terça-feira, 14 de março de 2017

Este País não tem emenda (3)


Na PSP há 15-quinze-15 sindicatos, alguns deles constituídos só para permitir que os seus dirigentes e delegados sindicais sejam dispensados do trabalho. Num caso, 93% dos filiados estão "ocupados" em tarefas sindicais. Vale a pena ouvir a Ministra da Administração Interna sobre isto.
Como é que é possível um tal abuso e instrumentalização dos sindicatos ao serviço da ociosidade da quantidade multitudinária dos seus dirigentes?  Como foi possível que sucessivos governos tenham ignorado este despautério, à custa do erário público e dos contribuintes?

segunda-feira, 13 de março de 2017

Debater a Europa

Na próximo dia 15 vou estar aqui, num Colóquio "Debater a Europa», nos 10 anos do Tratado de Lisboa e nos 60 anos do Tratado de Roma.
Cabe-me falar sobre "Democracia e direitos fundamentais na UE depois do Tratado de Lisboa".

Falsa semelhança


1. Num debate televisivo há dias sobre o exercício do atual mandato presidencial, um dos participantes afirmou que o nosso sistema de governo governo é muito diferente da França, apesar de a nossa Constituição ser "igual à francesa" quanto aos poderes presidenciais.
Ora, sendo óbvia a diferença de funcionamento dos dois sistemas de governo, não é verdadeira a premissa de que as duas constituições são idênticas. Muito pelo contrário.
Em França, na interpretação prevalecente da Constituição, o Presidente da República tem, entre outros, quatro poderes decisivos que não tem em Portugal: (i) preside por direito próprio ao Conselho de Ministros e dirige as respetivas reuniões, o que lhe permiti estabelecer a agenda governativa e influenciar decisivamente a política governamental; (ii)  dirige a política de defesa e a politica externa, o que inclui a política europeia, que hoje é decisiva em qualquer Estado-membro da UE, sendo por isso que é o PR, e não o primeiro-ministro, que representa o país no Conselho Europeu e no G20; (iii) nomeia todos os cargos civis e militares, salvo delegação; (iv) tem poderes próprios excecionais, à margem do Governo e do Parlamento, em situação de crise.
Portanto, a referida tese da identidade constitucional entre a França e Portugal não tem fundamento.

2. Em França, o PR é uma espécie de chairman do Governo, sendo o primeiro-ministro o CEO, e mesmo aí com a importante ressalva dos poderes presidenciais na área de defesa e das relações externas.
Não admira, portanto, que o PR seja percecionado como o verdadeiro chefe do Governo e que as eleições presidenciais sejam determinantes quanto às opções políticas do país. Quando excecionalmente a maioria parlamentar não coincide com a "maioria presidencial" (o que gera uma "coabitação" forçada do Eliseu com Matignon), o PR não descansa enquanto não encontra uma oportunidade de convocar eleições legislativas para alinhar a primeira com a segunda.
Se a França é um genuíno sistema semipresidencialista (por vezes, hiperpresidencialista), em que o Presidente é o primeiro titular da função governamental, que compartilha com o primeiro-ministro, tal não se passa em Portugal, por força do diferente enquadramento constitucional, onde o PR não faz parte da função governativa nem o Governo depende politicamente do PR.

domingo, 12 de março de 2017

Um pouco mais de rigor sff

A rubrica desta notícia de ontem diz que «Jorge Miranda defende que deputados podem ver SMS de Domingues». Mas o que a notícia diz é que os deputados (em comissão de inquérito) podem ver não somente os SMS de Domingues mas sim toda a correspondência (SMS e emails) trocada entre ele e o Ministério das Finanças, o que é coisa bem diferente. Portanto, a rubrica não é fiel ao conteúdo da notícia.
Cabe dizer que eu próprio já tinha defendido essa posição, há algum tempo.

sábado, 11 de março de 2017

O que o Presidente não deve fazer (6)

O jornal Público informa que uma nova tendência interna do CDS vai organizar uma conferência de lançamento com a intervenção de três ex-líderes do partido e com «o alto patrocínio do Presidente da República». Esta notícia não foi desautorizada por Belém.
Não me parece, porém, que na função presidencial, por mais ampla que seja entendida, caiba o "alto patrocínio" de organizações ou de eventos partidários, hoje de uma conferência do partido X, amanhã da convenção do partido Y, depois no congresso do partido Z. O "patrocínio" será sempre interpretado como apoio ou "bênção" presidencial. Ora, como "Presidente de todos os portugueses", na feliz fórmula consagrada desde o início da era constitucional de 1976, o PR deve estar cima dos partidos e não privilegiar nem "patrocinar" nenhum deles (muito menos nenhuma tendência dentro deles).
Manifestamente, MRS quer "estar em todas" e dá-se bem assim (do que, aliás, não vem mal ao mundo); mas entrar dentro dos partidos não deveria contar-se entre os seus destinos elegíveis.

