domingo, 23 de janeiro de 2022

Eleições parlamentares 2022 (14): E agora?

1. A confirmarem-se nas urnas daqui a uma semana os resultados eleitorais previstos em sondagens dos últimos dias, tratar-se-ia da mais inesperada derrota eleitoral de um Governo em funções e na mais surpreendente vitória eleitoral da oposição, desde a instauração do regime democrático em 1976. 

Com efeito, nunca um Governo perdeu eleições com a economia numa fase de crescimento robusta, sem paralelo há décadas, e com a taxa de desemprego a descer consistentemente, com o rendimento pessoal a crescer e uma inflação baixa, apesar da sua subida no resto da União, e com o "balanço social" favorável (pensões, prestações sociais, etc.) de que se pode ufanar. Se a isto somarmos o controlo da pandemia e a extraordinária margem de crescimento aberta pelo PRR, com os generosos fundos da UE, pode dizer-se, sem exagero, que Portugal não tem perspetivas tão favoráveis desde os anos imediatamente posteriores à entrada na então CEE, nos anos 80 do século passado

Como explicar então o improvável desenlace que agora se apresenta como possível e que aparentemente tem a ver sobretudo com a opção dos muitos eleitores inicialmente indecisos em desfavor do PS, desde o início dos debates eleitorais?

2. Estas situações não têm uma explicação única, mas penso que a principal tem a ver com uma inconvincente estratégia eleitoral do PS. Decidido a afastar a repetição de uma aliança à esquerda - por causa da "traição" na rejeição do orçamento, que desencadeou a crise política, e da crescente rejeição dessa solução no eleitorado centrista -, mas incapaz de assumir a opção de um entendimento político pós-eleitoral com o PSD em caso de vitória com maioria relativa - por oposição da ala esquerda do partido -, a liderança do PS optou pela "fuga para a frente" da aposta de cabeça numa improvável maioria absoluta.

Em contraste com a abertura de Rui Rio a um apoio negociado do PSD a um governo minoritário do PS, em troca de um compromisso recíproco dos socialistas, o PS optou incompreensivelmente por não encarar qualquer outra solução - salvo a de governo minoritário à vista, "à Guterres", solução claramente imprestável nas atuais circunstâncias -, preferindo refugiar-se num isolacionismo que contradiz o investimento inicial na estabilidade política e que afugenta muitos eleitores favoráveis a soluções negociadas ao centro, mesmo quando opostos a um governo de "bloco central".

3. Agora que a inconsequência da estratégia adotada parece estar à vista e que a miragem da maioria absoluta deve dar-se por devidamente enterrada, António Costa ainda está a tempo de infletir caminho, de resistir às "viúvas da Geringonça" internas e à chantagem da esquerda radical contra uma suposta "deriva à direita" do PS, tornando conhecido o seu "plano B", no caso de vencer as eleiçoes com maioria relativa, como aqui aventei há um mês

Coragem política, clareza na mensagem e respeito pelos eleitores precisam-se!

Adenda
Um leitor adiciona mais três fatores: a) a "novidade" da alternativa PSD, memo se em grande parte indefinida, contra o "já conhecido" da alternativa PS, como mostrou a exibição do orçamento rejeitado; b) a  a insistência do PS em atacar Rio por tudo e por nada, em vez de se dedicar a provar que a proposta política socialista é melhor; c) a linguagem mais terra-a-terra de Rio, em vez do discurso mais hermético de Costa para a eleitor comum. Tendo a concordar, mas não dispomos de dados que permitam aferir o peso de cada um destes fatores na equação.