Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
Avanço civilizacional
Publicado por
Vital Moreira
1. Um década passada sobre o referendo de 2007, o saldo da legalização do aborto é inteiramente positivo: fim do aborto clandestino, das mortes por aborto e da perseguição criminal das mulheres e diminuição do número de abortos. A principal maldição dos opositores da lei - a banalização do aborto como método anticoncecional - não se verificou, pelo contrário.
Quem por razões religiosas ou outras se opõe ao aborto pode obviamente continuar observar pessoalmente as suas convicções (incluindo a objeção de consciência do pessoal de saúde), sem porém as impor aos outros através do Código Penal, como é próprio de uma sociedade livre e de um Estado laico.
2. A viragem de há dez anos consolidou-se pacificamente na comunidade nacional.
A Igreja Católica conformou-se com a decisão da maioria democrática e os partidos de direita, que em 2007 se opuseram militantemente à legalização do aborto, afastaram prudentemente a sua reversão da agenda política quando voltaram ao Governo em 2011, pese embora a pressão de alguns fundamentalistas.
Tendo participado ativamente no debate público aquando do referendo e da aprovação da lei, apraz-me sobremaneira comemorar os dez anos desse avanço civilizacional que foi o fim da criminalização do aborto e a sua regulação nas condições estabelecidas na lei.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Culpa própria
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Vital Moreira
Os esforços da UE para conter o fluxo de imigrantes sub-saharianos que atravessam o Mediterrâneo vindos da Líbia serão defraudados enquanto o Estado e a segurança não forem restaurados nesse país.
Tendo a Grã-Bretanha e a França sido os grandes responsáveis pela destruição do Estado líbio e do subsequente caos político, com a sua imprudente intervenção armada destinada a mudar pela força o regime político nesse país, cabe agora à UE fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reconstruir o Estado e restaurar a ordem política e a governabilidade do País, sem o que não existe paz civil nem segurança, nem muito menos controlo dos fluxos migratórios em direção à Itália.
A Europa está a pagar bem caro a (ir)responsabilidade de alguns dos seus Estados-membros na desestruturação do Estado no Iraque, na Síria e na Libia. É tempo de reparar os danos, na origem!
Este país não tem emenda (2)
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Vital Moreira
«Juízes demoram 40 meses para julgar cobrança de dívidas».
Como é que uma economia pode funcionar se é preciso mais de 3 anos de litigância para obter a cobrança coerciva de dívidas!?
Como é que uma economia pode funcionar se é preciso mais de 3 anos de litigância para obter a cobrança coerciva de dívidas!?
Ai, a dívida! (8)
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Vital Moreira
1. Um leitor contesta a minha preocupação insistente com a questão da dívida pública ("já chateia", diz ele), argumentando que se o défice das contas públicas está a diminuir consistentemente e a economia a crescer, então o rácio da dívida pública não pode deixar de se reduzir.
Infelizmente, as coisas não são bem assim.
Primeiro, como assinalei anteriormente, a redução do défice em 2016 foi essencialmente devida ao saldo da segurança social (cortesia da melhoria do mercado laboral), que compensou o défice das contas do Estado, o qual aumentou significativamente em vez de diminuir (como regista a UTAO). Ora, como o Estado não pode utilizar o saldo da SS para pagar as suas despesas (tendo de transferir esse excedente para o Fundo de Garantia da SS), o défice do setor Estado tem de ser pago com recurso ao crédito. Eis porque, apesar da redução do défice público global, a dívida aumentou.
Em segundo lugar, dada a insuficiência do saldo orçamental primário, o País tem de contrair nova dívida para pagar os juros e amortizar a dívida existente; ora, como os juros da nossa dívida têm estado a aumentar, cada nova emissão de obrigações traz um agravamento do custo médio da divida, pois os juros atuais (acima dos 4%) são superiores aos juros médios da dívida anterior.
Por último, em 2016 a dívida cresceu a um ritmo superior ao do PIB, pelo que o rácio entre aquela e este se agravou.
2. Portanto, para reduzir o peso da dívida será necessário: (i) reduzir o défice orçamental do setor Estado e o recurso a nova dívida; (ii) melhorar a confiança dos investidores e baixar os juros; (iii) ter maior crescimento económico para diminuir o rácio dívida/PIB.
Enquanto as coisas não melhorarem nesses fatores, é escusado esperar pela subida do rating negativo da nossa dívida pública, que a Fitch acaba de manter inalterado (o que, obviamente, não pode ser saudado como uma boa notícia). E sem isso, não haverá melhoria do sentimento dos investidores nem descida consistente dos juros.
Acresce que a perspetiva de uma elevação geral dos juros nos mercados financeiros não contribui obviamente para desanuviar o horizonte, pelo contrário.
Infelizmente, as coisas não são bem assim.
Primeiro, como assinalei anteriormente, a redução do défice em 2016 foi essencialmente devida ao saldo da segurança social (cortesia da melhoria do mercado laboral), que compensou o défice das contas do Estado, o qual aumentou significativamente em vez de diminuir (como regista a UTAO). Ora, como o Estado não pode utilizar o saldo da SS para pagar as suas despesas (tendo de transferir esse excedente para o Fundo de Garantia da SS), o défice do setor Estado tem de ser pago com recurso ao crédito. Eis porque, apesar da redução do défice público global, a dívida aumentou.
Em segundo lugar, dada a insuficiência do saldo orçamental primário, o País tem de contrair nova dívida para pagar os juros e amortizar a dívida existente; ora, como os juros da nossa dívida têm estado a aumentar, cada nova emissão de obrigações traz um agravamento do custo médio da divida, pois os juros atuais (acima dos 4%) são superiores aos juros médios da dívida anterior.
Por último, em 2016 a dívida cresceu a um ritmo superior ao do PIB, pelo que o rácio entre aquela e este se agravou.
2. Portanto, para reduzir o peso da dívida será necessário: (i) reduzir o défice orçamental do setor Estado e o recurso a nova dívida; (ii) melhorar a confiança dos investidores e baixar os juros; (iii) ter maior crescimento económico para diminuir o rácio dívida/PIB.
Enquanto as coisas não melhorarem nesses fatores, é escusado esperar pela subida do rating negativo da nossa dívida pública, que a Fitch acaba de manter inalterado (o que, obviamente, não pode ser saudado como uma boa notícia). E sem isso, não haverá melhoria do sentimento dos investidores nem descida consistente dos juros.
Acresce que a perspetiva de uma elevação geral dos juros nos mercados financeiros não contribui obviamente para desanuviar o horizonte, pelo contrário.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
Assunto encerrado
Publicado por
Vital Moreira
1. Como lhe competia, o Governo atalhou cerce a nova e canhestra tentativa de reabrir politicamente o dossier do Acordo Ortográfico de 1990.