Fora da lei (2)

1. Seguindo as pisadas da Ordem dos Médicos (ver post anterior), também a Ordem dos Enfermeiros julga ser um sindicato e assumir a defesa dos direitos laborais dos seus associados que trabalham no SNS.
Penso que o Ministério da Saúde e as instituições do SNS devem pura e simplemente recusar qualquer discussão de matérias dessas com a Ordem. E era mesmo bom que a Ordem concretizasse a ameaça de pôr o Governo em tribunal, porque era uma excelente oportunidade de ver declarada a sua ilegitimidade para se substituir aos sindicatos e pleitear matérias do foro das relações laborais, seja no setor público seja no setor privado.

2. Uma coisa que me intriga é a de saber se, dedicando-se tão zelosamente a tratar de assuntos para que não têm competência, ainda resta algum tempo e energia às ordens profissionais para se ocuparem daquilo que as justifica como organismos públicos, ou seja, as tarefas públicas de supervisão e de disciplina do exercício da respetiva profissão, independentemente do regime laboral em que a exerçam (autónomo ou assalariado, público ou privado).
É tempo de acabar com esta confusão de papeis!

Fora da lei


1. Segundo esta notícia, após uma reunião com os sindicatos médicos, o bastonário da Ordem dos Médicos declarou estar a ser «pondera[da] a possibilidade de vir a ser convocada uma greve».
Ora, a Ordem dos Médicos está manifestamente a mais neste filme, pois não tem nada a ver com as reivindicações laborais dos médicos do SNS (nem de outros) e com a possível declaração de greves, que são matéria da exclusiva competência dos sindicatos.
Depois de se ter apresentado abusivamente no papel de grémio dos médicos-empresários, a Ordem apresenta-se agora despropositadamente como sindicato dos médicos-trabalhadores. Ora, não pode desempenhar nenhum desses papeis.
Sendo organismos públicos, as ordens profissionais estão ao exclusivamente ao serviço do interesse público, não podendo representar nem defender interesses particulares de nenhum grupo ou categoria dos seus membros.

2. A Ordem dos Médicos resolveu colocar-se ostensivamente fora da lei, extravasando das suas funções oficiais e comportando-se como um organismo de defesa de interesses privados.
O Estado não pode aceitar passivamente este desafio de uma entidade pública, e o Governo, além de recusar qualquer discussão dessas matérias com a Ordem, deve adverti-la formalmente para as consequências da sua atuação ilegal. Se a advertência cair em ouvidos moucos, o Ministério Público deve solicitar uma providência judicial-administrativa para intimar a Ordem a cessar a sua atuação ilegal.
Em todo o caso, resta lembrar que as ordens são uma criação discricionária do Estado e que tal como podem ser criadas também podem ser extintas, se não servirem para as funções que as justificam como entidades públicas.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Independência regulatória

"A eficácia da regulação deve medir-se ainda pela protecção da sua independência face aos regulados. Este é o verdadeiro e único indicador de independência de que devemos falar. A independência em relação àqueles que são objecto das suas decisões."
1. Nestas palavras do Ministro das Finanças vai todo um programa de reduzir ou eliminar a independência dos supervisores financeiros em relação ao Governo.
Mas a tese de que só importa a independência dos reguladores face aos regulados, e não a daqueles perante o Governo, não é procedente. A independência face aos particulares é uma caraterística óbvia de toda a ação pública. Só faz sentido falar em autoridades públicas independentes para referir a sua independência face à tutela governamental.

2. De resto, no caso das funções de supervisão do Banco de Portugal em particular, não pode deixar de haver independência face ao Governo.
Por duas razões:
  - primeiro, o BdP é necessariamente uma instituição independente do Governo no seu papel de banco central, independência garantida pelo direito da UE; ora, não se vê como é que pode deixar de ser independente também no seu papel de autoridade reguladora;
  - segundo, se o principal banco regulado é a CGD, que é um banco público, sob controlo governamental, não se vê como é que o regulador pode ser independente dos regulados se não for também independente do dono do banco público, ou seja, o Estado.
Por isso, se os reguladores dependessem do Governo não haveria verdadeira regulação independente.

