quinta-feira, 9 de março de 2017

O Presidente vertiginoso

1. Um boa peça jornalística, esta sobre o exercício dos poderes presidenciais por Marcelo Rebelo de Sousa, com pertinente análise das situações mais problemáticas ao longo deste primeiro ano do seu mandato e a apresentação do ponto de vista de vários especialistas.
Além disso, os dois jornalistas conseguiram fazer a sua análise sem recorrer uma única vez ao tropo do "semipresidencialismo", que é um fácil bordão nesta área, mas que, como sustento desde sempre, não serve para nada, salvo para obscurecer o estatuto constitucional do PR entre nós, visto que a função presidencial de supervisão do sistema político não o torna cotitular da função governamental, pelo contrário (o árbitro não pode ser jogador).

2. Só é pena que o texto não tenha abordado uma questão intrigante, que é a de saber como é que o PS - que foi o principal impulsionador da revisão constitucional de 1982 (que "despresidencializou" o sistema de governo originário) e nunca apoiou nenhuma leitura intervencionista dos poderes de Belém -, não só convive agora de bom grado com o hiperativismo e o protagonismo político do atual Presidente, incluindo algumas embaraçosas ingerências na esfera governativa (entre outras nos casos do Teatro da Cornucópia e da nota sobre a confiança a Centeno), como até elogia sem reservas!
Malhas que a conveniência política tece...

Contrarreforma

1. A alteração agora votada à Lei-quadro das Entidades Reguladoras Independentes (de 2013) que confere à Assembleia da República o poder de recomendar ao Governo que destitua reguladores em funções é surpreendente e assaz bizarra.
Por duas razões:
  - porque permite ao parlamento colocar pressão sobre o Governo para fazer algo que este em princípio não pode fazer (como se diz a seguir);
  - sobretudo porque vai contra a própria razão de ser da regulação independente, pois essas autoridades são criadas justamente para "despolitizar" a regulação de certos setores, tendo como caraterísticas essenciais um mandato longo e a irremovibilidade dos reguladores (salvo falta grave apurada em processo independente), bem como a independência em relação ao Governo de cada momento.
Ao permitir doravante que a maioria parlamentar avalie o desempenho individual dos reguladores e recomende ao Governo a sua destituição - substituindo a sanção disciplinar por uma sanção política -, é evidente que qualquer processo desses retira aos reguladores visados as condições para desempenhar as suas funções de forma independente, levando em geral à sua demissão.

2. Trata-se de uma enorme mudança na orientação política de todos os governos em relação à regulação independente, desde há um quarto de século (desde a criação da CMVM em 1991 até à Lei-Quadro de 2013).
Estamos perante uma verdadeira contrarreforma que põe em causa os alicerces do "Estado regulador", segundo o qual incumbe ao Estado defender a concorrência e suprir as falhas e insuficiências do mercado de acordo com regras estáveis imunes ao ciclo eleitoral e de forma imparcial, separando a função reguladora dos interesses do Estado-empresário. Tal é a lógica da regulação independente numa economia de mercado regulada.
De resto, as autoridades reguladoras (noção que na Lei-Quadro inclui a Autoridade da Concorrência) aplicam sobretudo direito da UE e não direito nacional e integram as redes de reguladores da União, pelo que ainda menos se justifica a ingerência política do parlamento nacional.

3. É patente que, ao dar ao parlamento o poder de "julgar" e condenar individualmente os reguladores, esta inovação legislativa insere-se no atual clima de hostilidade política em relação às entidades públicas independentes, que por definição fogem ao comando da maioria parlamentar-governamental.
Mas a paixão política não é boa conselheira quando se trata de legislar e o acquis do Estado regulador devia estar imune às emoções políticas conjunturais.

Longe do poder, longe do orçamento


Esta nova reivindicação da região de Coimbra sobre o "metro Mondego" (que aproveita o
antigo ramal ferroviário da Lousã), que se arrasta há quase duas décadas, vai ter o mesmo destino que as anteriores, ou seja, o cesto dos projetos indefinidamente adiados. O mesmo cesto onde jaz também o projeto de renovação da estação ferroviária de Coimbra, que já denunciei em 2004 (!) e que voltei a recordar recentemente.
A verdade é que o orçamento do Estado só dá para alimentar o duopólio orçamental de Lisboa e do Porto, onde há muitos deputados a eleger e o poder económico e político, incluindo os jornais, as rádios e as televisões e tudo o mais.
Arquive-se, pois!

quarta-feira, 8 de março de 2017

Viragem?

A sentença do Tribunal da Relação de Lisboa que manda recolher o livro de J. A. Saraiva, Eu e os Políticos, por invasão da esfera da privacidade da jornalista Fernanda Câncio, vem dar razão à forte crítica que logo dirigi à decisão da 1ª instância, agora revogada, por ignorar a supremacia constitucional do direito à intimidade pessoal em situações destas (aqui e aqui).
Esperemos que esta sentença, aliás muito bem fundamentada, abra um novo capítulo na ponderação judicial entre a defesa do direito à privacidade e a liberdade de imprensa, que muitas vezes pende para uma absolutização infundada da segunda (mesmo em casos de manifesto abuso gratuito) à custa do esvaziamento da primeira.

Obviamente, extinga-se!

