quarta-feira, 18 de abril de 2018

Farisaísmo institucional

1. O alegado "desagrado" do Ministério Público com a incrível exibição televisiva de interrogatórios de José Sócrates é profundamente farisaico, primeiro, porque o MP se revelou incapaz de proceder criminalmente contra os responsáveis em anteriores casos idênticos e, segundo, porque em todo este processo (tal como noutros, aliás, quando envolvem personalidades públicas) o MP conviveu, inerte e cúmplice, com o sistemático desrespeito do segredo de justiça (que tem proteção constitucional, sendo crime a sua violação) e com o infame julgamento dos arguidos na praça pública, sem regras nem direito de defesa, em flagrante ofensa aos mais elementares princípios do Estado de direito constitucional.
Assim se mostra que o farisaísmo também pode contaminar as instituições...

2. O Ministério Público é na nossa ordem constitucional uma instituição dotada de autonomia, mas o PGR não é irresponsável nem irremovível, podendo ser exonerado pelo PR sob proposta do Governo. Por maioria de razão, não tendo o MP funções jurisdicionais, que cabem exclusivamente aos tribunais, e sendo o braço do Estado para a investigação e a acusação penal, a PGR não está isenta da obrigação de prestar contas públicas da suas ações e omissões em matéria de violação do segredo de justiça e de outros direitos dos arguidos.
A accountability pública é uma característica inerente ao desempenho de cargos públicos num Estado constitucional. Quanto é que a Assembleia da República tem a coragem de chamar a PGR, como tem chamado outras autoridades independentes, a prestar contas ao País sobre tudo isto?

Adenda
O PS acaba de propor que a PGR se pronuncie na AR sobre o caso das adoções da IURD. Por maioria de razão, o mesmo deveria suceder quanto ao segredo de jsutiça e à publicação de peças do processo sem autorização dos interessados.

Provável e merecida derrota

1. Até à recente mudança de liderança, o PSD dava prioridade política à consolidação orçamental na gestão das finanças públicas, denunciando, por isso, a reversão apressada da austeridade orçamental e o risco do aumento da despesa pública corrente, sobretudo em remunerações e pensões.
Agora tudo mudou. Rui Rio ainda fala na meta de saldos orçamentais positivos, mas agora também quer aumento do financiamento dos serviços públicos, sobretudo do SNS, aumento do investimento público e... aumento geral dos funcionários públicos (alinhando com a reivindicação da extrema-esquerda)! (Só falta mesmo defender também mais um aumento extraordinário nas pensões.) Como se não bastasse uma subida generalizada da despesa pública, o líder do PSD continua a insistir numa baixa de impostos!

2. Ora, é evidente que, apesar das condições financeiras excecionalmente favoráveis de que goza o País - robusto crescimento económico e taxa de juros mínima da dívida -, estes objetivos não são compatíveis entre si. O trilema é óbvio.
Não há margem para tudo, ou seja, para aumentar a despesa, para reduzir impostos e para manter o ritmo de consolidação das contas públicas. Só se pode manter esta última, contendo a despesa e utilizando a receita pública adicional para a redução do défice e da dívida pública.
De resto, estando a economia a crescer fortemente, não se justifica de modo algum uma política orçamental expansionista, pró-cíclica, tanto mais que as taxas de juro continuam anormalmente baixas. Qualquer estímulo orçamental adicional é um contrassenso. O aumento da despesa pública e a redução de impostos devem ser guardados para quando o ciclo económico arrefecer e for necessário estimular o consumo e o investimento.

3. Tenho defendido inúmeras vezes que os partidos de vocação governativa, como o PS e o PSD, continuam a ser partidos de governo quando se encontram na oposição, não devendo defender posições diferentes das que teriam se fossem poder.
Ora, parece óbvio que, se fosse governo, o PSD não defenderia este menu explosivo de políticas orçamentais contraditórias, que na verdade escondem um inevitável recuo da consolidação orçamental, em aras à demagogia pré-eleitoral do aumento dos funcionários e da redução de impostos.
Nesse aspeto o PSD ultrapassa em incoerência a extrema-esquerda, a qual, como sempre, exige o aumento da despesa pública em tudo (remunerações, investimento, serviços públicos), mas que coerentemente defende o recuo na consolidação orçamental.
Parece evidente que, com estas posições oportunistas, este "novo" PSD não ganha nenhuma credibilidade política, antes gera desconfiança, mesmo no seu eleitorado tradicional. Uma séria derrota nas eleições do próximo ano parece, por isso, cada vez mais provável, e merecida.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

O que o Presidente não deve fazer (11): Renúncia à fiscalização preventiva de constitucionalidade?

1. Na sua recente entrevista ao diário espanhol El País, Marcelo Rebelo de Sousa, quando perguntado sobre o seu poder de suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis, respondeu que nunca o exerceu, acrescentando que prefere o veto político e que "não é bom transformar o Tribunal Constitucional em árbitro político à força entre o Governo e a oposição".
É evidente que o referido poder é uma faculdade, que o Presidente exerce quando entenda justificado, não devendo ser exercido de forma leviana ou caprichosa, muito menos como sucedâneo do veto político. Mas a fiscalização preventiva tem uma função constitucional importante, que é a de impedir a entrada em vigor de leis inconstitucionais, principalmente quando os seus efeitos sejam depois de difícil reversão, se a lei vier a ser declarada inconstitucional em fiscalização sucessiva.
Por isso, não faz muito sentido uma renúncia, por princípio, ao exercício desse poder.

2. Pelo contrário, pode haver casos em que se impõe, política e constitucionalmente, o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Ainda recentemente o PR promulgou expeditamente a lei da AR que determinou a realização de um concurso extraordinário alargado de professores, aprovada por uma oportunista coligação antigovernamental da extrema-esquerda com a direita (a "Geringonça" não impõe um dever de lealdade com o Governo...), e que suscita sérias dúvidas de constitucionalidade, por criar uma despesa pública adicional de vários milhões de euros logo no corrente ano, infringindo assim a regra constitucional de que os deputados não podem fazer propostas de lei ou de alteração que aumentem a despesa prevista na lei do orçamento em execução (CRP, art. 167º-2).
Na verdade, estando o País em exigente processo de consolidação orçamental, não se compreende que o PR deixe passar sem escrutínio de legitimidade constitucional uma lei de iniciativa parlamentar que aumenta substancialmente a despesa pública com pessoal, à revelia do Governo.