Como acordo internacional que é, a que o País se encontra vinculado e que está em vigor, só uma enorme irresponsabilidade política é que permitiria coonestar uma leviana iniciativa unilateral de revisão do AO. A língua portuguesa é um património plurinacional dos países que a compartilham, de que Portugal nem sequer é o maior dos condóminos. Em matéria de reformas ortográficas unilaterais bastou a de 1911, a mãe de todas as atribulações ortográficas da Língua Portuguesa. Aquilo que foi decidido por acordo entre todos os "donos" da Língua comum em 1990 só por novo acordo entre todos deve ser modificado.
Ao contrário do que pensam alguns dos adversários mais fundamentalistas do AO, a era do Império já passou há muito! Os assuntos da Língua já não se decretam autoritariamente em Lisboa.
2. A conduta do Academia de Ciências de Lisboa neste dossiê, e do seu presidente em especial, é a todos os títulos censurável.
Primeiro, tendo endossado o AO de 1990 (como se relembra nesta excelente comunicação), a ACL carece de qualquer legitimidade para, passados estes anos todos, vir questionar a autoridade e legitimidade científica do Acordo. Segundo, antes de propor qualquer "aperfeiçoamento" do AO em vigor, a ACL deveria apresentar essa iniciativa na sede própria da CPLP, que é a Instituto Internacional Língua Portuguesa (IILP). Terceiro, como organismo oficial que é, a ACL tem a obrigação de utilizar e respeitar a ortografia oficial e de elaborar o correspondente dicionário, independentemente da sua concordância com ela. Por último, e sobretudo, é inadmissível que a Academia sugira a adoção de uma nova ortografia nacional, em violação deliberada do acordo com os demais países de Língua Portuguesa. Não é sério!
Sendo um organismo consultivo para as questões da Língua, a ACL pode recomendar todas as alterações ortográficas que lhe aprouver à norma vigente, incluindo tonterias como algumas das que apresentou publicamente (como a recuperação de algumas consoantes mudas), mas, entretanto, como organismo público que é, tem de respeitar e cumprir a legalidade ortográfica do País, goste ou não dela.
Assunto encerrado, portanto.
Adenda (10/2)
Quanto ao procedimento pouco curial como que foram adotadas as "propostas" de alteração subscritas pela ACL ver este elucidativo texto de Rolf Kemmler.
Como acordo internacional que é, a que o País se encontra vinculado e que está em vigor, só uma enorme irresponsabilidade política é que permitiria coonestar uma leviana iniciativa unilateral de revisão do AO. A língua portuguesa é um património plurinacional dos países que a compartilham, de que Portugal nem sequer é o maior dos condóminos. Em matéria de reformas ortográficas unilaterais bastou a de 1911, a mãe de todas as atribulações ortográficas da Língua Portuguesa. Aquilo que foi decidido por acordo entre todos os "donos" da Língua comum em 1990 só por novo acordo entre todos deve ser modificado.
Ao contrário do que pensam alguns dos adversários mais fundamentalistas do AO, a era do Império já passou há muito! Os assuntos da Língua já não se decretam autoritariamente em Lisboa.
2. A conduta do Academia de Ciências de Lisboa neste dossiê, e do seu presidente em especial, é a todos os títulos censurável.
Primeiro, tendo endossado o AO de 1990 (como se relembra nesta excelente comunicação), a ACL carece de qualquer legitimidade para, passados estes anos todos, vir questionar a autoridade e legitimidade científica do Acordo. Segundo, antes de propor qualquer "aperfeiçoamento" do AO em vigor, a ACL deveria apresentar essa iniciativa na sede própria da CPLP, que é a Instituto Internacional Língua Portuguesa (IILP). Terceiro, como organismo oficial que é, a ACL tem a obrigação de utilizar e respeitar a ortografia oficial e de elaborar o correspondente dicionário, independentemente da sua concordância com ela. Por último, e sobretudo, é inadmissível que a Academia sugira a adoção de uma nova ortografia nacional, em violação deliberada do acordo com os demais países de Língua Portuguesa. Não é sério!
Sendo um organismo consultivo para as questões da Língua, a ACL pode recomendar todas as alterações ortográficas que lhe aprouver à norma vigente, incluindo tonterias como algumas das que apresentou publicamente (como a recuperação de algumas consoantes mudas), mas, entretanto, como organismo público que é, tem de respeitar e cumprir a legalidade ortográfica do País, goste ou não dela.
Assunto encerrado, portanto.
Adenda (10/2)
Quanto ao procedimento pouco curial como que foram adotadas as "propostas" de alteração subscritas pela ACL ver este elucidativo texto de Rolf Kemmler.
Ubiquidade constitucional
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Vital Moreira
1. Infelizmente, entre nós existe um entendimento generalizado de que tudo tem de ter uma solução na Constituição, pelo que o debate político redunda quase sempre numa esgrima de argumentos constitucionais, em vez de uma troca de argumentos políticos.
Tal é o que sucede agora com a questão da morte assistida, vulgo eutanásia, que acaba capturada por essa "ubiquidade constitucional". Enquanto os apoiantes da despenalização defendem que se trata de uma questão de direitos humanos e de liberdade e dignidade pessoal, sendo por isso inconstitucional a atual criminalização, os seus opositores acham que a eutanásia constitui uma violação do direito à vida, sendo por isso inconstitucional despenalizá-la.
E se a Constituição, corretamente interpretada, não fornecesse nenhuma solução para a eutanásia e deixasse essa questão (tal como o aborto ou a casamento de pessoas do mesmo sexo) ao bom e prudente critério do legislador democrático (ou dos próprios cidadãos em referendo, se tal for opção) após adequado e informado debate público?
2. Ao contrário do referido "totalitarismo constitucional" vulgar, a Constituição não está em toda a parte, nem tem solução para tudo, muito menos pretende cancelar a essencial liberdade de decisão do legislador democrático. A história constitucional mostra que as constituições que muito pretendem abarcar acabam por pouco alcançar.
A primeira regra de interpretação da Constituição numa democracia liberal é a de que a limitação do legislador democrático é a exceção, sendo a regra a liberdade de opção política. É politicamente livre tudo o que a Constituição não proíba ou imponha.
Por isso, antes de serem eventualmente conformes ou desconformes à Constituição, as propostas políticas, como a da despenalização da eutanásia, podem ser boas ou más soluções, de acordo com a perspetiva moral e política de cada um, e é por esses critérios antes de mais que devem ser debatidas e decididas. As boas soluções políticas não precisam de ter bênção constitucional e as más não precisam de ser inconstitucionais.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Recessão democrática?
Publicado por
Vital Moreira
(Níveis de participação eleitoral no mundo; a linha cheia vermelha indica a média global)
1. Não é somente a economia que está sujeita a crises e a recessões. O mesmo se passa com a democracia representativa, baseada no sufrágio universal periódico para a eleição dos representantes do poder político (parlamentos e, muitas vezes, presidentes), e em especial com a democracia liberal, baseada na liberdade política e no Estado de direito. (A noção de "recessão democrática" foi popularizada por Larry Diamond num artigo de 2015.)