Rousseau em Lisboa


1. A diferença fundamental entre a democracia liberal e a "democracia popular" (inspirada em Rousseau e teorizada por Lenine) está em que naquela o poder político é limitado por vários mecanismos, enquanto na segunda não há limites ao império da "vontade geral" ou da "vontade popular".
Entre os limites ao poder da maioria política numa democracia liberal contam-se desde o início a separação de poderes, a independência dos tribunais, os direitos fundamentais constitucionais, o direito de oposição. Mas esses limites podem incluir outros dispositivos, como a descentralização territorial do poder político e o "governo em vários níveis", a exigência de maiorias qualificadas para aprovar as revisões constitucionais e outras leis importantes, os poderes de veto presidenciais, as obrigações de transparência no exercício do poder e também a existência de entidades públicas independentes, sem tutela governamental, entre os quais se contam hoje os bancos centrais, as entidades de defesa de certos direitos fundamentais mais sensíveis (os média, os dados pessoais, etc.) e as autoridades reguladoras da economia.
Esses vários mecanismos impedem que a maioria política de cada momento se aproprie do Estado e se torne numa "ditadura da maioria".

2. Impera hoje em Portugal uma clara hostilidade política às entidades públicas independentes, traduzida nos episódios recentes sobre o Conselho das Finanças Públicas, o Banco de Portugal e as autoridades reguladoras independentes em geral.
Compreende-se que as forças de esquerda comunista ou neocomunista, que são tributárias da ideia de democracia sem limites, apoiem essa ofensiva contra as entidades públicas independentes, agora que fazem parte do "arco do poder" (mas quando estão na oposição ninguém defende mais a limitação do poder da maioria!). Já se compreende menos que as forças políticas adeptas da democracia liberal, como o Partido Socialista, apoiem essa mesma ofensiva e a correspondente ideia de "todo o poder à maioria".
Há alinhamentos políticos que comprometem, mesmo quando conjunturais.

quinta-feira, 9 de março de 2017

O Presidente vertiginoso

1. Um boa peça jornalística, esta sobre o exercício dos poderes presidenciais por Marcelo Rebelo de Sousa, com pertinente análise das situações mais problemáticas ao longo deste primeiro ano do seu mandato e a apresentação do ponto de vista de vários especialistas.
Além disso, os dois jornalistas conseguiram fazer a sua análise sem recorrer uma única vez ao tropo do "semipresidencialismo", que é um fácil bordão nesta área, mas que, como sustento desde sempre, não serve para nada, salvo para obscurecer o estatuto constitucional do PR entre nós, visto que a função presidencial de supervisão do sistema político não o torna cotitular da função governamental, pelo contrário (o árbitro não pode ser jogador).

2. Só é pena que o texto não tenha abordado uma questão intrigante, que é a de saber como é que o PS - que foi o principal impulsionador da revisão constitucional de 1982 (que "despresidencializou" o sistema de governo originário) e nunca apoiou nenhuma leitura intervencionista dos poderes de Belém -, não só convive agora de bom grado com o hiperativismo e o protagonismo político do atual Presidente, incluindo algumas embaraçosas ingerências na esfera governativa (entre outras nos casos do Teatro da Cornucópia e da nota sobre a confiança a Centeno), como até elogia sem reservas!
Malhas que a conveniência política tece...

Contrarreforma

1. A alteração agora votada à Lei-quadro das Entidades Reguladoras Independentes (de 2013) que confere à Assembleia da República o poder de recomendar ao Governo que destitua reguladores em funções é surpreendente e assaz bizarra.
Por duas razões:
  - porque permite ao parlamento colocar pressão sobre o Governo para fazer algo que este em princípio não pode fazer (como se diz a seguir);
  - sobretudo porque vai contra a própria razão de ser da regulação independente, pois essas autoridades são criadas justamente para "despolitizar" a regulação de certos setores, tendo como caraterísticas essenciais um mandato longo e a irremovibilidade dos reguladores (salvo falta grave apurada em processo independente), bem como a independência em relação ao Governo de cada momento.
Ao permitir doravante que a maioria parlamentar avalie o desempenho individual dos reguladores e recomende ao Governo a sua destituição - substituindo a sanção disciplinar por uma sanção política -, é evidente que qualquer processo desses retira aos reguladores visados as condições para desempenhar as suas funções de forma independente, levando em geral à sua demissão.

