessário em 2016 o recordatório do presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, de que não há lugar para crucifixos nas salas de aula do ensino público (nem, aliás, em qualquer outro estabelecimento público).
De facto, passadas quatro décadas sobre a Constituição de 1976, que veio assegurar a separação entre o Estado e as igrejas (que quer dizer, antes de mais, neutralidade religiosa do Estado) e estipular explicitamente a não confessionalidade do ensino público, não se compreende que ainda haja escolas públicas com crucifixos nas salas de aulas, um resquício atávico do confessionalismo de Estado da Constituição de 1933. A liberdade religiosa sem discriminação impede o Estado de ter preferências religiosas ou de exibir o emblema de uma determinada religião.
De resto, a mesma regra deve valer para as turmas financiadas pelo Estado nos colégios privados ao abrigo dos "contratos de associação", que visam suprir a falta de escola pública, e que, portanto, ministram ensino público em vez do Estado (e a cargo dele). Por isso, os respetivos alunos mantêm o direito de não serem expostos a símbolos religiosos nas salas de aula.
Numa sociedade democrática que respeita por igual a liberdade religiosa de todos, o ensino público não pode ter religião nem adotar símbolos religiosos, único modo de respeitar as diferentes opções religiosas dos alunos e dos seus pais.

Aplauso


Aplauso para esta decisão da município da Covilhã de agravar o IMI de prédios abandonados ou degradados.
De facto, o direito de propriedade não inclui a liberdade de deixar os prédios ao abandono e à ruína. Como estabelecem algumas constituições, a "propriedade obriga", ou seja, impõe obrigações. No caso da propriedade urbana, os municípios devem garantir a segurança e a qualidade da paisagem urbanística. Agora que existe um mercado de arrendamento (uma das grandes reformas das últimas décadas...) e o restauro de prédios se tornou rentável, não há justificação para manter o lamentável estado de degradação das cidades portuguesas. Quem não quiser, que venda.

Aliados da onça

1. No fim de semana passado, tanto o BE como o PCP (certamente por coincidência...) fizeram questão de proclamar mais uma vez que, apesar do acordo parlamentar existente com eles, o Governo do PS não é um governo de esquerda (ver aqui e aqui).
Como sabemos, de acordo com os seus critérios, esquerda-há-só-uma-a-deles-e-mais-nenhuma, com o pequeno problema de cada um deles também disputar ao outro a qualificação da "verdadeira esquerda"!  Por aquelas bandas ainda perduram as guerras religiosas entre os herdeiros de Lenine, Trosky, Mao e Enver Hoxa!

2. Esta desqualificação do PS e do seu Governo como partido e governo de esquerda por parte dos dois partidos de que aquele depende parlamentarmente tem três justificações:
    -, primeiro, tranquilizar os seus seguidores mais fundamentalistas de que não cedem quando à pureza ideológica das respetivas agremiações nem se misturam com a "social-democracia burguesa";
    - segundo, colocar pressão sobre o Governo para "pagar" mais pelo apoio de conveniência que recebe da "verdadeira esquerda", agora que se aproxima o momento critico das negociações do orçamento para o próximo ano;
    - por último, ter sempre à mão a justificação para quando decidirem tirar o tapete ao Governo do PS (como fizeram em 2011), quando o negócio deixar de ser vantajoso para eles, com o argumento de sempre, de que afinal não era um governo de esquerda,,,

3. Ambos os partidos também relembraram que para eles o principal problema é a UE e que o PS tem um dilema para resolver em devido tempo: ou manter-se fiel a Bruxelas e Frankfurt ou honrar o acordo com eles.
É mais uma justificação para a rotura, quando ela vier: o PS preferiu manter-se fiel à União Europeia e ao euro, em vez de optar por uma "verdadeira política de esquerda".

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Importações

A redução registada nas importações foi saudada por alguns observadores, com o argumento de que ela "compensou" a redução das exportações, permitindo evitar uma degradação da balança comercial.
Não compartilho dessa leitura virtuosa da situação. Primeiro, a redução das importações e das exportações contraria a tendência positiva para a abertura internacional da economia portuguesa que vinha dos anos anteriores. Em segundo lugar, e sobretudo, a redução das importações tem pouco a ver com a quebra do consumo interno mas sim exclusivamente com a quebra do investimento, que naturalmente faz diminuir a importação de matérias-primas, maquinaria e produtos semi-acabados.
Por conseguinte, a redução de importações não é virtuosa, sendo antes o sintoma mais visível da redução do investimento (interno e externo, público e privado) e do esfriamento da retoma económica.