3. MRS justifica a sua abstenção do recurso à fiscalização preventiva da constitucionalidade com o argumento de evitar "transformar o TC em árbitro politico à força entre o Governo e a oposição".
O argumento não procede, porém. Primeiro, porque muitas vezes podem estar em causa leis aprovadas pela própria maioria governamental ou até por unanimidade, pelo que não existe nenhum litígio entre o Governo e a oposição. Segundo, na fiscalização de constitucionalidade, preventiva ou não, não se trata em primeira linha de dirimir conflitos políticos, mas sim de verificar se uma lei é ou não conforme à Constituição, independentemente de quem a aprovou ou rejeitou.

Lisbon first (9): Direitos adquiridos

1. Na sua entrevista ao Expresso do fim de semana passado, o Ministro da Agricultura, Capoulas Santos, afirmou que eventuais novos serviços do seu Ministério deverão ser instalados fora de Lisboa, promovendo a desconcentração dos serviços centrais do Estado, mas excluiu qualquer transferência de serviços ou organismos atualmente localizados na capital, invocando sobretudo a oposição dos trabalhadores.
Ora, não se vê porque é que vários organismos da "administração indireta" do Ministério (como, por exemplo, o Instituto da Vinha e do Vinho) sobre os quais o Governo só tem poderes de tutela e de supervisão, têm de estar situados em Lisboa (e não, por hipótese, em Viseu). É óbvio, que a reação à transferência do Infarmed para o Porto criou antídotos contra novas transferências de Lisboa e que a prometida desconcentração territorial ficou no tinteiro.

2. Há países que até mudam de capital, com os serviços governativos atrás, como o Brasil, a Alemanha unificada e o Cazaquistão. E há muitos outros em que há ministérios e serviços públicos estão distribuídos pelo território. Entre nós nem um simples instituto público pode ser deslocalizado da capital, refém da resistência dos seus funcionários.
Pelos vistos, neste País, tal como o aeroporto de Lisboa, também a localização dos serviços centrais do Estado está cativa dos direitos adquiridos e irreversíveis à inamovibilidade...

Livro de reclamações (22): Cartão exótico

Recebi na semana passada um novo cartão da ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos. Tudo à moda antiga, um cartão impresso no meio de uma folha A4, que é preciso destacar do picotado com cuidado para não rasgar.
Mais estranho ainda é o facto de as suas dimensões não coincidirem com a medida padrão dos cartões de crédito, que é a adotada pelos principais cartões oficiais (CC, carta de condução, etc.). Por isso, sendo maior do que essa norma, o cartão não cabe nas fendas próprias das carteiras, o que é um incómodo absolutamente desnecessário. Não se vê nenhuma razão para tal quebra da regra de homogeneidade nas dimensões dos cartões oficiais.
Cabe, portanto, perguntar se a ADSE goza de alguma isenção na sujeição às regras da simplificação administrativa...

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Ai o défice (6): Aviso à navegação

1. No seu importante artigo de hoje no Público em que justifica a sua política de consolidação orçamental e avisa que o país não pode desperdiçar esta oportunidade de ouro (crescimento elevado e juros baixos) para sanear as suas contas públicas -, Mário Centeno observa pertinentemente que uma recessão económica implica normalmente uma degradação de 3 pp no saldo orçamental (por efeito automático da perda de receita e do aumento da despesa pública).
Por conseguinte, decorre implicitamente do seu argumento, se o País quiser manter-se dentro dos limites do défice de 3% e evitar cair de novo numa situação de défice excessivo numa próxima inversão do ciclo económico, deve conseguir manter o orçamento equilibrado quando a economia cresce de acordo com o seu potencial e, mesmo, alcançar um saldo orçamental positivo quando a economia cresce acima do seu potencial, como será o caso atualmente. Por maioria de razão assim deve ser, se o País precisa de diminuir substancialmente o seu nível de dívida pública, como é óbvio.
Como se tem sustentado aqui desde o início da retoma económica em 2014, os telhados financeiros em mau estado devem reparar-se durante o verão económico. E este não dura sempre...

2. Neste contexto, não fazem sentido as propostas de aumento na despesa pública e de "abrir os cordões à bolsa", defendidas por alguns setores da Geringonça parlamentar (e não somente do lado BE e do PCP...), nomeadamente o descongelamento das remunerações na função pública.
Quando estão na rua os primeiros sinais políticos do ciclo eleitoral do próximo ano (eleições europeias e eleições parlamentares), com as tradicionais tentações de despilfarro financeiro para cativar eleitorado, faz todo o sentido o "aviso à navegação" do Ministro das Finanças (que é também presidente do Eurogrupo, onde tem uma reputação a defender). Como sustenta Centeno, "temos que nos preparar para o futuro [e] não podemos perder mais uma oportunidade". Tanto mais que, podemos acrescentar, esta é singularmente favorável.
Que a firmeza não lhe falte!

domingo, 8 de abril de 2018

Ai o défice (5): Remunerações da função pública

A confirmar-se, justifica-se plenamente este propósito do Governo de manter no próximo ano o congelamento das remunerações na função pública, sem prejuízo dos aumentos derivados das progressões, entretanto reabertas, que vão beneficiar uma grande parte dos funcionários.
A recusa do aumento da fatura orçamental com remunerações vai seguramente enfrentar o protesto dos parceiros da Geringonça e até da oposição de direita - mas do lado desta por puro oportunismo, dado o seu histórico nesta matéria -, tanto mais que o Governo aceitou descongelar as pensões, sendo um tanto incongruente não fazer outro tanto com as remunerações (ressalvadas as progressões). Mas, a meu ver, o descongelamento só deve dar-se quando o processo de consolidação orçamental atingir um significativo saldo positivo, de modo a iniciar a redução da elevada dívida pública, principal fator de risco financeiro quando vier o arrefecimento do ciclo económico.
Um eventual aumento da despesa com remunerações, dado o seu grande impacto orçamental, só poderia ser efetuado, sem afetar severamente as metas de consolidação orçamental, sacrificando ainda mais outras despesas públicas que já têm sido excessivamente comprimidas, como as de funcionamento dos serviços e as de investimento. Portanto, a opção é clara!

