1. Na sua entrevista de ontem à CNN, o candidato presidencial Marques Mendes anunciou que, se for eleito, tenciona prosseguir com a prática da reunião frequente do Conselho de Estado, incluindo o convite a personalidades convidadas, considerando positiva a inovação trazida por Marcelo Rebelo de Sousa nesse ponto.
Comprendo o seu ponto de vista, tanto mais que, como conselheiro de Estado de nomeação presidencial, ele foi "cúmplice" e beneficiário dessa prática. Mas não penso da mesma maneira -, pelo contrário. Várias vezes denunciei o abuso e a instrumentalização política do Conselho de Estado pelo PR cessante (por exemplo, AQUI e AQUI). E por isso incluí tal item no meu "catálogo do bom candidato presidencial" (AQUI).
Como diz a Constituição, o CdE só pode ser convocado para aconselhar o PR no exercício das suas funções, o que, a meu ver, requer duas coisas: (i) que o PR submeta ao Conselho uma questão relativa ao exercício de um dos seus poderes constitucionais, (ii) a fim de obter um parecer do Conselho sobre a mesma.
Tal como os demais órgaos constitucinais, o CdE só pode ser chamado a exercer os poderes previstos na Constituição, e não para outros efeitos.
2. Por isso, o Conselho não deve ser convocado para se pronunciar sobre, ou só para para debater, as políticas públicas setoriais, que são da competência do Governo, sob escrutínio da AR, e não do foro presidencial, pelo que também estão fora dos poderes daquele.
Ao contrário do que tem sucedido, o Conselho não pode ser despromovido a uma mera tertúlia política de senior citizens - que o PR sempre poderá reunir à volta de um discreto repasto -, nem muito menos ser promovido a uma espécie de segunda câmara parlamentar de escrutínio da ação governamental, à margem do seu conceito histórico e da atual Constituição, que claramente optou, desde a origem, por um parlamento unicamaral, representativo das diversas forças políticas, e que, desde 1982, estabelece inequivocamente que o Governo só responde politicamente perante a AR, e não perante o PR, nem direta nem indiretamente.
Não ignoro que não falta quem defenda a criação de um senado, o que se comprende entre os próprios putativos "senadores da República", mas não é essa manifestamente conceção constitucional do CdE, que deve ser precisamente respeitada.
Adenda
Em contrapartida, concordo inteiramente com as declarações de Marques Mendes contra os comentários presidenciais às leis aquando da sua promulgação, prática em que o atual titular do cargo é useiro e vezeiro, e que condenei desde o princípio (
AQUI).
Tendo um poder de veto sobre as leis e sobres alguns atos do Goveno, o PR não é, porém, cotitular do poder legislativo nem do poder governamental.
Adenda 2
Não tem razão o leitor que objeta que, «se o Presidente não puder convocar livremente o Conselho de Estado, este de nada serve». Com efeito, além dos casos de convocação constitucionalmente obrigatória (como a dissolução da AR e dos parlamentos regionais), o Presidente pode sempre convocá-lo para dar parecer sobre o exercício de outros dos seus poderes, como, por exemplo, a declaração do estado de sítio (ou a sua renovação), o veto de leis parlamentares (que, a meu ver, deveria ser obrigatório, pelo menos no caso das "leis orgânicas"), a convocação extraordinária da AR, a nomeação do PGR e do presidente do Tribunal de Contas, a ratificação dos tratados de adesão a organizações internacionais, etc. Não é preciso convocar o Conselho à margem da Constituiação, para dar trabalho aos conselheiros...