Então a comissão técnica de controlo orçamental da Assembleia da República, UTAO, faz saber publicamente que «estima [o] défice [de 2016] acima do previsto pelo Governo», e ainda ninguém da extrema-esquerda parlamentar veio pedir a sua dissolução imediata?
Só pode ser distração! Essa óbvia conspiração de organismos técnicos alegadamente independentes, que ousam pôr em dúvida os números já oficialmente anunciados e questionam os êxitos orçamentais da nova maioria, tem de acabar. Disputando entre si a vanguarda da frente das esquerdas, nem o BE nem o PCP podem deixar os seus créditos por mãos alheias. Vamos a eles!

A Constituição ainda é a mesma?


terça-feira, 7 de março de 2017

Inimigos da liberdade alheia

(Norman Rockwell, Freedom of Speech, 1943)
1. Penso que numa ordem liberal-democrática é mais grave a violência política de proibir uma conferência política do que a violência física cujo receio justifica a proibição.
Desde que não incitem à violência nem atentem diretamente contra a dignidade humana, todas as ideias políticas, incluindo as da direita nacionalista, têm lugar no espaço público, e em especial no espaço universitário, lugar de liberdade intelectual por excelência. É essa a "superioridade moral" da democracia liberal sobre a autocracia autoritária que a direita nacionalista alimentou.

2. Tal como as demais liberdades, também a liberdade de expressão política precisa de ser defendida não apenas contra o Estado mas também contra terceiros (Constituição dixit). Os piores inimigos da liberdade de expressão política estão na violência sectária da própria "sociedade civil".
O risco de violência só pode ser invocado para restringir as liberdades em casos-limite de grave perigo para a ordem pública ou para outros valores constitucionalmente protegidos. Em vez de proibir conferências por causa de um alegado perigo de violência, incumbe ao Estado e às demais autoridades públicas garantir a sua segurança (são as chamadas "obrigações positivas" do Estado na proteção das liberdades).

Adenda
Excelente esta disponibilidade da Associação 25 de Abril - que representa justamente o espírito da revolução contra o Estado Novo - de acolher a conferência cancelada de Nogueira Pinto.

Adenda 2
Um leitor invoca a proibição constitucional de organizações fascistas. Sim, mas a proibição de organizações fascistas (que implica uma estrutura organizatória coletiva) não equivale à proibição geral da expressão individual de ideias fascistas.

Vida difícil


1. O aspeto mais grave na tentativa em curso de afastamemto forçado do Governador do Banco de Portugal não é a enviesada e sensacionalista reportagem da SIC sobre o caso BES, que ignora totalmente o constrangimento legal do BdP nesse dossiê até à operação de resolução. O mais grave é o irresponsável oportunismo político do BE e do PCP, com a colaboração de algumas vozes socialistas, ao cavalgar essas infundadas acusações para denegrir e flagelar o Governador na praça pública.
Que a extrema-esquerda queira a cabeça do Governador do BdP não admira nada, dado ser ideologicamente contra a independência dos bancos centrais e contra o euro, de que o BdP é guardião. Menos compreensível é a cooperação de alguns representantes do PS nessa operação, desde logo por ser o partido de governo, com a responsabilidade institucional que isso implica.
E também surpreendente foi o demora do Presidente da República - normalmente tão lesto a vir em defesa do Governo - em defender a estabilidade institucional do BdP, que é instituição central da nossa ordem financeira, como banco central e como regulador, cuja independência é, aliás, protegida pela ordem constitucional da UE.

2. Como se pode garantir a estabilidade institucional do País, deixando amarrar ao pelourinho e expor a indigno julgamento público, sem defesa de quem tem obrigação de a prestar, os responsáveis por instituições independentes cuja legitimidade assenta essencialmente na sua neutralidade política e credibilidade pública?
Decididamente, quando as maiorias políticas tomam o freio nos dentes, a vida torna-se muito difícil para as autoridades públicas independentes, cuja função é justamente retirar certas áreas sensíveis ao império da maioria de cada momento.
[revisto]

segunda-feira, 6 de março de 2017

Híbridos institucionais


1. Concordo com a revisão das regras de remuneração das autoridades reguladoras independentes. Penso, aliás, que se deveria ter ido mais longe e adotar um regime de remuneração uniforme prefixada (ou pelo menos por categoriais), em vez do regime vigente de fixação ad hoc de remunerações para cada autoridade por uma comissão de remunerações, à maneira das empresas, que acaba tendencialmente por ir ao encontro dos desejos dos interessados.
Na verdade, as autoridades reguladoras são entidades administrativas do Estado, pelo que, sem prejuízo do recrutamento de reguladores de alto gabarito, o regime remuneratório dos reguladores não deve equiparar-se ao dos gestores das empresas públicas ou privadas.