Adenda (9/9)
Os dados do comércio externo de julho, entretanto conhecidos confirmam e agravam as tendências analisadas neste post, bem como as suas conclusões.

Ai, a dívida

O efeito conjugado do aumento do stock da dívida pública e do baixo crescimento da economia é o agravamento do rácio dívida/PIB, que por este andar vai aumentar e ficar bem acima da meta orçamental para o corrente ano, ao contrário do que se exige. Isso é inevitável, se o montante da dívida não passar a crescer menos e a economia não passar a crescer mais do que atualmente. É o que se torna imperativo no segundo semestre...
De facto, se há coisa de que o País não precisa é de mais pressão sobre a dívida pública.

domingo, 4 de setembro de 2016

Irresponsabilidade

Embora sem ter nenhuma solução de governo alternativa, o PSOE manteve o veto ao governo minoritário de Rajoy, desta vez baseado num acordo PP - Ciudadanos, forçando a Espanha a novas eleições (as terceiras num ano), sem governo efetivo.
É uma enorme irresponsabilidade política. Num sistema de governo parlamentar, um partido de governo, como o PSOE, só deve impedir a formação de um governo do partido ganhador das eleições (que foi o PP, pela segunda vez) se tiver uma alternativa de governo maioritário, como sucedeu em Portugal. De resto, segundo a Constituição espanhola a apresentação de uma moção de censura implica a apresentação de uma alternativa de governo ("moção de censura construtiva"); a mesma exigência deveria valer desde logo para rejeitar a formação de um governo do partido vencedor das eleições.
É de recear que, além dos prejuízos causados ao País com a prolongada falta de governo, o PSOE vá pagar cara a teimosia e a irresponsabilidade, com mais um passo no seu declínio eleitoral. Ao tentar competir com o Podemos na intransigência radical, o PSOE não ganha votos ao populismo de esquerda mas pode perder muitos no centro político moderado.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Protecionismo

Eis o lead da minha coluna desta semana no Diário Económico digital, desenvolvendo ideias antes expostas neste blogue sobre a ofensiva protecionista contra as negociações do TTIP, que está a ser negociado entre a UE e os Estados Unidos.

Adenda
Diferentemente, o governo português continua empenhado nas negociações do TTIP, lamentando, porém, a sua demora.

Adenda 2
Parece-me evidente que esta primeira contestação política formal da política de comércio externo da União não é alheia à saída do Reino Unido e ao impulso decisivo que este país deu à sua formulação e condução, nomeadamente ao abrigo da importante comunicação da Comissão Global Europe, de 2005, não por acaso devida à iniciativa do comissário britânico Peter Mandelson.

Adenda 3
O comissário europeu Moscovici (PS francês) diz que não faz sentido suspender as negociações do TTIP. Tudo indica que a posição do Governo francês é essencialmente para consumo político interno.

Melhor do que a encomenda

1. Não há memória de um governo minoritário gozar de uma condição política tão favorável como o atual. E não é somente por mérito próprio nem por haver uma opinião pública maioritariamente agradada pela mudança e pela distensão política prevalecente. É também pela ausência de oposição ou pela sua ineficácia.
Há uma direita que não renovou ideias nem protagonistas e que continua ressabiada pela derrota parlamentar e sem uma proposta alternativa de governo, à espera que um acidente político ou o tempo e a usura governativa lhe entregue de novo o poder algures no futuro. Há uma extrema-esquerda, que desde sempre tinha sido o azorrague de todos os governos e que agora, entrada na esfera do poder, mesmo quando não alinha com o Governo, o poupa cuidadosamente. Há um movimento sindical em benévola expetativa. Há um PR amistoso, mesmo se vigilante por dever de função. E nem há sequer a tradicional oposição interna dentro do próprio PS.

2. A principal responsabilidade por esta invejável orquestração sem precedentes cabe antes de mais ao líder do PS e primeiro-ministro, António Costa. Mas há também conjunções políticas felizes, em que as coisas saem "melhor do que a encomenda".
Tradicionalmente, os governos do PS estavam entre dois aguerridos fogos permanentes, à direita e à esquerda. O atual entendeu-se com a extrema-esquerda e condicionou a direita, ainda a lamber as feridas da derrota, vinculando-a à experiência traumática da crise e da austeridade orçamental e à herança tóxica que deixou em alguns dossiers (como a banca). A oposição bem tenta fazer prova de vida, mas não convence. E não é só por virtude do Governo.
É certo que surgem nuvens na frente económica e orçamental que podem anunciar mau tempo lá mais para a frente. Os fatores de risco não podem ser ignorados (como aqui se tem alertado) nem desvalorizados (tentação de todos os governos). Mas, ressalvado esse risco, enquanto o Governo continuar a "entregar resultados" e a conjunção política favorável se mantiver e enquanto não houver uma oposição convincente à direita, não é de prever nenhum abalo político sério na paisagem política.