2. Trata-se de uma enorme mudança na orientação política de todos os governos em relação à regulação independente, desde há um quarto de século (desde a criação da CMVM em 1991 até à Lei-Quadro de 2013).
Estamos perante uma verdadeira contrarreforma que põe em causa os alicerces do "Estado regulador", segundo o qual incumbe ao Estado defender a concorrência e suprir as falhas e insuficiências do mercado de acordo com regras estáveis imunes ao ciclo eleitoral e de forma imparcial, separando a função reguladora dos interesses do Estado-empresário. Tal é a lógica da regulação independente numa economia de mercado regulada.
De resto, as autoridades reguladoras (noção que na Lei-Quadro inclui a Autoridade da Concorrência) aplicam sobretudo direito da UE e não direito nacional e integram as redes de reguladores da União, pelo que ainda menos se justifica a ingerência política do parlamento nacional.

3. É patente que, ao dar ao parlamento o poder de "julgar" e condenar individualmente os reguladores, esta inovação legislativa insere-se no atual clima de hostilidade política em relação às entidades públicas independentes, que por definição fogem ao comando da maioria parlamentar-governamental.
Mas a paixão política não é boa conselheira quando se trata de legislar e o acquis do Estado regulador devia estar imune às emoções políticas conjunturais.

Longe do poder, longe do orçamento


Esta nova reivindicação da região de Coimbra sobre o "metro Mondego" (que aproveita o
antigo ramal ferroviário da Lousã), que se arrasta há quase duas décadas, vai ter o mesmo destino que as anteriores, ou seja, o cesto dos projetos indefinidamente adiados. O mesmo cesto onde jaz também o projeto de renovação da estação ferroviária de Coimbra, que já denunciei em 2004 (!) e que voltei a recordar recentemente.
A verdade é que o orçamento do Estado só dá para alimentar o duopólio orçamental de Lisboa e do Porto, onde há muitos deputados a eleger e o poder económico e político, incluindo os jornais, as rádios e as televisões e tudo o mais.
Arquive-se, pois!

quarta-feira, 8 de março de 2017

Viragem?

A sentença do Tribunal da Relação de Lisboa que manda recolher o livro de J. A. Saraiva, Eu e os Políticos, por invasão da esfera da privacidade da jornalista Fernanda Câncio, vem dar razão à forte crítica que logo dirigi à decisão da 1ª instância, agora revogada, por ignorar a supremacia constitucional do direito à intimidade pessoal em situações destas (aqui e aqui).
Esperemos que esta sentença, aliás muito bem fundamentada, abra um novo capítulo na ponderação judicial entre a defesa do direito à privacidade e a liberdade de imprensa, que muitas vezes pende para uma absolutização infundada da segunda (mesmo em casos de manifesto abuso gratuito) à custa do esvaziamento da primeira.

Obviamente, extinga-se!

Então a comissão técnica de controlo orçamental da Assembleia da República, UTAO, faz saber publicamente que «estima [o] défice [de 2016] acima do previsto pelo Governo», e ainda ninguém da extrema-esquerda parlamentar veio pedir a sua dissolução imediata?
Só pode ser distração! Essa óbvia conspiração de organismos técnicos alegadamente independentes, que ousam pôr em dúvida os números já oficialmente anunciados e questionam os êxitos orçamentais da nova maioria, tem de acabar. Disputando entre si a vanguarda da frente das esquerdas, nem o BE nem o PCP podem deixar os seus créditos por mãos alheias. Vamos a eles!

A Constituição ainda é a mesma?


terça-feira, 7 de março de 2017

Inimigos da liberdade alheia

(Norman Rockwell, Freedom of Speech, 1943)
1. Penso que numa ordem liberal-democrática é mais grave a violência política de proibir uma conferência política do que a violência física cujo receio justifica a proibição.
Desde que não incitem à violência nem atentem diretamente contra a dignidade humana, todas as ideias políticas, incluindo as da direita nacionalista, têm lugar no espaço público, e em especial no espaço universitário, lugar de liberdade intelectual por excelência. É essa a "superioridade moral" da democracia liberal sobre a autocracia autoritária que a direita nacionalista alimentou.