As guerras comerciais de Trump

«No final, para além dos perigosos estragos causados à ordem comercial multilateral e à legitimidade da OMC, os Estados Unidos podem ser as principais vítimas do aventureirismo e do nacionalismo comercial de Trump, quer em termos reputacionais, quer em termos estritamente económicos. Apesar de ainda serem uma grande potência económica, os Estados Unidos já não são a principal potência comercial…»
Conclusão da minha coluna de opinião semanal de ontem no Dinheiro Vivo, suplemento de economia do Diário de Noticias e do Jornal de Notícias.

Adenda
A propósito deste tema vale a pena ler este artigo do Financial Times no sentido de que a História oferece poucas esperanças de se ganhar uma guerra comercial.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

A "ameaça fascista"

1. Resumindo a tese principal do seu livro Fascism: A Warning [Fascismo: Um alerta], acabado de publicar, a antiga ministra dos negócios estrangeiros do Presidente Bill Clinton, Madeleine Albright, afirma, no seu artigo de hoje no New York Timesque «o fascismo representa atualmente a mais séria ameaça desde a II Guerra Mundial», incluindo explicitamente a ação de Trump no âmbito dessa ameaça.
Não é a única a pensar assim. Mas nem todos têm o seu nome e a sua autoridade política e moral. Por isso, a sua opinião não pode ser ignorada.

2. É uma tese pelo menos controversa e, a meu ver, excessiva e arriscada.
Por mais preocupantes e por mais que tenham de ser combatidas as atuais ameaças à democracia liberal, especialmente as que provêm das "democracias iliberais" e do "autoritarismo populista", assentes sobre a instrumentalização ideológica do Estado e o desprezo das oposições, o nacionalismo, a repressão da imigração e a defesa das "identidades nacionais", o protecionismo e a hostilidade à ordem global liberal, a complacência e cumplicidade com movimentos assumidamente extremistas, dificilmente se vê, porém, algum préstimo na invocação genérica de uma "ameaça fascista", quando tais regimes, aliás distintos em muitos aspetos, continuam a respeitar, pelo menos formalmente, as liberdades políticas básicas, os mecanismos eleitorais e os procedimentos parlamentares e continuam aquém de perfilhar os traços ideológicos mais caraterísticos do fascismo, como sejam a negação doutrinária da democracia e a opção por assumidas autocracias, a sistemática perseguição e eliminação dos adversários políticos, os apelos belicistas e a perseguição étnica, a mobilização nacional contra os "inimigos internos", o poder absoluto do Estado, etc..

3. Esta reserva vale por maioria de razão em relação aos Estados Unidos de Trump.
A conduta errática, caprichosa  e "autista" do Presidente, a deriva nacionalista e protecionista em curso, a quebra de compromissos internacionais e o desprezo pelo multilateralismo, tudo isso é inquietante, tendo em conta a responsabilidade dos Estados Unidos na construção e preservação da ordem global resultante da II Guerra Mundial. Outra coisa, porém, é identificar nesse quadro indícios de uma verdadeira "ameaça fascista".
Apesar de tudo, na sua história a democracia americana passou por outras provações não menos preocupantes. E superou-os.

4. Seria obviamente irresponsável ignorar os aspetos que hoje ameaçam a democracia liberal e que podem degenerar numa reversão da "terceira vaga da democratização" (Huntington), que se iniciou em 1974 em Portugal e que multiplicou o número de democracias constitucionais por esse mundo fora em poucas décadas, bem como o ativismo e o crescente apoio de movimentos políticos caraterizadamente fascistas ou filofascistas em muitos países.
Mas o combate a essas duas ameaças - que não pode ignorar as causas do descontentamento popular com o status quo - dificilmente pode ser travado com êxito confundindo tudo sob a designação genérica de uma alegada "ameaça fascista". É tão perigoso ignorar as manifestações fascistas lá onde elas existem como banalizar tal risco, acoimando de fascistas todos os que põem em causa a democracia liberal. Em vez de amalgamar, devemos separar e distinguir os adversários.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Média e direitos humanos

Um curso breve sobre média e direitos humanos, em e-learning. Programa e inscrições AQUI.

terça-feira, 3 de abril de 2018

"Coimbra é uma lição" (1): A "marcha sobre Lisboa" de 1948

Há 70 anos tinha lugar a "marcha sobre Lisboa" (como a designou malevolamente Cabral de Moncada) dos catedráticos da Universidade de Coimbra, em homenagem a Salazar, antigo professor de Coimbra, pelos 20 anos da sua entrada como Ministro das Finanças no governo da Ditadura instaurada em 1926. Entre eles estão os muitos que já tinham sido ou haviam de ser ministros de Salazar.
Nesta história exemplar do autodesignado "Estado Novo"- contada no excelente página do Facebook de Mário Torres - avulta não somente a coerente ausência dos poucos professores oposicionistas da altura (Paulo Merêa, Manuel de Andrade, Teixeira Ribeiro, Ferre Correia, Eduardo Correia), mas também a ousadia de Cabral de Moncada, o qual, apesar de ser apoiante conspícuo do regime, entendeu dissociar-se da homenagem política da academia ao chefe do Governo e líder do regime autoritário, a qual, no seu entender, era incompatível com a autonomia universitária e a liberdade académica.
Mesmo "em tempos de servidão", como escreveu Manual Alegre, "há sempre alguém que diz não". Incluindo algumas vozes inesperadas...