2. Pela mesma razão, entendo que deveriam ter sido revistos dois aspetos anómalos da lei-quadro de 2013, que seguem igualmente o símil empresarial, a saber, (i) a adoção do regime laboral comum nas relações de trabalho (em vez do contrato em funções públicas) e (ii) o regime empresarial na gestão financeira e patrimonial das autoridades, que as dispensa das normas da gestão financeira pública.
Essas duas derrogações do regime administrativo recriam a figura híbrida dos "institutos públicos de regime empresarial" que em boa hora a lei-quadro dos institutos públicos de 2004 tinha afastado.
Ora, se se justifica a adoção da gestão empresarial para os serviços públicos prestacionais (como os hospitais do SNS), já não faz sentido a utilização do molde empresarial para entidades reguladoras que têm funções puras e duras de autoridade administrativa.

domingo, 5 de março de 2017

O rasto do dinheiro


É de apoiar esta proposta legislativa para a restrição de pagamentos em dinheiro e a proibição da emissão de títulos ao portador, como instrumento de transparência financeira e de combate à evasão fiscal.
Penso, aliás, que se deveria ser mais estrito, proibindo pagamentos em dinheiro entre empresas e reduzindo o limite para os pagamentos em dinheiro entre particulares.
Também seria de aproveitar para impor aos estabelecimentos comerciais (incluindo os táxis) a disponibilidade de pagamento por via eletrónica, quer para facilitar a vida aos clientes quer para combater a evasão fiscal.
No mundo de hoje, do dinheiro que não tem pegada eletrónica perde-se o rasto.

Adenda
Entretanto, em vários países, e também na União Europeia, dão-se avanços no sentido de uma sociedade sem pagamentos em dinheiro (cashless society), que é cada vez menos uma utopia.

sábado, 4 de março de 2017

Acima da média, mas...

O investimento nacional na digitalização da economia e dos serviços públicos dá resultado, como mostra a figura junta, aparecendo Portugal acima da média no índice de economia e sociedade digital da UE relativo a 2017, em melhor posição do que países bem mais ricos, como a França e a Itália (mas ficando este ano abaixo da Espanha).
Nesta corrida não se pode abrandar o passo, muito menos ficar parado. Se Portugal apresenta dois itens melhores do que a média da União - conectividade e serviços públicos digitais (graças ao Simplex) -, já apresenta notas inferiores à média no que respeita ao uso da Internet e ao capital humano. Frentes a combater, portanto.

Corporativismo +


1. Neste manifesto público da Ordem dos Médicos e a Ordem dos Médicos Dentistas, em que se reclama a redução das taxas e contribuições pagas à Entidade Reguladora da Saúde, não está em causa a justeza da reclamação em si mesma, aliás baseada num relatório do Tribunal de Contas, mas sim a competência das referidas ordens profissionais para a assumirem como sua.
De facto, a ERS não regula nem cobra taxas e contribuições aos médicos, mas sim aos estabelecimentos de saúde públicos e privados (incluindo os consultórios e clínicas), pertençam ou não a médicos. Ora, as ordens profissionais são organismos oficiais que só podem dedicar-se às suas tarefas oficiais de representação e de regulação das respetivas profissões, onde não se conta a defesa dos interesses dos estabelecimentos de que os seus membros eventualmente sejam donos.
As ordens da saúde representam o "interesse geral" das respetivas profissões e não os interesses económicos setoriais de quem têm consultórios, clínicas ou outros estabelecimentos de saúde, que são uma minoria.

2. No corporativismo do Estado Novo é que os interesses económicos eram representados por organismos oficiais unicitários ("sindicatos nacionais" e "grémios"), mas nem aí as ordens podiam funcionar como sucedâneos dos "grémios" na representação dos interesses económicos dos seus membros "estabelecidos". Era o que faltava que assumissem tais funções na atual ordem liberal-democrática!
Hoje a representação e a defesa dos interesses dos estabelecimentos de saúde, quaisquer que sejam os seus titulares, só podem estar a cargo de associações livres dos respetivos interessados, tal como qualquer outra atividade económica, sendo questões totalmente alheias às ordens profissionais, que não podem usar os seus poderes e meios públicos para funções estranhas ao seu objeto legal.
Vai sendo tempo de o Governo deixar de contemporizar com estas situações de flagrante ilegalidade e de dizer claramente às ordens profissionais que não podem continuar a invadir impunemente terrenos que não são seus e que existem instrumentos políticos e judiciais bastantes para fazer prevalecer a "legalidade democrática".

sexta-feira, 3 de março de 2017

Contradição


Depois de aprovada a bem-vinda lei que deixa de qualificar os animais como "coisas", passando a considerá-los como "seres vivos dotados de sensibilidade" - no seguimento do Tratado da União Europeia e das leis de diversos países -, que sentido faz continuar a consentir (e a promover!) as touradas, que representam uma das mais bárbaras crueldades contra animais, com a agravante de servirem para divertimento público?
Pode essa nova qualificação jurídica ser compatível com a tortura sádica dos touros na arena, a esvair-se em sangue para gáudio de massas ululantes? Vai a nossa ordem jurídica ser coerente com o novo estatuto jurídico dos animais, e proibir as touradas tal como existem, ou vai a hipocrisia política das "tradições populares" continuar a prevalecer?