Embora o número de democracias representativas mais ou menos liberais tenha aumentado substancialmente durante a chamada "terceira vaga da democratização" (1974-2005), há por um lado os casos de retorno à autocracia e por outro lado, mesmo onde isso não ocorreu, há indícios de perda de vitalidade da democracia eleitoral em geral e da democracia liberal em particular.
2. Um deles é a redução consistente da participação eleitoral (voter turnout) desde os anos 80, em especial na Europa, como mostra a tabela acima junta (colhida daqui) com dados da eleições entre meados do século passado e 2015. A menor participação eleitoral é, em geral, um sintoma de desafeição democrática.
Outro fator é o crescente recurso ao referendo para decidir questões políticas controversas, com afastamento dos mecanismos representativos, incluindo a possibilidade de convocação popular direta de tais referendos, à margem das instituições democráticas.
O terceiro sintoma da "recessão democrática" é o triunfo ou o crescente apoio eleitoral de candidaturas iliberais e/ou populistas, quer em países sem uma consistente cultura democrático-liberal (como a Turquia ou a Rússia), quer mesmo em democracias avançadas, como na Europa e nos Estados Unidos.
3. A eleição de Trump nos Estados Unidos e a liderança de forças políticas daquela natureza em inquéritos de opinião eleitoral em países como a França, a Holanda, a Áustria, etc. revelam uma clara perda de apelo popular da democracia liberal, mesmo onde isso parecia mais improvável.
A questão é a de saber se estamos perante um "declínio democrático" que veio para ficar ou se, tal como as recessões económicas, também a recessão democrática é transitória.
Seguramente, porém, não basta esperar sentado!
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
Os factos reais contra os "factos alternativos"
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Vital Moreira
Como aqui se tinha antecipado a economia da zona euro vai bem e recomenda-se, estando até a ter um desempenho superior ao dos Estados Unidos, o que não é comum. Nem o choque do Brexit nem as fundadas preocupações quanto aos eventos políticos calendarizados para o corrente ano (eleições na Holanda, na França e na Alemanha) nem a deriva populista-protecionista nos Estados Unidos parecem abalar o dinamismo da economia europeia, pelo menos para já.
Contra esta realidade, perdem credibilidade os chavões sobre a "crise terminal da zona euro" e sobre a "impossibilidade de crescimento económico na zona euro", proclamados pelas forças antieuropeístas de todos os matizes, entre nós protagonizadas sobretudo pela extrema-esquerda política e ideológica. É de temer, porém, que na atual era "pós-factos" os seus porta-vozes não resistam à tentação de fazer passar por "factos alternativos" (novo eufemismo para "falsificação dos factos") o seu wisfull thinking, tomando os seus desejos por realidades, como costumam fazer.
Adenda
Apesar dos handicaps de que padece a economia portuguesa, ela pode beneficiar do efeito de arrastamento do bom momento da economia da UE (como aqui já se assinalou), sobretudo tendo em conta que os nossos principais parceiros comerciais (a Espanha e a Alemanha) são justamente dos países com maior crescimento e que a melhoria de competitividade da economia portuguesa obtida com a (embora pequena) "desvalorização interna" durante o período de assistência financeira externa, permitiu aumentar para mais de 40% o rácio exportações/PIB, tornando a economia portuguesa mais sensível aos efeitos externos.
Conspiração silenciosa
Publicado por
Vital Moreira
Mas, por maioria de razão, também deveria ser revisto o seu regime especial de aposentação ("jubilação"), que incentiva a saída de uns e outros logo que alcançada a idade da reforma (atualmente nos 66 anos e alguns meses), por não terem nenhuma vantagem em ficar, visto que gozam de uma pensão permanentemente equivalente à remuneração em funções (incluindo o subsídio de residência!). Para além deste injustificável privilégio - que viola manifestamente o princípio da igualdade, como tenho denunciado várias vezes -, este regime favorece a saída precoce dos juízes e magistrados do Ministério Público ainda na plenitude das suas faculdades.
Um desperdício!
2. É óbvio que esse regime aumenta a rotação de ambas as categoriais, em cargos em que a experiência e a maturidade contam sobremaneira.
Não faz muito sentido encurtar a formação de juízes e de magistrados do Ministério Público para os lançar mais cedo em atividade e depois dispensá-los no final da carreira mal atinjam a idade mínima de aposentação plena. Pelo contrário, além da revisão do regime de pensões, o que se justificava era deslocar a atual idade de reforma obrigatória para depois dos 70 nos, como já defendi há vários anos. Há países sem limite de idade para os juízes...
Com estas duas medidas, sobretudo a primeira, é evidente que grande parte dos juízes e magistrados do Ministério Público prefeririam prolongar o exercício de funções, como sucede noutras áreas, com vantagens para a qualidade da justiça e para o menor peso desta no orçamento do Estado.
A verdade, porém, é que existe uma óbvia conspiração silenciosa para manter estas questões fora da agenda política, independentemente de quem governa. É um daqueles consensos políticos que ninguém consegue justificar mas que ninguém ousa questionar.
Há privilégios inexpugnáveis.
domingo, 5 de fevereiro de 2017
sábado, 4 de fevereiro de 2017
O mistério da geringonça desaparecida
Publicado por
Vital Moreira
«O desenvolvimento da situação política nacional foi marcada na última semana pela derrota da redução da Taxa Social Única (TSU) para os patrões, com a votação na Assembleia da República no seguimento da apreciação parlamentar proposta pelo PCP do decreto do governo que a adoptava. Esta votação tem um importante significado político. Primeiro, porque contribuiu para o esclarecimento da nova fase da vida política nacional sublinhando particularmente o facto de não existir um governo de esquerda nem tão pouco uma coligação, maioria de esquerda ou acordo de incidência parlamentar de apoio ao governo, mas sim um governo minoritário do PS».1. O PCP, segundo o Avante desta semana, decidiu apagar oficialmente a "Geringonça" do seu discurso oficial.
Não há "governo de esquerda", nem "coligação de esquerda", nem "maioria de esquerda", nem sequer "acordo parlamentar de apoio ao governo". Do acordo interpartidário que esteve na base da formação deste Governo, nem menção! Há apenas, sentencia o PCP, um "governo minoritário do PS" - não fosse alguém ter-se esquecido -, a quem o PCP faz o favor, com as devidas contrapartidas políticas, de impedir que seja derrubado pela direita parlamentar (que é menos minoritária). Enquanto o Governo se portar bem, claro está!
2. Ao renegar desta forma brutal qualquer compromisso político na sustentação parlamentar do Governo, o que o PCP faz é um "aviso à navegação" dirigido ao Largo do Rato, lembrando o poder de veto do PCP às iniciativas governamentais. Com esta advertência oficial, o PCP sobe a parada e a retórica política face ao Governo, condicionando mais a ação governativa. Provavelmente, a reação pública do PS a esta demarcação do parceiro (?) de aliança (?) parlamentar vai ser "assobiar para o ar" e pensar que se trata somente de recados para consumo interno do PCP.