2. Tal como as demais liberdades, também a liberdade de expressão política precisa de ser defendida não apenas contra o Estado mas também contra terceiros (Constituição dixit). Os piores inimigos da liberdade de expressão política estão na violência sectária da própria "sociedade civil".
O risco de violência só pode ser invocado para restringir as liberdades em casos-limite de grave perigo para a ordem pública ou para outros valores constitucionalmente protegidos. Em vez de proibir conferências por causa de um alegado perigo de violência, incumbe ao Estado e às demais autoridades públicas garantir a sua segurança (são as chamadas "obrigações positivas" do Estado na proteção das liberdades).

Adenda
Excelente esta disponibilidade da Associação 25 de Abril - que representa justamente o espírito da revolução contra o Estado Novo - de acolher a conferência cancelada de Nogueira Pinto.

Adenda 2
Um leitor invoca a proibição constitucional de organizações fascistas. Sim, mas a proibição de organizações fascistas (que implica uma estrutura organizatória coletiva) não equivale à proibição geral da expressão individual de ideias fascistas.

Vida difícil


1. O aspeto mais grave na tentativa em curso de afastamemto forçado do Governador do Banco de Portugal não é a enviesada e sensacionalista reportagem da SIC sobre o caso BES, que ignora totalmente o constrangimento legal do BdP nesse dossiê até à operação de resolução. O mais grave é o irresponsável oportunismo político do BE e do PCP, com a colaboração de algumas vozes socialistas, ao cavalgar essas infundadas acusações para denegrir e flagelar o Governador na praça pública.
Que a extrema-esquerda queira a cabeça do Governador do BdP não admira nada, dado ser ideologicamente contra a independência dos bancos centrais e contra o euro, de que o BdP é guardião. Menos compreensível é a cooperação de alguns representantes do PS nessa operação, desde logo por ser o partido de governo, com a responsabilidade institucional que isso implica.
E também surpreendente foi o demora do Presidente da República - normalmente tão lesto a vir em defesa do Governo - em defender a estabilidade institucional do BdP, que é instituição central da nossa ordem financeira, como banco central e como regulador, cuja independência é, aliás, protegida pela ordem constitucional da UE.

2. Como se pode garantir a estabilidade institucional do País, deixando amarrar ao pelourinho e expor a indigno julgamento público, sem defesa de quem tem obrigação de a prestar, os responsáveis por instituições independentes cuja legitimidade assenta essencialmente na sua neutralidade política e credibilidade pública?
Decididamente, quando as maiorias políticas tomam o freio nos dentes, a vida torna-se muito difícil para as autoridades públicas independentes, cuja função é justamente retirar certas áreas sensíveis ao império da maioria de cada momento.
[revisto]

segunda-feira, 6 de março de 2017

Híbridos institucionais


1. Concordo com a revisão das regras de remuneração das autoridades reguladoras independentes. Penso, aliás, que se deveria ter ido mais longe e adotar um regime de remuneração uniforme prefixada (ou pelo menos por categoriais), em vez do regime vigente de fixação ad hoc de remunerações para cada autoridade por uma comissão de remunerações, à maneira das empresas, que acaba tendencialmente por ir ao encontro dos desejos dos interessados.
Na verdade, as autoridades reguladoras são entidades administrativas do Estado, pelo que, sem prejuízo do recrutamento de reguladores de alto gabarito, o regime remuneratório dos reguladores não deve equiparar-se ao dos gestores das empresas públicas ou privadas.

2. Pela mesma razão, entendo que deveriam ter sido revistos dois aspetos anómalos da lei-quadro de 2013, que seguem igualmente o símil empresarial, a saber, (i) a adoção do regime laboral comum nas relações de trabalho (em vez do contrato em funções públicas) e (ii) o regime empresarial na gestão financeira e patrimonial das autoridades, que as dispensa das normas da gestão financeira pública.
Essas duas derrogações do regime administrativo recriam a figura híbrida dos "institutos públicos de regime empresarial" que em boa hora a lei-quadro dos institutos públicos de 2004 tinha afastado.
Ora, se se justifica a adoção da gestão empresarial para os serviços públicos prestacionais (como os hospitais do SNS), já não faz sentido a utilização do molde empresarial para entidades reguladoras que têm funções puras e duras de autoridade administrativa.

domingo, 5 de março de 2017

O rasto do dinheiro


É de apoiar esta proposta legislativa para a restrição de pagamentos em dinheiro e a proibição da emissão de títulos ao portador, como instrumento de transparência financeira e de combate à evasão fiscal.
Penso, aliás, que se deveria ser mais estrito, proibindo pagamentos em dinheiro entre empresas e reduzindo o limite para os pagamentos em dinheiro entre particulares.
Também seria de aproveitar para impor aos estabelecimentos comerciais (incluindo os táxis) a disponibilidade de pagamento por via eletrónica, quer para facilitar a vida aos clientes quer para combater a evasão fiscal.
No mundo de hoje, do dinheiro que não tem pegada eletrónica perde-se o rasto.