Adenda
Mário Torres, meu condiscípulo na FDUC, foi então candidato da oposição democrática às pseudoeleições de 1969 e viria a ser magistrado do Ministério Público e, mais tarde, juiz do Tribunal Constitucional.

"Presos políticos" catalães

É sabido que não sou apoiante do secessionismo catalão (mas sim de um federalismo espanhol), pelo que não condeno a intervenção de Madrid na Catalunha na sequência do pseudo-referendo ilegal e da declaração unilateral de independência, nem os processos judiciais desencadeados contra os responsáveis por alegados atentados qualificados à integridade nacional de Espanha, à ordem constitucional e ao Estado de direito.
Mas já não apoio a prisão preventiva nem o mandado de detenção europeu decretado contra eles. Primeiro, porque tais medidas cautelares extremas não são necessárias para efetivar a eventual responsabilidade penal nem para impedir a continuação da atividade separatista, sobretudo não havendo atos violentos a reprovar na sua conduta e tendo o Estado espanhol meios constitucionais disponíveis para impedir a consumação da secessão da Catalunha; segundo, e principalmente, porque a prisão preventiva por atos políticos, mesmo se patentemente ilícitos, gera constrangimentos e solidariedades que só aproveitam aos visados. "Vítimas da repressão espanholista" é a último elemento tóxico de que o processo catalão precisa!
Além de desnecessárias, tais medidas são portanto altamente contraproducentes.

Adenda
Um leitor pergunta porque não subscrevi o abaixo-assinado divulgado sobre o assunto. A resposta é simples: há muito tempo que deixei de assinar manifestos desses, pela mesma razão que não tenho filiação partidária, ou seja, pela dificuldade em rever-me inteiramente em textos ou posições coletivas, sempre produto de difíceis transações verbais e políticas.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Voltar ao mesmo (18): Crédito pródigo

Como se deduz por este anúncio de crédito a 100% do valor da casa, estamos a voltar à mesma irresponsabilidade de antes da crise na concessão de crédito imobiliário. Também o crédito ao consumo está em máximos de 6 anos.
Para um País em que todos continuam altamente endividados - Estado, empresas, particulares - e em que a taxa de aforro é baixísssima, esta "desbunda" no crédito bancário dá motivos para preocupação, exceto, aparentemente, para a autoridade reguladora (o Banco de Portugal) e para o Governo, que não dão mostras de querer colocar limites a estes excessos. Afinal, os bancos, ainda longe de boa saúde, precisam de realizar lucros, pelo que ambos preferem fechar os olhos...
Mas facilitar o crédito e o endividamento quando a economia está a crescer provavelmente já acima do seu potencial é obviamente pró-cíclico e não é muito sensato em termos de política financeira. Decididamente, passada menos de uma década do início da crise de 2008, esquecemos depressa e não aprendemos nada.

XVII Curso de Pós-graduação em Regulação Económica e Concorrência

Promovido pelo Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (CEDIPRE), a que presido, eis o XVII Curso de Pós-graduação em Regulação Pública e Concorrência, que vai decorrer na FDUC, entre 19 de maio e 23 de junho, aos sábados.
Mais informações AQUI.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Livro de reclamações (21): Assembleia da República

Em vão procurei no website da AR o texto final do diploma sobre a Uber e plataformas digitais de transporte semelhantes, que foi aprovado na sexta-feira passada.
Na página sobre as votações desse dia, o site da AR limita-se a noticiar a votação final global, bem como a sua aprovação, mas sem inserir o texto. Este também não consta, como devia, da página dos últimos diplomas aprovados.
Esta demora é inamissível. Não há razão nenhuma para que os textos votados, que seguramente são distribuídos aos deputados em formato digital antes da votação, não sejam logo disponibilizados ao público no site da AR. E já passou quase uma semana.
Um mau serviço!

terça-feira, 27 de março de 2018

Ai, o défice (5): "Sol na eira e chuva no nabal"

1. É de saudar a redução do défice orçamental apurado para 2017, para baixo de 1% (descontando o impacto negativo da recapitalização da CGD), bem menor do que o que constava como objetivo orçamental inicial (1,7%), o que traduz um maior esforço de consolidação orçamental.
São, por isso, de rejeitar as críticas da esquerda da Geringonça, que queria que o Governo tivesse gasto em despesa pública a "folga orçamental" proporcionada pelo robusto crescimento económico e pela baixa dos encargos da dívida pública (cortesia da política monetária do BCE). Com o já elevado nível atual de impostos - que, aliás, aumentou no ano passado, ao contrário do prometido -, a consolidação orçamental só pode obter-se por via da contenção da despesa pública. Ora, se existe algo de preocupante é justamente o aumento da despesa pública permanente (em remunerações e pensões) e o baixo nível do investimento público.

2. Todavia, para quem defende objetivos mais ambiciosos, este bom resultado do défice orçamental sabe a pouco, tanto mais que Portugal continua muito aquém da meta relativa ao "défice estrutural".
Como se disse aqui várias vezes, nas atuais condições extremamente favoráveis de crescimento e de juros da dívida pública - que dificilmente se manterão durante muito tempo -, é uma "obrigação" política obter um saldo positivo das contas públicas, assim reduzindo a enorme dívida pública, em vez de continuar a aumentá-la, o que é um contrassenso.
Por pequeno que seja, défice significa mais endividamento. E dívida é que continuamos a ter a mais. Não podemos encarar tranquilamente um futuro arrefecimento do ciclo económico com o atual nível elevado da dívida pública. Não se pode ter durante muito tempo "sol na eira e chuva no nabal", como hoje sucede (alto crescimento económico e baixo nível de juros).
Esperemos, por isso, que em 2018 o Governo continue a superar por larga margem as suas próprias, e modestas, metas, quanto ao défice e quanto à dívida.

domingo, 25 de março de 2018

Hora de verão

1. Sou contra  a "hora de verão", por várias razões: aumento do desfasamento entre a hora legal e a hora solar (que passa ser cerca de 1:40h), perturbação do biorritmo e da hora das refeições (que passam a ser uma hora mais cedo), necessidade de alteração dos relógios e dos temporizadores mecânicos, etc.
A justificação tradicional para a mudança de hora, que é a da poupança de energia ao fim do dia, vai-se tornando irrelevante, visto que a iluminação conta cada vez menos na conta de energia, onde pesam cada vez mais o consumo permanente em ar condicionado, refrigeração, computadores e televisores, etc.