Mas este misterioso desaparecimento da "Geringonça" da testada do PCP pode bem prenunciar a abertura de uma nova fase, mais dura, da atual fórmula governativa...
O ano do comércio internacional
Publicado por
Vital Moreira
1. A próxima reunião do Conselho de Estado, órgão consultivo do Presidente da República (e uma espécie de "senado" opinativo), será dedicada ao comércio internacional. Não podia ser mais oportuno o tema.
Primeiro, aproxima-se a ratificação nacional do acordo de comércio e investimento entre a UE e o Canadá (conhecido pela sigla CETA), o mais avançado de todos os acordos comerciais da União, que a extrema-esquerda, como sempre, rejeita. No contexto da atual reação protecionista, agora abraçada por Washington, que já ditou a suspensão das negociações do acordo económico UE-EUA (TTIP), a questão do CETA torna-se uma questão crucial para a política comercial da União Europeia, que constitui um pilar essencial da sua prosperidade económica e da sua influência no mundo, incluindo na promoção dos direitos laborais e dos direitos humanos em geral.
No quadro político nacional, em que a aliança de governo integra as forças habitualmente hostis ao comércio internacional, a ratificação do CETA constitui um importante teste político interno.
2. Por coincidência, o ano de 2017 pode ser considerado o ano do comércio internacional, assinalando datas incontornáveis na história das trocas comerciais internacionais.
Assim, passam dois séculos sobre a publicação da obra fundamental de David Ricardo, Principles of Political Economy and Taxation (1817), que constituiu a grande explicação teórica sobre as vantagens do comércio internacional. Passam 70 anos sobre o GATT (General Agreement on Trade and Tariffs), o acordo internacional que presidiu à onda longa de liberalização do comércio internacional desde a II Grande Guerra, culminando na criação da Organização Mundial do Comércio (1995). E passam 60 anos sobre o Tratado de Roma (1957), que criou a Comunidade Económica Europeia e iniciou a mais profunda e bem conseguida experiência de integração económica transnacional, na base da livre circulação transfronteiriça de produtos, serviços, capitais e trabalhadores, mais a liberdade de de estabelecimento.
Apesar da atual reação protecionista, que há de passar, só há razões para celebrar essas datas. O comércio internacional com regras favorece a paz, prevenindo as tradicionais guerras comerciais, que não poucas vezes descambavam em conflitos armados . O mundo seria bem mais pobre e menos livre sem os eventos que elas assinalam.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
As voltas que o Mundo dá!
Publicado por
Vital Moreira
1. É assaz comprometedor verificar as várias afinidades substantivas entre o programa político de Trump e a extrema-esquerda europeia.
Além do protecionismo comercial, já aqui assinalado, há mais três importantes convergências: o nacionalismo político e a aversão às instituições transnacionais, o programa económico de investimento público baseado no défice e no endividamento público e, last but not the least, a ostensiva hostilidade à União Europeia e a aposta na sua desintegração.
Não é pouca coisa, nem de menor importância.
2. Já se sabia que essas teses da extrema-esquerda eram susceptíveis de servir também um programa de direita nacionalista, dadas as suas convergência com as forças da extrema-direita europeia, nomeadamente a Frente Nacional em França.
Mas que agora a extrema-esquerda e a extrema-direita europeias vejam um seguidor das suas teses nacionalistas e protecionistas em Washington, tradicional campeão mundial do liberalismo e da globalização económica, não deixa de ser surpreendente. Le Pen e Farage já foram a Washington prestar homenagem ao novo oráculo do nacionalismo. A extrema-esquerda europeia que animou o movimento contra o TTIP por essa Europa fora bem podia também ir à Casa Branca agradecer a Trump o enterro daquele, coroando gloriosamente a sua luta. Nem sonhavam com tal "sorte grande" e só lhes fica bem a gratidão!
As voltas que o Mundo dá!
Além do protecionismo comercial, já aqui assinalado, há mais três importantes convergências: o nacionalismo político e a aversão às instituições transnacionais, o programa económico de investimento público baseado no défice e no endividamento público e, last but not the least, a ostensiva hostilidade à União Europeia e a aposta na sua desintegração.
Não é pouca coisa, nem de menor importância.
2. Já se sabia que essas teses da extrema-esquerda eram susceptíveis de servir também um programa de direita nacionalista, dadas as suas convergência com as forças da extrema-direita europeia, nomeadamente a Frente Nacional em França.
Mas que agora a extrema-esquerda e a extrema-direita europeias vejam um seguidor das suas teses nacionalistas e protecionistas em Washington, tradicional campeão mundial do liberalismo e da globalização económica, não deixa de ser surpreendente. Le Pen e Farage já foram a Washington prestar homenagem ao novo oráculo do nacionalismo. A extrema-esquerda europeia que animou o movimento contra o TTIP por essa Europa fora bem podia também ir à Casa Branca agradecer a Trump o enterro daquele, coroando gloriosamente a sua luta. Nem sonhavam com tal "sorte grande" e só lhes fica bem a gratidão!
As voltas que o Mundo dá!
"Branquear" Trump
Publicado por
Vital Moreira
Apesar de embaraçada com o rompante radicalismo agressivo de Trump, a direita ideológica, entre nós e lá fora, ensaia duas justificações para branquear a sua deriva autoritária: que ele foi eleito democraticamente e que ele está a cumprir o que anunciou.
Mas o clube dos autocratas por esse mundo fora está cheio de presidentes eleitos que anunciaram ao que iam antes de o serem, desde Maduro a Duterte, desde Putin a Erdogan. A eleição e o anúncio prévio não podem validar o populismo, a arbitrariedade, o desrespeito dos direitos humanos e das regras do Estado de direito, a violação de compromissos internacionais.
Ao contrário do que defendem muitos comentadores de direita, o problema não está na dificuldade em optar entre o radicalismo de Trump e o radicalismo de alguns dos seus opositores mais vocais, mas sim entre a evidente tentação autocrática de Trump e os princípios e "convenções" da democracia liberal e do Estado de direito.
A incapacidade da direita liberal de se demarcar de Trump e das suas tropelias é comprometedora. Os "nossos" autocratas não são menos perigosos do que os outros!
Autoritarismo em Washington
Publicado por
Vital Moreira
(Fonte da ilustração: http://agendapublica.es/por-que-donald-trump/)
1. No seu ataque à herança política moderada nos Estados Unidos, Trump anunciou a revogação da chamada "emenda Johnson" de 1954, ou seja, da norma legal que proibia a ingerência das igrejas (e outras organizações não lucrativas beneficiárias de isenção de impostos) nas campanhas eleitorais, por exemplo, financiando, apoiando ou rejeitando candidatos ou partidos, sob pena de perda daquelas isenções fiscais.Ao revogar essa regra até agora politicamente consensual nos Estados Unidos, Trump manifesta ostensivamente o seu agradecimento político pelo empenhado apoio que recebeu dos meios evangélicos no seu caminho para a Casa Branca. Com a revogação da referida lei, Trump vai passar a ter um comício favorável em cada templo evangélico e os púlpitos vão transformar-se em plataformas privilegiadas de combate político, misturando política e religião sem limites.