Adenda
Entretanto, em vários países, e também na União Europeia, dão-se avanços no sentido de uma sociedade sem pagamentos em dinheiro (cashless society), que é cada vez menos uma utopia.

sábado, 4 de março de 2017

Acima da média, mas...

O investimento nacional na digitalização da economia e dos serviços públicos dá resultado, como mostra a figura junta, aparecendo Portugal acima da média no índice de economia e sociedade digital da UE relativo a 2017, em melhor posição do que países bem mais ricos, como a França e a Itália (mas ficando este ano abaixo da Espanha).
Nesta corrida não se pode abrandar o passo, muito menos ficar parado. Se Portugal apresenta dois itens melhores do que a média da União - conectividade e serviços públicos digitais (graças ao Simplex) -, já apresenta notas inferiores à média no que respeita ao uso da Internet e ao capital humano. Frentes a combater, portanto.

Corporativismo +


1. Neste manifesto público da Ordem dos Médicos e a Ordem dos Médicos Dentistas, em que se reclama a redução das taxas e contribuições pagas à Entidade Reguladora da Saúde, não está em causa a justeza da reclamação em si mesma, aliás baseada num relatório do Tribunal de Contas, mas sim a competência das referidas ordens profissionais para a assumirem como sua.
De facto, a ERS não regula nem cobra taxas e contribuições aos médicos, mas sim aos estabelecimentos de saúde públicos e privados (incluindo os consultórios e clínicas), pertençam ou não a médicos. Ora, as ordens profissionais são organismos oficiais que só podem dedicar-se às suas tarefas oficiais de representação e de regulação das respetivas profissões, onde não se conta a defesa dos interesses dos estabelecimentos de que os seus membros eventualmente sejam donos.
As ordens da saúde representam o "interesse geral" das respetivas profissões e não os interesses económicos setoriais de quem têm consultórios, clínicas ou outros estabelecimentos de saúde, que são uma minoria.

2. No corporativismo do Estado Novo é que os interesses económicos eram representados por organismos oficiais unicitários ("sindicatos nacionais" e "grémios"), mas nem aí as ordens podiam funcionar como sucedâneos dos "grémios" na representação dos interesses económicos dos seus membros "estabelecidos". Era o que faltava que assumissem tais funções na atual ordem liberal-democrática!
Hoje a representação e a defesa dos interesses dos estabelecimentos de saúde, quaisquer que sejam os seus titulares, só podem estar a cargo de associações livres dos respetivos interessados, tal como qualquer outra atividade económica, sendo questões totalmente alheias às ordens profissionais, que não podem usar os seus poderes e meios públicos para funções estranhas ao seu objeto legal.
Vai sendo tempo de o Governo deixar de contemporizar com estas situações de flagrante ilegalidade e de dizer claramente às ordens profissionais que não podem continuar a invadir impunemente terrenos que não são seus e que existem instrumentos políticos e judiciais bastantes para fazer prevalecer a "legalidade democrática".

sexta-feira, 3 de março de 2017

Contradição


Depois de aprovada a bem-vinda lei que deixa de qualificar os animais como "coisas", passando a considerá-los como "seres vivos dotados de sensibilidade" - no seguimento do Tratado da União Europeia e das leis de diversos países -, que sentido faz continuar a consentir (e a promover!) as touradas, que representam uma das mais bárbaras crueldades contra animais, com a agravante de servirem para divertimento público?
Pode essa nova qualificação jurídica ser compatível com a tortura sádica dos touros na arena, a esvair-se em sangue para gáudio de massas ululantes? Vai a nossa ordem jurídica ser coerente com o novo estatuto jurídico dos animais, e proibir as touradas tal como existem, ou vai a hipocrisia política das "tradições populares" continuar a prevalecer?