Subversão constitucional

1. É evidente que se o Brasil tivesse um sistema de governo de tipo parlamentar, como Portugal, em que o Governo assenta na (e depende da) confiança política do parlamento, o Governo Dilma Roussef já teria caído há muito, por quebra da heteróclita e latitudinária coligação de apoio no Congresso, em consequência da crise económica e política do país.
Acontece, porém, que o Brasil tem um sistema de governo presidencialista, de separação e independência do governo em relação ao parlamento (e vice-versa), em que o Presidente governa por efeito da legitimidade própria resultante da sua eleição direta para essa função, pelo que o executivo não pode ser demitido pelo parlamento nem substituído por outro com base em diferente coligação parlamentar (como pode suceder num sistema de governo parlamentar).

2. É certo que, seguindo o modelo norte-americano, o Presidente pode ser destituído por efeito de condenação por "crime de responsabilidade", cabendo o julgamento e a aplicação dessa pena à câmara alta do Congresso. Mas trata-se, antes de mais, de um procedimento de responsabilidade penal e não propriamente de responsabilidade política.
Ora, num Estado de direito constitucional para haver responsabilidade penal é preciso antes de mais existir um crime devidamente tipificado na lei e efetivamente cometido, culposamente, beyond any reasonable doubt. Mesmo nos "crimes políticos" a condenação não pode assentar na arbitrariedade nem na conveniência política. Parece evidente que essa condição básica faltou na condenação da Presidente brasileira.

3. Por isso, num regime presidencialista, o impeachment do chefe do executivo não pode ser abusado de modo a transformá-lo numa caricatura de moção de desconfiança e de mudança parlamentar do governo, que é uma instituição própria dos regimes parlamentares.
É absolutamente contrário à lógica do sistema presidencialista que um Presidente eleito na base de uma certa plataforma política seja depois substituído pelo Congresso, à revelia do voto popular, por um Presidente com uma orientação política oposta e com o apoio político decisivo dos partidos que perderam a eleição presidencial (e do próprio candidato vencido!).

4. Menos de três décadas depois da Constituição de 1988, a conjugação do sistema presidencialista com um sistema partidário ultrafragmentado e "fulanizado" revela enormes disfunções. Talvez seja tempo de repensar o sistema de governo, sem excluir a hipótese parlamentar, apesar de claramente rejeitada no plebiscito de 1993 e de ser alheia à cultura e à tradição política brasileira.
Se é isso que se quer, então mude-se primeiro a Constituição, em vez de a subverter ad hoc, enxertando "a martelo" uma moção de censura ao governo num sistema presidencialista, de acordo com as conveniências partidárias, como se fez na destituição de Dilma Roussef. Além do mais, é um mau precedente para o futuro.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Mais do mesmo


Foi para isto que se reverteu a concessão privada da STCP, para voltar à espiral dos prejuízos e do endividamento? E quando vem a prometida municipalização dos transportes coletivos de Lisboa e do Porto, acabando a sua gestão pelo Estado (e à custa do orçamento do Estado)? Até quanto vai manter-se o iníquo financiamento dos transportes de Lisboa e do Porto pelos contribuintes do resto do País, que já pagam integralmente os seus próprios transportes públicos urbanos? Até quando se mantém o comprometedor silêncio da ANMP sobre este indevido privilégio de Lisboa e do Porto?

É desta?

Está a ser preparada a revisão dos estatutos dos juízes e do Ministério Público, embora não se saiba que motivos a justificam. Será que é desta vez que vai finalmente ser revogado o seu regime especial de pensões, um dos mais escandalosos privilégios corporativos existentes em Portugal?
Porque é que, enquanto as pensões no setor público equivalem hoje a menos de 80% da última remuneração, com tendência para descer, as pensões daqueles hão de equivaler a 100% da remuneração (aliás relativamente elevada), e com atualização automática em caso de aumento desta? Os partidos de esquerda, que devem ser campeões da igualdade de tratamento - que, aliás, deve ser ainda mais exigente no setor público -, não têm nada a dizer sobre isto?