2. Como mostra o mapa junto (copiado daqui), a "hora de verão" é no fundamental uma instituição euro-americana (países a azul), visto que a maior parte dos demais países do Mundo não a usam (incluindo partes de Estados federais, como no Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil e na Austrália).
Na União Europeia, a mudança de hora está harmonizada ao nível da União (o que acho bem), pelo que só pode ser revista por decisão de Bruxelas. Recentemente um relatório do Parlamento Europeu solicitou à Comissão Europeia uma reavaliação da questão, mas não é provável que haja mudança a curto prazo.

Adenda
Um leitor pergunta porque é que o desfasamento entre a hora legal e a hora solar é tão grande. A resposta está em que Portugal está situado em grande parte já fora do fuso horário correspondente ao meridiano de Greenwhich (GMT), como mostra o mapa junto (meridianos a vermelho), pelo que, mesmo na hora de inverno, que é a hora normal, o meio-dia solar só ocorre cerca das 12:40 (em Coimbra). Ao adiantar a hora legal em 60 minutos, a hora de verão aumenta esse desfasamento, passando o meio-dia solar a ocorrer apenas pelas 13:40!
De notar que tanto a França como a Espanha (mais a Bélgica e a Holanda) estão no fuso horário errado, tendo adotado a hora alemã na II Guerra Mundial, pelo que têm uma hora a mais do que o Reino Unido e Portugal

Quando os supostos liberais se portam como iliberais...

«Curiosamente, as propostas mais intervencionistas vieram do PSD e do CDS contradizendo a sua alegada vocação liberal em matéria económica. Que as medidas criticadas tivessem sido propostas pela esquerda anticapitalista, podia compreender-se; mas que elas proviessem do PSD e do CDS e fossem sufragadas pelo PS, torna-se incompreensível.»
Eis uma passagem da minha coluna de opinião na edição de ontem do "Dinheiro Vivo", o suplemento económico semanal do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.

Adenda
Um dos aspetos mais bizarros e insensatos da lei consiste em proibir a atual regra da Uber que permite aos motoristas classificar os clientes (tal como estes têm o direito de classificar os motoristas), o que permite excluir os clientes mal comportados. Esta absurda restrição da liberdade contratual é bem o símbolo da esdrúxula orientação intervencionista desta lei.

sábado, 24 de março de 2018

Lisbon first! (8): O caso do IP 3 entre Coimbra e Viseu

1. Se existe uma prova da assimetria de investimento público entre Lisboa (onde não faltam centenas de milhões para o metropolitano da capital, que nem devia ser responsabilidade do Estado) e o interior do País, basta referir o caso flagrante da miserável ligação rodoviária entre Coimbra e Viseu.
Pomposamente designada como IP3, ela não passa de uma das mais congestionadas e perigosas estradas do Pais, servindo não somente de ligação entre as duas capitais de distrito mas também de acesso do litoral centro à A25 e à saída para Espanha.

2. Discordo, porém, da opinião de Jorge Coelho sobre a opção pela "requalificação" da perigosa via, pela simples razão de que entendo que ela não é suscetível de grande correção, em virtude defeitos estruturais de desenho, pelo menos no grande troço entre Coimbra e o Dão, em que a estrada primeiro sobre e desce penosamente as íngremes vertentes do contraforte sul da Serra do Buçaco e depois é estrangulada no canyon do Rio Mondego a montante de Penacova.
Em vez de deitar mais dinheiro à rua na vã tentativa de endireitar o que nasceu torto e no intuito oportunista de colher frutos políticos em vésperas de eleições, a solução está em avançar finalmente pela solução da autoestrada entre a A1 e a A25, há muito equacionada, - e que foi inicialmente considerada "prioritária" pelo atual Governo -, aproveitando o troço de auto-estrada já existente entre Santa Comba Dão e Carregal do Sal. Além do mais, teria a vantagem de o investimento se poder recuperar através de portagens, desonerando, portanto, o orçamento do Estado.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Curso de Direito constitucional da União Europeia

Hoje a União Europeia, como poder e sistema político que é, pode e deve ser lida em termos constitucionais (organização e limitação do poder político, separação de poderes, direitos fundamentais, cidadania europeia, etc.).
Daí a importância deste curso breve, de nível pós-graduação, uma iniciativa da Associação de Estudos Europeus da FDUC, sob minha orientação. Preço e inscrições aqui.

Pobre Língua (13): "Bárbaros da gramática"

«Em Portugal, é possível fazer-se um doutoramento e ser professor universitário sem saber as regras básicas da gramática que antigamente se exigia nos exames da quarta classe.»
A propósito da incrível dissertação de mestrado do deputado Feliciano Barreiras Duarte, entretanto candidato a doutoramento, que foi classificada com a nota de 18 valores numa universidade privada (por um júri integrado por dois professores de esquerda!), mas que nem como trabalho de um aluno do primeiro ano merecia tal nota. Uma vergonha!
Algo está podre não somente no ensino superior, como se tem dito, mas também no ensino básico e secundário, que deixou de ensinar a língua, deixando chegar ao ensino superior jovens com graves falhas linguísticas, que há umas décadas davam para reprovar no ensino primário ...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Sistema eleitoral: Porque não admitir "coligações de listas"?