Quando as previsões orçamentais falham


Não me parece justificada a censura política ao alegado "falhanço" das previsões do Conselho das Finanças Públicas relativas ao défice orçamental do ano passado.
Por várias razões:
  - primeiro, o desvio em relação ao défice efetivo final respeita às previsões da primeira metade do ano, com base nos dados do 1º e do 2º trimestres (em que o CFP previa um défice de 2,7% e 2,8%, respetivamente), tendo sido corrigido depois; no relatório relativo ao 3º trimestre já se admitia o alcance da meta orçamental (entretanto corrigida para 2,4%);
  - segundo, o CFP não errou mais nas suas previsões do que outras instituições nacionais e internacionais (incluindo a Comissão Europeia e o FMI), o que quer dizer que usou as metodologias comuns para o efeito;
  - terceiro, as previsões são feitas sempre na base da situação existente na altura em que ocorrem e sob condição de "políticas invariantes"; ora, por um lado, ninguém podia prever, por exemplo, a aceleração da atividade económica na segunda metade do ano, que facilitou a execução orçamental (mais receita tributária, menos despesa social), nem o excedente da segurança social (principal responsável pela redução do défice global), nem a dimensão do corte na despesa de investimento público, nem muito menos o perdão fiscal no final do ano;
  - por último, o próprio Governo se enganou nas suas previsões, pois ainda no relatório do orçamento para 2017 inscreveu um défice de 2,4% para 2016, bem acima do que depois se verificou.
Em matéria de previsões erradas, haja quem atire a primeira pedra. E não vejo nenhuma vantagem em o poder político desacreditar sem fundamento as instituições públicas de escrutínio orçamental independente.

Adenda
Houve quem aproveitasse para tentar desacreditar pessoalmente a presidente da CFP, Teodora Cardoso. Tendo trabalhado com ela num grupo de trabalho oficial, devo dizer que me impressionou pela sua competência, probidade, seriedade e isenção. Subscrevo inteiramente o que a este respeito escreveu Nicolau Santos.

Adenda 2
Explorando uma deslocada referência de Teodora Cardoso a um possível "milagre" no défice orçamental do ano passado, um deputado do PCP, mais papista do que o papa na defesa do Governo, veio considerar ser um milagre que Teodora Cardoso ainda tenha emprego e salário. É uma advertência coerente, pois na futura "democracia popular" que o PCP defende não haveria obviamente entidades independentes de escrutínio orçamental e quem ousasse discordar da pauta do poder teria como destino imediato a porta da rua. De facto, há alianças que comprometem...

Adenda 3
Continua por conhecer a redução do défice estrutural em 2016, o que é importante para confirmar o pleno cumprimento das metas orçamentais e a consistência da redução do défice nominal.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Antologia da publicidade política

«Não são as empresas que dão os aumentos [salariais], é António Costa».
Certamente sem o querer, o antigo patrão dos patrões, Pedro Ferraz da Costa, forneceu a António Costa o melhor slogan de propaganda política a que ele podia aspirar!

"Firm-flex"


1. Para assegurar aos seus militantes que a aliança parlamentar com o PS não amoleceu os seus princípios antieuropeístas, o PCP resolveu lançar uma campanha para que o país se prepare para a "inevitável" saída do euro, acrescentando, porém, que a dita tem de ser "negociada com o BCE" (entrevista do antigo secretário-geral, Carlos Carvalhas ao Jornal de Negócios), o que não deixa de ser curioso.
De facto, como a pertença à UE implica o obrigação de adoção do euro (salvo os países que optaram por ficar de fora ou que ainda não preenchem os necessários requisitos), não se vê como é que o BCE poderia negociar a saída de um dos Estados-membros da moeda única.

2. A gente está a ver o filme. O PCP é contra o euro por razões dogmáticas, mas de facto não quer saída nenhuma, porque sabe os enormes custos económicos e sociais que teria (que aliás a referida entrevista em vão tenta desvalorizar). Tal como já diz expressamente que continua a ser contra a UE mas não defende a saída, também o haveremos de ouvir a dizer o mesmo acerca do euro, algures no futuro.
Chama-se a isso "firm-flex", ou seja, firmeza nas convicções ideológicas declaradas e flexibilidade tática para as deixar na gaveta quando convém!

O seu a seu dono


1. Os adeptos da "Geringonça" rejubilam com as boas notícias da frente económica (crescimento e emprego), e com razão, até porque não é despicienda a contribuição dos fatores internos para esse bom desempenho, nomeadamente o aumento do poder de compra de muita gente (funcionários públicos, trabalhadores com salário mínimo, pensionistas), a paz social (cortesia da CGTP e do PCP), a estabilização do sistema financeiro e o clima de estabilidade política, que é importante para o investimento.
Mas não se devia ignorar o contributo, porventura decisivo, dos fatores externos - e que só por si fariam crescer a economia, como já era o caso desde 2014 -, designadamente o dinheiro barato e a desvalorização externa do euro (cortesia Mario Draghi), a energia barata, a retoma económica robusta do resto da UE (e em especial dos nossos principais parceiros económicos, Espanha e Alemanha), a invasão turística (produto dessa mesma retoma externa).