Adenda
Vem a propósito transcrever aqui o que deixei escrito neste post de há três anos:
«A principal missão da esquerda democrática é a luta contra os privilégios e pela igualdade de tratamento do Estado. Não há maior perigo para a saúde da democracia e para o desempenho do Estado social - causas prioritárias da esquerda social-democrata - do que a captura do Estado por grupos de interesse ou por visões corporativistas, incluindo os que operam ou se manifestam no seio do Estado».

É pena

O Governo não demorou a desmentir a ideia de que estaria a ser considerada a hipótese de adiar a extinção da sobretaxa do IRS sobre rendimentos mais altos e da "contribuição especial de solidariedade" (CES) sobre as pensões de valor mais elevado.
É pena, em especial no que respeita à CES, não tanto pelo receita que ela produz, que não é muito significativa, mas sim por ela incidir sobre pensões de muito elevado montante, que são em geral muito superiores ao que justificariam as contribuições dos respetivos titulares. Os felizes beneficiários de tais pensões agradecem seguramente, mas a equidade do sistema de pensões, não.
[revisto]

Adenda
Segundo o Correio da Manhã de hoje (2/9), o Estado paga 1770 pensões superiores a 5000 euros.

Adenda 2
Respondendo a perguntas de leitores, esclareço que: (i) a minha pensão não está sujeita a CES, por ficar abaixo do limiar desta, mas se estivesse defendia a mesma posição; (ii) obviamente, o meu IRS está sujeito a sobretaxa, mas não sufraguei a antecipação da sua extinção. Quem lê este blogue sabe que não costumo pautar as minhas posições políticas pelos meus interesses pessoais.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Três em um

Eis uma política que merece todo o aplauso, a de concessionar à exploração privada (nomeadamente hoteleira) edifícios públicos abandonados ou sem serventia apropriada, muitas vezes em estado de degradação acelerada, e que não podem ou ou não devem ser alienados.
Trata-se de um negócio 3-em-1: recuperação e valorização do património público edificado, realização de receita pública (renda da concessão) e investimento privado. Na situação orçamental e económica do País, não é pouca coisa. 
Esta nova política alimenta a esperança de um novo olhar quanto à valorização (por venda ou concessão/arrendamento) dos inúmeros edifícios públicos desocupados ou subutilizados por esse país fora, de que nem sequer existe inventário conhecido, e que a inércia política ou o desleixo burocrático votam há décadas à degradação e à destruição.
Só no local onde costumo passar férias, há quatro edifícios nessas condições, pertencentes à Marinha e aos portos...

Adenda
Um leitor levanta uma dúvida: se esta política tem luz verde dos parceiros de coligação governamental, que por razões ideológicas se opõem em geral à concessão de bens ou serviços públicos a empresas privadas. Mas não tenho notícia em contrário...

Ao contrário


1. A narrativa anti-UE da extrema-esquerda reza invariavelmente que a integração europeia foi feita (e só serve) para proteger as grandes empresas e assegurar os seus lucros.
Mas os factos provam exatamente o contrário, como mostram as enormes punições aplicadas pela União aos cartéis ou aos abusos de poder de mercado das grandes empresas, sejam europeias (desde a Philips à Daimler Benz) ou extra-europeias (desde a Microsoft norte-americana à Gazprom russa).
A decisão de ontem da Comissão Europeia, de aplicar uma coima de 13 000 milhões de euros (!) à poderosa Apple, por ter beneficiado de ajudas de Estado ilícitas na Irlanda (isenções fiscais seletivas), confirma inteiramente esse ponto.

2. Acresce que só a União poderia sancionar efetivamente tais infrações à concorrência e combater o poder económico das multinacionais. Nenhum Estado isoladamente teria interesse ou poder para punir essas infrações. Pelo contrário, como mostra o caso da Apple, muitas vezes são os próprios Estados-membros que promovem essas infrações em benefício próprio.
No final, o que isto mostra é que a globalização económica e a competição nacional pela atração de investimento estrangeiro criaram uma perigosa "falha de mercado", que torna ineficaz a defesa da concorrência limitada ao plano nacional. A UE é a resposta apropriada a essa falha de mercado, sendo uma estulta ilusão a ideia de retorno a um mirífico "controlo nacional" da economia.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Privilégios

O Estado tem razão na controvérsia sobre o âmbito da isenção do IMI sobre prédios da Igreja Católica e das suas instituições.
Nos termos da Concordata, a isenção fiscal abrange somente «os lugares de culto ou outros prédios ou parte deles diretamente destinados à realização de fins religiosos». Portanto, não existe nenhuma isenção geral da propriedade religiosa. Estão abrangidos claramente as igrejas e capelas, os mosteiros e conventos, os seminários e outras instalações e recintos diretamente afetos a fins religiosos. Mas já não estão incluídos, por exemplo, as habitações dos sacerdotes nem as instalações e espaços com outros fins de muitas instituições religiosas.
Para privilégios, já chegam os que o Vaticano obteve da República Portuguesa na pródiga Concordata. É um abuso procurar alargá-los para além disso.