Quando as previsões orçamentais falham


Não me parece justificada a censura política ao alegado "falhanço" das previsões do Conselho das Finanças Públicas relativas ao défice orçamental do ano passado.
Por várias razões:
  - primeiro, o desvio em relação ao défice efetivo final respeita às previsões da primeira metade do ano, com base nos dados do 1º e do 2º trimestres (em que o CFP previa um défice de 2,7% e 2,8%, respetivamente), tendo sido corrigido depois; no relatório relativo ao 3º trimestre já se admitia o alcance da meta orçamental (entretanto corrigida para 2,4%);
  - segundo, o CFP não errou mais nas suas previsões do que outras instituições nacionais e internacionais (incluindo a Comissão Europeia e o FMI), o que quer dizer que usou as metodologias comuns para o efeito;
  - terceiro, as previsões são feitas sempre na base da situação existente na altura em que ocorrem e sob condição de "políticas invariantes"; ora, por um lado, ninguém podia prever, por exemplo, a aceleração da atividade económica na segunda metade do ano, que facilitou a execução orçamental (mais receita tributária, menos despesa social), nem o excedente da segurança social (principal responsável pela redução do défice global), nem a dimensão do corte na despesa de investimento público, nem muito menos o perdão fiscal no final do ano;
  - por último, o próprio Governo se enganou nas suas previsões, pois ainda no relatório do orçamento para 2017 inscreveu um défice de 2,4% para 2016, bem acima do que depois se verificou.
Em matéria de previsões erradas, haja quem atire a primeira pedra. E não vejo nenhuma vantagem em o poder político desacreditar sem fundamento as instituições públicas de escrutínio orçamental independente.

Adenda
Houve quem aproveitasse para tentar desacreditar pessoalmente a presidente da CFP, Teodora Cardoso. Tendo trabalhado com ela num grupo de trabalho oficial, devo dizer que me impressionou pela sua competência, probidade, seriedade e isenção. Subscrevo inteiramente o que a este respeito escreveu Nicolau Santos.

Adenda 2
Explorando uma deslocada referência de Teodora Cardoso a um possível "milagre" no défice orçamental do ano passado, um deputado do PCP, mais papista do que o papa na defesa do Governo, veio considerar ser um milagre que Teodora Cardoso ainda tenha emprego e salário. É uma advertência coerente, pois na futura "democracia popular" que o PCP defende não haveria obviamente entidades independentes de escrutínio orçamental e quem ousasse discordar da pauta do poder teria como destino imediato a porta da rua. De facto, há alianças que comprometem...

Adenda 3
Continua por conhecer a redução do défice estrutural em 2016, o que é importante para confirmar o pleno cumprimento das metas orçamentais e a consistência da redução do défice nominal.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Antologia da publicidade política

«Não são as empresas que dão os aumentos [salariais], é António Costa».
Certamente sem o querer, o antigo patrão dos patrões, Pedro Ferraz da Costa, forneceu a António Costa o melhor slogan de propaganda política a que ele podia aspirar!

"Firm-flex"


1. Para assegurar aos seus militantes que a aliança parlamentar com o PS não amoleceu os seus princípios antieuropeístas, o PCP resolveu lançar uma campanha para que o país se prepare para a "inevitável" saída do euro, acrescentando, porém, que a dita tem de ser "negociada com o BCE" (entrevista do antigo secretário-geral, Carlos Carvalhas ao Jornal de Negócios), o que não deixa de ser curioso.
De facto, como a pertença à UE implica o obrigação de adoção do euro (salvo os países que optaram por ficar de fora ou que ainda não preenchem os necessários requisitos), não se vê como é que o BCE poderia negociar a saída de um dos Estados-membros da moeda única.

2. A gente está a ver o filme. O PCP é contra o euro por razões dogmáticas, mas de facto não quer saída nenhuma, porque sabe os enormes custos económicos e sociais que teria (que aliás a referida entrevista em vão tenta desvalorizar). Tal como já diz expressamente que continua a ser contra a UE mas não defende a saída, também o haveremos de ouvir a dizer o mesmo acerca do euro, algures no futuro.
Chama-se a isso "firm-flex", ou seja, firmeza nas convicções ideológicas declaradas e flexibilidade tática para as deixar na gaveta quando convém!

O seu a seu dono


1. Os adeptos da "Geringonça" rejubilam com as boas notícias da frente económica (crescimento e emprego), e com razão, até porque não é despicienda a contribuição dos fatores internos para esse bom desempenho, nomeadamente o aumento do poder de compra de muita gente (funcionários públicos, trabalhadores com salário mínimo, pensionistas), a paz social (cortesia da CGTP e do PCP), a estabilização do sistema financeiro e o clima de estabilidade política, que é importante para o investimento.
Mas não se devia ignorar o contributo, porventura decisivo, dos fatores externos - e que só por si fariam crescer a economia, como já era o caso desde 2014 -, designadamente o dinheiro barato e a desvalorização externa do euro (cortesia Mario Draghi), a energia barata, a retoma económica robusta do resto da UE (e em especial dos nossos principais parceiros económicos, Espanha e Alemanha), a invasão turística (produto dessa mesma retoma externa).

2. No contexto da integração económica e monetária europeia e do mercado interno - com política monetária e política económica externa comuns e com a convergência de políticas orçamentais -, a dinâmica das economias nacionais depende, cada vez mais, essencialmente da evolução do conjunto.
Se se compararem as curvas relativas à economia e ao emprego em Portugal e noutros países da zona euro desde a crise, é fácil constatar uma fundamental coincidência. Pode variar o ritmo em cada país, mas, salvo divergências pontuais (como é o caso especial da Grécia), a direção plurinanual é fundamentalmente a mesma.
O seu a seu dono, portanto.