1. Neste interessante artigo sobre o sistema eleitoral, o advogado Pedro Pestana Bastos argumenta que, ao contrário do que sustentam alguns observadores, o PSD e o CDS têm vantagem em ir separados a eleições, e não em coligação, porque há eleitores de ambos os partidos que deixam de votar numa coligação entre ambos, por não quererem votar no outro partido.
Não conheço estudos sobre o comportamento eleitoral dos votantes de direita que fundamentem este argumento, embora este pareça plausível. O mesmo, aliás, se passaria à esquerda, porventura em maior escala, no caso de uma hipotética (embora assaz improvável) coligação do PS com os outros partidos da "Geringonça", ou um deles. Pessoalmente, não tenho dúvidas de que, embora votante constante do PS desde há 30 anos, em todas eleições, não votaria numa coligação eleitoral dessas, e suponho que o mesmo sucederia com muitos outros eleitores dos partidos envolvidos.

2. A Constituição e a lei eleitoral só prevêem as coligações eleitorais mediante listas únicas comuns e com denominação eleitoral própria da coligação. Portanto, uma coligação implica uma delicada negociação sobre a composição e ordenação das listas comuns e sobre o programa eleitoral, bem como uma campanha eleitoral essencialmente comum e, no final, requer que os eleitores de cada partido votem na lista comum da coligação, ou seja, votem também no outro partido.
Mas há outro tipo de coligações menos exigentes e menos integradas, que são as chamadas "coligações de listas", que existem noutros países, por exemplo na Itália (na imagem as forças políticas concorrentes às recentes eleições parlamentares, incluindo as duas coligações de listas à direita e à esquerda). Nessa modalidade, os partidos apresentam-se separadamente, com listas, programas e campanhas próprios, e os eleitores só votam nos partidos coligados, não na coligação em si mesma. No entanto, realizado o ato eleitoral, os votos dos partidos coligados são somados para efeitos de atribuição de mandatos, como se fossem uma única candidatura, sendo depois os deputados ganhos pela coligação repartidos entre os partidos que a compõem, de acordo com os votos de cada um.
A coligação de listas tem, portanto, as vantagens da coligação de partidos, sem as desvantagens desta. Além disso, as coligações de listas permitem agregar facilmente outros pequenos partidos, que mantêm a sua autonomia eleitoral, mas cujos votos contam para o bolo comum, ajudando a eleger deputados.

3. Penso que a principal razão para não se ter considerado ainda esta hipótese de coligação de listas entre nós se deve à natural oposição do PS, que tenderia a considerar que ela só favoreceria a direita, facilitando as coligações entre o CDS e o PSD e porventura outros partidos, pois ao longo de 40 anos sempre esteve fora de questão uma coligação à esquerda.
Mas agora que o acordo governativo de 2015, que sustenta o atual governo minoritário do PS, quebrou o tabu das alianças do PS com os partidos à sua esquerda, talvez seja de concluir que a modalidade da coligação de listas poderia facilitar uma maioria absoluta do PS com, por exemplo, o BE, dado que não exigiria nem listas conjuntas, nem programas eleitorais comuns, nem campanhas coordenadas.
Estou convencido que essa modalidade light de coligações eleitorais traria maior flexibilidade política e mais estabilidade parlamentar e política.

4. Resta, obviamente o problema da admissibilidade constitucional de uma tal reforma eleitoral, uma vez que a CRP só contempla as coligações de partidos, não as coligações de listas. Mas a verdade é que não exclui esta modalidade, podendo argumentar-se que se a Lei fundamental permite o mais também permite o menos.
Em todo o caso, se houvesse agora convergência entre o PS e o PSD nessa alteração, então seria fácil alterar pontualmente a Constituição para permitir explicitamente tal modalidade de coligações eleitorais.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Geringonça (8): PS a caminho da maioria absoluta?

1. Com base na última sondagem eleitoral publicada, a imprensa considera que o PS, com cerca de 41,5 %, está próximo da maiora absoluta.
A interpretação da sondagem pode, porém, parecer exagerada, tendo em conta que a maioria absoluta na AR exige pelo menos 44,5% dos votos, o que quer dizer que ainda faltam 3pp ao PS, o que não é despiciendo. Todavia, as previsões extraordinariamente positivas quanto ao crescimento económico, ao emprego e às contas públicas, bem como o mau estado do principal partido da oposição (o arranque da liderança de Rui Rio no PSD está a ser um desastre), aconselham a não descartar tal possibilidade.
A verificar-se, seria a secunda maioria absoluta do PS em 43 anos de democracia constitucional (depois da de Sócrates em 2005) e a primeira a ser obtida com o PS no Governo. Um feito político de inegável relevo!

2. Estando praticamente assegurada a vitória eleitoral do PS nas eleições parlamentares do próximo ano, dado o fosso que o distancia do PSD, um governo de maioria parlamentar seria, de longe, a melhor solução. Por várias razões.
Primeiro, libertaria o País da oportunista e artificial aliança com a extrema-esquerda parlamentar - que, aliás, dificilmente subsistirá, mesmo na falta de maioria absoluta do PS, dados os crescentes sinais do PCP de querer voltar à sua posição de partido de protesto, antissistema -, sem ter de se cair num improvável, e indesejável, governo de bloco central, nem num governo minoritário, com todas as suas fragilidades.
Segundo, asseguraria uma sólida estabilidade e previsibilidade política, e permitiria ao PS levar a cabo o seu próprio programa eleitoral - sacrificado em parte importante pela Geringonça -, abrindo também caminho a reformas há muito adiadas, que carecem de maioria de 2/3, em acordos pontuais com o PSD, como a reforma do sistema eleitoral.
Por último, poria um travão ao hiperativismo presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa e às suas tentações de ingerência na esfera governativa, restabelecendo a normalidade de funcionamento do sistema político-constitucional, em que incumbe ao Governo governar, respondendo politicamente perante a AR e nas eleições parlamentares perante o País, e em que cabe ao PR exercer, com o conveniente distanciamento, a sua função de supervisão do "regular funcionamento das instituições" (como estatui a Constituição), e não a de "chairman" do executivo.

domingo, 18 de março de 2018

Aldrabices políticas

1. Acusado de ter indicado uma residência fictícia no Bombarral, quando mora efetivamente em Lisboa, a fim de receber um subsídio de deslocação da Assembleia da República, o Deputado Feliciano Barreiras Duarte, sem desmentir a sua residência na capital, veio, porém, argumentar que tem a sua "morada fiscal" naquela vila do Oeste e é essa que conta para todos os efeitos.
Há aqui dois sofismas:
- primeiro, é óbvio que ele só escolheu essa residência fiscal, pelos vistos sem correspondência com a sua residência real (pois nem sequer tem casa no Bombarral), para poder receber indevidamente o tal subsídio;
- segundo, a morada fiscal não é de livre escolha, sendo necessariamente a da residência efetiva, que é a que deve constar do cartão de cidadão, sendo a única que conta para todos os efeitos legais, incluindo para efeitos fiscais e eleitorais (recenseamento eleitoral).