Privatização do Estado social (2)

1. Por definição, no Estado social a realização dos direitos sociais incumbe ao Estado, não aos particulares
Se a Constituição o não proibir e se o Estado não quiser ou não puder providenciá-los diretamente e em espécie - escola pública, SNS, segurança social pública, habitações sociais, etc. -, pode subsidiar a aquisição desses serviços pelos interessados (cheque-dentista, subsídio de renda, etc.) ou contratualizar a sua provisão por entidades particulares (colégios associados, medicina convencionada, IPSSs, etc.).
A este propósito, fala-se hoje no "Estado garantidor", que financia a aquisição de serviços sociais no mercado, como alternativa ao "Estado prestador".

2. O que não faz muito sentido é o "Estado impositor", ou "Estado social sem custos", em que o Estado se exime das suas próprias obrigações constitucionais, impondo-as unilateralmente e seletivamente a certos particulares, sem compensação.
Seria absurdo que o Estado descarregasse sobre as clínicas privadas o encargo da realização do direito à saúde dos doentes pobres, obrigando-as a reduzir os preços; tal como seria despropositado impor aos colégios privados a responsabilidade de subsidiar o direito ao ensino dos alunos pobres, através da obrigação de redução das propinas. O mesmo raciocínio vale para o direito à habitação.
Se vingar esta solução original de privatização gratuita das obrigações sociais do Estado, está descoberto o caminho para a sustentabilidade orçamental do Estado social...
[revisto]

Privatização do Estado social

É pelo menos controversa a decisão de prolongar por mais cinco anos o congelamento das rendas dos inquilinos de baixos rendimentos e das "lojas históricas", adiando por igual tempo a plena implementação do mercado de arrendamento urbano.
Em primeiro lugar, é ao Estado que incumbe constitucionalmente garantir o direito à habitação, incluindo o subsídio de renda dos inquilinos com menores rendimentos. Privatizar essa obrigação pública, transferindo-a dos contribuintes em geral para os senhorios, não é somente indevido; é também arbitrário, por discriminação seletiva contra os senhorios dos imóveis nessa situações.
Em segundo lugar, se o Estado quer apoiar as chamadas lojas históricas, pode subsidiá-las ou dar-lhes outras ajudas públicas (isenções fiscais, etc.). Não deve é transferir para os senhorios os custos dessa política pública.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Júbilo (2)

No seu editorial de hoje o Público apressa-se a dar como adquirido o óbito do TTIP. E depois de dizer que o "tratado era mau", acrescenta que "o secretismo que envolveu as negociações, as cedências que impunha à Europa em questões sensíveis como a protecção do ambiente ou da alimentação humana ou o poder de decisão em conflitos comerciais concedido às grandes conglomerações empresariais justificam e tornam até desejável esse fracasso".
É difícil imaginar tanta falta de rigor e tão precipitado juízo. De facto:
1º - Não existe ainda nenhum tratado: nenhum capítulo está concluído e em 1/3 dos capítulos ainda não se iniciaram as negociações;
2º - O alegado secretismo nas negociações é contrariado pela divulgação oficial de todas as propostas negociais da UE e pelo conhecimento dos pontos pré-acordados por parte de todos os governos nacionais e de todos os deputados do PE e dos parlamentos nacionais;
3º- Nenhum  dos pontos já pré-acordados envolve qualquer cedência da UE em nenhum dos referidos pontos;
4º - O sistema de resolução de litígios de investimento ainda não foi negociado e a proposta da UE que está na mesa afasta o malsinado sistema de arbitragem particular entre investidores e Estados.
Se o editorial de um jornal de referência pode revelar tanta falta de rigor, como exigir dos cidadãos comuns melhor informação sobre o TTIP?!

Adenda
Entretanto, a Comissão Europeia - que é única instituição da UE competente para conduzir as negociações - já veio desmentir a "morte" do TTIP, acrescentando que as negociações "estão vivas e recomendam-se"
Ficamos a aguardar o editorial do Público de amanhã...