Pecado original

Sempre discordei da entrega ao Tribunal Constitucional da tarefa de fiscalizar as contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, para o que não está manifestamente vocacionado e para a qual teve de montar um oneroso e sempre insuficiente serviço dedicado, como se revela mais uma vez com este alerta do TC sobre as próximas eleições autárquicas. 
Mais valera ter confiado essa missão ao Tribunal de Contas, que tem os necessários meios e instrumentos e que a poderia realizar com muito mais eficácia e eficiência. Não se justifica a duplicação. Mistérios que só a conveniência partidária pode explicar...

A bela e o senão

Os dados agora conhecidos sobre a atividade económica relativos ao quarto trimestre de 2016, que confirmam o maior dinamismo da economia no segundo semestre do ano passado, são tanto mais positivos quanto isso se ficou a dever sobretudo a uma retoma do investimento privado, o que deixa entender que tem pés para continuar, até porque baseada numa retoma económica geral da UE.
Menos positivo é o regresso ao saldo negativo da balança comercial (menos exportações do que importações de bens e serviços), que se fica a dever ao aumento das importações, voltando-se à correlação tradicional, que é típica das economias menos competitivas, entre aumento da procura interna e aumento das importações, quer de bens de investimento (máquinas e matérias-primas), quer de bens de consumo (automóveis e equipamentos domésticos).
É claro que é melhor ter crescimento com défice comercial do que o inverso. Mas era preferível ter o primeiro sem o segundo...

quarta-feira, 1 de março de 2017

Estado social


1. Para além deste significativo aumento do financiamento público das IPSSs e, logo, da oferta dos seus serviços (creches, lares, etc.) - o qual bem se justifica face ao acréscimo da procura, sobretudo da população idosa -, importa saudar também a adoção do procedimento concursal para a atribuição desse financiamento, afastando assim as tradicionais acusações de favoritismo ou "caseirismo" dos serviços de segurança social na seleção discricionária dos beneficiários.
Assim deve ser, por princípio, na atribuição de qualquer financiamento público a atividades privadas.

2. O financiamento público da prestação de serviços sociais pelas instituições sociais privadas sem fins lucrativos constitui a principal manifestação entre nós do "Estado financiador" como instrumento do Estado social, em vez da provisão direta de prestações sociais pelo Estado.
Não havendo nenhuma objeção constitucional contra a "terceirização" dessa função social do Estado (diferentemente do que sucede na educação e na saúde), também não tem havido até agora nenhuma oposição política dos habituais fundamentalistas do "Estado prestador", que por via de regra veem na "delegação" de serviços públicos ao setor privado e no respetivo financiamento público uma manifestação do nefando "neoliberalismo".
Ainda bem que aqui fazem uma exceção!

O meu voto


Se eu fosse cidadão francês, não teria nenhuma hesitação no meu voto nas próximas presidenciais francesas - E. Macron, obviamente -, não apenas por maior proximidade política mas também porque é o candidato mais capaz de na segunda volta das eleições aglutinar os votos necessários, da esquerda à direita democrática, para derrotar concludentemente a candidata da Frente Nacional, M. Le Pen (que devia ser o objetivo de toda a esquerda francesa). Nem o candidato da direita, Fillon, seria capaz de atrair muitos votos da esquerda, nem o candidato da esquerda do PS, Hamon, seria capaz de atrair muitos votos da direita.
Ora, dados os fortes poderes políticos do Presidente em França e o assustador projeto da candidata da extrema-direita, não se podem correr riscos. Por isso, é essencial que seja Macron a passar à segunda volta.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Um perigo


1. Tornam-se cada vez mais inquietantes as notícias sobre os próximos passos de Trump na sua deriva nacionalista contra as instituições internacionais, nomeadamente a ameaça de saída do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e de abandono do sistema de solução de litígios da Organização Mundial de Comércio.
Ora o CDH é o organismo de supervisão do Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966, um dos pilares do código internacional de direitos humanos; e o "tribunal" da OMC é o mecanismo de solução vinculativa dos litígios de comércio internacional, substituindo as guerras comerciais do passado. São instituições que fazem prevalecer os direitos humanos e o rule of law nas relações internacionais, criando obrigações para os Estados na cena internacional e limitando a sua capacidade de agir unilateralmente à margem das regras internacionais.

2. A eventual saída dos Estados Unidos das duas instituições internacionais de Genebra será um rude golpe em ambos os organismos e constituirá uma fuga às suas obrigações internacionais na regulação transnacional da globalização, em que Washington tem tido um papel fulcral desde a sua fundação.
Decididamente, ao adotar um nacionalismo militante ("America First!") e ao descartar o compromisso dos Estados Unidos com a ordem global regulada pelo direito internacional criada desde a II Guerra Mundial (em grande parte graças aos próprios Estados Unidos!), Trump está a enjeitar uma virtuosa herança americana e tornar-se um perigo grave para estabilidade política internacional.