2. Ora, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas num Estado não confessional como os Estados Unidos deve ser simétrico, estabelecendo limitações tanto para o Estado como para as confissões religiosas.
Não deve limitar-se a proibir o Estado de adotar uma religião oficial e de interferir na organização ou ação das igrejas, devendo incluir também a proibição de as igrejas e os seus ministros, nessa qualidade, interferirem nas eleições e na seleção dos titulares de cargos políticos. Nos termos da lição bíblica, Deus e César (que o mesmo é dizer, a religião e o poder político) devem coabitar um com o outro, mas não devem imiscuir-se nos negócios um do outro. Os procedimentos democráticos dizem respeito aos cidadãos, religiosos ou não, e não às igrejas.
Na sua profunda e arrogante falta de cultura democrática, Trump não respeita nenhum obstáculo legal, por mais razoável que seja.
3. Os Estados Unidos estão mesmo em muito más mãos. Neste momento a questão é já a de saber se a democracia liberal americana resiste sem graves entorses a este devastador terramoto político!
Com o superpoder pessoal que o regime presidencialista lhe dá, rodeado na Casa Branca por uma tribo de fundamentalistas fieis, apoiado por uma maioria política nas duas câmaras do Congresso e podendo contar dentro em pouco com um Supremo Tribunal Federal alinhado, quem pode salvar a decência e a moderação política do autoritarismo arbitrário de Trump?
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
A UE e as rotas da migração
Publicado por
AG
"Mais de 5.000 mortos no Mediterrâneo em 2016 e dezenas de milhares de refugiados a defrontar o Inverno em condições deploráveis na Grécia e na Bulgária evidenciam, tragicamente, que a Europa não tem sido capaz de gerir fluxos migratórios ao longo das rotas mediterrânicas e outras. Não tem um sistema de asilo comum a funcionar eficazmente. E continua a alimentar o negócio das redes de traficantes ao não abrir vias legais e seguras para refugiados e migrantes, designadamente através de vistos humanitários.
A Cimeira de Malta será um falhanço e uma vergonha se apostar na externalização das nossas responsabilidades e fronteiras.
Apoiar a capacitação de estruturas líbias, do ACNUR e da IOM, para salvar e garantir tratamento com dignidade a refugiados, migrantes e líbios, SIM, Sra. Mogherini. Mas NÃO à imposição de “acordos de readmissão”, ou réplicas do negócio ilegal com a Turquia, a uma Líbia sem governação. Seria indecoroso e contraproducente!
É imperativo que os nossos governos acordem, revigorem a solidariedade europeia para responder aos que, de dentro e de fora, como Trump e o seu estratega Putin, querem destruir a União Europeia, porque querem destruir a democracia. E para isso cavalgam forças racistas, nacionalistas, populistas e xenófobas - as mesmas que nos querem impedir de cumprir deveres básicos de protecção a refugiados e migrantes."
(Minha intervenção em debate no plenário do PE ontem)
Bode expiatório
Publicado por
Vital Moreira
1. A regras de disciplina orçamental e de governação económica da zona euro costumam ser apontadas como culpadas das dificuldades de alguns países periféricos, como Portugal, em aumentarem o seu potencial de crescimento, de emprego e bem-estar. É a tese da extrema-esquerda parlamentar entre nós, como fundamento prático da sua hostilidade ideológica à integração europeia em geral e ao euro em especial.
Mas independentemente do debate político-ideológico sobre a integração europeia, os factos desmentem frontalmente a responsabilidade do euro no nosso insucesso económico, apesar das aparências em contrário. Nem sempre o que vem depois supõe uma relação de causalidade ("post hoc" nem sempre significa "propter hoc").
Os exemplos da Irlanda e de Espanha, entre outros, mostram que é possível aos países periféricos crescerem robustamente no quadro das regras da zona euro. E, mesmo entre nós, o sucesso das reformas da legislação do trabalho e do arrendamento, adotadas no período de assistência financeira, no atual dinamismo do mercado de emprego e do mercado urbanístico respetivamente mostram que há muita margem interna para influenciar o crescimento e o emprego.
Não é por acaso que a esquerda radical quer "reverter" ou restringir também essas reformas, com o propósito de apagar o desmentido prático das suas teses.
2. O que dificulta o desempenho económico de vários países do euro não são as regras orçamentais e económicas da moeda única, que são iguais para todos, mas sim as más políticas internas, a começar pelas políticas orçamentais e a ausência de reforma dos obstáculos que travam a economia.
Fazer do euro o "bode expiatório" das nossas dificuldades não passa de um dispositivo tático para justificar a falta de determinação reformista ou a oposição ao euro e à União Europeia. Era conveniente não haver dúvidas sobre isso.
Mas independentemente do debate político-ideológico sobre a integração europeia, os factos desmentem frontalmente a responsabilidade do euro no nosso insucesso económico, apesar das aparências em contrário. Nem sempre o que vem depois supõe uma relação de causalidade ("post hoc" nem sempre significa "propter hoc").
Os exemplos da Irlanda e de Espanha, entre outros, mostram que é possível aos países periféricos crescerem robustamente no quadro das regras da zona euro. E, mesmo entre nós, o sucesso das reformas da legislação do trabalho e do arrendamento, adotadas no período de assistência financeira, no atual dinamismo do mercado de emprego e do mercado urbanístico respetivamente mostram que há muita margem interna para influenciar o crescimento e o emprego.
Não é por acaso que a esquerda radical quer "reverter" ou restringir também essas reformas, com o propósito de apagar o desmentido prático das suas teses.
2. O que dificulta o desempenho económico de vários países do euro não são as regras orçamentais e económicas da moeda única, que são iguais para todos, mas sim as más políticas internas, a começar pelas políticas orçamentais e a ausência de reforma dos obstáculos que travam a economia.
Fazer do euro o "bode expiatório" das nossas dificuldades não passa de um dispositivo tático para justificar a falta de determinação reformista ou a oposição ao euro e à União Europeia. Era conveniente não haver dúvidas sobre isso.
Portucaliptal
Publicado por
Vital Moreira
1. Esta notícia confirma o que toda a gente sabe: que Portugal está a transformar-se num imenso eucaliptal, ainda por cima em regime de exploração extensiva por planícies, montes e vales, incluindo parques naturais.
Portugal ostenta o comprometedor título mundial de país com mais eucaliptos (relativamente ao território), batendo a Austrália! Se a Toscana fosse em Portugal, já estava coberta de eucaliptos!
