segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

O líder atrás da Espanha

Deixem-me passar, tenho de os seguir, eu sou o líder’
Ledru Rollin (1807-74, advogado e político francês)

Se um dia houver algum conflito de Espanha com outro pais, estaremos ao lado da Espanha’ segundo o ‘Público’, de 13 de Fevereiro, citando o PM Durão Barroso em Madrid, no Forum do ‘Wall Street Journal’, depois de explicar que ‘Portugal se sentiu muito bem nas Lajes porque estava com três aliados: a Espanha, o aliado mais próximo, a Inglaterra, o nosso aliado tradicional e os Estados Unidos, o nosso aliado mais forte’.Lê-se e não se acredita. Será possível que um Primeiro Ministro de Portugal se deixe inebriar pelo ‘glamour’ da audiência, se deixe entusiasmar em desvelo subserviente, se deixe deslumbrar pela sua projecção pessoal e hipoteque assim, de uma penada, a independência do país aos humores belicosos de quem quer que ordene em Espanha?
A propósito, Ana Sá Lopes, no ‘Público’ de ontem, denuncia o ‘aliadismo’ como marca da política externa de Durão Barroso e antecipa que em caso de conflito Madrid-Rabat pelo rochedo de Perejil já sabemos que os nossos homens avançarão sobre Marrocos. Mas como decidirá o Dr. Durão Barroso, se o conflito for entre Madrid e Londres, a pretexto de Gibraltar, por exemplo? Com quem alinharemos, segundo a doutrina duro-barrosista, com o mais próximo ou com o mais tradicional aliado?
Seria para rir, se não fosse tremendamente sério e não desse vontade de chorar a quem trabalhou para projectar no estrangeiro a imagem de um Portugal digno, democrático e respeitador da legalidade internacional.
Princípios, valores, interesse nacional, direito, razões, história, diferenciação estratégica – tudo Durão Barroso manda às urtigas, para adular poderosos e ficar num canto da fotografia, mesmo desfocado, no engodo vassalo de reflectir a glória dos senhores que serve. Desespera ainda por pôr pé no rancho texano, embora nem sirva para figurar na lista dos coligados no discurso sobre o Estado da União. Conforta-o que se lembrem dele para abrilhantar comícios do aspirante a sucessor de Aznar.
Com o Iraque ficámos a saber que se os aliados o mandam atirar a um poço, Durão Barroso obedece. Mas em Espanha, excedeu-se: proclamou que, se e quando o abismo chegar, ele já estará, de dorso dobrado, prontinho, em postura para mergulhar. Deu-lhe para emular Miguel de Vasconcelos? Cuidado que na tumba o Dr. Salazar se revira! E justamente.
A patologia vem nos livros: sede de reconhecimento social, combinada com o fervor do convertido. Já assim era quando rapaz, no MRPP, encabeçava manifestações da ‘linha vermelha’ contra a ‘linha negra’ esquecida de celebrar o aniversário de José Estaline, como há dias foi recordado. Mas há trinta anos a exaltação era inconsequente. Para Durão Barroso e para o país. Agora, porém, não se precipita apenas ele, precipita o país.
Portugal não nasceu ontem, nem vai afundar-se amanhã, por muito que o prognostiquem uns serôdios impotentes a quem deu agora para se angustiar com a inevitabilidade da Ibéria. Portugal tem tolos, parolos, novos-ricos e vendidos para dar e revender, mas não lhe falta também identidade, dignidade, discernimento e memória. Não está dominado pelos complexos e reflexos de inferioridade do Dr. Barroso. Portugal já percebeu que o Primeiro Ministro arenga contra directórios para disfarçar a submissão aos seus «diktats», venham de onde vierem - traçado TGV, acordo PAC, devassas da nossa zona económica exclusiva, «Prestiges», PECs, Lajes, aí estão para o provar.
Portugal vive e convive com Espanha e gosta das Espanhas, ali ao lado. Não teme Madrid, diligencia em conjunto em Bruxelas e onde convier, mas se for preciso também resiste a quem se arme em mandão em Leão ou Castela, não engole tudo o que asneiem Aznares ou Filipes. Portugal percebe que tem de trabalhar em Espanha e com Espanha. Precisa de um governo e de um Primeiro-Ministro que promovam sinergias com Madrid e as Autonomias, mas batam o pé sempre que necessário, para recusar transvases ou barragens que nos sequem rios, centrais nucleares que nos tramem e arrastões que nos devastem pesqueiros. Que combatam entraves às nossas empresas para competir lá, como as espanholas fazem por cá. Portugal precisa de empresários dignos desse nome que insistam e invistam no mercado vizinho, em vez de rifar empresas aos ‘nuestros hermanos’, sob a benção do Dr. Barroso e ‘sus muchachos’ sequiosos de lugares na administração da banca espanhola.
Durão Barroso não governa Portugal, desgoverna. Não mostra sentido de Estado, faz sentir o estado em que pôs o país. Durão Barroso embaraça Portugal. Os portugueses tratarão de se desembaraçar dele.

Ana Gomes