À conquista do Estado

(Assalto ao Palácio de Inverno, 1917, numa representação soviética posterior)

1. Mesmo se surpreendente, a nomeação de Francisco Louçã para o conselho consultivo do Banco de Portugal mostra que a aliança governativa do BE (e do PCP) com o PS não lhes proporcionou somente as medidas de "reversão da austeridade" acolhidas nos acordos entre as partes, e outras ganhas posteriormente (como a subida extra das pensões), bem como o abandono forçado de uma parte do programa eleitoral do PS.
Há a assinalar mais duas vantagens associadas à entrada na esfera do poder:
  - primeiro, uma maior presença nos média (aliás, bem superior à sua representação política) e uma maior capacidade de agitar no debate público a sua agenda política própria, incluindo os temas em que mais divergem do Governo, como a reestruturação da dívida, a saída do euro, a rejeição da política comercial externa da UE, etc.;
  - segundo, a tomada de posições nas instituições do Estado, como o Conselho de Estado, o Tribunal Constitucional, o órgão de gestão do Ministério Público, etc., o que lhes permite potenciar a sua influência política e premiar a sua elite política com cargos oficiais.
Um bom negócio, portanto!

2. Embora proporcionando o necessário apoio parlamentar ao Governo, os dois partidos da extrema-esquerda parlamentar preferiram, porém, ficar fora dele e mantê-lo na situação de virtualmente minoritário, seguramente para não se comprometerem globalmente com a sua ação e para manterem as mão livres para o combater nas áreas contenciosas (e não são poucas). Mas não desdenham entrar dentro do Estado pela mão do Governo.
Transformados de partidos de protesto em partidos de poder (pelo menos a título experimental...), o BE e o PCP trocam também a ideia revolucionária da tomada do Estado do exterior pela ideia de ocupação do Estado pelo interior.
Resta saber se esta entrada dentro do Estado não passa de uma manifestação de "entrismo" oportunista ou se constitui uma genuína conversão da esquerda radical às instituições da "democracia burguesa". Cem anos depois da revolução russa, era conveniente saber se os seus herdeiros ideológicos ainda alimentam o sonho de a replicar à beira Tejo.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Sem oposição


1. Uma das implicações óbvias da presente solução governativa - um Governo do PS apoiado por uma aliança parlamentar com os partidos à sua esquerda - tem a ver com a oposição ao Governo.
Até agora, os governos do PS, além da oposição à sua direita, estavam sempre sob o fogo aguerrido da extrema-esquerda (alavancada pela força sindical da CGTP). Com esta nova configuração governativa o PS transformou os seus irredutíveis adversários de sempre em improváveis aliados.
Pela primeira vez em 40 anos, há um governo sem oposição de princípio da extrema-esquerda. Os partidos antissistema "viraram" parte dele. É obra!

2. Não menos inédito nem menos surpreendente é a ausência de oposição efetiva por parte da direita, que ainda não se recompôs do choque da perda do poder em 2015.
Pela primeira vez, o PSD não procedeu à mudança de liderança e de orientação política ao passar do poder para a oposição, o que o tem acantonado na intratável defesa política do anterior Governo, sob a barragem conjugada do PS e dos seus aliados (como mostrou o recente caso das offshores). Sem linha de orientação nem programa alternativo de governo, a oposição de direita tem-se limitado a ser "do contra". Para mais, a significativa melhoria da situação económica e laboral do País, bem como da situação orçamental (incluindo a próxima saída do Procedimento por Défice Excessivo da UE), colocam a direita em muito má condição.
Se a "Geringonça" não for vitima de nenhum acidente político endógeno ou exógeno, a oposição de direita arrisca-se a continuar desamparadamente perdida à procura de si mesma. A provável derrota do PSD nas eleições locais do próximo outono só pode agravar a situação, tornando problemática a sustentabilidade da atual liderança.

3. Igualmente insólito na nossa história constitucional é o explícito, empenhado e permanente apoio do Presidente da República ao Governo, de tal modo que ele aparece por vezes como se fora uma espécie de arauto, procurador ou coach do executivo.
Enquanto os anteriores inquilinos de Belém, mesmo quando não deixaram entender claramente a sua discordância nem criaram obstáculos aos governos em funções, mantiveram pelo menos um prudente distanciamento em relação a S. Bento, inclusive no caso de afinidades políticas, o atual titular mudou deliberadamente o registo da relação presidencial com o Governo.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Este país não tem conserto (2)


(Créditos da imagem: Diário de Coimbra)

Segundo esta notícia, a Universidade de Coimbra está a ponderar uma queixa-crime contra os responsáveis pela invasão da Reitoria e pelos estragos causados antes e depois de uma grandiosa-manifestação-de-algumas-dezenas-de-estudantes contra a passagem da UC a "universidade-fundação" (que tem a oposição do BE, do PCP  e da... JS!).
O que surpreende é que, em vez de seguir a via criminal, a Reitoria não promova imediatamente o devido procedimento disciplinar, que é uma competência e uma obrigação sua. Quando as instituições públicas fecham os olhos a violações graves das obrigações disciplinares dos seus utentes, só lhes resta esperar a sua repetição.
Num país civilizado, o défice de responsabilidade cívica dos utentes dos serviços públicos e a depredação do património público (no caso, trata-se de um monumento nacional e de património Unesco) não podem ficar sistematicamente impunes.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Sigilo da correspondência sobre assuntos públicos?