2. É certo que o referido deputado pode ter razão quando insinua que não é o único a indicar uma morada fictícia fora de Lisboa, para obter as mesmas vantagens financeiras. Não se sabe, porém, qual é a dimensão do abuso, sendo mais provável nos chamados deputados "paraquedistas", que residindo em Lisboa, onde votam, são eleitos por outros círculos eleitorais (como é o caso).
Nem sequer existe, como devia, informação pública sobre a residência indicada pelos deputados na AR, informação que poderia contribuir para reduzir os abusos quanto a esse aspeto. É evidente que nestas matérias a transparência e a exposição pública dificultam as aldrabices e contribuem para evitar ou atenuar casos como este, que só descredibilizam a vida política e parlamentar e alimentam o populismo contra a "classe política".
Eis um ponto à atenção do grupo de trabalho parlamentar para a transparência na vida política, que, de resto, tarda em ultimar as suas propostas, quando se caminha para o fim da atual legislatura.

sábado, 17 de março de 2018

+ Europa (8): A Europa ausente

 
«China’s world-class tech giants, Alibaba and Tencent, have market values of around $500bn, rivalling Facebook’s. China has the largest online-payments market. Its equipment is being exported across the world. It has the fastest supercomputer. It is building the world’s most lavish quantum-computing research centre. Its forthcoming satellite-navigation system will compete with America’s GPS by 2020.»
1. Esta passagem do editorial da edição do The Economist desta semana, sobre "A batalha pela supremacia digital", resume em alguns exemplos a impressionante ascensão tecnológica da China, desafiando a tradicional liderança dos Estados Unidos nesta frente decisiva nos dias de hoje, quer em termos económicos, quer em termos de defesa.

2. Lamentavelmente, como mostra a ilustração acima, os protagonistas desta batalha são os Estados Unidos e a China, continuando a Europa à margem dela. Nunca tendo acompanhado os Estados Unidos na revolução digital, a Europa está em vias de se deixar ultrapassar também pela China. 
Fazendo parte, junto com os Estados Unidos e com a China, da troika de grandes potências económicas e comerciais da atualidade, a União Europeia dificilmente pode manter-se nesse campeonato, se continuar de fora da revolução digital em curso.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Lisbon first (7): Remunicipalização do metropolitano, já!

1. É bom ver o presidente da CM de Lisboa incumbir-se de anunciar publicamente as suas prioridades na expansão do metropolitano de Lisboa, pois é evidente que se trata de um assunto que interessa antes de mais a Lisboa.
Há um pequeno problema, porém: é que o metro de Lisboa não pertence ao município, mas sim ao Estado, cabendo as decisões sobre os investimentos anunciados ao Governo, pelo que no caso Fernando Medina só pode falar em nome e por delegação do Ministro responsável (que no atual Governo é o Ministro da Ambiente). É assim desde 1975, quando, na voragem das nacionalizações, o Estado resolveu estatizar os transportes públicos municipais de Lisboa e do Porto, entre os quais o metropolitano da capital, que nunca mais reclamou a sua remunicipalização, embora, de vez em quando, tal como agora, pareça avocar a responsabilidade pelas suas opções estratégicas.
Até agora, mais do que a titularidade e a gestão municipal, tem prevalecido nos paços do município de Lisboa o conforto de manter o Estado e os contribuintes de todo o País como responsáveis pelo financiamento do metro, libertando o município dos correspondentes encargos.

2. Há décadas que defendo que a responsabilidade pelo metropolitano, como transporte urbano que é,  deve caber aos respetivos municípios ou comunidades intermunicipais interessadas, não somente por efeito do princípio da subsidiariedade na repartição de atribuições entre o Estado e as coletividades territoriais infraestaduais, que tem guarida constitucional, mas também por uma questão de equidade financeira na repartição territorial dos encargos públicos, não havendo nenhuma razão para que sejam os contribuintes de todo o país (onde todas as regiões são mais pobres do que Lisboa) a financiar o investimentos dos serviços de transportes locais de Lisboa.
Ora, quando está na agenda política o avanço na descentralização territorial, através da municipalização de serviços e de responsabilidades que pertencem indevidamente ao Estado, é a altura apropriada para devolver o metropolitano de Lisboa à esfera municipal - tal como, aliás, já se fez para a Carris -, libertando finalmente o orçamento do Estado de um encargo que não tem de pertencer-lhe e pondo fim a um iníquo privilégio de Lisboa.

Adenda
Um leitor comenta, com espírito, que "afinal, o Estado Novo, autoritário e centralista, era mais descentralizador do que a democrática e supostamente descentralizadora República de 1976"! À luz deste exemplo, tem razão. Shame on us!

quarta-feira, 14 de março de 2018

Portucaliptal (28): Podemos trocar de País?

