quarta-feira, 18 de maio de 2022

Praça da República (68): Irracionalidade política

1. O litígio entre a maioria da Câmara Municipal de Lisboa e o presidente da mesma, Carlos Moedas, a propósito da decisão de reduzir a velocidade automóvel em Lisboa em 10km e proibir o trânsito automóvel na Avª da Liberdade aos domingos e feriados, que o segundo se recusa a implementar (!), mostra a irracionalidade do sistema de governo autárquico em vigor entre nós.

Não faz sentido um sistema de governo em que um órgão colegial executivo é diretamente eleito segundo uma regra de proporcionalidade, sendo presidente automaticamente o primeiro candidato da lista mais votada, o que permite que, como sucede em Lisboa e noutros municípios, o presidente seja confrontado com uma maioria das oposições, com a possibilidade de choques como o que agora se regista em Lisboa, vendo-se o presidente obrigado a executar decisões a que se opõe.

Sucede que este sistema de governo municipal - que diverge do sistema de governo das freguesias -deixou de ser obrigatório desde a revisão constitucional de 1997, mas o PS e o PS não cuidaram de o substituir por outro politicamente mais coerente e sensato.

2. A alternativa mais evidente seria o atual sistema de governo das freguesias: a câmara municipal deixaria de ser diretamente eleita, o presidente seria o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia municipal e os vereadores seriam eleitos pela assembleia, sob proposta do presidente.

No caso de o partido vencedor não ter maioria absoluta na assembleia municipal, o presidente teria de buscar uma coligação de governo capaz de lhe garantir a constituição da CM. Não sendo capaz disso dentro de certo prazo, haveria novas eleições.

Em qualquer caso, deixaria de se verificar a possibilidade de o presidente semidiretamente eleito ser vencido na própria CM por uma coligação das oposições, como se verifica agora em Lisboa.

3. Esta solução permitiria recuperar a responsabilidade política da câmara municipal perante a assembleia municipal, como se impõe, que hoje não existe, apesar de estatuída pela Constituição, dada a legitimidade eleitoral direta da CM. Assim, em caso de moção de censura, a CM cairia e o presidente seria obrigado a apresentar uma nova equipa à aprovação da AM, sob pena de novas eleições, caso o não consiga.

Por conseguinte, este novo sistema, embora mantendo a ideia da "personalização" da eleição do presidente da CM, pois os eleitores, ao votarem para a AM, votariam também para a presidência da CM - o que excluiria governos contra o partido vencedor -, adotaria, porém, a lógica parlamentar do sistema de governo a nível nacional e das regiões autónomas, em que o poder executivo é responsável perante a assembleia representativa, assim terminando o exótico e irracional sistema de governo municipal que perdura desde 1976.