1. Prescindindo de qualquer (pré)juízo político sobre o assunto, não compartilho da opinião de vários comentadores no sentido de que a troca de mensagens escritas sobre a nomeação do ex-presidente da CGD, António Domingues, entre o Ministério das Finanças e o interessado, está coberta pela proteção constitucional do sigilo de correspondência.
De facto, salvo melhor opinião, o sigilo de correspondência só vale para as comunicações privadas (como refere a Constituição), ou seja, entre particulares, nessa qualidade, o que não abrange as comunicações entre titulares de cargos públicos (ou indigitados para tal) sobre assuntos públicos. A razão de ser dos direitos fundamentais consiste em defender a liberdade dos particulares contra o Estado (ou contra terceiros), não o contrário.
Obviamente, os titulares de cargos públicos também têm comunicações privadas e essas estão igualmente protegidas, mas não quando atuam na sua capacidade pública.

2. Acresce que, numa democracia representativa, os titulares de cargos públicos têm a obrigação de prestar contas públicas da sua atividade e os cidadãos têm um direito à informação sobre a gestão dos assuntos públicos (salvo quando esteja em causa matéria protegida por segredo de Estado, segredo de justiça ou direitos de terceiros).
E numa democracia parlamentar, os governantes são politicamente responsáveis perante o parlamento, o qual pode solicitar do Governo toda a informação relevante sobre a condução dos negócios públicos (que não esteja protegida nos termos acima referidos) para efeitos do seu escrutínio da ação governativa .

Adenda
Contra este entendimento não se pode invocar o alegado precedente de uma anterior comissão de inquérito (à compra da TVI), que recusou a utilização da gravação de escutas telefónicas ao então Primeiro-Ministro. De facto, uma coisa nada tem a ver com a outra: nesse caso, as escutas, feitas em processo penal, eram ilegais, pelo que obviamente não podiam ser conhecidas do público em nenhuma circunstância.

Adenda (2)
Pode suscitar-se o problema de saber se o direito de acesso público à informação oficial também cobre as comunicações veiculadas pelas contas pessoais dos intervenientes (em vez das suas contas oficiais). A meu ver, a resposta não pode deixar de ser positiva e não suscita dúvidas noutros países, como por exemplo, o Reino Unido.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Paraísos fiscais

(Créditos da ilustração aqui)

1. A notícia de que entre 2012 e 2014 a maior parte das transferências para paraísos fiscais devidamente reportadas pelos bancos não foi objeto de divulgação nem de escrutínio fiscal para efeito de eventual tributação é politicamente muito grave. Como se não bastasse a toxicidade política associada aos paraísos fiscais, ainda se junta o desmazelo do Ministério das Finanças no seu tratamento fiscal!
É evidente que o responsável governamental da altura pode invocar desconhecimento da inação dos serviços tributárias competentes. Mas, para além de parecer pouco credível tal desconhecimento durante vários anos, a verdade é que os governantes têm sempre de assumir a responsabilidade política pelas faltas dos serviços sob sua direta orientação. Há sempre uma obrigação de acompanhamento e de vigilância a cumprir.

2. A confirmar-se no parlamento essa responsabilidade política do Governo de Passos Coelho , ela vem somar-se à responsabilidade pela operação de manter debaixo do tapete a má situação da banca (Banif, CGD) até às eleições de 2015, o que tem comprometido visivelmente a capacidade de oposição do PSD e do CDS ao Governo do PS na área ultrassensível das finanças públicas.
Quando a oposição, cujo papel consiste em colocar o Governo à defesa, "vira" alvo de ataques fundados do Governo e se vê ela mesma acantonada na defensiva, algo lhe está a correr manifestamente mal.

3. A verdade é que, depois de ter neutralizado à partida a oposição à sua esquerda, tornando o BE e o PCP parceiros na solução governativa, o Governo de António Costa tem conseguido muitas vezes contrariar os ataques da oposição de direita com contra-ataques bem sucedidos. Esta operação é tanto mais certeira quanto é certo que o PSD manteve a liderança de Passos Coelho e a anterior ministra das Finanças como porta-voz nessa área, o que os torna alvos mais visíveis.
A direita tem sido obrigada a passar mais tempo a defender o seu anterior Governo das acusações da atual maioria do que o contrário. Mas nestas cenas de papéis trocados, a oposição só pode queixar-se de si mesma e dos esqueletos que deixou no armário!
[título modificado]

Adenda (25/2)
A assunção de responsabilidide política por parte do secretário de Estado envolvido no caso era devida mas fica impune, por não haver demissões retroativas. E a mancha sobre o Governo a que pertenceu e sobre a atual oposição de direita não vai desaparecer facilmente.

Cartão amarelo para o Labour

A vitória dos Conservadores britânicos (que estão no poder) na eleição intercalar num círculo eleitoral tradicionalmente trabalhista reforça a ideia de declínio eleitoral do Labour desde a derrota eleitoral em 2015 e a subida de Corbyn à liderança, agravada pela falta de definição e divisão do Partido no referendo do Brexit.
Na cena política britânica, a derrota em eleições intercalares - normalmente aproveitadas para sinalizar descontentamento com o Governo no poder - costuma ser mau sinal para a oposição. Pelos vistos, no Reino Unido, a viragem à esquerda e a indefinição quanto à União Europeia não se revelam apostas ganhadoras, como aqui se previu, aliás.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Direitos da oposição


1. Entre as funções constitucionais do Presidente da República conta-se explicitamente a de velar pelo "regular funcionamento das instituições", noção que, na sua relativa indeterminação, justifica quase todos os seus poderes formais e informais de supervisão e arbitragem quanto ao funcionamento do sistema político, tanto nível do Estado como das regiões autónomas, incluindo, em última instância, os poderes excecionais de demissão dos governos e de dissolução dos parlamentos.
Sempre entendi que dentro dessa função presidencial cabe especificamente a tarefa de velar pelo respeito dos direitos de oposição (constitucionais, legais e regimentais), tanto face aos governos como face às maiorias parlamentares. Não pertencendo ao Governo nem à oposição, nem devendo tomar partido na dialética do combate político entre um e outra, cabe porém ao Presidente verificar imparcialmente o cumprimento das regras do jogo político entre ambos, como é próprio uma democracia constitucional.