A "lei da liberalização" de 2013 acelerou a eucaliptização. O atual Governo prometeu revogar essa lei, mas essa virtuosa reversão ficou claramente na gaveta (ao contrário de outras...). Em vez disso, o Governo já premiou a indústria de celulose com 125 milhões de subsídios públicos, mais umas dezenas de milhões de ajuda à produtividade do eucalipto.
Não imaginava vir a caber a um Governo de esquerda coroar o eucalipto como improvável "rei da floresta nacional" (como titula a notícia acima).
2. É óbvio que tudo isto só é possível pelo enorme poder de lobby da fileira agro-industrial da celulose, que foi ao ponto de ameaçar o Governo com o cancelamento de planos de investimento, se ele não cedesse aos seus interesses. Pelos vistos, levou a melhor, com o prémio adicional de obter do Estado o financiamento desses investimentos. Não imaginava os meus impostos a alimentarem a eucaliptização geral do País!
Mais uma vez, os nossos partidos pseudo-verdes, que costumam prestar lip service ao controlo dos eucaliptos, não tugiram nem mugiram perante este maciço subsídio público direto e indireto a uma das atividades económicas mais prejudiciais ao ambiente entre nós. Pelos vistos, não é somente o Estado que os novos "donos disto tudo" põem em sentido...
Disgusting!
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
Duas esquerdas
Publicado por
Vital Moreira
1. Contra o firme compromisso da social-democracia europeia com a integração europeia, com a UEM e com a "economia social de mercado", a extrema-esquerda europeia, visceralmente hostil a tudo isso, enquanto denuncia a "traição" social-democrata, é defensora de um modelo económico que poderíamos qualificar como "crescimento endógeno soberano", baseado na saída do euro e da UE e numa política económica assente no controlo público da economia (especialmente da banca), no aumento da despesa pública, dos rendimentos e do mercado doméstico, à custa do défice e do endividamento público, da desvalorização monetária, da inflação e do protecionismo económico externo.
Não é outra, entre nós, a leitura dos programas do BE e do PCP e dos textos da sua "intelectualidade orgânica", com uma presença forte nos média, nas redes sociais e nas faculdades de economia e de ciências sociais.
2. A tese da "traição ao socialismo" sempre fez parte do arsenal de combate da esquerda comunista e neocomunista contra a social-democracia, que atingiu o seu paroxismo na miserável tese do "social-fascismo" dos anos trinta do século passado, mas que nunca foi abandonada, envenenando sempre a relação entre as duas esquerdas .
A divisão de águas entre o comunismo e a social-democracia é clara há pelo menos um século, tendo deixado de haver qualquer proximidade equívoca desde que, no congresso de Bad Godesberg de 1959, a social-democracia alemã, e depois toda a social-democracia europeia, rompeu com os dogmas marxistas e abandonou as teses do "socialismo económico", baseado na propriedade coletiva e na direção pública da economia, e passou a erigir a economia de mercado (regulada) em condição essencial do bom desempenho da economia, que é principal garantia do emprego, da igualdade de oportunidades e dos direitos sociais, que continuam a ser, agora como antes os pilares do projeto político da social-democracia.
3. Para além das suas implicações sobre a democracia liberal, a economia de mercado e o Estado social, a tese do "desenvolvimento endógeno soberano" não tem a mínima viabilidade no mundo economicamente globalizado de hoje, especialmente num país sem dimensão, sem energia e sem matérias primas, como Portugal.
Fiel ao paradigma da esquerda latino-americana dos anos 60 do século passado, que nunca abandonou, a extrema-esquerda do sul da Europa não aprendeu nada com os fracassos económicos e políticos das experiências que quiseram construir um Estado social através do controlo estatal da economia e do protecionismo externo.
A principal diferença entre a social-democracia e a esquerda radical é que para a primeira o Estado social não depende de uma economia de Estado, pelo contrário. Por isso, mais profunda do que a suposta unidade das esquerdas é a separação entre a social-democracia e as esquerdas radicais.
Um gigante-pigmeu
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Vital Moreira
(Fonte do mapa: http://www.geomapas.com.br/nossos-produtos/brasil-economico-313-esc.07.html)
Tendo a nona maior economia mundial (representando cerca de 3% do PIB global), o Brasil é um pigmeu no comércio internacional, tendo tido em 2016 uma quota inferior a 1% do comércio mundial.
Sendo a mais protecionista das grandes economias, com uma tarifa aplicada média de cerca de 12%, o Brasil tem uma das economias mais fechadas ao exterior, com um valor de exportações de menos de 12% do PIB, um dos mais baixas do mundo (o que compara com mais de 40% de Portugal) e com uma baixíssima participação nas "cadeias de produção globais". Além disso, as exportações do Brasil estão cada vez mais limitadas às commodities (setor primário: agronegócio e produtos minerais), caraterizadas por elevada volatilidade das cotações internacionais, com uma reduzida quota de produtos industriais, mostrando a fraca competitividade industrial do País.
Eis no que dá o protecionismo externo e a aposta exclusiva no mercado interno, que fazem as delícias das forças nacionalistas e antiglobalização à direita e à esquerda por esse mundo fora (como mostra a extrema-esquerda parlamentar entre nós).
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Cortesia da Troika
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Vital Moreira
1. Saudemos a considerável redução do desemprego em Portugal, que acompanha a sua baixa geral na Europa (como assinala o Eurostat), em consequência da retoma económica generalizada, mantendo-se porém acima da taxa média de desemprego da zona euro (coluna a vermelho) e da da UE (coluna a azul).
Mais uma vez, dos seis países com taxa de desemprego mais elevada, superior a 10% (à direita no quadro), cinco deles são países da corda sul. Resta a consolação de os outros quatro estarem bem piores do que nós...
2. Tendo maior desemprego à partida, Portugal é um dos países onde ele mais desce, só superado pela Espanha.
O que há de singular nisto é que, ao contrário de Espanha, a economia portuguesa cresceu a uma taxa modesta, bem abaixo da da União (e muito abaixo da da Espanha), um crescimento aliás mais baixo do que o registado em Portugal em 2015. Nestas circunstâncias, a explicação para o bom desempenho diferencial do mercado laboral em Portugal, que se iniciou logo em 2014, só pode ser atribuída à reforma da legislação do trabalho durante o período de assistência financeira, nomeadamente no domínio da contratação coletiva, da flexibilidade horária e da mobilidade, do regime de despedimento e do subsídio de desemprego.Mesmo com alguns pontos excessivos, os frutos dessa reforma estão à vista. Não é por acaso que o Governo não aceitou colocar na agenda política a sua reversão, como pretendem os seus aliados parlamentares. Faz bem!
Ai a dívida
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Vital Moreira
1. A subida da inflação na zona euro para 1,8%, próximo do limite admitido pelas regras europeias, pode não ser suficiente para levar o BCE a interromper imediatamente a sua política monetária expansionista e subir a taxa de juro de referência, com o argumento de que o surto inflacionista é devido sobretudo à subida do petróleo e pode amainar nos próximos meses.
