A absolvição, por insuficiência de provas, dos acusados de crime de aborto no processo de Aveiro constitui um enorme insucesso para o zelo do Ministério Público neste processo, investindo recursos excepcionais na investigação e na acusação, incluindo muitas escutas telefónicas, selagem de instalações, encerramento de um consultório médico, prisão preventiva de um dos arguidos, submissão das arguidas a exames ginecológicos imediatos à saída dos alegados abortos, etc.. Se o MP ao menos mostrasse o mesmo zelo na investigação, por exemplo, dos crimes de corrupção, que acabam quase sempre na prescrição...
Esta absolvição pode confortar a má consciência dos que querem manter a criminalização do aborto mas dizem não querer a punição das mulheres que a ele recorrem. Simplesmente, há dois factores que a actual situação não resolve. Primeiro, não dispensa a humilhação da acusação, a possível prisão preventiva, o vasculhamento da vida privada, a devassa da imprensa, a submissão a julgamento, as despesas da defesa; segundo, não afasta o risco de se vir a ser efectivamente condenado, contra o qual não existe nenhum seguro. Nem todos os juízes podem ser tão lenientes como os de Aveiro. Antes de Aveiro tinha havido, por exemplo, a Maia.
É por isso que somente a descriminalização é solução. É desde logo mais honesta do que o "status quo", em que o aborto é crime mas todos ficam aliviados por não ser punido...
Vital Moreira