2. Assim, em abstrato, se tomar conhecimento fundado acerca de eventuais violações relevantes dos direitos das oposições, o Presidente da República pode decidir tomar posição - preferivelmente por via informal e discreta -, quando, no seu prudente e isento juízo, a gravidade do caso tal justificar. Por isso, uma eventual intervenção presidencial nessas circunstâncias não incorre em violação do princípio da separação de poderes, o qual só pode ser lido nos termos da própria Constituição.
Esse poder do Presidente a respeito dos direitos de oposição política é tanto mais importante, quanto é certo que os eventuais abusos de poder das maiorias não são suscetíveis de ser impugnados junto do Tribunal Constitucional, salvo quando revistam forma normativa. De facto, mesmo se desconformes com a Constituição, as decisões políticas dos órgãos do poder político (conhecidos como "atos políticos" ou "atos de governo") estão fora do âmbito da justiça constitucional.
Restam, portanto, os meios formais e informais de natureza política, incluindo os decorrentes da função de supervisão institucional do Presidente da República.
[Título do post modificado]

Adenda
Foi propositadamente que incluí as regiões autónomas ao mencionar a garantia dos direitos da oposição, visto que na Madeira tais direitos foram gravemente limitados pelos governos do PSD. Ora, pelo menos desde 2004 não restam dúvidas de que o Representante da República nas ilhas é um delegado do Presidente da República, tomando o seu lugar na tarefa de supervisão do sistema de governo regional. Por isso, não pode deixar de ser denunciada a passividade de Belém perante os atropelos dos direitos de oposição no Funchal, que de resto ainda não se equiparam aos da oposição em Lisboa.

Adenda (2) (25/2)
É de crer que no menu da conversa deste almoço entre o PR e o Presidente da AR tenham estado as queixas do PSD e do CDS sobre o alegado desrespeito dos seus direitos de oposição parlamentar na AR. A verdade é que a situação desanuviou manifestamente...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Défice zero, pois então!


1. Alcançado um défice orçamental em 2016 bem abaixo dos 3% (pela primeira vez desde a entrada no euro), o que permitirá a saída de Portugal do "Procedimento por Défice Excessivo" da UE, logo veio quem defendesse que não deve haver mais consolidação orçamental e que se deve aproveitar a folga para aumentar a despesa pública (ou baixar impostos, dirão outros).
Mas, como já referi anteriormente, o bom senso e as normas da disciplina orçamental da UE exigem a prossecução determinada da consolidação orçamental iniciada em 2011, para continuar a reduzir o défice das contas públicas (défice nominal e défice estrutural) e diminuir o peso da dívida pública.
Reversões aqui, não, obrigado!

2. Antes de mais, como o rácio do défice depende do ciclo económico, importa baixar bem o défice quando a economia cresce, de modo a ter margem de manobra para o elevar quando a economia estagna ou deprime, sem voltar a furar o teto dos 3%. A receita mais direta para voltar a entrar em défice excessivo é manter um défice demasiado próximo desse limite na fase ascendente do ciclo económico, como é o caso agora.
É por isso que o Tratado Orçamental veio acrescentar ao limite nominal geral de 3% um limite de 0,5% de défice estrutural, ou seja, descontado dos efeitos do ciclo económico (e deduzido de medidas excecionais), que Portugal ainda está longe de alcançar. Este novo requisito da disciplina orçamental requer uma política orçamental contracíclica, obrigando a reduzir muito o défice orçamental nominal (ou mesmo a alcançar saldo positivo!) em períodos de expansão económica e permitindo a elevação do défice nominal até 3%, em situações de refluxo económico.

3. As regras de disciplina orçamental da UE não se reduzem aos limites do défice das contas públicas, estabelecendo também um teto para o endividamento público (60% do PIB), bem como regras para a sua redução em caso de dívida excessiva.
Ora, com uma elevadíssima dívida pública (perto dos 130%!) - que aumentou exponencialmente entre 2009 e 2012 no auge da crise, por causa dos elevados défices orçamentais, dos juros altos e e da contração do PIB -, Portugal não pode ficar à espera que um incerto crescimento do PIB no futuro dilua a dívida, tanto mais que esta tem custos orçamentais enormes (os maiores na Europa!). Impõe-se por isso reduzir significativamente o ritmo anual de endividamento, a fim de baixar o rácio da dívida e os seus custos (tal como previsto, aliás).
Ora, para isso torna-se necessário aprofundar a consolidação orçamental. Mantendo-se a expansão do PIB, a ambição deveria ser mesmo alcançar em curto prazo um défice zero ou, até, um superávite orçamental, tal como aliás estabelece o Tratado Orçamental.