2. No contexto da integração económica e monetária europeia e do mercado interno - com política monetária e política económica externa comuns e com a convergência de políticas orçamentais -, a dinâmica das economias nacionais depende, cada vez mais, essencialmente da evolução do conjunto.
Se se compararem as curvas relativas à economia e ao emprego em Portugal e noutros países da zona euro desde a crise, é fácil constatar uma fundamental coincidência. Pode variar o ritmo em cada país, mas, salvo divergências pontuais (como é o caso especial da Grécia), a direção plurinanual é fundamentalmente a mesma.
O seu a seu dono, portanto.

Pecado original

Sempre discordei da entrega ao Tribunal Constitucional da tarefa de fiscalizar as contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, para o que não está manifestamente vocacionado e para a qual teve de montar um oneroso e sempre insuficiente serviço dedicado, como se revela mais uma vez com este alerta do TC sobre as próximas eleições autárquicas. 
Mais valera ter confiado essa missão ao Tribunal de Contas, que tem os necessários meios e instrumentos e que a poderia realizar com muito mais eficácia e eficiência. Não se justifica a duplicação. Mistérios que só a conveniência partidária pode explicar...

A bela e o senão

Os dados agora conhecidos sobre a atividade económica relativos ao quarto trimestre de 2016, que confirmam o maior dinamismo da economia no segundo semestre do ano passado, são tanto mais positivos quanto isso se ficou a dever sobretudo a uma retoma do investimento privado, o que deixa entender que tem pés para continuar, até porque baseada numa retoma económica geral da UE.
Menos positivo é o regresso ao saldo negativo da balança comercial (menos exportações do que importações de bens e serviços), que se fica a dever ao aumento das importações, voltando-se à correlação tradicional, que é típica das economias menos competitivas, entre aumento da procura interna e aumento das importações, quer de bens de investimento (máquinas e matérias-primas), quer de bens de consumo (automóveis e equipamentos domésticos).
É claro que é melhor ter crescimento com défice comercial do que o inverso. Mas era preferível ter o primeiro sem o segundo...

quarta-feira, 1 de março de 2017

Estado social


1. Para além deste significativo aumento do financiamento público das IPSSs e, logo, da oferta dos seus serviços (creches, lares, etc.) - o qual bem se justifica face ao acréscimo da procura, sobretudo da população idosa -, importa saudar também a adoção do procedimento concursal para a atribuição desse financiamento, afastando assim as tradicionais acusações de favoritismo ou "caseirismo" dos serviços de segurança social na seleção discricionária dos beneficiários.
Assim deve ser, por princípio, na atribuição de qualquer financiamento público a atividades privadas.

2. O financiamento público da prestação de serviços sociais pelas instituições sociais privadas sem fins lucrativos constitui a principal manifestação entre nós do "Estado financiador" como instrumento do Estado social, em vez da provisão direta de prestações sociais pelo Estado.
Não havendo nenhuma objeção constitucional contra a "terceirização" dessa função social do Estado (diferentemente do que sucede na educação e na saúde), também não tem havido até agora nenhuma oposição política dos habituais fundamentalistas do "Estado prestador", que por via de regra veem na "delegação" de serviços públicos ao setor privado e no respetivo financiamento público uma manifestação do nefando "neoliberalismo".
Ainda bem que aqui fazem uma exceção!

O meu voto


Se eu fosse cidadão francês, não teria nenhuma hesitação no meu voto nas próximas presidenciais francesas - E. Macron, obviamente -, não apenas por maior proximidade política mas também porque é o candidato mais capaz de na segunda volta das eleições aglutinar os votos necessários, da esquerda à direita democrática, para derrotar concludentemente a candidata da Frente Nacional, M. Le Pen (que devia ser o objetivo de toda a esquerda francesa). Nem o candidato da direita, Fillon, seria capaz de atrair muitos votos da esquerda, nem o candidato da esquerda do PS, Hamon, seria capaz de atrair muitos votos da direita.
Ora, dados os fortes poderes políticos do Presidente em França e o assustador projeto da candidata da extrema-direita, não se podem correr riscos. Por isso, é essencial que seja Macron a passar à segunda volta.