Mas uma parte da subida dos preços é sem dúvida devida à aceleração da retoma económica na zona euro, o que pode levar os defensores de uma política monetária mais ortodoxa a colocar pressão sobre o BCE.
Em todo o caso, a mudança do quadro da inflação europeia vai reforçar a tendência para a subida das taxas de juro da dívida pública, com especial impacto nos países mais vulneráveis, por terem maior dívida e terem ratings maioritariamente negativos, como é o caso de Portugal.
2. Inúmeras vezes tive a oportunidade de alertar para esse risco e para a necessidade de dar prioridade à redução da dívida pública e à melhoria dos ratings, a fim de baixar os encargos da dívida. Em vão. Pelo contrário, no ano passado, em vez de diminuir o rácio da dívida, como estava inscrito no orçamento, aumentámo-lo!
No novo quadro de inflação e de subida dos juros, o tempo começa a escassear para inverter o rumo. É tempo de tomar decisões.
Mas uma parte da subida dos preços é sem dúvida devida à aceleração da retoma económica na zona euro, o que pode levar os defensores de uma política monetária mais ortodoxa a colocar pressão sobre o BCE.
Em todo o caso, a mudança do quadro da inflação europeia vai reforçar a tendência para a subida das taxas de juro da dívida pública, com especial impacto nos países mais vulneráveis, por terem maior dívida e terem ratings maioritariamente negativos, como é o caso de Portugal.
2. Inúmeras vezes tive a oportunidade de alertar para esse risco e para a necessidade de dar prioridade à redução da dívida pública e à melhoria dos ratings, a fim de baixar os encargos da dívida. Em vão. Pelo contrário, no ano passado, em vez de diminuir o rácio da dívida, como estava inscrito no orçamento, aumentámo-lo!
No novo quadro de inflação e de subida dos juros, o tempo começa a escassear para inverter o rumo. É tempo de tomar decisões.
Desmentindo a alegada "morte da blogoesfera"
Publicado por
Vital Moreira
1. Esta tabela, apresentada pelo próprio Blogger, mostra que este blogue teve mais de 100 000 visualizações em janeiro (de 1 /1 a 30/1), uma média de quase 3.500 leitores por dia (com um pico de mais de 5 000). Notável, de facto.
A notícia da "morte da blogosfera", preterida em favor de outras redes supervenientes na Internet, é um tanto exagerada, pelo menos se se considerarem estes índices da leitura do Causa Nossa.
2. Mais de treze anos passados desde a sua primeira edição, em novembro de 2003, o CN é também um dos mais mais longevos blogues de comentário político e doutrinário em atividade ininterrupta. Não nos afastámos do nosso estatuto editorial originário nem mudámos de orientação ao ritmo das mudanças de governo (e já lá vão uns seis...). O tempo e a prudência aconselharam-nos um apropriado distanciamento crítico em relação a afeições e modas políticas e aos grupos de interesse permanentes.
Não nos propomos desistir.
[revisto]
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
Oportunismo
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Vital Moreira
Por via de regra, o PCP é campeão verbal da descentralização de funções do Estado para os municípios, até porque mantém, por mérito próprio, uma significativa presença política no poder local. Mas quando se trata da (re)municipalização da Carris de Lisboa, que nunca deveria ter sido estatizada e há muito deveria ter sido devolvida ao município, justamente em homenagem ao princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade, surpreendentemente o PCP é contra.
E sabe-se bem porquê: primeiro, porque o município de Lisboa escapa ao seu controlo político; segundo porque, sem a Carris nas mãos do Estado o PCP deixa de poder usar as greves nos transportes coletivos de Lisboa como arma contra o Governo da hora (seja ele qual for), com tem feito tantas vezes.
Esta contradição entre os princípios proclamados e as posições ditadas pela conveniência política própria tem um nome: oportunismo.
Adenda
Ao oportunismo, o PCP junta a hipocrisia de defender que deve ser o Estado a manter e financiar a Carris. Como?! Não há nenhuma lógica em o Estado, ou seja, os contribuintes de todo o país terem a seu cargo serviços tipicamente locais, de âmbito municipal ou intermunicipal. Isso não acontece com os transportes urbanos de outras cidades, incluindo as governadas pelo PCP, como Almada, por exemplo. Porquê excluir Lisboa da responsabilidade pelos seus transportes urbanos (incluindo, naturalmente o financiamento)?
Adenda
Ao oportunismo, o PCP junta a hipocrisia de defender que deve ser o Estado a manter e financiar a Carris. Como?! Não há nenhuma lógica em o Estado, ou seja, os contribuintes de todo o país terem a seu cargo serviços tipicamente locais, de âmbito municipal ou intermunicipal. Isso não acontece com os transportes urbanos de outras cidades, incluindo as governadas pelo PCP, como Almada, por exemplo. Porquê excluir Lisboa da responsabilidade pelos seus transportes urbanos (incluindo, naturalmente o financiamento)?
Que inveja!
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Vital Moreira
A economia espanhola cresceu mais de 3% no ano passado!
Pobres de nós, tão perto e tão longe do nosso vizinho (nem a metade daquela meta chegamos). Decididamente, o desempenho económico não se transmite por osmose pela fronteira. Resta-nos beneficiar do spill-over resultante de a Espanha ser o nosso principal parceiro económico externo. Podemos ser puxados (à distância).
Da Espanha pode continuar a "não vir nem bom vento nem bom casamento", como dizia o ditado popular, mas vem o exemplo da invejável "perfomance" económica.
Adenda (31/1)
Claro que o preço de uma economia "aquecida" é a subida excessiva da inflação, que atingiu os 3% em dezembro passado. Não podendo contar para já com uma subida da taxa de juro de referência do BCE para contrariar a subida dos preços, a Espanha vai ter de recorrer a outras medidas contracíclicas para obter o mesmo efeito (corte na despesa pública, tributação do crédito ao consumo, etc.). Prouvera que os nossos problemas fossem também esses!
Pobres de nós, tão perto e tão longe do nosso vizinho (nem a metade daquela meta chegamos). Decididamente, o desempenho económico não se transmite por osmose pela fronteira. Resta-nos beneficiar do spill-over resultante de a Espanha ser o nosso principal parceiro económico externo. Podemos ser puxados (à distância).
Da Espanha pode continuar a "não vir nem bom vento nem bom casamento", como dizia o ditado popular, mas vem o exemplo da invejável "perfomance" económica.
Adenda (31/1)
Claro que o preço de uma economia "aquecida" é a subida excessiva da inflação, que atingiu os 3% em dezembro passado. Não podendo contar para já com uma subida da taxa de juro de referência do BCE para contrariar a subida dos preços, a Espanha vai ter de recorrer a outras medidas contracíclicas para obter o mesmo efeito (corte na despesa pública, tributação do crédito ao consumo, etc.). Prouvera que os nossos problemas fossem também esses!