Como se colhe neste vídeo e nesta notícia, o novo governo trabalhista da Nova Zelândia anunciou um ambicioso plano de reforço de produção de energia renovável (objetivo 100% em 2035) e de plantação de 100 milhões de árvores POR ANO (e não são eucaliptos, apesar da proximidade da Austrália!), a fim de conseguir um saldo zero na produção de CO2 em 2050. Que exemplo!
Em Portugal, apesar de termos um governo da mesma família política, quem mais ordena na política florestal é a eucaliptização geral acelerada do Pais para fins industriais, tendo o Estado deixado plantar milhões de novos eucaliptos nos últimos anos para degradarem ainda mais a paisagem e os solos, para alimentarem os devastadores fogos florestais e para servirem de matéria-prima à indústria de celulose, que é campeã na poluição dos rios (o Tejo que o diga!) e da atmosfera.
Nos antípodas do planeta a floresta está ao serviço da melhoria do ambiente e do clima; deste lado, está ao serviço dos lucros e das rendas da fileira agro-industrial da celulose. Podemos trocar de País?

A barbárie tauromáquica (5): Uma vitória!

Este "não" maciço dos estudantes de Coimbra à "garraiada" na Queima das Fitas, tradicionalmente realizada na Praça de Touros da Figueira da Foz, constitui uma importante vitória na luta contra a barbárie tauromáquica, tanto mais que esta manifestação taurina nem era das mais cruéis.
Passo a passo vai-se fazendo caminho neste combate civilizacional, apesar da vergonhosa cobertura política e mediática de que as touradas gozam entre nós (incluindo na RTP), a pretexto da "tradição" e da "cultura popular" (sic!), como sempre defendeu a direita tradicionalista.

Adenda
Um leitor observa que está na altura de um referendo nacional sobre as touradas em Portugal, que a seu ver também daria numa clara rejeição das mesmas. Ora, embora os estudantes de Coimbra possam não ser uma amostra fiel do país nesta matéria, convirjo na convicção de que as touradas seriam chumbadas num referendo nacional. E apesar de não ser um fã de referendos (pelo contrário!), admito que, perante a cobardia dos partidos políticos em enfrentar o poderoso lobby das touradas - que vai desde os criadores de gado bravo até aos toureiros, passando pelos empresários do degradante espetáculo e demais interesses que rodam à volta dele -, pode vir a concluir-se que a única maneira de pôr fim à barbárie é mesmo com recurso a um referendo.

domingo, 11 de março de 2018

A minha nova coluna de opinião

1. Eis a primeira contribuição para a minha nova coluna de opinião no Dinheiro Vivo, suplemento de economia comum do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, dois grandes títulos da imprensa diária portuguesa, um de Lisboa, outro do Porto.
Não é uma atividade desconhecida para mim: nas últimas três décadas tive colaboração regular no Expresso, no Diário de Noticias, no Público e no Diário Económico, por períodos mais ou menos longos. Sempre me atraiu intervir por escrito no espaço público, bem mais do que participar na atividade política, onde estive sempre a título temporário.
De periodicidade quinzenal, esta nova coluna no DV vai incidir essencialmente sobre temas de regulação económica, de governo económico da União Europeia e de comércio internacional, temas que há muito me ocupam na investigação e no ensino universitário e que se inserem no âmbito temático do suplemento.

2. Este primeiro artigo - que se encontra online aqui - revisita um tema já antes abordado aqui no blogue, sobre a ilegitimidade e injustiça tributária da chamada "taxa turística" - que afinal não é uma coisa nem outra! -, já criada por municípios como Lisboa e Porto e já anunciada pelos municípios algarvios
Trata-se, não por acaso, dos municípios de maior procura turística, desde logo porque dispõem de aeroporto internacional, e que assim procuram navegar a onda turística que atualmente invade o país e tirar partido local do investimento público nacional nessa área.

3. Sem me opor naturalmente a uma tributação adicional sobre a hotelaria - que beneficia de uma reduzidíssima taxa de IVA de apenas 6%, vá-se lá saber porquê -, entendo, porém, que ela só pode ser estabelecida pela AR e deve respeitar os princípios materiais da "constituição fiscal" da CRP, incluindo a equidade fiscal.

Era o que faltava!

Na apaixonada controvérsia (muito política e pouco académica) suscitada pela contratação do ex-primeiro ministro Passos Coelho para lecionar numa das escolas da Universidade de Lisboa como "professor convidado" - o que tem pleno cabimento legal -, alguém publicou no twitter a seguinte afirmação:
«Se a maioria dos alunos do ISCSP decidir que não quer Passos como professor, a direcção do Instituto só tem de acatar a decisão.»
E eu que julgava que os professores são recrutados pelos órgãos estatuários competentes das universidades, e não por via de referendo dos alunos. Pelos vistos, há quem proponha o regresso à autogestão estudantil de maio de 1968, há 50 anos. Mas os estudantes são utentes, não os donos, das universidades!
Para privilégio estudantil já basta beneficiarem de um serviço público que em grande parte não pagam e participarem no governo das suas instituições...

Adenda
Julgo que numa escola superior de ciências políticas e de políticas públicas faz todo o sentido ter o contributo do "saber de experiência feito" de decisores políticos qualificados, como um ex-chefe do Governo e ex-líder partidário, tal como pode ser importante a experiência de empresários ou de gestores qualificados em escolas de economia ou de gestão, por exemplo. É para isso que serve a figura de professor convidado, que dispensa justamente as qualificações e o currículo académico. É certo que se pode dizer que a lei exige a um professor catedrático tarefas que um convidado externo não está em condições de desempenhar (como as de coordenação académica e científica); mas parece razoável entender que a norma em causa deve ser objeto de uma interpretação restritiva quanto ao seu âmbito, de modo a incluir somente os catedráticos de carreira, excluindo os convidados. Não é esse obviamente o seu papel, pelo que não pode ser esse o entendimento da lei.

Adenda 2
Devo acrescentar que, a meu ver, a participação direta na vida política pode ser vantajosa mesmo para os académicos de carreira. Invocando a minha própria experiência pessoal, não tenho dúvidas em dizer que o meu ensino de direito constitucional, de ciência política e de direito da União Europeia seria sem dúvida mais pobre, se não tivesse sido, como fui, deputado à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu. O saber não se adquire só nas bibliotecas universitárias.