Malthusianismo profissional
Publicado por
Vital Moreira
O meu anterior post sobre a escassez de médicos provocou a reação crítica de alguns leitores, até porque muitos médicos hão de compartilhar da opinião do seu novo bastonário, de que deve haver corte nas vagas de Medicina.
Para esclarecer melhor a minha posição contrária, importa reiterar o que há muito penso e escrevo sobre o assunto:
1º - Há décadas que combato a limitação artificial de acesso às profissões, e não apenas no caso dos médicos, embora estes sejam tradicionalmente os campeões no malthusianismo profissional;
2º - A Constituição garante um direito fundamental de escolha de profissão, pelo que quem queira ser médico deve ter oportunidade de o ser (sem terem de ir para o estrangeiro, se tiverem meios); a contingentação profissional é uma restrição qualificada dessa liberdade fundamental;
3º. - Quando há um défice de oferta face à procura, e esta é inevitavelmente crescente e deve ser satisfeita (como é o caso dos cuidados médicos), a economia ensina que a única solução é aumentar a oferta;
4º - Não há nenhuma razão para o atual monopólio público (aliás, bem caro) no ensino e na formação de médicos, sobretudo quanto o Estado não tem meios para satisfazer toda a procura, exclusivo esse que não existe nas demais áreas profissionais; ora, há universidades e hospitais privados com condições para oferecerem ensino e formação médica de qualidade;
5º - Entendo igualmente que se justifica exigir aos médicos recém-especializados que compensem a coletividade que lhes paga a formação (privilégio de que outras profissões não usufruem) com a prestação de serviço no SNS por igual tempo, com a obrigação de concorrer às vagas que abrirem na sua especialidade;
6º - Em todas as áreas, e não apenas no caso dos médicos, há emigração de profissionais qualificados para países onde tenham rendimento mais elevado, mas quanto maior for o número de profissionais existente, menos impacto negativo interno tem a sua saída;
7º - Tenho por evidente que quem beneficia das vantagens de mercados protegidos (seja nas farmácias, nos táxis ou nas profissões liberais) tem naturais dificuldades em aceitar a abertura do seu mercado privativo e o aumento da oferta e da concorrência;
8º - As políticas públicas não têm por missão servir os interesses corporativos de qualquer profissão, mas sim, respeitando a liberdade constitucional de escolha de profissão, servir o interesse público, neste caso o SNS, que não pode ser vítima da escassez deliberada de profissionais.
domingo, 29 de janeiro de 2017
Doença serôdia do socialismo?
Publicado por
Vital Moreira
A confirmação da escolha de Hamon como candidato do PS francês às eleições presidenciais da próxima primavera, como aqui se antecipou, não é grave somente porque vai traduzir-se num score eleitoral comprometedor mas também porque deixa entender que, depois da saída de Hollande da liderança do partido, a ala esquerda que Hamon representa vai levar a melhor na sucessão.
O PS francês prepara-se, portanto, para seguir o caminho do Labour britânico, que depois da derrota eleitoral e da saída do poder escolheu Corbyn para a liderança. O problema desta tentação esquerdista para curar as derrotas eleitorais está em que ela cria condições para manter indefinidamente os socialistas numa inglória oposição, tanto em Londres como em Paris.
Parafraseando o célebre panfleto de Lenine de 1920, sobre o chamado "comunismo de esquerda", intitulado "Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo", é caso para perguntar se na atualidade a febre esquerdista em alguns partidos socialistas não constitui uma espécie de doença serôdia do socialismo...
O PS francês prepara-se, portanto, para seguir o caminho do Labour britânico, que depois da derrota eleitoral e da saída do poder escolheu Corbyn para a liderança. O problema desta tentação esquerdista para curar as derrotas eleitorais está em que ela cria condições para manter indefinidamente os socialistas numa inglória oposição, tanto em Londres como em Paris.
Parafraseando o célebre panfleto de Lenine de 1920, sobre o chamado "comunismo de esquerda", intitulado "Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo", é caso para perguntar se na atualidade a febre esquerdista em alguns partidos socialistas não constitui uma espécie de doença serôdia do socialismo...
sábado, 28 de janeiro de 2017
Não podia estar mais de acordo
Publicado por
Vital Moreira
"Neste tempo de muitas incertezas ao nível mundial é essencial termos uma União Europeia mais forte e mais unida em torno dos seus valores da democracia, das suas quatro liberdades e do comércio livre a nível mundial" (António Costa, no final da cimeira dos países do sul da União Europeia, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa).A novidade nesta oportuna declaração política do Primeiro-Ministro está no facto de ele ter cuidado de acrescentar a liberdade de comércio internacional junto com as "liberdades do mercado interno" (que incluem a liberdade de circulação de pessoas), que constituem o fundamento da "constituição económica" da União Europeia.
Costa tem razão: quando do outro lado do Atlântico, contra todos os compromissos internacionais dos Estados Unidos, se prega agora o protecionismo, com o aplauso das forças nacionalistas e soberanistas neste lado do Atlântico, desde sempre protecionistas, importa sublinhar a fundamental importância da liberdade do comércio internacional, que é um dos "core values" da União, tal como definidos nos Tratados, e uma das fontes da sua prosperidade e da sua influência no Mundo.
Só é pena que tais valores não sejam de modo algum compartilhados - pelo contrário - pelos parceiros da aliança parlamentar que sustenta o Governo. A próxima votação na AR do acordo de comércio e investimento com o Canadá (CETA) vai ser um bom teste...
sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
Mercados protegidos
Publicado por
Vital Moreira
A notícia de que «mais de metade das vagas de especialidade [médica] ficaram por preencher» exibe mais uma vez a rotunda falácia dos "médicos a mais" periodicamente alimentada pela Ordem dos Médicos e pelos sindicatos médicos para justificar a reivindicação de redução do numerus clausus no acesso aos cursos de medicina, apenas para manterem uma escassez deliberada no respetivo mercado profissional, em benefício próprio.
O malthusianismo profissional é um dos traços mais evidentes da cultura corporativista que continua a prevalecer entre nós, que procura a benção do Estado para proteger os interesses económico-profissionais estabelecidos contra a entrada de novos profissionais ou operadores económicos. Enquanto perdurar a defesa de mercados protegidos (seja nos táxis, seja nos médicos), nunca teremos uma verdadeira economia de mercado baseada na liberdade de entrada e na concorrência nos serviços profissionais.
O malthusianismo profissional é um dos traços mais evidentes da cultura corporativista que continua a prevalecer entre nós, que procura a benção do Estado para proteger os interesses económico-profissionais estabelecidos contra a entrada de novos profissionais ou operadores económicos. Enquanto perdurar a defesa de mercados protegidos (seja nos táxis, seja nos médicos), nunca teremos uma verdadeira economia de mercado baseada na liberdade de entrada e na concorrência nos serviços profissionais.
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